Maior parte dos agrotóxicos não atinge a praga alvo, contamina as águas subterrâneas e superficiais e traz graves riscos à saúde
[Por
Larissa Stracci, para o
EcoDebate]
A utilização de agrotóxicos é a 2ª maior causa de contaminação dos rios
no Brasil, perdendo apenas para o esgoto doméstico, segundo dados do
IBGE. Considerando que a agricultura é o setor que mais consome água
doce no Brasil, cerca de 70%, segundo o Fundo das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO), pode-se dizer que além de sérios
problemas para a saúde, os agrotóxicos também se transformaram em um
grave problema ambiental no país.
De acordo com o engenheiro agrônomo e professor da Universidade
Estadual de Campinas, Mohamed Habib, “hoje o Brasil é o maior consumidor
de agrotóxico do mundo, embora não seja o maior produtor”. Atualmente o
Brasil utiliza 19% de todo defensivo agrícola produzido no planeta,
segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Além
disso, mais de 99% dos venenos aplicados na lavoura não atingem a praga
alvo. Então, pode-se dizer que mais de 99% dos agrotóxicos vão para os
rios, para o solo, para o ar e para a água subterrânea”, afirma Habib.
Para o especialista em instrumentação ambiental e hidrológica, Mauro
Banderali, “Embora a disponibilidade de água no Brasil seja imensa, é
preciso garantir sua qualidade para as gerações futuras. Por isso, ao
detectar o aparecimento de resíduos de agrotóxicos nas reservas de água
subterrânea e superficial, é necessário tomar medidas para evitar o
agravamento do problema. Quando a água é contaminada por defensivos
agrícolas, sua detecção e descontaminação é mais difícil e custosa. De
modo geral, esses químicos raramente são analisados ou removidos das
águas, tornando-se uma ameaça à saúde de todos que a ingerem,
particularmente para substâncias cumulativas”.
Consequências para a vida aquática
A água poluída com agrotóxicos irá prejudicar diretamente a fauna e a
flora aquática. “A contaminação das águas pelos agrotóxicos tem efeito
direto nos seres vivos que vivem na água, a biota de um modo geral. Se o
veneno que chega nas águas for o herbicida, o efeito é direto e pode,
por exemplo, matar as plantas aquáticas. Se o rio for contaminado por um
veneno que mata animais, pode ocorrer a morte de algumas espécies de
peixes menores”, explica o professor.
Além dos efeitos diretos, o carregamento de agrotóxicos pelos rios e
lagos, também traz alguns efeitos indiretos para a biota aquática e para
a saúde humana. “Alguns peixes armazenam os agrotóxicos no tecido
adiposo e por isso, não sofrem danos diretamente. No entanto, quando nós
compramos esse peixe contaminado com veneno e o ingerimos, algumas
pessoas podem passar mal e sofrer algum tipo de intoxicação
(envenenamento). Tem muita gente que compra peixes pequenos para dar
para seu gato de estimação e o animal chega até a morrer”, alerta Habib.
Os compostos orgânicos, ao entrar em contato com a água, provocam um
aumento no número de microrganismos decompositores. De acordo com o
especialista Mauro Banderali, “além de estarmos criando um ambiente de
restrição da vida, ainda criamos uma armadilha para as populações que se
utilizam desta água, em razão de inúmeros defensivos agrícolas
utilizarem em sua formulação compostos orgânicos altamente estáveis e
lipossolúveis, depositando-se preferencialmente nas gorduras dos
animais. Por ingestão da água ou de animais que dela dependem, estamos
acumulando estes defensivos em gorduras do corpo que jamais serão
eliminadas em vida”.
Ao serem carregados pelas águas superficiais, os agrotóxicos passam a
fazer parte do do ciclo natural da natureza. Segundo o professor da
Unicamp, “quando se trata de água corrente, o veneno vai fazer parte de
um ciclo e um dia vai chegar ao oceano. Ainda hoje, análises nas
geleiras polares mostram que naquele gelo existe DDT, um veneno proibido
há muitos anos. Isso é pra se ter uma ideia do processo: saiu da
lavoura através da chuva, passou pelos rios e mar e através das
correntes marítimas, chegou às geleiras”, comenta Mohamed Habib.
O Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) foi o primeiro veneno moderno,
sintetizado em 1874 e utilizado como pesticida a partir de 1939. Após a
Segunda Guerra Mundial, foi usado em larga escala para combater os
mosquitos da malária. O DDT foi banido de vários países na década de 70,
após estudos comprovarem sua relação com casos de câncer.
No Brasil,
seu uso foi proibido na agricultura em 1984, porém sua produção em larga
escala, uso como medicamento e exportação foram permitidos até 2009
,conforme lei federal nº. 11.936 de 14 de maio de 2009. De acordo com o
professor Mohamed Habib, “alguns tipos de venenos como é o caso dos
organoclorados, venenos utilizados antigamente por produtores rurais,
apesar de serem proibidos, continuam sendo aplicados e usados
ilegalmente”. Os organoclorados são os inseticidas que mais persistem no
meio ambiente, chegando a permanecer por até 30 anos.
Segundo o especialista em instrumentação ambiental, Mauro Banderali, é
preciso conhecer a qualidade das águas nas regiões influenciadas pela
agricultura. “Uma das maneiras de avaliar os impactos dos defensivos
agrícolas nos recursos hídricos consiste no monitoramento desses
resíduos. Atualmente, já existem tecnologias que monitoram e mensuram
parâmetros físico-químicos na água e são aplicados no monitoramento
geral da sua qualidade, porém moléculas químicas específicas, se faz
necessário o apoio de laboratórios especializados para sua detecção.
Problema brasileiro
Para Mohamed, o Brasil é um país sem conscientização do problema em
relação aos demais. “Estamos falando de países com uma situação melhor
que a nossa: Europa, América do Norte e alguns países asiáticos como o
Japão. Esses países têm consumidores muito mais conscientes em relação à
utilização de agrotóxicos que cobram essa postura de seus governos.
Portanto, os governos também são mais conscientes, não formam lobbys
como no Brasil. O setor industrial também é mais consciente, não é como o
Brasil que faz de conta que não está acontecendo nada e continua
abusando da utilização dos agrotóxicos”, comenta o professor.
Segundo Habib, a utilização de agrotóxicos hoje é uma prática
condenada, “porque a ciência coloca à disposição vários outros métodos
de produção. Basta investir. Basta a sociedade humana valorizar um pouco
mais a vida, pois hoje estamos pagando muito caro pelas
irresponsabilidades do passado”.
Ingestão de agrotóxicos e saúde
Pela água ou através do próprio consumo de alimentos, a ingestão de
venenos agrícolas pode ocasionar diversos tipos de doenças, seja ela em
grandes ou pequenas quantidades. Conforme explica o professor da Unicamp
e engenheiro agrônomo, Mohamed Habib, “dependendo do tipo de veneno, os
efeitos para a saúde humana são morte, envenenamento estomacal,
problemas no sistema nervoso, convulsões, lesões nos rins e cânceres.
Esse efeito pode ser agudo, imediato ou crônico, a curto, médio ou longo
prazo. As consequências podem aparecer também nos filhos e netos dessa
pessoa, principalmente quando se trata das doenças cancerígenas e
tumores”.
Fonte:
Redação Ag Solve, por Larissa Stracci
EcoDebate, 24/08/2012
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