quinta-feira, 17 de junho de 2021

O Brasil ainda é coadjuvante na exportação de produtos da Amazônia

 IPAM - AMAZONIA

O Brasil ainda é coadjuvante na exportação de produtos da Amazônia

16.06.2021 • Notícias


Tema discutido no último episódio do Webinário OCAA, potencial de empresas e de comunidades da região em fornecer artigos florestais ainda carece de fiscalização efetiva para impulsionar as saídas do país.

Em um mercado que movimenta mais de 23 bilhões de dólares por ano em exportação de produtos oriundos da floresta amazônica, a participação do Brasil nesse cenário é de apenas 0,01%. O dado foi citado pela pesquisadora de Manejo de Recursos Naturais da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) com foco em Cooperação e Relações Internacionais, Ana Euler, durante o OCAA Webinários, transmitido na última quinta-feira (10/6).

Com moderação da diretora do Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento), Sandra Rios, o episódio Potencial Exportador de produtos florestais da Amazônia, realizado pelo OCAA (Observatório de Comércio e Ambiente na Amazônia), reuniu especialistas para debateram o estudo do professor associado da Universidade de Nova York Salo Coslovsky: Oportunidades para Exportação de Produtos Compatíveis com a Floresta na Amazônia Brasileira.

Coslovsky destacou que o Brasil possui grande potencial  de produção e de exportação de mercadorias  florestais, além de contar com saídas para o mar e com uma vasta extensão territorial. Contudo, a fiscalização sanitária dos produtos enviados à União Europeia e aos Estados Unidos, por exemplo, ainda é precária.

Consenso entre os especialistas presentes no evento, países europeus acabam excluindo o Brasil do posto de principal fornecedor de produtos tropicais devido a um baixo padrão de armazenamento e de envio.  A dificuldade em certificar a qualidade dos insumos leva o mercado brasileiro a representar um papel coadjuvante em um cenário que deveria liderar.

Deficiências na gestão

Euler ressaltou que há um déficit no assessoramento de gestão capaz de ajudar a trilhar um melhor caminho para a exportação de produtos provenientes da Amazônia. “A busca de integração com os mercados da produção amazônica com a de mercados internacionais também passa por uma questão estrutural de inclusão digital”, afirmou a pesquisadora ao reforçar a inclusão dos novos produtores rurais em recursos digitais.

O diretor de sourcing e membro do Conselho de Administração da Frooty Açaí, Carlos Brito, alertou que existe uma carência na fiscalização dos produtos e que a informalidade é algo ainda gritante, tanto no estado do Pará como na Amazônia. “Acredito que temos um dever de casa muito grande”, reforçou.

Segundo o assessor técnico para planejamento e gestão do Projeto Sustentabilidade e Criação de Valor em Cadeias Agrícolas da GIZ (Agência Alemã de Cooperação Internacional), André Machado, há uma deficiência em ações de políticas públicas para auxiliar pequenos produtores na exportação e no melhor manuseio de seus insumos.

“Precisamos entender qual é o modelo de negócio, qual o apoio e a gestão. É necessário auxiliar as instituições de gestão. (…) Mas não só do ponto de vista agrícola ou de produção primária, mas de gestão de pós colheita, de engenharia de alimentos, de agroindustrialização e de comercialização”, explica Machado. “Em uma visão de mais longo prazo, trabalhar na formação profissional na Amazônia talvez seja uma forma de dialogar com os jovens”, complementa.

Os convidados concluíram que deve haver uma parceria entre produtores, gestores, governo e grandes e pequenas empresas, para que o desenvolvimento e a gestão de produção de artigos florestais da Amazônia possam acompanhar o avanço econômico global e, assim, ocupar a posição de destaque.

Sobre o OCAA

Idealizado por quatro organizações da sociedade civil – IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento), iCS (Instituto Clima e Sociedade) e Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) – o OCAA é uma plataforma que reúne informações qualificadas sobre as relações entre comércio internacional e meio ambiente na Amazônia, estimulando o diálogo embasado na ciência e o engajamento de diversos atores da sociedade.

O portal oferece um acervo de publicações, análises e notícias selecionadas, bem como a oportunidade de acompanhar e participar de debates especializados, de modo a contribuir para a prosperidade socioeconômica e ambiental.

Confira aqui todos os episódios da série OCAA Webinários exibidos até o momento.

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Incêndio em área úmida da Amazônia provoca perda de 27% das árvores em ate tres anos.

