/10/2015 às 00h20 (Atualizado em 9/10/2015 às 09h37)
Projeto de reorganização da rede estadual afetará um milhão de estudantes
Ana Ignacio e Plínio Aguiar, do R7
Há cerca de 15 dias, uma novidade tem espalhado muita incerteza e
insegurança entre alunos, pais e professores da rede estadual de ensino
de São Paulo. No dia 23 de setembro, o governo do Estado divulgou um
programa de reorganização da rede. Alguns dias depois, uma reunião com
representantes da Diretoria Regional de Ensino começou a indicar que
escolas poderiam ser fechadas.
Com o objetivo de unir estudantes de um único ciclo na mesma escola — a
rede possui três ciclos de ensino: do 1º ao 5º do fundamental, 6º ao 9º
do fundamental e ensino médio — o projeto prevê transferências de
alunos, o que poderia levar algumas unidades à extinção.
O Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo)
divulgou uma suposta lista em que constam 116 escolas que seriam
fechadas pelo governo estadual. É o caso, por exemplo, da Escola
Estadual Padre Saboia de Medeiros, em Santo Amaro, zona sul da capital
paulista.
Segundo o agente de organização escolar, Issa João Afram, a escola é uma
das instituições que estão na mira do governo. Afram afirma que a
administração encaminhou uma contraproposta para a direção regional de
ensino pedindo para que as atividades não sejam encerradas no local.
A Secretaria de Educação do Estado, no entanto, garante que nenhuma
unidade será fechada. De acordo com o projeto do governo, o objetivo é
aumentar o número de escolas com um único ciclo e “melhorar a qualidade
de ensino e do ambiente escolar”.
Sandoval Cavalcanti, Dirigente Regional de Ensino da Sul 1, confirmou o
encontro com os diretores das escolas, mas nega que o encerramento de
atividades de algumas unidades tenha sido debatido.
— Nenhuma escola foi notificada [sobre fechamento]. Elas foram
orientadas. Fizemos uma reunião na diretoria de ensino informando sobre
os procedimentos da reorganização. Apresentamos propostas da secretaria,
da diretoria de ensino e pedimos para que os diretores retornassem,
avaliassem com a comunidade escolar e, se necessário, reencaminhassem
uma contra proposta para a diretoria.
Para alguns diretores, na prática não é tão simples assim. Segundo o
gestor de umas das instituições que seriam fechadas e que foi ouvido
pelo
R7, a intenção do governo é outra.
— A Secretaria usa o termo reestruturar, realocar, transferir, mas, na
verdade, é fechar, mesmo. Eles vão fechar uma série de escolas e ouvi
falar que só na região de Osasco seriam sete instituições.
Cavalcanti explica que algumas escolas irão passar por reformas e
adequações para receber os alunos do ciclo determinado. Segundo ele,
toda a verba para essa reorganização será a que já é destinada para a
educação.
— O custo estimado é o que está na verba de secretaria de educação.
Estamos fazendo uma adequação às condições da rede pública, continuamos
fazendo o mesmo investimento que já fazemos em educação.
O diretor também garante que nenhum professor concursado perderá o emprego.
— Duas garantias são importantes. A primeira é de que nenhum aluno
ficará sem vaga por conta da reorganização. Os professores e servidores,
em sua grande maioria concursada, terão todas as suas garantias legais
permanecidas e não haverá nenhum tipo de prejuízo.
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A reorganização prevê a realocação de alunos em outras escolas, assim
como os professores. Segundo o projeto, os jovens que mudarão de unidade
serão encaminhados para escolas até 1,5 km de distância.
Para a professora Yasmin Elizabeth, isso não vai acontecer exatamente
assim. Após ser informado da possível realocação de alunos da Escola
Estadual Padre Saboia de Medeiros, a informação recebida pela diretoria é
de que os estudantes iriam para um colégio a mais de 3 km, a Escola
Estadual Plínio Negrão.
Dalmiran Gonçalves da Silva é mãe de uma das centenas de alunos da
Escola Estadual Professor Alberto Bacan. Ela diz estar preocupada com o
novo trajeto que alguns alunos precisarão fazer após a realocação para
outra escola.
Segundo ela, alguns pais terão que passar a desembolsar dinheiro para transporte.
— Eu posso pagar uma passagem para a minha filha, mas existem pais que
não possuem tais condições. E aí, o governo vai disponibilizar
transporte? Porque criança não pode parar de estudar.
