segunda-feira, 16 de julho de 2018

Valor Econômico – Uma nova batalha no Vietnã

Por Daniela Chiaretti | De Da Nang (Vietnã)
GreenViet Biodiversity Conservation Center

Resultado de imagen para "douc-de-canelas-vermelhas" imagemÉ o primeiro aviso que a recepcionista dá aos recém-chegados, depois do lembrete de que se trata de quarto para não fumantes: "Proibido comer durian, e a multa para infratores é de US$ 50!". Tudo certo, mesmo se não se entendeu nada do que dizia a moça tão exclamativa. Certamente culpa do inglês com sotaque asiático. Mas, na escrivaninha do apartamento, o adesivo vermelho desenha a fruta aos ignorantes - durian parece um parente da jaca, só que bem menor e de casca mais espinhuda. É muito apreciada no leste asiático. Aparece em toda barraca do calçadão da orla, a avenida Võ Nguyên Giáp, que leva o nome do mítico general que derrotou primeiro os franceses, em 1954, e depois os Estados Unidos no que aqui é conhecida como "a guerra americana". Bem-vindos ao Vietnã.

Mais especificamente a Da Nang, a quarta cidade vietnamita, porto e universidades importantes, bem no meio do mapa deste país comprido. Situada na boca do rio Han, é citação obrigatória em todo filme sobre a guerra - foi a grande base aérea americana durante o conflito. Dizem que registrava uma média de 2.600 operações diárias, mais do que qualquer outro aeroporto do mundo naqueles anos.

Agora o frenesi acontece nas ruas, com milhares de scooters circulando por todo canto e compondo um trânsito maluco. Os vietnamitas são muito gentis, mas se transformam sobre duas rodas. As motonetas carregam todos - velhos, mulheres, cachorros, crianças, gente com capa de chuva, moças de máscara hospitalar para se proteger da poluição, velhinhos vestindo calças largas de linho, pai, mãe e duas crianças dividindo o mesmo assento da motoca. Ali eles levam de tudo. Podem ser coroas de flores de defuntos ou cômodas, montão de durians ou caranguejos de patas gigantes com as pinças bem atadas. A regra é ninguém parar no farol. Atravessar a rua é uma aventura.

Em julho faz muito calor. Talvez por isso às 5h30 da manhã já tem muita gente na linda praia de My Khe, com seus coqueiros altos e areia branca. Não há conchas visíveis, ou melhor, são pequeninas. O povo faz aula de zumba, caminha e tira selfies perto dos barcos redondos dos pescadores. Os "thung chai" são uma das peculiaridades que tiram Da Nang do insosso circuito de lugares globalizados. Seu formato é curioso e a textura, também. Criados à época em que o país era colônia francesa, são feitos de palha e trançados como cestos. A ideia era precisamente essa, confundir, surpreender. Os franceses começaram a taxar donos de barcos, e os pescadores que não podiam arcar com a despesa teceram a novidade. Se alguém perguntasse diziam que eram cestos. Barcos? Não, não, cestos. Lindos de se ver na água e no retorno à praia, carregados de peixes e frutos do mar. Até os barcos salva-vidas em My Khe são assim, pequenos, simpáticos e redondos.

Barcos de pesca tradicionais repousam aos milhares à tardezinha, nos 25 Km que separam o centro de Da Nang da cidade antiga de Hoi An. No trajeto vão surgindo os verdes campos de arroz. Não é difícil ver mulheres trabalhando ali, escondidas sob os famosos chapéus cônicos feitos de palha ou bambu e que as protegem das chuvas e do Sol.

Espiar a cidade antiga de Hoi An é imprescindível. O casario bem preservado do Patrimônio da Humanidade da Unesco tem tons amarelados. Perder-se pelas ruelas, cruzar os pequenos canais, caminhar pelas pontes é mergulhar em um universo de bicicletas e muitas, muitas, muitas lanternas de papel, de todas as cores e formatos que contaminam com alegria instantânea. As lojas oferecem cortes de seda, os restaurantes têm gastronomia deliciosa para quem gosta de peixe, frutos do mar e coco. Os pratos custam milhares de dong, uns poucos dólares quando convertidos.

Turistas chegam aos bandos, a maioria dos países vizinhos, mas há muitos vietnamitas. São mais de 20 milhões por ano. O saldo ruim é que eles deixam, estima-se, 27 mil toneladas de lixo neste pequeno mix de influências japonesa, francesa e chinesa. Um projeto apoiado pelo fundo ambiental global conhecido por GEF ajuda na reciclagem da montanha de resíduos e tornou-se fonte de receita para muitas mulheres.

