| 25 Junho 2014
Artigos - Governo do PT
Equivocada
exoneração do secretário de Administração Penitenciária de Goiás — por
conta de reportagem do “Fantástico” — é uma das muitas ações do
Executivo, do Judiciário e do Ministério Público que só reforçam o poder
dos bandidos.
Ninguém
de relevância política neste País tem coragem de enfrentar a legislação
pró-bandido ditada pelas universidades, sob a inspiração de Michel
Foucault. E a imprensa é cúmplice das universidades na defesa dos
direitos humanos de criminosos em detrimento da segurança da população.
O “Fantástico”, da Rede Globo, mostrou que duas grandes penitenciárias do Brasil — a de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e a de Aparecida de Goiânia, em Goiás — são comandadas pelos próprios presos. De dentro das cadeias, os chefões do crime encomendam roubos de veículos, que acompanham em tempo real pelos celulares de última geração, e extorquem dinheiro das famílias de outros presos, em quantias que podem chegar a R$ 500.
Além disso, promovem churrascos com mais de mil espetinhos e
bacanais com prostitutas todo final de semana. Em conversas telefônicas,
um preso disse: “Mulher não falta. É todo domingo”. Outro arrematou:
“Carne aqui é mato”. E a reportagem ainda mostrou celas com geladeiras
duplex abarrotadas de comida, TV de tela plana, ventiladores e
liquidificadores, entre outros eletrodomésticos.
Veiculada
no domingo, 15 de junho, a reportagem do “Fantástico“ derrubou o
titular da Secretaria de Administração Penitenciária e Justiça do Estado
de Goiás, Edemundo Dias. Oficialmente, o secretário pediu demissão, mas
extraoficialmente se sabe que foi exonerado pelo governador Marconi
Perillo (PSDB).
Lamentável efeito de uma reportagem que parece ter sido
editada pela dupla Marcola & Beira-Mar, os respectivos chefes do PCC
e do Comando Vermelho, que comandam os presídios e as favelas no País.
Levando em conta que a reportagem denunciou as regalias dos bandidos
dentro das penitenciárias, parece absurdo o que estou dizendo.
Mas vou
provar, ao longo deste artigo, que esse tipo de reportagem — como
praticamente tudo o que a imprensa mostra sobre presídios — mais ajuda
do que atrapalha os criminosos.
Adianto
que jamais vejo o “Fantástico” ou qualquer outro programa jornalístico
de televisão. A oligofrenia reinante no noticiário de TV embrutece o
espírito e me dá nos nervos. Acompanho o que sai na TV pela repercussão
na imprensa escrita e, quando o caso merece exame, vou atrás dos vídeos
por meio da internet.
Foi o caso da reportagem do “Fantástico” sobre os
presídios de Goiás e do Rio Grande do Sul, que só vi após a repercussão
no jornalismo impresso. O que chama a atenção de imediato é a diferença
de tratamento da reportagem em relação às autoridades prisionais do
governo tucano de Goiás, as autoridades prisionais do governo petista do
Rio Grande do Sul e as autoridades judiciárias de ambos os Estados.
As
autoridades prisionais goianas foram acuadas, sem piedade, pela
reportagem do “Fantástico”, que, todavia, não demonstrou o mesmo senso
crítico, investigativo, em relação às autoridades prisionais gaúchas e,
sobretudo, em relação ao Ministério Público e ao Poder Judiciário,
tratados com uma deferência que depõe contra o jornalismo.
Presídio não pode ser feira livre
Edemundo Dias, secretário exonerado em Goiás: humilhado pela reportagem
do programa “Fantástico”. Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
do programa “Fantástico”. Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Na
cinematografia e, por consequência, no telejornalismo, a câmara não é
apenas um mecanismo que capta movimento e som — é, sobretudo, o olhar
subjetivo do cinegrafista e do seu editor, capaz de qualificar a imagem
que está sendo filmada, dependendo do ângulo em que isso é feito. A
angulação da câmara é uma forma de adjetivar a cena, sendo suficiente
para enaltecer ou vilipendiar uma pessoa que está sendo entrevistada
mesmo que ela não faça nada de errado.
