Timothy Morton
quer que a humanidade desista de algumas das suas crenças fundamentais,
desde a fantasia de que podemos controlar o planeta até a noção de que
estamos "acima" dos outros seres. Suas ideias podem parecer estranhas,
mas estão ganhando força.
A reportagem é de
Alex Blasdel, publicada por
The Guardian, 15-06-2017. A tradução é de
Luisa Flores Somavilla.
Alguns anos atrás,
Björk começou a se corresponder
com um filósofo cujos livros ela admirava. "Oi timothy", foi sua
primeira mensagem para ele. "Faz muito tempo que eu quero escrever esta
carta". Ela estava tentando nomear seu gênero singular, para classificar
seu trabalho para a posteridade antes que os críticos o fizessem. Ela
pediu ajuda a ele para definir a natureza de sua arte - "não só para
definir para mim mesma, mas também para todos os meus amigos e, na
verdade, toda uma geração".
Acontece que o filósofo,
Timothy Morton, era fã de
Björk.
Sua música, ele contou-lhe, tinha sido "uma influência muito profunda
no meu modo de pensar e na vida em geral". A sensação de estranha
intimidade com outras espécies, a fusão de atmosferas em suas músicas e
vídeos - ternura e horror, estranheza e alegria - "é o sentimento de
consciência ecológica", disse ele. O próprio trabalho de
Morton
trata das implicações dessa estranha consciência - o conhecimento de
nossa interdependência com outros seres -, que ele acredita comprometer
os pressupostos que sustentam há muito tempo uma separação entre
humanidade e natureza. Para ele, esta uma característica define a nossa
época e nos leva a mudar nossas "ideias fundamentas sobre o significado
da existência, sobre o que é a
Terra e o que é a
sociedade".
Ao longo da última década, as ideias de
Morton vêm ganhando espaço nos círculos mainstream.
Hans Ulrich Obrist,
diretor artístico da galeria Serpentine de Londres e talvez a figura
mais poderosa da arte contemporânea no mundo, é um de seus principais
incentivadores. Ele disse aos leitores da
Vogue que os livros de
Morton
estão entre as obras culturais mais preeminentes do nosso tempo e que
os recomenda a muitos de seus colaboradores. O aclamado artista
Olafur Eliasson tem viajado o mundo com
Morton para falar nas principais aberturas de suas exposições. Trechos de correspondências entre
Morton e
Björk foram publicados como parte de sua retrospectiva de 2015 no
Museu de Arte Moderna de Nova York
A linguagem de
Morton está "infectando todas as Humanidades pouco a pouco", disse seu amigo e também filósofo
Graham Harman.
Embora muitos acadêmicos sejam conhecido por escrever exclusivamente
para seus colegas mais próximos, o vocabulário conceitual peculiar de
Morton - "Ecologia Sombria" o estranho- estranho", "a malha" - foi
incorporado por escritores em uma série de áreas, de literatura e
epistemologia à teoria legal e à religião. No ano passado, ele foi
incluído em uma lista muito discutida dos 50 filósofos vivos mais
influentes. Suas ideias também ganharam repercussão em veículos de
imprensa tradicionais, como
Newsweek,
New Yorker e
New York Times.
A popularidade de
Morton advém, em partes, de seus ataques a modos instituídos de pensamento. Seu livro mais citado,
Ecology Without Nature,
diz que precisamos eliminar o conceito de "natureza" de modo geral. Ele
defende que uma peculiaridade do nosso mundo é a presença de coisas
gigantescas que ele chama de "hiper-objetos" - como o aquecimento global
e a internet - que tendemos a pensar como ideias abstratas, porque não
conseguimos entendê-las, apesar de serem radicalmente reais. Ele
acredita que todos os seres são interdependentes e defende a hipótese de
que tudo no universo tem uma espécie de consciência, desde as algas e
as pedras até facas e garfos.
Ele afirma que os seres humanos são um
tipo de ciborgue, já que somos constituídos por todos os tipos de
componentes não humanos. Ele gosta de salientar que justamente o que
supostamente nos torna quem somos - nosso DNA - contém uma quantidade
significativa de material genético advindo de vírus. Segundo ele, já
somos governados por uma inteligência artificial primitiva: o
capitalismo industrial. Ao mesmo tempo, acredita que existem alguns
"produtos químicos experimentais estranhos" no consumismo que ajudarão a
humanidade a evitar uma crise ecológica total.
As teorias de
Morton podem parecer bizarras, mas
estão em sintonia com a ideia do século XXI que mais abalou estruturas: a
de que estamos entrando em uma nova fase da história do planeta - agora
chamada por Morton e muitos outros de "
Antropoceno".
Nos últimos 12.000 anos, os seres humanos viveram em uma época
geológica chamada Holoceno, conhecida por climas temperados
relativamente estáveis. Pode-se dizer que foi a
Califórnia da história planetária. Mas está chegando ao fim. Recentemente, começamos a modificar a
Terra
tão drasticamente que, de acordo com muitos cientistas, estamos vivendo
o começo de uma nova época. Após as mais curtas férias geológicas,
parece que estamos entrando em um período mais volátil.
