sábado, 24 de abril de 2021

 


Governo paralisa (de novo) fiscalização ambiental, denunciam servidores

Instrução Normativa publicada na semana passada retira autonomia de ação dos fiscais do Ibama e ICMBio, aumenta burocracia e favorece infratores

DANIELE BRAGANÇA · 

21 de abril de 2021

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O governo promoveu mais uma mudança nas regras de fiscalização ambiental – a segunda em menos de dois anos – e retirou a autonomia dos fiscais em campo, que agora precisam da autorização prévia de um superior para aplicar uma multa. As novas regras foram publicadas na quarta-feira (14) da semana passada através de uma instrução normativa conjunta assinada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e os presidentes do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, e do ICMBio, Fernando Lorencini. 

Em entrevista ao O Globo, após repercussão negativa da carta dos servidores, o ministro Ricardo Salles afirmou que o objetivo da norma era acelerar processos, mas que o Ministério irá analisar a manifestação. “Se houver mesmo necessidade de ajuste, o faremos”, disse. 

Desde a publicação da instrução normativa, ao menos três manifestações endereçadas às presidências das autarquias foram feitas para pedir que a norma seja revista. Uma feita por servidores do Ibama, outra pelos servidores do ICMBio e uma terceira pela Diretoria de Proteção Ambiental, do Ibama, assinada pelo diretor Olímpio Ferreira Magalhães. Segundo os servidores, a instrução normativa engessa o trabalho do dia a dia no momento em que as regras da norma anterior – que ajustou as normas após a criação dos núcleos de conciliação – começaram a ser implementadas.

“É como se nos mantivéssemos presos sempre a uma nova adequação”, reclama um fiscal para a reportagem de ((o))eco. A identidade do servidor será mantida em sigilo. Desde 2019, servidores da área ambiental federal estão proibidos de dar entrevista sem autorização prévia da assessoria de imprensa do Ministério do Meio Ambiente. 

Servidores do Ibama protestam contra IN

Mais de 300 servidores de carreira do Ibama assinaram uma carta, publicada na segunda-feira (19), pedindo modificações na Instrução Normativa. Os servidores alegam que as normas inviabilizam o seguimento dos processos em todo país. Na carta, também endereçada ao presidente do Ibama, os servidores afirmam que as atividades nas autarquias estão paralisadas, pois não foram tomadas medidas prévias no sistema eletrônico para incorporar as inúmeras mudanças promovidas pela entrada em vigor da norma. 

“Para evitar responsabilização aos servidores e de forma preventiva, estes estão apresentando suas razões no presente documento, à administração das autarquias executoras, IBAMA e ICMBio, para exercer o direito de recusa em iniciar procedimentos com a norma vigente e, muito menos com norma administrativa revogada, tendo em vista que não há meios disponíveis para o cumprimento dos prazos e, com o não cumprimento, há sanções previstas na Lei Federal 8.112/1990, podendo até o servidor ser demitido. Num completo descompasso com a situação das autarquias executoras da Política Nacional de Meio Ambiente, que vem sofrendo há anos com a diminuição no quadro de servidores, ao invés de realizar concurso público e assim prover os cargos vagos, a administração aprova norma que, sem meios para cumprir, pode levar a demissão de mais servidores”.

Em decorrência disso, todos os servidores que assinam a carta declaram que estão com suas atividades paralisadas pelas próprias autarquias. “Registramos que, no momento, os meios necessários para o estrito cumprimento do nosso trabalho não estão disponíveis e que todo o processo de fiscalização e apuração de infrações ambientais encontra-se comprometido e paralisado frente ao ato administrativo publicado. O resultado imediato e inevitável é a potencialização da sensação de impunidade, que é apontada como uma das principais causas do aumento do desmatamento na Amazônia, bem como de outros crimes ambientais no país”. 

Em ofício de orientação, o Coordenador-Geral de Fiscalização Ambiental do Ibama, Ricardo José Borrelli, afirmou que a lavratura do auto de infração e a elaboração do relatório de fiscalização devem ser feitos com os procedimentos já estabelecidos, ou seja, usando a norma anterior, revogada pela nova. Para os servidores, fingir que a norma não mudou fere o princípio da legalidade do ato administrativo. 