Na volta à Da Nang, a apenas 20 minutos do centro, vive uma preciosidade. Basta subir uma colina, entrar na reserva de Son Tra, fazer silêncio e esperar. Logo surge um movimento nas árvores. Nessa península mora a maior população de macacos "red-shanked douc" do mundo. O "douc-de-canelas-vermelhas" é um primata caleidoscópico. Tem as pernas vermelhas e as coxas pretas, longas caudas brancas e o olhar muito doce. No rosto, contornado por uma barba suave, diria-se que exagerou no pancake laranja. O pelo acinzentado na cabeça arranja-se como uma boina. É animal impressionante, incrivelmente bonito.

Conhecidos também por "macacos fantasiados", os canelas-vermelhas podem ser encontrados no Camboja e Laos, mas é aqui onde estão mais concentrados. Um estudo recente patrocinado pelo fundo de conservação da Disney calculou que existe nesta reserva uma população de 1.330 indivíduos distribuídos em famílias com cinco a sete animais, invariavelmente lideradas por um macho barrigudo. São ameaçadíssimos de extinção, diz Hieu Nguyen, porta-voz da GreenViet, a ONG local que procura conscientizar a população do encanto que é esse bicho único no mundo. Eles sobreviveram ao napalm, mas agora correm risco com a caça e captura ilegais, o rápido desenvolvimento do turismo e a pressão dos resorts sobre seu habitat. É emocionante vê-los sobre os galhos, retribuindo olhares curiosos.

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A jornalista viajou ao Vietnã a convite de Internews Earth Journalism Network

Reflexões de uma noite sem luz na cidade

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Por Amelia Gonzalez, G1

09/07/2018 21h37  Atualizado 09/07/2018 21h37

Escrevo sem saber se este texto chegará a vocês porque estou sem internet.
Bem, na verdade, estou sem luz por conta de uma derrapada solene em minha organização administrativa de vida. 

Em outras palavras: tirei todos os débitos em conta do banco e decidi fazer "como antigamente".
As contas chegavam pelo Correios, guardava em locais específicos e, no dia certo, ia ao banco pagá-las.

Certo?
Em vez disso, optamos pela comodidade da tecnologia, apostamos em memória virtual e... bem... Vocês já perceberam, né?

Eu me esqueci de pagar uma conta de R$ 77 e a Light cortou minha luz porque tinha avisado, eu não li aquele aviso que vem no canto direito da conta... enfim.

Fiquei sem luz.
Já paguei, mandei o protocolo, pedi ajuda, fiz tudo direitinho.

E agora estou aqui, com o meu computador de mão, que nesta hora só serve mesmo como uma velha e boa máquina de escrever, a lamentar minha falta de bom senso organizacional.

Mas, quem me acompanha aqui neste espaço, sabe que não sou de jogar fora oportunidades de pensar, de refletir sobre as coisas.

Foi assim quando fucei aqui nos meus guardados, ainda à luz do dia, para encontrar a lanterna que me ajudaria a atravessar com um pouco mais de conforto a falta de luz à noite.

Encontrei uma, relativamente potente, que tinha comprado no Amapá, três anos atrás, quando fiz minha última viagem ao Arquipélago do Bailique para fazer reportagem sobre o processo de implantação do Protocolo Comunitário local.

Lanterna, no Bailique, é praticamente gênero de primeira necessidade.

Porque naquele pedaço do Brasil – país que já esteve entre as dez primeiras economias do mundo – em pleno século XXI, a eletricidade ainda é algo a se conquistar, é intermitente. As pessoas ficam dias seguidos sem luz, e para viver com tamanha privação precisam não só de lanternas potentes, mas também de uma estratégia especial voltada para esta falta.

Entram em cena os caríssimos geradores de luz, para alguns impossível de se conseguir. Quem tem, consegue manter o peixe na geladeira, as carnes de caça idem. Quem não tem, pede ajuda. Ou, simplesmente, vive com o que tem para comer sem precisar da comodidade do gelo. Mais ou menos como no século XIX? Talvez.

Nem de longe é parecido com o momento que estou vivendo agora, confortavelmente instalada na minha poltrona, preocupada apenas com algumas refeições congeladas que costumo comprar para a semana.

Mas gostei de me lembrar da cena em que, chegando de Macapá no barco que faz a linha até o Bailique, depois de dez horas de viagem, tivemos que nos guiar com as lanternas até nosso pouso. Isto incluiu uma caminhada sobre palafitas, coisa que eu e meus companheiros de viagem não estávamos acostumados a fazer. Somos seres de asfalto. No máximo, de paralelepípedos.