Ela também se preocupa com a piora ainda maior na qualidade do ensino.
— Minha filha chegou para mim e falou que pediu explicação para um
professor e ele respondeu: “Se vira”. Se está assim agora, como vai
ficar depois [da reorganização]?
De acordo com o estudante do 2° ano do ensino médio da Escola Estadual
Jornalista Carlos Frederico Verneck Lacerda, Victor Hugo Amorim Santos,
de 16 anos, a mudança de escola afeta não só a vida do aluno, mas de
toda a comunidade.
— Essa mudança é muito forte, além de ser totalmente negativa. Eu demoro
cerca de 20 minutos pra chegar até a escola. Se houver essa relocação,
que seria pra uma escola com mais de 2 km de distância, eu demoraria
cerca de uma hora.
Cavalcanti garante que, caso não haja uma escola no raio de 1,5 km, a transferência não será realizada.
— Nenhum aluno será transferido de uma unidade em quilometragem superior
a 1,5 km. Em havendo [outra escola], a transferência será possível. Em
não havendo, não há discussão sobre o assunto.
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Um milhão de afetados
De acordo com o diretor regional de Ensino, Sandoval Cavalcanti, cerca
de 1 milhão de alunos (hoje há aproximadamente 4 milhões de estudantes
na rede) irão ser diretamente afetados pela reorganização. Segundo ele,
as mudanças não estão definidas e só serão divulgadas no dia 14 de
novembro.
O principal argumento para realizar a reorganização é o de melhorar o rendimento dos alunos, explica Cavalcanti.
— A reorganização vem, primeiro, pra que possamos adequar melhor os
espaços. Segundo, para melhorar a qualidade de ensino. Pesquisas da
Secretaria demonstram que as escolas divididas por segmento têm uma
evolução na aprendizagem 10% maior.
Porém, essa não é a opinião de especialistas na área. Para Ocimar
Alavarse, professor da faculdade de educação da USP (Universidade de São
Paulo), unir alunos de um único ciclo não irá influenciar no desempenho
dos estudantes.
— [Não tem] nenhum benefício. Alegam que vai melhorar o desempenho se os
alunos estiverem todos no mesmo ciclo. Isso é falacioso. O grande
problema do aprendizado das crianças é o acompanhamento do processo
pedagógico. Tem que enfrentar o que acontece nas escolas paulistas. Essa
mudança só vai causar transtorno para famílias, professores e alunos.
O professor também defende que a interação de crianças de idade diferente não é prejudicial.
— Na sociedade, você tem situações onde crianças de várias faixas
etárias convivem. Além disso, temos a questão do bullying. Isso ocorre
também com crianças da mesma idade. E, por último, e mais importante,
90% do tempo em que as crianças estão na escola, elas estão em sala de
aula com crianças da mesma faixa etária.
Para Alavarse, discutir reorganizações físicas pode ser interessante, mas essa regra não é o melhor caminho.
— Não estou dizendo que rearranjos físicos não possam ser pensados.
Podemos pensar em realocar, mas você faz um estudo caso a caso, estuda a
escola que está lotada e pensa em como melhorar.
Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, acredita que talvez unir alunos de um mesmo ciclo em uma única
escola possa ser positivo. No entanto, as escolas públicas do Estado
enfrentam outros problemas.
— Em tese, poderia fazer um sentido pedagógico, mas na prática isso
altera tanto a vida das famílias que a tendência é que não tenha impacto
pedagógico nenhum. Vai gerar angústia e discussão na rede e não vai ter
resultado em termos de melhoria de aprendizado.
Para o coordenador, discutir os ciclos tira a atenção das questões realmente importantes.
— O problema é estrutural. Tinha que investir mais da educação, melhorar
a infraestrutura das escolas, focar em programas de formação continuada
para melhorar a formação dos professores, a troca de experiência entre
os professores, uma série de coisas que poderiam ser mais efetivas e
menos traumáticas. Mas essas medidas não são tão midiáticas.
Questionada sobre a lista de escolas que poderia ser fechada que teria
sido divulgada em reunião, a Secretaria da Educação do Estado de São
Paulo informou, em nota, que desconhece a informação "e ratifica que o
estudo que definirá as unidades que passarão pelo processo de
reorganização ainda está sendo feito pelas diretorias regionais de
ensino e educadores". A pasta ainda explica que "nem todas as escolas
passarão pelo processo e escolas com mais de um ciclo ainda funcionarão
devido às diferenças demográficas e as necessidades regionais".
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