“Rogamos à toda a sociedade o apoio necessário para que haja, por parte dos gestores do MMA, IBAMA e ICMBio, uma atitude com vistas ao equacionamento do quadro de paralisação total imposto pela publicação da INC MMA/IBAMA/ICMBIO 01/2021 e para que não nos lancem convite em assumir riscos no cumprimento de atos sem a existência de norma vigente que nos ampare. Como já dito, isto é irregular, ilegal e configura mera tentativa de arrefecer uma crise administrativa sem precedentes que se instalou com a alteração da norma”, denunciam.

Na mesma direção, servidores do ICMBio encaminharam ontem uma carta endereçada ao presidente do ICMBio, Fernando César Lorencini, ao coordenador-geral de Proteção (CGPRO/ICMBio), Diego Bezerra Rodrigues, e ao diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação (Diman/ICMBio), Marcos de Castro Simanovic, em apoio à manifestação dos colegas servidores do Ibama, levantando os mesmos pontos. Segundo os servidores do ICMBio, se a norma se mantiver, “será necessário um enorme esforço de readaptação de procedimentos, sistemas e capacitação, recomeçando quase do zero toda a dinâmica Fiscalização, Conciliação, Instrução e Julgamento de autos de infração no ICMBio e no Ibama”.

Diretoria de proteção pede revogação das novas regras 

No início da noite desta terça-feira (20), o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olímpio Ferreira Magalhães, pediu a imediata modificação de cinco pontos da Instrução Normativa: a do conceito de relatório de fiscalização; mudança nos prazos para contemplar excepcionalidades; permitir que outros agentes envolvidos na operação possam sanar pendências apontadas pela chefia e alteração de artigo para deixar claro que o relatório de fiscalização deixou de representar, necessariamente, a abertura do processo administrativo ambiental. 

“Entendo que as mudanças em questão devem ser válidas imediatamente, tendo em vista a importância do tema. Feitas essas considerações, encaminho à apreciação e encaminhamentos pertinentes”, escreve Magalhães, em nota técnica encaminhada ao presidente do Ibama, Eduardo Bim.

Desde a chegada de Bolsonaro ao poder, em 2019, o número de autos de infração vem despencando. Em abril de 2020, Salles mudou toda a cúpula de fiscalização do Ibama após Bolsonaro se irritar com uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, que mostrou os bastidores de uma megaoperação em Terras Indígenas no sul do Pará. Na ocasião, foram exonerados: o coordenador de operações de fiscalização do Ibama, Hugo Loss, um dos entrevistados na reportagem do Fantástico; o coordenador-geral de fiscalização ambiental, Renê Luiz de Oliveira; além do então diretor de Proteção Ambiental, Olivaldi Azevedo.

PV entra na briga

Não são apenas os servidores que pedem a mudança na instrução normativa. Os deputados Israel Batista (PV-DF), Célio Studart (PV-CE) e Leandre (PV-PR), todos do Partido Verde, entraram com um decreto legislativo para sustar a Instrução Normativa Conjunta. Segundo os deputados, é responsabilidade do parlamento sustar normas do Poder Executivo “que extrapolem seu poder regulamentar.”

 

Governo quer revogar decreto que criou as reservas extrativistas

 


Governo quer revogar decreto que criou as reservas extrativistas

Secretaria-Geral da Presidência da República consultou ICMBio sobre possibilidade de revogar norma de 1990, com a justificativa de que a lei do SNUC já contempla as Resexs. ICMBio e extrativistas discordam

DANIELE BRAGANÇA · 22 de abril de 2021

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A Subchefia para Assuntos Jurídicos da Secretaria-Geral da Presidência da República pediu a opinião do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável pelas unidades de conservação federais, sobre a revogação do decreto 98.897/90, que criou as reservas extrativistas no ordenamento jurídico do país. A justificativa é que o decreto já está contemplado na lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), logo, não teria perda com a revogação do decreto. Segundo documento ao qual ((o))eco teve acesso, o ICMBio não concorda com posição do governo e considera que há pontos importantes do decreto que não foram acolhidos na lei. 

O pedido da Subchefia foi enviado à Secretaria-Geral do Ministério do Meio Ambiente no dia 12 de abril e pedia celeridade no processo de consulta, pois o governo pretende assinar um decreto revogador no dia 27 de abril. A resposta deverá incluir a manifestação jurídica do órgão. 

