Folha de S. Paulo – Antes pioneiro, Brasil perde espaço em novas ações contra o tabagismo
País enfrenta desafio de reverter estagnação na queda de fumantes e entraves judiciais e políticos
21.out.2018 às 2h00
Natália Cancian
GENEBRA
Reconhecido como um dos primeiros países a adotar medidas mais duras contra o tabagismo, o Brasil vive o desafio de reverter uma estagnação no índice de fumantes, ao mesmo tempo em que entraves judiciais e no Congresso o levam a perder a liderança em novas ações.
Segundo país do mundo a adotar imagens de advertência sobre os riscos de fumar, em 2001, o Brasil está atrás de outros países quando se compara o espaço dedicado a essa medida. Os dados são do relatório Cigarette Package Health Warnings: International Status Report, da Sociedade Canadense de Câncer.
“O Brasil foi o segundo a adotar imagens de advertências nas embalagens. Também foi um dos primeiros países a banir expressões como ‘light’ e ‘suave’ dos cigarros. Mas agora está realmente ficando para trás”, afirma Rob Cunningham, analista de políticas e responsável pela análise.
Por outro lado, avançou o número de países que dedicam maior espaço nos maços para os alertas ou que adotam embalagens genéricas.
A Austrália foi o primeiro país a adotar o maço genérico, em 2012, com cores e tipografias padronizadas. Estudos apontam que a mudança, acompanhada de maior espaço aos alertas, ajudou acelerar a tendência de queda na prevalência de fumantes.
Desde então, nove países já adotam a iniciativa, e 16 avaliam a implementação. O mais recente foi o Uruguai.
No Brasil, o tema aparece em ao menos três projetos de lei no Congresso. Entre eles, dois estão parados desde 2015. O terceiro teve como última movimentação uma carta enviada em agosto por representantes da indústria que pedem a senadores que o projeto seja rejeitado. Eles afirmam que o setor já é muito regulamentado e que novas medidas estimulariam o mercado ilegal.
Para Cunningham, o pouco espaço para a advertência na frente dos maços no Brasil abre brecha para que empresas escondam os alertas. “Hoje há países com 80% e 90% da frente da embalagem com advertências. Se só há alerta em um lado, a pessoa pode simplesmente virar para não ver.”
Mas não é só na questão das embalagens que o país vive um impasse.
Em conferência neste mês com países que fazem parte da Convenção-Quadro de Controle do Tabaco, tratado vinculado à OMS (Organização Mundial de Saúde), o Brasil foi citado como exemplo pelas ações já realizadas para reduzir o número de fumantes. Entre elas estão a lei antifumo, o veto à publicidade e a definição de preços mínimos para o cigarro.
Na prática, porém, especialistas apontam a necessidade de novas estratégias.
“O Brasil ainda é reconhecido como líder pelas medidas que acarretaram redução no tabagismo, mas já há algumas áreas em que o Brasil não acompanhou os avanços”, diz Mônica Andreis, da ACT Promoção da Saúde [antiga Aliança de Controle do Tabagismo].
Ela cita, além das embalagens padronizadas, o veto à exposição dos produtos nos pontos de venda. Hoje, ao menos 60% dos países que fazem parte do tratado já adotam essa última medida.
No ano passado, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou norma que impede colocar cigarros perto de balas e chocolates —a medida, no entanto, só entra em vigor em 2020.
O alerta sobre a necessidade de novas ações ocorre em meio à recente estagnação na taxa de fumantes, que até então vinha caindo no país.
Entre 2006 e 2017, o índice caiu 35% e chegou a 10,1%. Nos últimos dois anos, porém, a taxa parou de cair e ficou estável, segundo o Vigitel, do Ministério da Saúde. Ao mesmo tempo, dados apontam aumento no consumo de cigarros entre jovens de 18 a 24 anos.
A tentativa de adotar novas ações tem esbarrado em embates judiciais e em disputas dentro do Congresso e do Executivo.
Para Tânia Cavalcante, da comissão de implementação das medidas da convenção-quadro, a dificuldade está atrelada ao poder da indústria de interferir na política.
Desde fevereiro, a Anvisa trava um novo embate com a indústria para fazer valer uma norma que proíbe o uso de aditivos de sabor e aroma em cigarros, como o mentol.
A agência diz ter sido notificada de 16 novas ações judiciais contra a medida. Dessas, oito já tiveram liminares favoráveis à indústria. Na prática, 90% das marcas continuam no mercado.
O combate ao marketing nas redes sociais, o aumento nos preços e impostos dos cigarros, não reajustados há dois anos, e o combate ao comércio ilegal são outras medidas defendidas por especialistas.
Neste último caso, o país deu um novo passo: em maio, após cinco anos de debates, ratificou um protocolo de combate ao problema.
Já o aumento na tributação não tem prazo. A Receita Federal diz que está “atenta ao mercado” e que, “ao perceber a necessidade de recalibrar os elementos de tributação, não hesita em propor adequação”.
MEDIDAS ESTIMULAM COMÉRCIO ILEGAL, DIZ INDÚSTRIA
A Abifumo (Associação Brasileira da Indústria do Fumo) contesta a avaliação de que o Brasil tem perdido espaço em novas ações. “O que deve reger a regulação de embalagens genéricas no Brasil são estudos que evidenciem a sua necessidade, não uma comparação com outros países.”
Para a entidade, propostas como uma maior restrição nas embalagens e aumento de impostos podem beneficiar o mercado ilegal. O mesmo vale para o veto a aditivos, substâncias que não trazem riscos maiores, alega.
“Não há nenhuma evidência que indique que cigarros mentolados ou com determinados ingredientes ofereçam riscos maiores à saúde do que outros.”
Especialistas e Anvisa discordam. A agência já citou estudo da OMS de 2014 que aponta que o uso dessas substâncias tem como finalidade o aumento do poder de causar dependência dos produtos derivados do tabaco.
Entre elas, estão a amônia, “que aumenta a nicotina livre e mascara o gosto ruim do produto”, e o eugenol e mentol, “que provocam analgesia para maior aspiração da fumaça e disponibilidade de nicotina nos pulmões”.
Para Stella Bialous, da Universidade da Califórnia em São Francisco, pesquisas já mostraram que países com mais contrabando não são os que têm o cigarro mais caro, mas mais barato.
A repórter viajou à 8ª COP a convite da ONG Campaign For Tobacco-Free Kids