O secretário de Administração
Penitenciária de Goiás, Edemundo Dias, foi humilhado pela reportagem do
“Fantástico”, que o filmou em plano alto, isto é, a câmara o focalizou
de cima para baixo, de modo inquisitorial, apequenando sua imagem,
acuando-o atrás da mesa, colocando-o na defensiva, numa situação de
óbvia inferioridade diante dos repórteres.
Essa edição de imagem, sem
dúvida, pesou muito mais do que o teor das respostas do secretário
goiano, que, de modo algum, se saiu pior do que os demais entrevistados —
pelo contrário, eu diria que se saiu até melhor.
Já
a conduta da reportagem do “Fantástico” diante do secretário de
Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Airton Michels, foi
completamente distinta. Ele aparece sentado com as pernas cruzadas e as
mãos no respaldar de sua confortável poltrona, enquanto a câmara o
focaliza de baixo para cima, realçando seu rosto decidido, levemente
inclinado para trás, numa postura de superioridade diante do
interlocutor.
Mas as respostas do altivo Airton Michels, com seu tom
professoral, seus olhos claros e a barba de intelectual trotskista, não
foram melhores do que as do humilde Edemundo Dias, com seu perfil de
retirante nordestino que, mesmo quando bem-sucedido, nunca parece
confortável no terno.
A rigor, a resposta do secretário gaúcho foi muito
mais condenável do que a do secretário goiano, mas não provocou nenhuma
reação crítica da reportagem do “Fantástico”, muito menos levou o
governador Tarso Genro (PT) a exonerá-lo do cargo, em que pese ele
merecer essa exoneração mais do que o secretário goiano.
O
secretário Edemundo Dias, ao ser confrontado com as mordomias dos
presos do complexo prisional de Aparecida de Goiânia, deu a resposta
padrão de toda autoridade quando é surpreendida pela imprensa com um
fato incômodo: “Disso eu não tenho conhecimento. Estou tomando
conhecimento agora e vou mandar verificar. Se for constatada alguma
irregularidade nesse sentido, nós vamos tomar as providências”.
A
reportagem do “Fantástico”, como era de se esperar, não se contentou com
a resposta e pediu para entrar no pavilhão do presídio onde estão os
presos com mordomias. O secretário chegou a acompanhar os repórteres até
as proximidades do pavilhão, mas depois mudou de ideia e, perseguido
pela câmara, deixou para trás a equipe dizendo que precisava trabalhar —
é o que se depreende de sua fala à distância, quase inaudível.
A
reportagem passou a entrevistar, então, o superintendente de Segurança
Penitenciária, João Carvalho Coutinho Júnior, que, alegando razões de
segurança, não permitiu a entrada da equipe.
A
cena mostrada pelo “Fantástico” não poderia ser mais constrangedora
para o sistema prisional goiano: o superintendente de Segurança
Penitenciária é entrevistado à frente de uma barreira de policiais
armados, como se eles estivessem lá para impedir a entrada da imprensa e
resguardar um malfeito que a direção do presídio tentava esconder.
Ora,
aqueles policiais estavam ali para proteger a sociedade, inclusive a
equipe de reportagem do “Fantástico”, pois um presídio que abriga
bandidos perigosos não pode ser tratado como feira livre e,
especialmente quando há visitas, em que sempre existe a possibilidade de
rebeliões e reféns, é preciso que guardas armados reforcem a segurança
do local, pois só agentes penitenciários desarmados são insuficientes
para isso.
Mas o “Fantástico”, conscientemente ou não, acabou retratando
os policiais como se eles fossem meros capangas da direção do presídio
goiano, interpondo-se indevidamente no caminho de sua reportagem.
Secretário gaúcho admite privilégio de presos
Mas as gaguejantes autoridades prisionais goianas, que foram intimidadas pela reportagem do “Fantástico”, deram respostas, sem dúvida, menos indecorosas do que as do secretário gaúcho Airton Michels, que, como o próprio “Fantástico” admite, reconheceu as mordomias dos presos do Presídio Central de Porto Alegre.