Segundo o que ((o))eco apurou, as diretorias do ICMBio já responderam no sentido de não recomendar a extinção da norma. O motivo é o artigo 4º do decreto, que prevê dois pontos não contemplados na lei do SNUC e nem no decreto que a regulamenta: “(I) determinação de que a cessão de uso para as populações destinatárias das Reservas Extrativistas deve ser dar mediante contrato de concessão de direito real de uso a título necessariamente gratuito e; (II) A obrigatoriedade de se prever, inclusive com disposição em contrato de concessão, cláusula de rescisão quando houver danos ao meio ambiente ou a transferência da concessão inter vivos.”

 Art. 4º A exploração autossustentável e a conservação dos recursos naturais será regulada por contrato de concessão real de uso, na forma do art. 7º do Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967.

§ 1º O direito real de uso será concedido a título gratuito.

§ 2º O contrato de concessão incluirá o plano de utilização aprovado pelo Ibama e conterá cláusula de rescisão quando houver quaisquer danos ao meio ambiente ou a transferência da concessão inter vivos.

Para o secretário-geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Dione Torquato, a possibilidade de revogação, que ele ficou sabendo por ((o))eco, sinaliza um passo a mais do governo para fragilizar esses territórios. 

“As reservas extrativistas são uma luta histórica do movimento extrativista brasileiro. A modalidade é um modelo único. O governo brasileiro deveria ver isso como um patrimônio do Brasil e deveria assegurar a lei. Como deveremos acreditar que a modificação não afetará nada com as sucessivas tentativas de mudar a lei do SNUC no Congresso Nacional? Inclusive com a mudança no artigo 18 do SNUC, que fala sobre as reservas extrativistas, na tentativa de transformar essas áreas em áreas consolidadas do agronegócio”, diz Torquato, em entrevista por telefone ao ((o))eco.  

O secretário-geral cita como uma das ameaças o projeto de lei 313/2020, de autoria do deputado Júnior Ferrari (PSD-PA), que muda a lei do SNUC para permitir a criação de rebanhos de bovinos e bubalinos em reservas extrativistas. O Conselho Nacional das Populações Extrativistas considera esse projeto uma ameaça às reservas, pois daria o primeiro passo para transformá-las em fazendas. 

Torquato também reclama que as populações não foram consultadas sobre a revogação do decreto, como prevê a legislação nacional e os acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. 

“As populações extrativistas são corresponsáveis pela gestão desses territórios e [em] qualquer mudança na legislação precisam ser consultadas. É um comportamento comum desse governo propor ações e programas de cima pra baixo, sem ouvir as populações. E na maioria das vezes a proposta é para flexibilizar nossos direitos e se apropriar dessas áreas,  ignorando a importância que esses territórios têm para o país e mundo”. 

Para Claudio Maretti, ex-diretor de Ações Socioambientais e Consolidação Territorial em Unidades de Conservação do ICMBio e ex-presidente da autarquia, a Lei do SNUC já fala em contrato de concessão de direito real de uso, ainda que menos diretamente, e a vedação de usos contrários ao objetivo da unidade está previsto no artigo 23 da lei. 

“O que alguns extrativistas gostam é do “plano de utilização”, diferente do plano de manejo, mas mais pela prática que existia no começo e pelo relativo desrespeito que passou a existir logo após o SNUC. Mas creio que isso foi superado, vide a participação dos extrativistas na proposta renovada de regulamentação de plano de manejo feita em 2017 e 2018”, disse Maretti.

Embora considere que a eventual extinção do decreto não irá atingir o ordenamento das reservas extrativistas, Maretti lembra que em 2017 e 2018, durante sua gestão como diretor, o ICMBio estava trabalhando em uma proposta para regulamentar a categoria, junto às populações extrativistas, para consolidar a gestão compartilhada entre os extrativistas e o ICMBio. O decreto foi encaminhado ao Ministério do Meio Ambiente, mas com a chegada da nova administração, não foi publicado.

“Eu defendo as reservas extrativistas como parte do Sistema de Unidades de Conservação e acho que o sistema tem que ser visto com uma complementariedade entre as categorias. É uma forma de conservar defendendo a cultura e seus direitos sociais”.

Com a palavra, o MMA

((o))eco entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente para saber qual será a posição oficial do órgão sobre o assunto, mas a assessoria de imprensa ainda não retornou nossos contatos.