Mas, rapidamente, me acostumei. E o grupo que chegara comigo, composto de representantes de ONGs e de instituições governamentais, todos também usuários de internet, elevadores e condomínios onde não se aprende a viver fazendo contato real com tudo o que nos cerca, se viu, de repente, forçado a olhar... para o céu.

Pouco havia para se fazer a não ser conversar, trocar impressões sobre aquela incrível viagem.
As estrelas pareciam nos buscar e querer entrar na conversa.

Estávamos alimentados, havia alguma cerveja (quente), e nada mais. Excitados com a viagem, desconhecendo o local onde aportáramos, é de se imaginar que seria difícil dormir.

As redes foram sendo instaladas com apoio das pessoas que moram ali e que têm, por isso, uma tremenda naturalidade para lidar com aquilo que, para nós citadinos, era uma enorme privação.
No fim das contas, acabamos muito mais próximos uns dos outros do que se estivéssemos num auditório confortável de um hotel confortável, aclimatados, com luzes a nos fazer uma arredoma.
Não foi uma noite tranquila, estive atenta a ruídos estranhos, como era de se prever.

Aprendemos ali, com base naquela incrível vivência, sobre o quanto nos distanciamos de um jeito natural de viver.

E durante a conversa acompanhada pelas estrelas refletimos, ainda me lembro, sobre a verdadeira potência do humano.

Quem é mais potente? Aquele que se habitua a se movimentar sobre quatro rodas, que não se distancia do dispositivo eletrônico, que depende quase visceralmente da energia elétrica e dos confortos que este way olf life proporciona? Aquele que sabe se virar no escuro em plena Amazônia e cria, a todo momento, por pura necessidade, formas variáveis e singulares de vida?

Na sequência deste pensamento, consigo arranjar uma deriva que me leva a reflexões sobre o consumo, sobre o papel das cidades, sobre o desenvolvimento, verdadeiramente, sustentável.
Não há espaço, nesta reflexão, para polarização. Portanto, paro por aqui.

Ninguém é mais ou menos, apenas um.

Mas a proposta é liberar a possibilidade de sermos múltiplos, de abandonarmos a escravidão deste ou daquele jeito de viver.

Compartilho com vocês este momento solitário e silencioso. O som ao redor não se compara ao da Amazônia noturna. Mas a memória me levou lá.

Relatório aponta distância de o Brasil atingir o desenvolvimento sustentável



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Por Amelia Gonzalez, G1/07/2018 21h18  Atualizado 13/07/2018 21h19
(Foto: Amelia Gonzalez)

"Os abismos sociais entre ricos e pobres se aprofundam, consolida-se a exclusão histórica baseada em raças, etnias, identidade de gênero e orientação sexual; continuam os ataques às Unidades de Conservação, à legislação ambiental. Os índices brasileiros de violência e desigualdades seguem entre os maiores do mundo e os problemas intensificam-se à medida que as lideranças políticas progressistas não conseguem produzir convergências, a sociedade civil é alimentada por fake news e o desmonte dos principais mecanismos de proteção social e ambiental, conquistados ao longo de décadas, avança".

O cenário descrito acima é brasileiro. E quem dá o alerta é o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil (GTSC) para Agenda 2030, no Relatório Luz 2018, que acaba de ser divulgado. O GTSC tem cerca de 40 membros de diferentes setores e foi formatado logo depois de a Agenda de Desenvolvimento ter sido oficialmente adotada pelos Chefes de Estado e de Governo do mundo todo na "Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável 2015", que aconteceu na sede da ONU, em Nova York.

A Agenda substituiu os Objetivos do Milênio, metas que deveriam ter sido alcançadas em 2015, mas não foram. A Agenda acrescentou alguns desafios aos líderes das nações. O Brasil, porém, segundo o estudo, trilha um caminho, nos últimos três anos, absolutamente incoerente com aquele caminho proposto pela Agenda assinada em Nova York.

A primeira análise que o Grupo de Trabalho se propôs a fazer foi com relação à erradicação da pobreza, uma das metas apresentadas na Agenda assinada pelos países, entre eles o Brasil, é bom que se diga.