Com sua professoral assertividade, o
secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul assim se expressou
sobre essas mordomias: “Não deve, não pode, mas o resultado, a
consequência de eliminar com alguns privilégios de algumas facções, pode
ser uma tragédia”.
Reparem na gravidade desta resposta de Airton
Michels: ele admite que as facções criminosas gozam de privilégios
dentro dos presídios de seu Estado, mas aceita essa situação, porque,
segundo ele (provavelmente pensando em Carandiru), se cortasse os
privilégios dos presos, ocorreria uma tragédia.
Ora,
pode haver tragédia maior do que uma sociedade refém de criminosos que,
mesmo presos, comandam latrocínios, sequestros, assaltos e extorsões de
dentro das cadeias, obrigando o cidadão de bem a sustentá-los duas
vezes — com o dinheiro dos impostos que mantêm os presídios e com o
sangue das vítimas cujas vidas eles ceifam impunemente, protegidos pelo
próprio Estado?
Era essa a pergunta que devia ter sido feita à
queima-roupa ao secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul.
Mas a reportagem do “Fantástico” — tão impiedosa com o secretário
goiano que disse desconhecer as mordomias dos presos — aceitou
passivamente uma declaração muito mais grave do secretário gaúcho: a de
que as mordomias das facções criminosas nas cadeias existem sim, mas que
é preciso aceitá-las — o que, partindo de uma autoridade pública, é o
mesmo que oficializá-las, legalizá-las, instituí-las.
Por
que o “Fantástico” foi tão condescendente com o secretário de Segurança
Pública gaúcho?
Porque, ao contrário das autoridades prisionais
goianas, ele não é um zé-ninguém no plano nacional e, consciente de seu
poder, sabe colocar um repórter no seu devido lugar.
Formado em Ciências
Jurídicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Airton
Michels lecionou Direito Penal na Universidade do Vale do Rio dos Sinos e
foi promotor de Justiça — um fato que, por si, já garante o respeito
irrestrito da imprensa, que sempre se deixa cegar pelo Ministério
Público. Além disso, Airton Michels se tornou uma estrela técnica do
governo petista na área de segurança pública: durante o governo Lula,
foi indicado por Tarso Genro, de quem é correligionário, para a direção
geral do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), cargo que
exerceu de meados de 2008 até o final de 2010, quando aceitou o convite
do governador eleito Tarso Genro para ser secretário de Segurança
Pública do Rio Grande do Sul.
Tarso Genro: governador gaúcho não demitiu secretário que admitiu regalias de presos
no Rio Grande do Sul
Festanças em presídio não são novidade
A declaração de Michels, aceitando as mordomias das facções criminosas, é muito mais grave do que parece. Ele não fala apenas em nome da política prisional de seu Estado, mas em nome da política penitenciária do País, que, desde a Constituição de 88, mas, sobretudo a partir da Era Lula, vem sendo pautada pela perniciosa filosofia de Michel Foucault (1926-1984), que transforma o criminoso em vítima da sociedade.
E a Rede
Globo, em que pese sua reportagem sobre mordomias de presos, professa
essa filosofia, tanto que a reportagem do “Fantástico” se encerra com
uma fala asquerosa do juiz Sidney Brzusca, titular da Vara de Execuções
Criminais do Rio Grande do Sul, que afirmou textualmente sobre as
facções criminosas que gozam de privilégios nos presídios e comandam o
crime de dentro das celas: “Não se combate facção com arma, com escudo,
com gás; combate-se facção assegurando direitos.
Os presídios que têm
isso funcionando não têm facção”.
Essa
afirmação do magistrado gaúcho — transformada pelo “Fantástico” em
chave de ouro de sua reportagem — é absolutamente falsa. Basta o que
aconteceu no complexo prisional de Aparecida de Goiânia para desmenti-la
de forma cabal. E, no Brasil inteiro, de Norte a Sul, de Leste a Oeste,
quanto mais se asseguram direitos para os presos, mais poderosos eles
se tornam, controlando não só os presídios, mas as próprias favelas das
cidades.