67% dos brasileiros acreditam que o governo decepcionará se não agir agora para combater mudanças climáticas

 

67% dos brasileiros acreditam que o governo decepcionará se não agir agora para combater mudanças climáticas

 

67% dos brasileiros acreditam que o governo decepcionará se não agir agora para combater mudanças climáticas

Para 67%, governo decepcionará povo brasileiro se não agir agora para combater mudanças climáticas; Pesquisa da Ipsos também apontou que 3 em cada 4 entrevistados do Brasil cobram ações de empresas no combate às mudanças climáticas

Por Jéssica Díez Corrêa

Quase sete entre cada dez brasileiros (67%) acreditam que, se o governo não agir agora para combater as mudanças climáticas, estará deixando a desejar com o povo do país. O dado faz parte do levantamento Earth Day 2021, realizado pela Ipsos com entrevistados de 30 nações na ocasião do Dia da Terra, celebrado em 22 de abril. Considerando os respondentes do mundo todo, o percentual é ligeiramente menor (65%).

Ainda que responsabilize a esfera governamental, a população do Brasil também cobra ações do setor privado. Três em cada quatro pessoas (75%) afirmam que se as empresas locais não agirem agora para combater as mudanças climáticas, elas estarão falhando com seus clientes e funcionários. No mundo, são 68%.

Além disso, 77% dos entrevistados brasileiros concordam que falharão com as gerações futuras se, enquanto indivíduos, não agirem para combater as mudanças climáticas neste momento. Levando em conta os respondentes das 30 nações, o índice é de 72%.

Apesar da ampla cobrança por iniciativas, no Brasil, 45% das pessoas acham que o governo não tem um plano claro de como vai trabalhar, em conjunto com as empresas e a própria população, para enfrentar as mudanças climáticas. Por outro lado, 26% acreditam que o governo possui, sim, ações planejadas para lidar com a questão. Globalmente, a média de respondentes que não deposita confiança no plano de ação de seu governo é de 34%, contra 31% que acreditam haver um plano claro traçado por seus governantes para o combate das mudanças climáticas.

“Enquanto 67% dos brasileiros concordam que se o governo não agir agora para combater a mudança climática estará decepcionando as pessoas, apenas 26% dizem que o governo realmente tem um plano claro de como fazer com que o próprio governo, empresas e pessoas atuem juntas nessa questão. Com o tema de meio ambiente ganhando cada vez mais espaço no noticiário, principalmente por conta da Amazônia, isso traz um claro alerta. 75% dos brasileiros também esperam das empresas privadas ações de combate à mudança climática, do contrário estarão decepcionando seus clientes e empregados. Isso mostra que mesmo no cenário de pandemia e seus respectivos reflexos no bolso do consumidor, as ações verdes lideradas pelas marcas e empresas ainda continuam com alta relevância para seus consumidores”, analisa Ronaldo Picciarelli, diretor de clientes na Ipsos no Brasil.

Impactos no pós-Covid

No Brasil, 37% das pessoas acreditam que o enfrentamento das mudanças climáticas deve ser uma prioridade do governo na retomada econômica pós-pandemia, enquanto 35% afirmam o contrário. Quando perguntados a respeito de quais comportamentos pessoais esperam mudar quando as restrições impostas pela crise humanitária acabarem, 45% dos entrevistados no país disseram que irão fazer o possível para evitar o desperdício de alimentos.

Além disso, 41% falaram que vão passar a fazer mais trajetos a pé ou de bicicleta, em vez de usar o carro. A queda no consumo foi a terceira opção mais citada, empatada com a adesão ao trabalho remoto. 35% dos brasileiros afirmaram que vão comprar somente o que realmente precisam, em vez de comprar roupas, sapatos e outras coisas só por diversão, e 35% disseram que vão trabalhar mais em casa, em vez de se deslocar até ao trabalho.

“A informação de que 41% dos entrevistados no Brasil têm intenção de se locomover menos de carro e mais a pé ou de bicicleta conversa com o fato de que 35% dos brasileiros pretendem trabalhar de casa após a pandemia, uma tendência que se intensificou bastante no último ano e que parece ter se estabelecido dentro do grupo de pessoas que tem essa possibilidade. Isso também afeta a diminuição da mobilidade nas cidades, migração de consumo em comércios mais próximos do lar, maior uso de entrega em domicílio (delivery), consumo de serviços e produtos dentro do lar, assim como uma possível migração de moradias longe dos centros comerciais”, comenta Picciarelli.