 

Incêndio em área úmida da Amazônia provoca perda de 27% das árvores em até três anos, aponta estudo

03 de junho de 2021

Luciana Constantino | Agência FAPESP – Mesmo nas regiões mais úmidas da Amazônia, o impacto de incêndios florestais – que só se alastram por essas áreas quando são registradas fortes secas – é significativo e capaz de mudar as características da vegetação ao longo das próximas décadas, embora ainda seja menor do que em outras parcelas do bioma.

Estudo inovador que mediu in loco os efeitos do fogo aponta que a floresta queimada em área úmida perde, em média, 27,3% das árvores, principalmente de pequeno e médio porte, e 12,8% da biomassa (estoque de carbono) até três anos após o incêndio. A mortalidade da vegetação, maior nos primeiros dois anos, abriu espaço, por exemplo, para o desenvolvimento de espécies nativas de bambus herbáceos.

Com uma área de 5 milhões de quilômetros quadrados (km2), a Amazônia Legal abrange 59% do território brasileiro, distribuída por 775 municípios. Representa 67% das florestas tropicais, abrigando um terço das árvores do mundo, e 20% das águas doces.

É também o bioma brasileiro que historicamente mais registra focos de incêndio por ano, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Somente em 2020, foram 103.161 focos de queimadas, o maior registro desde 2017 (com 107.439 notificações no ano). E o terceiro maior na década, ficando atrás de 2015, com 106.438 focos (leia mais em: queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/estatisticas_estados/).

Esses incêndios florestais de 2015, provocados pela seca extrema causada pelo fenômeno climático El Niño, foram o foco de uma pesquisa apoiada pela FAPESP por meio de dois projetos (16/21043-8 e 20/06734-0) e publicada na revista Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences.

Conduzido sob a orientação do chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática (DIOTG) do Inpe, Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão, o estudo detalha os impactos das queimadas na vegetação usando também dados coletados diretamente no campo.

“Estudar como as florestas respondem ao fogo no longo prazo é uma das fronteiras do conhecimento sobre o funcionamento da Amazônia. Este entendimento visa não só melhorar o potencial de modelar o futuro do bioma e sua interação com o clima, como também prover subsídios para que o Brasil possa reportar melhor suas emissões e remoções de carbono dentro do contexto das políticas de redução de emissões por desmatamento e degradação florestal [REDD+], que podem trazer benefícios financeiros para o país”, afirma Aragão à Agência FAPESP.

Os pesquisadores analisaram áreas queimadas e não queimadas imediatamente após os incêndios que atingiram o norte da região entre os rios Purus e Madeira, na Amazônia Central, e fizeram recenseamentos anuais para rastrear os fatores demográficos que determinaram a mudança de biomassa ao longo dos três anos seguintes.

A área está localizada a cerca de 90 km a sudeste de Manaus, no município de Autazes, próximo à rodovia BR-319. Os pesquisadores mediram árvores com diâmetro de 10 centímetros (cm) ou mais e avaliaram como o crescimento do caule e a mortalidade foram influenciados pela intensidade do fogo (representada pela altura da marca queimada na base das árvores) e pelas características morfológicas da vegetação (tamanho e densidade da madeira).

A maior parte da coleta in loco ficou a cargo da doutoranda Aline Pontes-Lopes, do Inpe, e da pesquisadora Camila Silva, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), primeiras autoras do artigo.

“Esses dados de campo são muito valiosos. No trabalho foram coletados múltiplos censos de uma mesma área queimada, que é um tipo de informação rara na Amazônia, ainda mais em floresta úmida. São poucos os lugares em que existem dados de campo sobre a mortalidade das árvores, o crescimento e a avaliação da dinâmica do local. Além disso, o estudo mostra efeitos sobre áreas mais úmidas da floresta, onde não era comum fogo, trazendo novos conhecimentos dessas regiões”, avalia Ricardo Dal’Agnol, coautor do artigo.

Pesquisador na DIOTG-Inpe, Dal’Agnol também recebe apoio da FAPESP e participou de outro trabalho publicado em janeiro que apontou o estresse hídrico, a fertilidade do solo e a degradação vegetal como fatores que influenciam na mortalidade de árvores, abrindo clareiras na floresta amazônica (leia em agencia.fapesp.br/35190/).

Resultados

"Vimos nas áreas queimadas que arvoretas, mudas e arbustos são os primeiros a morrer, abrindo sub-bosque que permitiu caminhar pela floresta e instalar as parcelas de inventário florestal em 2015. Em até dois ou três anos morreram, sobretudo, as árvores pequenas e médias", explica Pontes-Lopes, em entrevista à Agência FAPESP. Esses sub-bosques são formados por um conjunto de vegetação de baixa estatura que cresce em nível abaixo do dossel florestal.