O termo
antropoceno, do grego antigo
anthropos,
que significa "humano", reconhece que os seres humanos são a principal
causa da atual transformação da Terra. Condições meteorológicas
extremas, cidades submersas, escassez aguda de recursos, espécies
extintas, desertos onde antes havia lagos, precipitação radioativa: se
ainda houver vida humana na
Terra daqui a dezenas de
milhares de anos,sociedades que não podemos imaginar terão de enfrentar
as mudanças que estamos causando hoje.
Morton observou
que 75% dos gases de efeito estufa que estão na atmosfera neste momento
ainda estarão lá daqui a meio milênio. Daqui a 15 gerações. Levará mais
750 gerações, ou 25 mil anos, para que a maior parte desses gases seja
absorvida pelos oceanos.
O antropoceno não é apenas um período de ruptura causada pelo homem.
Também é um momento de autoconsciência intermitente, em que a espécie
humana está se conscientizando de que é uma força planetária. Não
estamos apenas levando ao aquecimento global e à destruição ecológica;
nós sabemos disso.
Uma das ideias mais poderosas de
Morton é que
estamos condenados a viver com essa consciência o tempo todo. Não apenas
quando os políticos se reúnem para discutir acordos ambientais
internacionais, mas quando fazemos algo tão comum quanto conversar sobre
o tempo, pegar uma sacola de plástico no supermercado ou regar a grama.
Vivemos em um mundo com um cálculo moral que não existia antes. Agora,
qualquer coisa que se faça é uma questão ambiental. Não era assim há 60
anos - ou pelo menos as pessoas não estavam conscientes disso.
Tragicamente, apenas degradando o planeta é que percebemos o quanto
somos parte dele.
Morton acredita que isso constitui uma revolução na compreensão do nosso lugar no universo comparável às promovidas por
Copérnico,
Darwin e
Freud.
Ele é apenas um dos milhares de geólogos, cientistas do clima,
historiadores, escritores e jornalistas que escrevem sobre essa
turbulência, mas talvez consiga, melhor do que ninguém, colocar em
palavras o sentimento perturbador de presenciar o surgimento dessa era
extrema.
"Você gira a ignição do seu carro", ele escreve. "E se assusta."
Cada
vez que você liga o motor, você não quer causar danos à Terra", muito
menos causar a
Sexta Extinção em Massa na história de
quatro bilhões e meio de anos de vida nesse planeta ", mas "é justamente
isso que está acontecendo". Parte do desconforto vem do fato de que
nossos atos individuais podem ser estatisticamente e moralmente
insignificantes, mas ao multiplicá-los milhões e bilhões de vezes - já
que são realizados por toda a espécie - são um ato coletivo de
destruição ecológica. O branqueamento dos corais não ocorre apenas lá na
Grande Barreira de Corais; está acontecendo onde houver um ar condicionado ligado. Resumindo, segundo
Morton: "tudo é interligado".
À medida que seu trabalho se espalha para além dos gigantes da cultura, como
Björk, para as páginas da grande mídia,
Morton
torna-se o guia mais popular para a nova época. Sim, ele tem algumas
ideias que parecem loucas sobre como é estar vivo nesse momento - mas o
que significa estar vivo agora, no Antropoceno, é muito louco.
Ao longo de sua juventude, o
Antropoceno tornou-se
um conceito com um alcance tão amplo como qualquer outro paradigma
histórico-mundial que se preze (o que, se é sal marinho, inclui agora
uma boa dose de resíduos sintéticos em pequenas partículas chamadas
Microplasticos).
O que começou como um debate técnico nas ciências da terra levou, na
opinião de Morton, algumas das nossas formas mais básicas de entender o
mundo a serem confrontadas. No Antropoceno, segundo
Morton, estamos passando por "uma perda traumática de coordenadas".
Sua criação é atribuída a
Paul Crutzen, vencedor do Prêmio Nobel especialista em química atmosférica, e ao biólogo
Eugene Stoermer, que contribuiu no início da popularização do termo, em 2000. Desde o início, muitos levaram o conceito de
Crutzen e
Stoermer
a sério, apesar de não concordar com ele. Desde o final do século XX,
os cientistas consideravam o tempo geológico como um drama pontuado por
grandes cataclismos, não apenas um acúmulo gradual de mudanças
incrementais, e fazia sentido considerar a própria humanidade como o
último cataclismo.
Imagine geólogos de uma civilização no futuro examinando as camadas
de rocha que estão em lento processo de formação hoje, como nós
examinamos os estratos de rocha que se formaram quando os dinossauros
foram exterminados. Essa civilização verá evidências de nosso impacto
(geologicamente) repentino no planeta - como
plásticos
fossilizados e camadas tanto de carbono, pela queima de combustíveis de
carbono, e de partículas radioativas, pelos testes nucleares e
explosões - de forma tão clara quanto as evidências do rápido
desaparecimento dos dinossauros. Já podemos observar a formação dessas
camadas.