O que pode ser feito?

Pensando nas atitudes que podem ser tomadas a fim de limitar a própria contribuição para a mudança climática, 54% dos respondentes no Brasil afirmam que é provável que evitem produtos que tenham muita embalagem; 46% devem passar a reciclar materiais como vidro, papel e plástico; 46% revelam a possibilidade de consumir menos laticínios ou substituí-los por alternativas, como leite de soja; e 40% pretendem comer menos carne ou substituí-la por alternativas como feijão.

A pesquisa on-line foi realizada com 21.011 entrevistados sendo mil brasileiros, com idades entre 16 e 74 anos de 30 países. Os dados foram colhidos entre os dias 19 de fevereiro a 05 de março de 2021. A margem de erro para o Brasil é de 3,5 pontos percentuais.

* A Ipsos é uma empresa de pesquisa de mercado independente, presente em 90 mercados.

 

Tags: Aquecimento GlobalMudanças Climáticas

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/04/2021

 

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Pandemia intensifica o interesse no consumo consciente

 

Pandemia intensifica o interesse no consumo consciente

 

consumo

Pandemia intensifica o interesse no consumo consciente

“A pandemia está fazendo os consumidores pensarem mais sobre o impacto de suas decisões de compra no meio ambiente e na sociedade em geral”

Uma nova pesquisa da Accenture sugere que a pandemia intensificou o interesse no “consumo consciente” – definido como aqueles que consideram seriamente os impactos ambientais e sociais de suas escolhas de compras – desafiando as indústrias de bens de consumo e varejo a repensar fundamentalmente como atender à pandemia – adaptado consumidor.

As principais conclusões da pesquisa incluem:

• Metade dos consumidores não tem um bom entendimento de quais marcas são sustentáveis ??/ éticas e quais não são.

• Para ajudar a entender facilmente o quão sustentável é um produto, sete em cada 10 consumidores apoiariam um padrão de rotulagem obrigatório, mas simples para produtos, como um indicador de semáforo.

• Dois terços (65%) dos consumidores acreditam que o governo deve introduzir legislação para promover o “consumo consciente”, por exemplo, cobrança de sacos de plástico.

• 69% dos consumidores acreditam que as marcas de consumo deveriam fazer mais para tornar mais fácil um consumo mais consciente.

• Um terço (33%) dos consumidores admite que não tem um bom entendimento sobre quais itens podem ou não reciclar.

“A pandemia está fazendo os consumidores pensarem mais sobre o impacto de suas decisões de compra no meio ambiente e na sociedade em geral”, disse Oliver Wright, diretor administrativo sênior e líder global do grupo da indústria de bens de consumo da Accenture. “O foco dos consumidores em áreas como a proveniência de ingredientes e matérias-primas, práticas de trabalho, o impacto ambiental de produtos acabados e embalagens, exige que as empresas garantam a agilidade e a capacidade de serem relevantes para os consumidores e clientes – com um portfólio de produtos e serviços que correspondem aos padrões de compra em constante mudança – e para melhor colaborar com os pares da indústria, assim como eles provaram que poderiam durante a pandemia.”

Jill Standish, diretora-gerente sênior e chefe do grupo da indústria de varejo global da Accenture, disse: “Os valores das pessoas estão cada vez mais se infundindo em seus hábitos de compra, à medida que os consumidores pensam mais em equilibrar o que compram e como gastam seu tempo com as questões globais de sustentabilidade. Isso exige que os varejistas sejam autênticos e prestem atenção ao que cada comunidade que atendem realmente se preocupa. Já não basta que as marcas falem apenas de responsabilidade, elas precisam adotar práticas ambientais, sociais e de governança (ESG), aproveitando a tecnologia para gerar resultados em todas as suas operações, desde a construção de cadeias de abastecimento mais sustentáveis até equipar a força de trabalho para um novo ambiente”.