Segundo a doutoranda, outro ponto importante é o impacto do fogo na biomassa. De acordo com o estudo, enquanto a biomassa permaneceu estável ao longo dos três anos em áreas não queimadas, nas regiões atingidas houve redução de 12,8% no mesmo período.

"O impacto foi particularmente grande em lianas [cipós e trepadeiras], que perderam 38,6% dos indivíduos e 38,1% da biomassa. As árvores perderam 28% dos indivíduos e 12,1% na biomassa, enquanto nas palmeiras a queda foi de 14,6% e 27,2%, respectivamente. Essas mesmas comparações nas áreas não queimadas mostraram perdas muito menores ou nenhuma tendência de mudança significativa", informa o artigo.

Ao analisar as alterações no crescimento ao nível do tronco e comparar áreas atingidas pelo incêndio com as não afetadas, o trabalho indica que árvores de menor densidade de madeira cresceram mais rapidamente em regiões queimadas até três anos depois. Além disso, as de maior tamanho acumularam mais carbono nas parcelas queimadas.

Entretanto, o maior crescimento destas duas classes de árvores não significou aumento na biomassa total da floresta ou incremento na produção de madeira, sendo insuficiente para contrabalancear a grande mortalidade de árvores causada pelo incêndio.

Segundo Pontes-Lopes, os dados coletados estão sendo usados por outros grupos em pelo menos mais quatro estudos. Eles foram padronizados e colocadas no repositório ForestPlots.net – um site onde pesquisadores, cientistas e comunidades locais de florestas, especialmente as tropicais, podem compartilhar informações.

Futuro

A pesquisa destaca que o monitoramento contínuo de áreas afetadas pelas queimadas em intervalos regulares (anual ou semestral) permite compreender melhor os fluxos de dióxido de carbono (emissão e absorção de CO2), o tempo de recuperação para os estados pré-incêndio e eventuais interrupções da dinâmica do carbono pela mortalidade de árvores. “Estudos futuros devem se concentrar no monitoramento pós-fogo de longo prazo para investigar se a mortalidade tardia de árvores grandes ocorre em larga escala na Amazônia”, destaca o artigo.

Estima-se que as queimadas no bioma podem ser responsáveis por mais de 50% das emissões globais de gases de efeito estufa por mudança de uso da terra. Esses gases, principalmente o CO2, contribuem para o aumento da temperatura global, que pode chegar a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais até 2050 caso medidas de mitigação não sejam adotadas pelos países.

Porém, os impactos de longo prazo das queimadas na Amazônia ainda são insuficientemente quantificados. Um artigo publicado no ano passado, cuja primeira autora é Silva, mostrou que, ao longo de 30 anos, mais de 70% das emissões brutas resultantes da combustão de incêndio florestal são decorrentes do processo de mortalidade e decomposição da vegetação.

Essas emissões foram apenas parcialmente compensadas pelo crescimento da floresta no mesmo período. No geral, as emissões anuais atingem o pico quatro anos após os incêndios.

O desmatamento e a degradação florestal, aliados às mudanças climáticas, comprometem os estoques de carbono da floresta. Pela fotossíntese, as plantas convertem luz e dióxido de carbono em energia, reduzindo a quantidade de CO2 na atmosfera. O carbono fica armazenado na biomassa até que a vegetação seja queimada ou morra e se decomponha.

“Sem uma regulamentação adequada sobre o uso da terra, a intenção atual do governo brasileiro de pavimentar a rodovia BR-319 aumentará o desmatamento no Purus-Madeira, aumentando as fontes de ignição e o risco associado de incêndios florestais em grande escala nessa região”, alertam os pesquisadores.

Para apoiar futuras tomadas de decisão na prevenção de incêndios de grande escala na Amazônia, eles sugerem o desenvolvimento de dois produtos. Um que faça mapeamento do risco de incêndios florestais e outro que mapeie o impacto potencial do fogo com base em características morfológicas das plantas. Tecnologias de sensoriamento remoto são essenciais para o desenvolvimento desses produtos de forma complementar aos inventários de campo.

“Conhecer os efeitos das queimadas sobre a floresta permite uma melhor gestão ambiental, com políticas públicas voltadas ao manejo do fogo, que devem ser desacopladas das políticas para a redução do desmatamento. O avanço nessa área é fundamental para quantificarmos o real impacto das ações humanas sobre o ciclo do carbono da Amazônia e buscarmos caminhos coerentes para atingirmos o desenvolvimento sustentável da nação”, conclui Aragão.