Por alguns anos, houve um debate acalorado sobre a utilidade do
conceito. Pessoas que discordam da ideia argumentaram que o "sinal
geológico" da humanidade ainda não evidente o suficiente para justificar
o surgimento de uma nova época, ou que o termo não tinha utilização
científica. Apoiadores se questionavam qual seria a data do início do
antropoceno. De acordo com o advento da agricultura, há muitos milênios
atrás? Ou a invenção da máquina a vapor no século XVIII e o início da
Revolução Industrial? Ou ainda o dia 16 de julho de 1945, às 5:29, quando primeiro teste nuclear explodiu sobre o deserto do Novo México? (
Morton, com sua maneira abrangente de ver as coisas, trata todos esses momentos como cruciais).
Depois, em 2002,
Crutzen
apresentou seus argumentos na revista científica Nature. A ideia de um
momento na história planetária em que a influência humana era
predominante parecia juntar tantos desenvolvimentos diferentes - desde o
recuo das geleiras até o pensamento moderno sobre os limites do
capitalismo - que o termo começou a se espalhar rapidamente para outras
ciências da terra e não parou mais.
Desde então, foram fundadas pelo menos três revistas acadêmicas
especializadas no Antropoceno, várias universidades criaram grupos de
pesquisa para refletir sobre suas implicações, estudantes de
Stanford
começaram a produzir um podcast conhecido chamado Generation
Anthropocenee milhares de artigos e livros foram escritos sobre o
assunto, em áreas desde a economia até a poesia.
Alguns pensadores se opõem ao termo, argumentando que ele reforça a
visão antropocêntrica do mundo que nos levou à beira de um desastre
ecológico. Outros dizem que a destruição da Terra deve ser atribuído não
à da humanidade em geral, mas ao capitalismo (predominantemente branco,
ocidental e masculino). Foram criados termos alternativos, como
"Capitaloceno", mas nenhum pegou. Eles não têm o apelo existencial
inquietante de antropoceno, que enfatiza nossa culpa e nossa fragilidade
como seres humanos.
Em torno de 2011, o
Antropoceno "começou a surgir nos jornais pela primeira vez", de acordo com a história recente do conceito descrita pelo estudioso
Jeremy Davies. A
BBC, o
The Economist, a
National Geographic, a
Science,
entre outros, abordaram o conceito. As mudanças no planeta haviam feito
com que jornalistas levassem reportagens sobre o meio ambiente cada vez
mais ao contexto da geo-história - níveis de dióxido de carbono na
atmosfera não chegavam a 400 partes por milhão desde o Plioceno, há três
milhões de anos - e o
Antropoceno tornou-se uma forma rápida e útil de colocar a atividade humana na perspectiva geológica do tempo profundo.
Para
Morton,
que tinha acabado de começar a escrever sobre isso, encerrava sua
preocupação com a forma como os diferentes seres, incluindo os seres
humanos, dependem uns dos outros para a sua existência - fato que as
várias calamidades do
Antropoceno destacavam.
Em 2014, a palavra
Antropoceno (em inglês, Anthropocene) foi introduzida no
Oxford English Dictionary e, no ano passado, foi formalmente aprovada por um grupo de trabalho dentro da
Comissão Internacional de Estratigrafia,
que monitora o tempo geológico oficialmente. O ano de 1950 foi
escolhido para ser uma data estimada, em que uma das marcas mais claras
da atividade humana global na crosta terrestre apareceu: isótopos de
plutônio de vários testes nucleares.
O anúncio do grupo de trabalho foi
tão importante que estampou a primeira página do jornal britânico
The Guardian. (Em toda a mídia, o conceito de
Antropoceno agora é usado para enquadrar tudo, desde críticas de ficção até discussões sobre a presidência de
Donald Trump.) Como disse
Jan Zalasiewicz,
presidente do grupo e um dos principais especialistas do Antropoceno,
essa nova época "estabelece uma trajetória diferente para o sistema
terrestre" e só agora estamos "percebendo as dimensões e a persistência
da mudança".
Já houve outros períodos de intensa flutuação climática, juntamente
com a extinção em massa. O mais recente foi há 66 milhões de anos,
quando um meteorito de dez quilômetros de diâmetro atingiu o que hoje é a
Península de Yucatán. Estima-se que seu impacto seja
de 2 milhões de vezes a força da bomba atômica mais poderosa já
detonada, alterando a atmosfera do planeta e eliminando três quartos das
espécies existentes. Mas em comparação foi um evento simples, que as
ciências físicas têm plenas condições de entender.
Para entender a mudança histórica que está sendo conduzida pela
atividade humana, precisamos de mais do que geologia, meteorologia e
química. Se isso é um acerto de contas para nossa espécie, precisamos de
um guia intelectual - alguém que nos diga se devemos entrar em pânico
ou não e o quanto o reconhecimento de que estamos mudando o planeta nos
fará mudar.
A consciência que ganhamos no antropoceno, de modo geral, não é
feliz. Muitos ambientalistas estão alertando sobre uma iminente
catástrofe global e exigindo que as sociedades industriais revejam sua
trajetória.
Morton se posiciona de forma mais iconoclasta. Em vez de alarmar ainda mais a respeito das questões ecológicas como se fosse um
Paul Revere do apocalipse, ele defende o que chama de "ecologia sombria", que afirma que a tão temida catástrofe já ocorreu.