O sistema penitenciário goiano, por exemplo, chegou a essa
situação de descalabro justamente porque, a exemplo dos demais sistemas
prisionais do País, ele garante às facções criminosas diversas regalias
travestidas de direitos, em vez de combatê-las com arma, escudo e gás.
Prova disso é que, há quase um ano, em 21 de julho de 2013, em artigo
sobre a Lei Maria da Penha, critiquei as autoridades penitenciárias
goianas, acusando o Estado de Goiás de fomentar oficialmente o crime,
com a nociva cumplicidade da imprensa, especialmente do jornal “O
Popular”, que, com sua proverbial defesa dos modismos politicamente
corretos, acaba sendo o maior defensor das regalias dos criminosos
travestidas de direitos humanos.
A
minha justificada ira decorreu do fato de que fora desbaratada uma das
maiores quadrilhas de roubo de carros e tráfico de drogas do Estado de
Goiás, com ramificações internacionais, e sete de seus 14 líderes eram
bandidos que já cumpriam pena no complexo prisional de Aparecida de
Goiânia, o que me levou a chamá-lo de “um dos muitos quartéis-generais
do crime disfarçados de penitenciárias”.
Todos os contatos externos dos
presidiários que chefiavam a quadrilha eram mulheres, que ficavam
responsáveis pelas contas correntes do bando e cuidavam de outras
operações burocráticas.
O próprio superintendente de Segurança
Penitenciária de Goiás, João Carvalho Coutinho Júnior, que aparece na
reportagem do “Fantástico”, em entrevista ao jornal “O Popular”, em 18
de julho de 2013, disse acreditar que os celulares eram levados para
dentro dos presídios nas partes íntimas dos visitantes — o que me levou a
afirmar que as mulheres dos presos estavam sendo transformadas por uma
legislação penal leniente em “verdadeiras bocetas ambulantes no sentido
machadiano do termo”.
Ou
seja, se o governo estadual, o Ministério Público de Goiás e o
Judiciário goiano estivessem, de fato, preocupados com a segurança da
população, a cúpula do sistema prisional do Estado já deveria ter sido
demitida em julho do ano passado — uma semana após a posse de Edemundo
Dias em seu comando —, quando se descobriu que o complexo prisional de
Aparecida de Goiânia não era um verdadeiro presídio, mas um valhacouto
de criminosos, homiziados pela própria lei e pela covardia das
autoridades brasileiras, que sacrificam a vida da população inocente
apenas para não se indispor com os formadores de opinião encastelados
nas universidades e, hoje, com poderes até no Supremo.
Por que, já
naquele momento, não foi exonerada a cúpula do sistema prisional do
Estado? Ora, porque “O Popular” (um dos veículos do Grupo Jaime Câmara,
que detém a filiada da Rede Globo em Goiás), noticiou o descalabro do
sistema prisional goiano, mas teceu elogios à sua cúpula, poupando o
governador do rompante midiático de agora, em que, diante da denúncia do
“Fantástico”, decidiu exonerar Edemundo Dias.
Sim,
a exoneração de Edemundo Dias é um inútil rompante midiático, que não
tem sustentação nos fatos. Afirmo isso com a autoridade de quem abomina a
ideologia dos direitos humanos do secretário exonerado, tanto que já o
critiquei duramente em artigo de jornal e até numa edição do programa
“Roda de Entrevista”, da TBC Cultura, comandado pelo jornalista Reynaldo
Rocha, na qual ele era o entrevistado e lhe dirigi palavras ásperas,
confesso, pois não suporto ver essa gente dos direitos humanos
transformando o sangue inocente das vítimas em vistosas teorias
acadêmicas para acumular títulos universitários, em nome da vaidade e da
melhoria salarial, ainda que Edemundo Dias pareça pecar mais por
ingenuidade do que por vaidade.