O artigo Drought-driven wildfire impacts on structure and dynamics in a wet Central Amazonian Forest, dos autores Aline Pontes-Lopes, Camila V. J. Silva, Jos Barlow, Lorena M. Rincón, Wesley A. Campanharo, Cássio A. Nunes, Catherine T. de Almeida, Celso H. L. Silva Júnior, Henrique L. G. Cassol, Ricardo Dal’Agnol, Scott C. Stark, Paulo M. L. A. Graça e Luiz E. O. C. Aragão, pode ser lido em https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rspb.2021.0094#d1e1102.
 

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Com cataratas irreconhecíveis, rio Iguaçu está ‘doente’ e vê mata nativa minguar

 


Com cataratas irreconhecíveis, rio Iguaçu está ‘doente’ e vê mata nativa minguar

Cataratas do Iguaçu em 13 de junho; vazão da água atingiu menor patamar do ano e deve continuar baixa nos próximos meses – KARINE FELIPE/BBC NEWS BRASIL

O Iguaçu (rio grande, na língua tupi) mais parecia um “imirim” (rio pequeno, no mesmo idioma) para quem visitou suas famosas cataratas nos últimos dias.

Segundo a Companhia Paranaense de Energia (Copel), a vazão da água perto das quedas foi de 308 mil litros por segundo, ou um quinto do fluxo normal, nos dias 9 e 10 de junho. Foi o menor índice de 2021.

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É o segundo ano seguido em que a atração, reconhecida como patrimônio natural da humanidade pela Unesco, fica irreconhecível. Em abril de 2020, a vazão nas quedas foi ainda menor que a atual, chegando a 259 mil litros por segundo.

Meteorologistas atribuem o baixo fluxo principalmente à falta de chuvas no Paraná, Estado onde ficam as nascentes do Iguaçu e que é atravessado por ele até sua foz, em Foz do Iguaçu, onde ele deságua no rio Paraná.

Segundo o Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), desde fevereiro, quase todo o Estado tem tido chuvas abaixo da média histórica.

Como as precipitações só tendem a voltar em outubro, reservatórios de hidrelétricas na bacia têm retido água para garantir alguma reserva para os próximos meses, o que também vem reduzindo a vazão do rio a jusante. Há seis hidrelétricas de grande porte no Iguaçu.

Mas especialistas afirmam que, embora a chuva não esteja ajudando, o Iguaçu é hoje um rio “doente” e nunca esteve tão vulnerável à variação pluviométrica.

Cataratas do Iguaçu em 13 de junho; queda d’água registra menor vazão do ano, agravada pelo desmatamento na bacia hidrográfica – KARINE FELIPE/BBC NEWS BRASIL

Segundo o MapBiomas, plataforma que monitora o uso do solo no Brasil, entre 1985 e 2019, a região da bacia do Iguaçu perdeu 21,3% de sua vegetação nativa, formada principalmente pela Mata Atlântica.

E na sub-bacia que abarca as cabeceiras do rio, nos arredores de Curitiba, resta hoje apenas 7,2% da vegetação original, segundo Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da ONG SOS Mata Atlântica.

“O Iguaçu é um rio doente e que, para se recuperar, precisa de mata ciliar”, ela afirma à BBC News Brasil.

Ribeiro explica que a Mata Atlântica, quando preservada, atenua o impacto de secas e temporais sobre os rios. A floresta retém no solo a umidade acumulada no período chuvoso, garantindo que as nascentes continuem a jorrar mesmo na estiagem.

Porém, quando as árvores são removidas e substituídas por lavouras ou pastagens, o solo deixa de segurar a umidade. Isso faz com que, na estiagem, as nascentes próximas gerem menos água ou até sequem.

Já na época úmida, as chuvas não conseguem infiltrar no solo desmatado e tendem a escorrer direto para os rios, causando erosão e enchentes.

Em 2018, Ribeiro participou de uma expedição que percorreu todo o curso do Iguaçu para analisar a qualidade da água e o impacto do desmatamento e da construção de hidrelétricas na bacia.

Ela diz que o rio está poluído em praticamente toda sua extensão, principalmente por causa de agrotóxicos, e que a qualidade da água é ruim até mesmo no Parque Nacional do Iguaçu, a maior área protegida da bacia.

Líderes de desmatamento

Imagens do satélite Landsat/Copernicus mostram a intensa destruição da floresta na bacia do Iguaçu nas últimas décadas. Em nenhum lugar a transformação foi tão avassaladora quanto em Rio Bonito do Iguaçu, no centro do Paraná.

Em 1984, uma densa e extensa floresta protegia a margem direita do Iguaçu no município. De lá para cá, só sobraram fragmentos de mata em topos de morros e em faixas estreitas que acompanham cursos d’água.