O que significa não somente que um aquecimento global irreversível já
está acontecendo, mas também algo mais abrangente. "Nós, Mesopotâmicos"
- como ele chama as últimas 400 gerações de seres humanos vivendo em
sociedades agrícolas e industriais -, pensamos que estávamos apenas
manipulando outras entidades (através da agricultura e da engenharia, e
assim por diante) no vácuo, como se trabalhássemos em um laboratório e
elas estivessem em alguma placa de petri gigante chamada "natureza" ou
"ambiente".
No
Antropoceno, segundo
Morton,
devemos despertar para o fato de que nunca nos separamos ou controlamos
as coisas não-humanas do planeta, mas sempre estivemos intimamente
ligados a elas. Não podemos nem queimar ou jogar nada fora sem que as
coisas voltem para nós de alguma forma, como a poluição nociva. Nossas
ideias mais estimadas sobre a natureza e o meio ambiente - de que são
separados de nós e relativamente estáveis - foram destruídas.
Morton compara esta constatação com histórias de
detetives em que o caçador percebe que está atrás de si mesmo (seus
exemplos favoritos são
Blade Runner e
Édipo Rei).
"Nem todos estão preparados para se assustar o suficiente" com essa
epifania, diz ele. Mas há uma outra coisa: apesar de os humanos terem
causado o Antropoceno, não podemos controlá-lo. "Meu Deus!" exclamou
Morton para mim fingindo horror. "Minha tentativa de escapar da teia do destino foi a rede do destino ".
Para
Morton, a principal razão para estarmos
enxergando a nossa estreita relação com o mundo que estamos destruindo é
o nosso encontro com a realidade dos hiper-objetos - termo criado por
ele para descrever os ecossistemas e os buracos negros, "distribuídos no
tempo e no espaço de forma maciça"em comparação com seres humanos. Os
hiper-objetos podem não parecer objetos da mesma forma, por exemplo, que
bolas de bilhar, mas são igualmente reais e agora estamos
encontrando-os conscientemente pela primeira vez.
O aquecimento global
pode ter aparecido para nós como um tempo um tanto engraçado em algum
lugar e depois como uma série de manifestações independentes (uma
enchente mais forte ali, uma onda de calor mortal lá). Porém, agora o
consideramos um fenômeno unificado, e as condições meteorológicas
extremas e a quebra das antigas estações do ano são apenas seus
elementos.
É através dos hiper-objetos que começamos a enfrentar o
Antropoceno, argumenta
Morton. Um dos seus livros mais influentes, intitulado
Hyperobjects,
examina a experiência de estar envolvido por essas entidades -
realmente, fazer parte delas-, que são grandes demais para conseguirmos
entender e controlar. Podemos vivenciar hiper-objetos como o clima em
suas manifestações locais ou através de dados produzidos por cálculos
científicos, mas sua escala e o fato de estarmos presos dentro deles
significa que nunca podemos conhecê-los completamente. Por causa de tais
fenômenos, estamos vivendo em um momento de mudanças literalmente
impensáveis.
Isso leva
Morton a um de seus argumentos mais impressionantes: que o
Antropoceno
está levando a uma revolução no pensamento humano. Os avanços na
ciência estão ressaltando o quanto estamos "enredados" com outros seres -
dos micróbios que representam cerca de metade das células do nosso
corpo, à dependência da proteção térmica eletromagnética da Terra para a
nossa sobrevivência. Ao mesmo tempo, os hiper-objetos, em sua grandeza,
nos chama a atenção para os limites absolutos da ciência e, portanto,
para os limites do domínio humano.
A ciência só consegue nos levar até
aqui. Isso significa mudar nossa relação com as outras entidades do
universo - sejam animais, vegetais ou minerais -, da exploração por meio
da ciência à solidariedade na ignorância. Se não conseguirmos,
continuaremos causando danos ao planeta e ameaçando estimados modos de
vida e até a nossa própria existência. Ao contrário das fantasias
utópicas de que seremos salvos pelo surgimento da inteligência
artificial ou de alguma outra tecnologia, o
Antropoceno nos ensina que não podemos superar nossas limitações ou a dependência de outros seres.
Só podemos conviver.
Pode até soar desolador, mas
Morton vê isso como uma
libertação. Se abandonarmos a ilusão de controlar tudo o que nos
rodeia, poderemos nos reorientar a encontrar prazer a partir de outros
seres e da própria vida.
Morton acredita que o prazer
pode nos levar a uma nova política. "Você acha que a vida ecologicamente
correta significa ser totalmente eficiente e puro", diz no tuíte no
topo de sua linha do tempo. "Errado. Significa que você pode ter uma
discoteca em cada cômodo da casa."
Essas palavras são típicas de seu pensamento, que muitas vezes parte
da desolação comum e dá uma guinada surpreendente. "Há uma verdadeira
esperança em seu trabalho", diz
Hans Ulrich Obrist sobre
Morton.
"Esperança e até mesmo otimismo estão presentes de alguma forma".
Morton tem uma história curiosa sobre quando colocou energia eólica em
casa, na zona rural de Houston, onde ele dá aulas em uma cadeira na Rice
University. Depois de um ou dois dias "sentindo-se muito correto e
santo", ele percebeu que poderia ter "estroboscópios potentes, decks e
festas por horas e horas, o dia todo, todos os dias", causando muito
menos impacto ao planeta.