A pesquisa mais recente apoia as descobertas anteriores da Accenture de que a mudança no “consumo consciente” provavelmente permanecerá ou se acelerará ainda mais. Por exemplo:

• Em abril de 2020, 64% dos consumidores disseram que estão se concentrando mais em limitar o desperdício de alimentos e provavelmente continuarão a fazê-lo daqui para frente. Em dezembro de 2020, esse número saltou para 72%;

• Em abril de 2020, 50% dos consumidores disseram que estão comprando com mais cuidado com a saúde e provavelmente continuarão fazendo isso. Isso aumentou para 68% dos consumidores quando pesquisados ??em dezembro de 2020;

• 45% dos consumidores disseram que estão fazendo escolhas mais sustentáveis ??ao comprar e provavelmente continuarão fazendo isso. Em dezembro de 2020, esse número subiu para 66% dos consumidores.

Além de atender a essas expectativas crescentes dos consumidores, as empresas estão sob pressão para produzir o impacto necessário para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS) até 2030 e mitigar choques econômicos futuros da magnitude do Covid-19. Um relatório recente da Accenture descreve os principais caminhos para as empresas de varejo e bens de consumo integrarem a sustentabilidade em suas estratégias e sistemas corporativos:

• Reduzir a pegada ambiental operacional adotando a reciclagem de água e a utilização de água cinza, implementando metas líquidas de zero e entendendo os impactos do descarte de produtos.

• Implementar modelos de negócios circulares para reduzir o desperdício de produtos e embalagens e promover o consumo responsável.

• Construir cadeias de valor robustas e inclusivas, implementando práticas de oportunidades iguais, protegendo os direitos humanos e garantindo que todos os trabalhadores recebam um salário-mínimo.

* A Pesquisa de Consumidores Covid-19 da Accenture está monitorando as mudanças de atitudes, comportamentos e hábitos dos consumidores em todo o mundo à medida que se adaptam a uma nova realidade durante o surto de Covid-19. As últimas ondas desta pesquisa foram realizadas de 28 de novembro a 10 de dezembro de 2020 e 25 de fevereiro a 5 de março, 12.487 e 9.653 consumidores, respectivamente, em 19 países em cinco continentes: Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, Rússia, Arábia Saudita, Coreia do Sul, Espanha, Suécia, Suíça, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, EUA.

* A Accenture é uma empresa global de serviços profissionais líder em soluções para digital, nuvem e segurança.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/04/2021

 

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Como impedir que máscaras descartadas poluam o planeta

 


Como impedir que máscaras descartadas poluam o planeta

O EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL É FEITO DE PLÁSTICO NÃO RECICLÁVEL. ATUALMENTE, AS MÁSCARAS SÃO ENCONTRADAS EM TODOS OS CANTOS DA TERRA, INCLUSIVE NOS OCEANOS. A SOLUÇÃO NÃO É COMPLICADA: JOGÁ-LAS FORA.

Os efeitos da pandemia da covid-19 se estendem aos ecossistemas oceânicos. Na foto, um leão-marinho-da-califórnia encontra máscara descartada nas águas de Monterey.
FOTO DE RALPH PACE

Você sai para fazer sua caminhada diária e avista uma máscara jogada no chão. Poucas pessoas querem tocar em algo que protegeu a respiração possivelmente carregada de vírus de alguém. Então ela fica no chão até ser levada pelo vento — e esse problema simples está mudando rapidamente a paisagem em todo o mundo, desde estacionamentos de supermercados a praias em ilhas desertas.

Vacinas foram desenvolvidas em tempo recorde para combater a covid-19. Por outro lado, é frustrante que o lixo em tempos de pandemia ainda esteja sem solução.

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Um ano atrás, a ideia de que máscaras, luvas e lenços umedecidos descartáveis poderiam vir a ser poluentes ambientais globais não era uma preocupação prioritária. Esse equipamento de proteção individual, abreviado como EPI, foi considerado essencial para prevenir a propagação da covid-19. Ninguém imaginava a quantidade de máscaras que seriam necessárias nem que as utilizaríamos por tanto tempo. Desse modo, a produção disparou — e agora o lixo é inevitável.

Desde então, cientistas publicaram mais de 40 estudos que documentam o uso e o descarte de EPI e apresentam um panorama em escala global. Números que eram desconhecidos na época contam esta história agora.

Globalmente, 65 bilhões de luvas são utilizadas todos os meses. A quantidade de máscaras é quase o dobro — 129 bilhões por mês. Isso se traduz em três milhões de máscaras usadas por minuto.