Rio Bonito do Iguaçu foi o município brasileiro que mais desmatou a Mata Atlântica entre 1985 e 2015, segundo a SOS Mata Atlântica. Só ali foram destruídos 24,9 mil hectares de floresta, o que equivale a quase o município de Fortaleza inteiro.

Imagens de satélite mostram a destruição da Mata Atlântica em Rio Bonito do Iguaçu (PR) entre 1984…. – GOOGLE EARTH
… e 2020 – GOOGLE EARTH

A Mata Atlântica se estende por 17 Estados brasileiros. Cinco dos dez municípios que mais destruíram o bioma entre 1985 e 2015 ficam no Paraná.

E a destruição não parou. Em partes do Estado, como na própria Rio Bonito do Iguaçu, o noticiário lembra o de partes da Amazônia, com registros frequentes de prisões de madeireiros e de apreensão de toras extraídas ilegalmente.

Em todo o Brasil, a Mata Atlântica já perdeu 87,6% de sua cobertura original.

Conservação como empecilho

Análise da SOS Mata Atlântica detectou má qualidade da água em quase toda a extensão do rio Iguaçu – KARINE FELIPE/BBC NEWS BRASIL

Para Clóvis Borges, diretor executivo da ONG SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental), sediada em Curitiba, prevalece entre boa parte da elite política e econômica do Paraná a visão de que “a conservação é um empecilho ao desenvolvimento”.

A destruição das florestas paranaenses teve um grande impulso a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1919), quando o Brasil enfrentava dificuldades para importar madeira.

Várias famílias de imigrantes europeus passaram a se dedicar à extração de araucárias, também conhecidas como “pinheiros-do-paraná” por abundarem na região. Muitas cidades no Paraná e em Santa Catarina nasceram e cresceram graças à atividade madeireira.

Em 2001, porém, segundo um estudo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), só restava no Estado 0,8% da área original ocupada pelas matas de araucárias.

Ironicamente, o Paraná quase levou à extinção o pinheiro-do-paraná.

“Salvo o Parque Nacional do Iguaçu e a região costeira, o Paraná é um Estado devastado”, diz Clóvis Borges.

Nos últimos dias, cresceram temores de que mesmo a proteção do parque nacional esteja sob risco.

Em 9 de junho, deputados federais do Paraná conseguiram fazer com que um Projeto de Lei que permitiria a reabertura de uma estrada dentro da unidade tramite em regime de urgência, modalidade que acelera a análise da proposta.

A estrada foi fechada em 1986 por uma decisão judicial e, desde então, foi recoberta pelas matas.

Autor da proposta, o deputado Vermelho (PSD-PR) diz que a estrada existia antes da criação do parque e que a obra seguirá boas práticas ambientais. Apoiadores da proposta dizem que moradores que viajam entre Serranópolis e Capanema economizarão 180 quilômetros se a estrada for reaberta.

Já Clóvis Borges afirma que a tentativa de reabrir a estrada reflete uma “impertinência cultural”.

Segundo ele, há 30 anos políticos paranaenses agem para desmontar órgãos ambientais estaduais em benefício de um “ruralismo canhestro”.

Ele lembra que congressistas paranaenses estiveram entre os principais defensores das mudanças no Código Florestal aprovadas em 2012 – mudanças que, entre outros pontos, afrouxaram as exigências de preservação ao longo de cursos d’água.

Antes da mudança, a legislação exigia a restauração e conservação de margens de rios, riachos e nascentes. Com o novo código, muitos proprietários rurais ficaram dispensados da exigência.

Para Clóvis Borges, a bacia do Iguaçu só será recuperada quando proprietários rurais forem remunerados por conservar o ambiente.

Ele diz que já há formas de calcular o valor que uma área protegida gera ao evitar emissões de carbono e proteger as águas, por exemplo. “Agora falta conversar com as partes beneficiadas e cobrar delas para que paguem ao proprietário, porque ele só vai proteger se for pago”, ele diz.

Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica, também propõe soluções. “É importante estabelecer áreas públicas e privadas prioritárias para a restauração e ampliá-las, compensando os donos”.

Ela diz ainda que o Brasil deve investir em outras fontes de energia para não depender tanto de hidrelétricas e termelétricas.

“É importante investir em energias limpas e renováveis, como eólica e solar, para que quando tivermos problemas climáticos não haja um conflito entre o setor elétrico e a preservação.”

“As cataratas são um patrimônio da humanidade, não dá para ficar compartimentando ainda mais o rio”, defende.

Fonte: BBC