"E esse é o verdadeiro futuro ecológico".
Em uma manhã de sábado no outono passado, saí para procurar
Morton no festival de ideias da
Serpentine Galleries,
que acontece todos os anos, onde ele falaria naquele dia. Nas semanas
anteriores, ele havia estado em Seul para ajudar Olafur Eliasson a abrir
uma exposição individual; em
Singapura, para falar na conferência
Future Cities; em Bruxelas, para dar uma palestra intitulada "
Nature Isn’t Real"
em um parque à noite (ele disse que 250 pessoas compareceram); na
Universidade de Exeter, onde ele abordou sua nova teoria de ação,
"rocking", descrita por ele como "uma queerificação das categorias
teístas de ativo versus passivo"; em Roma, onde, entre outras coisas,
ficou bebendo martini e em Paris, onde ele foi a algumas raves com sua
amiga Ingrid e ficou tão emocionado e exausto que passou a noite toda
deitado no meio da pista de dança.
Se você tivesse que escolher um avatar para o
Antropoceno,
Morton poderia uma boa opção. Ele tem olhos azuis da cor do
Ártico
que espantam e parecem espantados ao mesmo tempo. Um pouquinho
rechonchudo, sugerindo vulnerabilidade física, seu rosto tem um rubor
eczemático e seu cabelo loiro fino tem formato de cardo, parecendo ter
sobrevivido a algum inesperado. Na verdade, ele parece um tanto aflito.
Entre outras coisas, ele sofre de uma grave apneia do sono, depressão
profunda, enxaquecas graves e, pareceu ao longo de nossas conversas,
ocasionais episódios de paranoia leve. Obrist, que gravou mais de 2.500
horas de entrevistas com artistas e filósofos, me disse que Morton foi o
único que se "emocionou tanto que começou a chorar". (Eles estavam
discutindo a extinção em massa.)
No início do ano, ao conversar com
Morton por vídeo,
ele estava em ebulição. Agora, sentado na parte de trás do restaurante
da galeria, que havia sido reformado para ser um salão de shows, ele
parecia estar quase sem combustível para queimar. Ele já havia publicado
14 ensaios durante o ano e continuava trabalhando em seus dois próximos
livros. Nas próximas semanas, ele daria palestras em
Chicago, em
Yale, em
Seul (novamente), em
Munique e, finalmente, se reuniria com membros do
Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa contemplando as mensagens que devemos enviar ao espaço em uma possível nova edição da missão
Voyager.
(A original, em 1977, enviou duas sondas espaciais, que ultrapassaram o
nosso sistema solar. Cada uma carregava consigo um disco de 12
polegadas revestido a ouro com sons e imagens representando a humanidade
e outros seres terrestres.) No final de 2016, como
Morton depois escreveu em seu blogue,ele completou 350 mil milhas de voo.
O itinerário de
Morton representa a popularidade que a noção de
Antropoceno
adquiriu e a profundidade com que sua abordagem ressoa na nossa
experiência cada vez mais inquietante do mundo. Analisando seus livros
ou falando com ele pessoalmente, começa-se a suspeitar que a
extravagância de seu pensamento e sua personalidade na verdade reflete
algo muito estranho sobre o mundo.
Durante o almoço,
Morton
pediu um sanduíche natural de frango - tinha encerrado uma experiência
anterior com veganismo - e discutimos o desenvolvimento de seu
pensamento. Enquanto ele comia, fui lembrado de um relatório recente que
concluiu que quase 60 bilhões de frangos são abatidos por ano no mundo
inteiro, o que, nas palavras de
Jan Zalasiewicz,
significa que suas carcaças foram "fossilizadas em milhares de aterros
sanitários e em várias esquinas no mundo todo".
Esse pensamento leva
imediatamente a outro: sobre as "superbactérias" que criamos pelo uso
generalizado de antibióticos, principalmente na produção pecuária
industrial. A partir daí, é um pulo para pensar em outros fenômenos
estranhos da nossa nova época, como pedras feitas de plástico e conchas
marinhas e as mudanças na rotação da Terra causadas pelo derretimento de
lençóis de gelo. A lista desses fatos inquietantes do antropoceno não
acaba mais.
É possível, na primeira ou segunda vez que se encontra Morton, que se
questione se há uma mistura de seu ar meio hippie, sua emotividade, seu
talento intelectual. Mas seus amigos de infância e familiares dizem que
o engajamento visceral com a ecologia e sua habilidade acadêmica
remontam à infância.
Morton nasceu no noroeste de
Londres, em 1968, em um período em que uma crescente conscientização da
ameaça ecológica ainda andava de mãos dadas com a sensação de que as
pessoas poderiam mudar o mundo para melhor, possivelmente sob a
influência do LSD. Depois que seus pais, ambos violinistas de concertos,
se divorciaram no final da década de 1970, seu pai partiu em uma
embarcação para protestar com o
Greenpeace. Sua mãe era uma feminista comprometida que atuava na
Campanha do Desarmamento Nuclear.