"Uma das ações mais opostas à Agenda 2030 promovida pelo atual governo (de Michel Temer) foi a aprovação, em dezembro de 2016, da Emenda Constitucional 95, que limitou o aumento dos gastos públicos à variação da inflação por vinte anos, seguida por uma série de outras propostas ao Congresso Nacional, algumas já aprovadas, como a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) a mais danosa aos interesses e direitos dos e das trabalhadoras pois, entre outras coisas, rebaixa a capacidade de negociação dos sindicatos e fragiliza o Trabalho diante do Capital, num contexto de crise e ameaça de desemprego", diz o relatório.

De 2012 até o ano passado, a taxa de desemprego nunca esteve tão alta (12,7% em 2017), o que contribuiu para um acelerado crescimento da pobreza e da extrema pobreza nos dois últimos anos. Em relação à extrema pobreza, o país volta aos números de 2005, segundo o relatório. E, em relação à pobreza, aos de 2009.

"A pesquisa mostrou ainda que os 10% mais bem remunerados detinham 43,3% da massa de rendimentos, enquanto os 10% de menor renda ficaram com apenas 0,7% desta. O 1% mais rico teve rendimento 36,1 vezes maior do que o rendimento médio da metade de baixo da pirâmide social", contam os pesquisadores.

Indo mais fundo nas origens da pobreza, os estudos deram forma às preocupações que vêm sendo motivo de recorrentes debates entre ambientalistas que defende a causa do desenvolvimento sustentável:

"A pobreza também se acentua a partir do modelo econômico, ancorado – entre outras monoculturas primárias –, no extrativismo mineral, que cresce de forma acelerada, incentivada e desorganizada em determinadas regiões, gerando graves impactos socioeconômicos, com forte aumento da desigualdade e gerando um crescimento econômico que concentra a renda", diz o estudo.

Regiões que vivenciam o boom nos preços das commodities são exemplo claro do impacto causado pelas atividades de mineração. Em geral, as empresas levam ao local uma expectativa de desenvolvimento que é frustrada. Paralelo à chegada do empreendimento, o que se vê é uma espécie de corrida para ver quem consegue lucrar mais. Há especulação imobiliária, ocupações irregulares são construídas para fazer caber o exército de pessoas que se espera. Com a superpopulação, a região outrora pacata, que seguia seu rumo sem grandes saltos, acaba sendo vítima das mazelas das grandes cidades, sem ter se tornado uma.

A omissão do Estado brasileiro em garantir proteção social aos grupos mais vulneráveis só faz agravar um quadro de privações que se agiganta. Somente em 2019 é que serão disponibilizados os dados necessários para confirmar a advertência feita pelo mesmo Relatório Luz do ano passado: o Brasil vai acabar voltando ao Mapa da Fome, do qual saíra em 2014. O atual governo promoveu um desmonte de políticas que haviam dado certo neste sentido, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a Política Nacional de Assistência Técnica (Pnater), botando o país na contramão da história, segundo afirmam os pesquisadores. E não é difícil presumir que eles dizem a verdade, como demonstram os dados:

"Em 2012, por exemplo, o PAA executou R$ 800 milhões e atendeu 180 mil agricultores. Em 2016 seu contingenciamento reduziu esse total a 75 mil e, em 2017, um novo contingenciamento promoveu um drástico corte, baixando o número de agricultores beneficiados para 25 mil. Em 2018, a perspectiva é praticamente de extinção, com um orçamento de R$ 750 mil".

Para não dizer que a visão é só pessimista, o relatório registra as melhoras que aconteceram nos dados de mortalidade materna, um dos ODS firmados em comum acordo pelos países da ONU. Em 2017 registrou-se 57.560 óbitos, enquanto em 2015 este número foi maior: 63.590. No entanto, ainda são índices altos.

Já que estamos na área da Saúde, vale lembrar outro dado do relatório que põe o país em má situação quanto a atingir os ODS, lembrando que restam ainda 12 anos para chegar lá. Mas é difícil imaginar que um país que destina apenas 7,7% de seu orçamento à saúde – taxa inferior à média mundial e uma das mais baixas das Américas – possa estar realmente preocupado em garantir o bem estar social à sua população.

Um número que também assusta abre o capítulo sobre Educação: no Brasil de hoje, 2,5 milhões de crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos estão fora da escola. Assim mesmo, os investimentos em educação representam 4,9% do PIB, diz o estudo. É preciso investir também na melhoria da infraestrutura escolar, alertam os representantes da ONU. E precisava alertar?
Talvez eu vá cansar o leitor se destrinchar ainda mais o relatório, que mostra o nível de privações a que o atual estado brasileiro anda submetendo cidadãos. Relatórios como este são importante fonte de informação e servem também para que pessoas comuns entendam que políticas públicas para reverter este quadro dependem daqueles que se elege como governante.