Ele deve ter achado que apenas o seu
mestrado em Direito Público na Universidade de Extremadura, na
Espanha, lhe daria um salvo-conduto intelectual para colocar os direitos
humanos acima da segurança pública. Enganou-se, pois Marconi Perillo
não é Tarso Genro e sabe que, ao contrário do governador petista, não
desfruta de imunidade na imprensa nacional quando se trata de questões
sociais.
Imprensa contribui para a crise dos presídios
Mas essa nefasta política de direitos humanos para criminosos — que desumaniza seus familiares e gangrena toda a sociedade — existe no sistema prisional goiano à revelia de Edemundo Dias, pois é a norma de todo o sistema penal brasileiro. Sua exoneração não vai impedir as facções criminosas de continuarem no comando do presídio.
Afinal, toda a
atual cúpula do sistema prisional goiano é a mesma de julho do ano
passado, quando se constatou que havia uma quadrilha atuando dentro do
presídio de Aparecida de Goiânia, graças ao fim das revistas íntimas de
familiares de presos, em nome de seus direitos humanos, o que facilitou o
contrabando de celulares para dentro do presídio.
Na época, em 10 de
julho de 2013, Edemundo Dias assumiu a Secretaria de Administração
Penitenciária recém-criada, mas já era o presidente da Agência Prisional
do Estado, cargo que ocupava desde 2011.
E o secretário de Segurança
Pública, então também responsável pelo sistema prisional, já era o
delegado Joaquim Mesquita, da Polícia Federal, que, a convite do
governador Marconi Perillo, tomou posse do cargo em 29 de outubro de
2012.
Agora, com a exoneração de Edemundo Dias, ele assume interinamente
a direção do sistema prisional — e, com certeza, continuará fracassando
em sua missão de sanear o sistema, pois nem o secretário, nem o
governador, nem ninguém de relevância política neste País tem coragem de
enfrentar a legislação pró-bandido ditada pelas universidades, sob a
inspiração de Michel Foucault.
E
a imprensa é cúmplice das universidades na defesa dos direitos humanos
de criminosos em detrimento da segurança da população. Prova disso é
que, em julho do ano passado, mesmo depois de constatar que uma das
maiores quadrilhas de tráfico de drogas e roubo de carro do País atuava
dentro do complexo prisional de Aparecida de Goiânia, o jornal “O
Popular” cobriu de elogios a decisão da cúpula do sistema prisional de
abolir as revistas íntimas no presídio.
Disse, então, o jornal: “Goiás
foi um dos primeiros Estados a implantar a revista humanizada durante as
visitas de familiares. Um dos avanços foi impedir que as mulheres sejam
submetidas à chamada revista vexatória, que consistia em ficar nuas,
com as pernas abertas, sobre um espelho para revista”. Ocorre que, como
também não havia detectores de metais, a entrada de celulares corria
solta.
O que não impediu o superintendente João Carvalho Coutinho Júnior
de garantir à época: “Não vamos voltar atrás nesse avanço. A visita
humanizada será mantida, por isso temos de investir em tecnologia”.
Se
a anunciada reforma do sistema prisional goiano fosse para valer, João
Carvalho Coutinho deveria ter sido exonerado junto com Edemundo Dias,
pois o “avanço” da visita humanizada que ele anunciou no ano passado
serviu apenas para consolidar o poder das quadrilhas dentro do complexo
prisional de Aparecida de Goiânia. Na época, enquanto o jornal “O
Popular” batia palmas para a ação temerária do superintendente, eu o
invectivei em meu artigo:
“Ora, senhor João Carvalho Coutinho Júnior, o
senhor já se perguntou, ao pôr a cabeça no travesseiro, quantas vítimas
inocentes, inclusive mulheres e crianças, não passaram maus bocados nas
mãos de facínoras ou foram feridas e mortas por conta do abjeto, covarde
e imbecil humanismo que tomou conta das autoridades desse País,
inclusive do governo que vossa senhoria representa?”
E acrescentei:
“Onde está o Ministério Público, que se empenhou em cavar uma pensão do
Estado para a mãe de Pareja, o criminoso que rebelou o antigo Cepaigo,
mas não é capaz de obrigar esse mesmo Estado a indenizar as vítimas dos
presos que praticam crime de dentro das próprias cadeias custeadas por
nossos impostos?”