Desde cedo,
Morton destacou-se nos estudos. Ele
recebeu a principal bolsa de estudos da escola de elite St Paul's
School, em Londres, por cinco anos seguidos e depois foi para Oxford
para estudar inglês. Suas notas eram as mais altas da disciplina em toda
a universidade em seu primeiro ano e teve excelente desempenho em suas
provas. Ir em nos estudos era importante para Morton, mas ele acabou
chegando à conclusão de que é "secundário em relação a outra coisa:
estar vivo".
Sua vida assumiu traços da forma que seu trabalho adotaria
mais tarde. Era mais do que acumular conhecimento; tratava-se também de
buscar prazer e intimidade. No segundo ano de graduação, ele e seu
colega de quarto,
Mark Payne, agora estudioso da Universidade de Chicago, "tiveram experiências com ácido ouvindo
Butthole Surfers e conversando sobre
Blake".
(Payne diz que eles usavam ácido e falavam sobre Milton.) Ele também se apaixonou pela primeira vez. Na pós-graduação,
Morton
usava cabelo comprido, jaqueta de camurça e miçangas. Sua tese de
doutorado, reconhecida como uma importante contribuição para o
Romantismo, mostrou que o vegetarianismo de
Percy e
Mary Shelley estava intimamente entrelaçado com sua política e sua arte.
Paul Hamilton, orientador de grande parte da pós-graduação de
Morton, me disse que, em relação aos
Shelley,
Morton "mudava".
Apesar do sucesso de sua dissertação, foi difícil para
Morton conquistar uma posição acadêmica, e ele chegou a pensar em se matar.
No fim, ele conseguiu um emprego na
Universidade do Colorado,
Boulder, antes de passar para a Universidade da Califórnia, em 2003, em
Davis,
no nordeste de São Francisco. Estar no norte da Califórnia parecia
aguçar seu pensamento e ele passou a se concentrar em questões
explicitamente ecológicas, como o que se escreve quando escrevemos sobre
a natureza. Em um certo marketing pessoal, ele também passou a se
intitular Professor de Literatura e Meio Ambiente.
Durante os anos seguintes,
Morton publicou seu livro desafiando a ideia de "
natureza",
bem como sua continuação, em que questionava o que significa para nós
confiar em inúmeros outros seres de forma insondável e complexa. Ele
também se juntou a um pequeno e controverso movimento filosófico chamado
Ontologia Orientada aos Objetos (OOO), que afirma que
todo ser, inclusive humano, só pode compreender o mundo em suas próprias
formas limitadas. (Em outras palavras, nunca saberemos o que as moscas
sabem, e vice-versa.) Em 2012,
Morton mudou-se da Califórnia para atuar na Rice University, uma das universidades mais reconhecidas dos EUA.
Com a segurança da estabilidade e as infusões sucessivas do
budismo e do
OOO
na mente, Morton começou a escrever em um estilo mais divertido e
pessoal. Sua conversa sobre ter uma discoteca em sua casa, movida a
energia eólica, não é por acaso. "A consciência ecológica
inevitavelmente tem esse ar dos anos 70", diz ele. É uma estética que
ele abraça, "em toda a sua estranheza". Seu estilo intelectual também é
um tanto riponga. Ele pode muito bem ser a única pessoa cujo nome dá o
ar da graça em uma lista dos filósofos vivos mais influentes e também
nos créditos de um álbum que foi o quarto mais vendido do Reino Unido
como compositor (Stacked Up,Senser, de 1994).
Ele seguiu os passos de pensadores como
Jacques Derrida e
Edward Said por ter participado da prestigiada palestra
Wellek Lecture, na Universidade da Califórnia, em
Irvine - e também se apresentado em
Glastonbury, tocando música para artistas fazendo malabares com fogo e foi consultor na série de
Steve Coogan de
The Trip to Italy.
Embora esteja prestes a publicar um livro tentando unir ecologia
sombria e marxismo ("é uma viagem bem intensa e nem todo mundo vai
gostar", diz ele), ele também vai lançar um livro pela Pelican books, "
Being Ecological",
que deve encantar o público em geral. A primeira frase é: "Este livro
não contém fatos ecológicos".
Embora vários de seus livros tenham
dedicatórias normas (esposo, filhos, irmãos), ele também dedicou um
livro ao seu gato, o falecido
Allan Whiskersworth. Uma
das postagens mais fascinantes do seu blog, que tem atualizações
regulares, é a critical inquiry into giant penises(Uma investigação
crítica sobre pênis gigantes), com desenhos nos telhados que possam ser
vistos pelo
Google Earth. Ele está profundamente ligado ao budismo
Shambhala e circunvalou o
Monte Kailash no
Tibete. Há não muito tempo, uma leitura de Tarô o tocou profundamente.
Se as pessoas acharem ridículo isso tudo, melhor ainda. "Eu gosto de
pensar em mim mesmo como a coisa mais tosca e pavorosa que se poderia
imaginar", contou. Ele superou as armadilhas do sucesso acadêmico e
agora que passou as barreiras da sociedade educada,
Morton
tem um objetivo diferente. "Quero ser bem conhecido e soltar essa coisa
anarquista-hippie que eu tenho guardado como se fosse um líquido muito
precioso, com todo o cuidado, sem derramar nada, por anos e anos", disse
ele. "E agora vou derramá-lo por aí."
