Escrito por Olavo de Carvalho
| 13 Março 2015
Artigos -
Cultura
Aquela
história da mentira infindavelmente repetida que se torna verdade é ela
própria uma mentira infindavelmente repetida, que pode ser usada com
algum sucesso se você não acredita nela mas leva aos mais desastrosos
resultados quem acredita. Na maior parte dos casos, ela não passa de uma
autopersuasão de avestruz, boa para induzir um cretino a caminhar com
uma autoconfiança de sonâmbulo em terreno minado. O próprio dr. Joseph
Goebbels, a quem se credita a invenção dessa frase, terminou muito mal.
Chavões
e frases feitas são afirmações gerais de validade muito relativa, a que
você apela como premissas autoprobantes para sustentar outras
afirmações que em geral não têm validade nem mesmo relativa. São as
ferramentas de eleição do automatismo mental, criadas para você pensar
que está pensando quando na verdade está apenas falando. São o Petit Larousse do psitacismo.
O Príncipe de Maquiavel, o Manifesto Comunista
e as obras de Antonio Gramsci são depósitos clássicos onde os
necessitados sempre encontram as fórmulas de que necessitam para
realizar, de novo e de novo, a proeza de não entender coisíssima
nenhuma.
O
prestígio do maquiavelismo é algo que não cessa de me deslumbrar. Como é
possível que tantas pessoas aparentemente inteligentes continuem
seguindo com devoção de coroinhas as lições de sucesso de um bobão
cronicamente fracassado?
E
como é possível alguém continuar acreditando na teoria marxista da luta
de classes depois que Lênin demonstrou, por palavras e atos, que se
queriam mesmo uma revolução proletária era preciso realizá-la sem
proletários?
Desde que Jim Fixx, o inventor dos exercícios aeróbicos, morreu de ataque cardíaco em pleno jogging,
aos 52 anos de idade, comecei a desconfiar que todas as fórmulas
infalíveis são um perigo para a humanidade. A verdade é matéria de
intelecção direta, o ato mais individual e intransferível que existe.
Tão logo se cristaliza numa fórmula uniformemente repetível, a fórmula
se torna o melhor pretexto para não ter intelecção nenhuma.
O
sinal mais visível de esgotamento de uma corrente de idéias é quando
seus porta-vozes insistem em apegar-se aos seus chavões consagrados
justamente nas horas de desespero e confusão em que essas chavões se
relevam mais deslocados da situação concreta, mais incapazes de
descrever o que está se passando.
Quando
noventa e três por cento dos brasileiros expressam claramente seu
desprezo ao governo Dilma, não falta nos altos escalões do esquerdismo
quem diga que isso é a “elite” voltada contra “o povo”. Nunca imaginei
que, mesmo no mais excelso patamar de desenvolvimento econômico
concebível, pudesse uma nação ter sete por cento de povo e noventa e
três por cento de elite.
Em
plena efervescência geral contra a roubalheira petista, Frei Betto,
André Singer e mais dois bonecos de ventríloquo se reúnem na Apeoesp
para discutir “a ameaça conservadora aos direitos sociais”, quando é
patente que em todos os protestos populares anti-Dilma ninguém disse uma
palavra contra “direito social” nenhum, exceto o direito social de
meter a mão nos cofres públicos.
Quando
milhões de brasileiros estavam batendo panelas em protesto contra o
último discurso da presidenta, um líder petista, com ares de quem revela
preciosa inside information, afirmou “haver indícios” de que os
partidos de oposição haviam “financiado o panelaço”. Até agora me
pergunto como, por que meios, mediante quais artifícios bancários
esotéricos seria possível financiar um panelaço.
E,
é claro, não poderia faltar quem, rastreando as pistas mais sutis e
inefáveis, visse no panelaço a mão sinistra do governo de Washington.
William F. Engdahl, o Emir Sader americano, nosso já velho conhecido (v.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/100503dc.html e http://www.olavodecarvalho.org/semana/100623dc.html),
jura até que o “Movimento Passe Livre” foi inventado pelo sr. Joe Biden
para “desestabilizar o governo Dilma Rousseff”, quando no Brasil até as
crianças sabem que foi criado pelo próprio governo Dilma Rousseff para
desestabilizar a administração estadual paulista.
Em
suma, aconteça o que acontecer, o cérebro da esquerda, em avançado
estado de decomposição, já não sabe senão repetir os mesmos chavões de
sessenta, setenta anos atrás, desejando ardentemente que a mentira
repetida não apenas seja acreditada, mas adquira, pela força mágica da
repetição, a virtude transfigurante de uma profecia auto-realizável.
É
verdade que a debacle intelectual não traz necessariamente a derrota
política. Ao contrário. A própria história do PT mostra que é possível
um partido alcançar o cume do sucesso político justamente numa época em
que, intelectualmente, o seu discurso já estava morto e enterrado. Mas,
quando a glória política começa a declinar, não há sinal de impotência
mais deplorável e patético do que o esforço de apegar-se,
retroativamente, a um discurso já mil vezes desmoralizado. As mentiras
repetidas podem, às vezes, passar por verdades. Mas, como todos os
utensílios, têm um prazo de validade limitado.
Publicado no Diário do Comércio.