O Estado patrocinando o crime
Ailton Michels, secretário de Segurança Pública gaúcho: tratado
com total deferência pelo “Fantástico”
com total deferência pelo “Fantástico”
Infelizmente,
a imprensa brasileira, sempre que trata de segurança pública, só faz
cobranças ao Executivo e se esquece dos acadêmicos de ciências humanas,
especialmente os operadores do direito, principais responsáveis pela
legislação penal leniente, que resulta em mais de 60 mil homicídios por
ano, pois, como mostrou um estudo de Daniel Cerqueira, do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), muitos dos milhares de
desaparecidos das estatísticas oficiais são, de fato, vítimas de
assassinato.
Na reportagem do “Fantástico”, por exemplo, os magistrados e
promotores entrevistados colocam-se na confortável posição de críticos
do Executivo, quando, na verdade, são cogestores do sistema prisional e,
consequentemente, também culpados pelos seus problemas. Aliás, diretor
de presídio, hoje, não passa de rainha da Inglaterra — tudo o que
acontece com o preso é determinado pelo juiz da Vara de Execuções
Penais.
A
despeito disso, o juiz Sidney Brzusca, titular da Vara de Execuções
Criminais de Porto Alegre — o mesmo que disse que facção criminosa não
se combate com arma, escudo e gás, mas com direitos —, contou ao
“Fantástico” que os presos são os verdadeiros comandantes dos presídios,
chegando a ter cargos na cadeia, e deu um exemplo: “Um dia perguntei
para um preso se estava trabalhando na galeria, e ele disse que não.
‘Faz o quê?’ ‘Eu sou ministro dos esportes’”. O juiz relatou esse fato
com um sorriso nos lábios, como se fosse um cidadão comum, e o repórter
da Globo não teve a coragem de lhe perguntar que atitude ele tomou, como
autoridade, diante daquele preso que se autointitulava “ministro dos
esportes” da cadeia.
Imaginem se uma diretora de escola contasse à
imprensa que seus alunos é que mandam e desmandam na escola e dissesse
isso com um sorriso nos lábios, como fez o juiz — seria exonerada no
ato. Mas juízes são vitalícios e inamovíveis — o que exige deles ainda
mais gravidade no exercício dessa nobre função.
Já
o procurador-geral de Justiça de Goiás, Lauro Machado Nogueira, afirma:
“O escárnio é uma encomenda de 1.200 espetinhos para fazer uma festa
dentro do presídio”.
De fato, é um escárnio. Mas não será também um
escárnio sete promotores, juntamente com magistrados, passarem mais de
um ano gravando conversas telefônicas de bandidos que já estão presos,
limitando-se a monitorar os crimes que eles cometem, quando seria muito
mais decente cortar as abusivas visitas semanais, especialmente as
íntimas, e mandar a PM fazer varreduras diárias nos presídios até que os
presos aprendam, se preciso à força, que cadeia não é nem bar nem motel
muito menos pode ser transformada em quartel-general do crime?
Quantos
inocentes não sofreram traumas, perderam bens ou foram mortos em
assaltos, sequestros e latrocínios praticados por presos que estavam
sendo monitorados pelas próprias autoridades nas cadeias de Aparecida de
Goiânia e Porto Alegre?
Cadeia não pode ser transformada em Big Brother Brasil de promotor e juiz. Monitoramento eletrônico é para produzir prova contra criminosos que estão livres. Os que já estão presos devem ter suas ações cortadas pela raiz e não depois de um inquérito que se arrasta por mais de um ano. Isso já não é nem escárnio — é uma tragédia humana.
E se a imprensa se limitar a pressionar o Executivo, sem cobrar responsabilidade do Ministério Público, do Judiciário, da OAB, das universidades e do Congresso, o genocídio da população brasileira vai continuar sendo praticado duplamente — não só pelos criminosos soltos, mas também pelos bandidos presos, sob o patrocínio do Estado brasileiro.
José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.
Publicado no Jornal Opção. Mídia sem Mascara