Na hora de sua palestra na Serpentine Galleries,
Morton apareceu com uma camisa Versace, justa e prateada, do estilo que um vilão do James Bond usaria. Sua palestra foi intitulada "
Stuff Can Happen" (As coisas podem acontecer).
"Não é de se acreditar na quantidade de filósofos que têm medo do
movimento", começou ele. Ele seguiu discutindo duas vertentes de
pensamento no trabalho do filósofo Hegel. Um problema com
Hegel,
Morton
disse, "o problema que eu chamo de macro-Hegel, é que o macro-Hegel faz
com que o discreto movimento escada acima seja improvável. E, lá em
cima da escada, como o assassino do filme
Psicose, está
esperando - adivinhe o quê? - isso mesmo, o patriarcado branco
ocidental disfarçado de estado prussiano." (Eu não adivinhei, era pra
ter adivinhado?) "Então macro-Hegel estraga tudo."
Parecia uma abordagem estranha para uma palestra a um grupo
heterogêneo de artistas, ativistas, estudantes e músicos. Mesmo tendo
interesse no trabalho de
Morton, logo fiquei entediado e
distraído. Um homem que estava em pé ao meu lado, um estudioso
estadunidense com um senso de humor ácido, revirou os olhos e sussurrou
um comentário do tipo "Que porcaria é essa?".
Apesar da popularidade de
Morton, esta resposta ao seu trabalho não é rara. Algumas pessoas que discordam de
Morton
com quem falei acusaram-no de não entender a ciência contemporânea,
como a mecânica quântica e a teoria dos conjuntos, e disseram que as
distorções serviam como base para suas ideias malucas. Elas
compartilharam uma crítica ampla que me lembrou o ditado cético:
"Devemos manter a mente aberta, mas não tão aberta a pontodo cérebro cair". A pasta de ideias interessantes no trabalho de
Morton não se mantém se for analisada cuidadosamente, afirmam. O filósofo
Ray Brassier, que já fez parte da
OOO, acusou
Morton e os seguidores do seu blogue de gerarem "uma orgia de estupidez on-line".
Outros críticos, especialmente da esquerda, reclamam que a concepção de
Morton do
Antropoceno
passa por cima de questões de raça, classe, gênero e colonialismo,
culpando toda a espécie pelo dano infligido por uma minoria
privilegiada. O foco no ser humano consagrado no termo
Antropoceno é um alvo especial para os críticos. Eles argumentam que ao se referir aos seres humanos como um todo unificado,
Morton
destrói as diferenças entre o oeste rico e os outros membros da
humanidade, muitos dos quais já viviam em um estado de catástrofe
ecológica muito antes de a noção de
Antropoceno se popularizar nos campi da
Europa e da
América do Norte.
Outros dizem que a noção de política de
Morton é
muito vaga ou que a última coisa que precisamos ao enfrentar desafios
ecológicos é uma série de reflexões abstratas sobre a natureza dos
objetos. Os defensores de
Morton, no entanto, veem nele uma espécie de
Ralph Waldo Emerson
para o Antropoceno: a sua escrita tem valor, mesmo que nem sempre
resista à análise filosófica. "Ninguém em um departamento de filosofia
vai levar
Tim Morton a sério", disse
Claire Colebrook, professora de inglês da Pennsylvania State University, que tem um extenso trabalho sobre o
Antropoceno. Mas ela ensina o trabalho de
Morton na graduação e os alunos adoram. "Por quê? Porque eles são assim: "Cale a boca e me traga ideias!"
Nem tudo o que
Morton me disse no decorrer das
nossas conversas pareceu filosoficamente ou ecologicamente plausível.
("Você e eu, nossos computadores e aquela pintura atrás de você, e
talvez um pombo da rua - vamos nos reunir e fazer um coletivo
anarquista, e o foco desse coletivo anarquista será ler, hum, as cartas
de Beethoven.") Mas o que atrai muitas pessoas não é a convicção de suas
ideias, mas a profusão e a diversão delas.
Hans Ulrich Obrist e os artistas
Philippe Parreno e
Olafur Eliasson usaram a mesma expressão para descrever sua obra: é uma "caixa de ferramentas" de onde podem surgir ideias úteis.
Essa caixa de ferramentas pode ser útil para todos nós também. À medida que o aquecimento global e outras características do
Antropoceno
se intensificam, nossa experiência dessa nova e séria era será cada vez
mais estranha e pesada. Quando isso acontecer, cada vez mais pessoas
devem buscar textos - como os de
Morton - que ecoam
suas experiências de alienação, bem como o desejo de esperança.
Alguns
pensadores parecem acreditar que podemos ajeitar o mundo apenas com
ideias melhores, mais lógicas e mais rigorosas.
Morton
diz que podemos organizar nossas ideias como quisermos, mas o mundo
continuará sendo um lugar fundamentalmente bagunçado que sempre
resistirá à simplificação filosófica. Pelo contrário, o que precisamos é
conviver com essa estranheza. Em uma de nossas primeiras conversas, eu
disse a
Morton que eu gostava do seu trabalho, na medida em que achava que entendia. "Eu acho que também entendo, às vezes", ele respondeu.
Não há nada como a perspectiva de um homem autoritário para fazer
intelectuais, hippies e, acima de tudo, intelectuais hippies parecerem
irremediavelmente ineficazes. Se compararmos com organizar protestos ou
uma doação recorrente para a
União Americana pelas Liberdades Civis, falar de tempos profundos ou da eliminação da falsa divisão ontológica entre humanidade e natureza pode parecer bastante tolo.
Em novembro, na semana após a eleição de
Donald Trump,
Morton foi para Nova York para confabular com a Nasa sobre o conteúdo de um novo Disco de Ouro. Ele ficou arrasado com a vitória de
Trump,
mas não necessariamente surpreso com a escolha pelo que ele considerou o
equivalente político de uma dieta baseada em vicodin e pãezinhos de
canela. Em seu quarto de hotel, ele teve um "momento particular de
lágrimas" ao ler o romance
Fly Away Peter, de
David Malouf.
Depois, ele saiu para comer um pouco de sushi - em que o mercúrio das
usinas de energia a carvão, metais fundidos e lixo queimado tende a se
acumular, às vezes ocasionando mal-estar - e foi arrastado por uma
multidão. "Eu estava nesse primeiro protesto, cara", ele me contou. "Eu
estava naquele primeiro maldito protesto anti-Trump na Trump Tower". Ele
brincou com seus seguidores do
Twittere na reunião com a Nasa que queria colocar o presidente eleito na próxima sonda
Voyager.
Perguntei a mim mesmo o quão potente a política animista de
Morton
pareceria sob uma nova distribuição. No dia seguinte à sua palestra na
Serpentine Galleries no outono, eu havia almoçado com ele, a artista
Kathelin Gray e
John Polk Allen,
mais conhecido como Johnny Dolphin, o principal responsável por trás do
Projeto Biosfera 2, um microcosmo planetário construído dentro de um
gigantesco tubo de ensaio no deserto do
Arizona. A
conversa, que foi desde lugares no mundo com uma energia especial
(Himalaias, Canyon Chaco) até o "asilo lunático para pessoas
inteligentes" que é Oxford, voltou-se para a solidariedade a outras
espécies em um dado momento.
"Sempre chamei as coisas de 'pessoa'", disse
Gray. "Meus amigos indígenas americanos ficaram muito contentes".
"Como você pode não chamá-los de pessoas?", perguntou
Morton.
Ela contou uma história sobre cobras que havia conhecido.
Morton evidentemente se comoveu e colocou a mão no peito. "Você tinha dois amigos chamados de Cobra?", disse ele. "Que maravilha!"
Tudo isso parecia um pouco ridículo, mesmo antes de
Trump
ter sido eleito. Mas, em algum lugar nessas tentativas adocicadas de
expressar afinidade com outras criaturas, havia um desejo genuíno de
avançar para a política radicalmente pluralista que
Morton
defende.
"Não se esconda atrás de uma pedra, pelo amor de Deus", disse
Morton em determinada altura. "Saia por aí e tente fazer todo que de
afiliação política que puder, com todos os tipos de seres, humanos ou
não, para criar um ambiente menos violento e mais justo, para todos,
para todo o mundo ecológico." Era difícil argumentar com esses
objetivos. Não podemos debater com outras espécies, mas o Antropoceno
deixa claro que precisamos incluir seu bem-estar em nossos objetivos.
A própria ênfase política de
Morton pareceu ter
mudado depois das eleições. As festas movidas a energia eólica e os
grupos de leitura com seres de diferentes espécies ficaram de fora.
Agora, a questão, segundo ele, era "atrapalhar esses fascistas várias
vezes".
Ainda assim, o
Antropoceno não está desaparecendo
apenas porque um troll corrupto em um terno folgado está sentado na Casa
Branca. A acumulação de carbono no ar e nitrogênio no solo; a
acidificação dos oceanos e a desertificação de terras que já foram
férteis; os isótopos radioativos (de ensaios nucleares) e plástico (das
embalagens) que recobrem o globo; a extinção de espécie após espécie - a
lista de mudanças dramáticas do planeta não para. A política atual pode
ser mais urgente do que nunca, mas a necessidade de uma política para o
amanhã não desapareceu.
Poucos dias depois das eleições,
Morton recuperou o
senso de humor e começou a rir do presidente eleito, "esse homenzinho
laranja com uma pilha amarela de Cheetos na cabeça". Sim, Morton
passaria os próximos meses, ou o tempo que fosse necessário, lutando
contra os fascistas no campus e onde mais ele pudesse ser ouvido, mas
também continuava proclamando sua rara visão sobre a ecologia.
"Vamos colocar uma música tecno", disse
Morton no
final de uma de nossas conversas mais longas. "Mesmo que realmente
estejamos ferrados, não vamos passar o resto da vida nesse planeta
repetindo para nós mesmos que estamos ferrados".
O que deveríamos fazer então?
"Cumprimentar um ouriço e dançar ".