Um estudo separado relata que 3,4 bilhões de máscaras ou protetores faciais do tipo face shield são descartados todos os dias. Estima-se que a Ásia jogue fora 1,8 bilhão de máscaras por dia, representando o continente com a maior quantidade. A China, com a maior população do mundo (1,4 bilhão), descarta quase 702 milhões de máscaras diariamente.

Todos esses produtos podem ser considerados descartáveis porque são baratos o suficiente para serem utilizados apenas uma vez e depois jogados fora. Mas eis o problema: não é possível realmente jogá-los fora.

Plástico disfarçado

Máscaras, luvas e lenços umedecidos são feitos de múltiplas fibras plásticas, principalmente polipropileno, que permanecerão no meio ambiente por décadas, talvez séculos, fragmentando-se em microplásticos e nanoplásticos cada vez menores. Uma única máscara pode liberar até 173 mil microfibras por dia nos mares, de acordo com um estudo publicado no periódico Environmental Advances.

“Eles não desaparecem”, afirma Nicholas Mallos, supervisor do programa de resíduos marinhos da Ocean Conservancy.

Máscaras e luvas sujas jogadas no chão são transportadas pelo vento aos rios e riachos, que as levam para os mares. Cientistas registraram sua presença em praias da América do Sul, desembocaduras de rios na Baía de Jacarta, em Bangladesh, na costa do Quênia e na região desabitada das Ilhas Soko, em Hong Kong. O EPI descartado entupiu os esgotos de Nova York a Nairóbi e obstruiu o maquinário do sistema de esgoto municipal em Vancouver, na Colúmbia Britânica.

Esses materiais também afetam os animais. Nos Países Baixos, observou-se o galeirão-comum, um pássaro de 30 centímetros de altura e rosto branco, inovando com o uso de máscaras para construir ninhos — supondo-se que suas patas grandes e desajeitadas não fiquem presas nas alças da máscara. Isso aconteceu, às vezes com desfechos fatais, com cisnes, gaivotas, falcões-peregrinos e pássaros-canoros, segundo um estudo publicado na revista científica Animal Biology.

Máscaras, luvas e lenços umedecidos não são recicláveis na maioria dos sistemas municipais e não devem ser colocados em lixeiras domésticas destinadas à reciclagem. As máscaras podem conter uma mistura de papel e polímeros, incluindo polipropileno e poliéster, que não podem ser separados em fluxos puros de materiais individuais para reciclagem. Além disso, por serem tão pequenos, ficam presos em máquinas de reciclagem, causando avarias. (O EPI utilizado em instalações médicas é descartado como resíduo médico perigoso.)

Joana Prata, pesquisadora de saúde ambiental da Universidade do Porto, em Portugal, e principal autora de um estudo sobre as repercussões que a pandemia acarretou nos plásticos, indicou que os cidadãos precisam de informações claras sobre a utilização e descarte de EPI. “Isso inclui o descarte adequado como resíduo misto em sacos fechados à prova de vazamento”, escreveu ela.

Um grande problema global se agrava

Os problemas gerados pelo descarte incorreto de EPI chegaram em um momento complicado no movimento para reduzir os resíduos plásticos. A quantidade de lixo plástico que se acumula nos oceanos deve triplicar nos próximos 20 anos e não há uma solução real no horizonte. Mesmo que todos os compromissos corporativos de utilizar mais plásticos reciclados fossem mantidos, a mudança reduziria essa projeção de triplicação em apenas 7%.

A pandemia também ocasionou um aumento na produção de embalagens descartáveis, pois os consumidores passaram a comprar mais comida para viagem e as proibições de plásticos descartáveis, incluindo sacolas de compras, foram suspensas devido ao temor de que os retornáveis espalhassem o vírus. Ao mesmo tempo, em parte devido aos cortes nos orçamentos municipais que estão sem recursos, um terço das empresas de reciclagem nos Estados Unidos foram fechadas parcial ou totalmente.

O QUE PODEMOS FAZER

  • Não jogar lixo no chão — inclusive EPI.
  • Usar máscaras de tecido reutilizáveis, quando possível.
  • Embalar o EPI usado em um saco plástico, fechá-lo e jogá-lo na lixeira.

Avaliando a propagação

À medida que as máscaras e luvas descartadas começaram a aparecer cada vez, a Ocean Conservancy, organização sem fins lucrativos que defende a proteção do oceano, começou a avaliar no meio do ano passado a disseminação de dejetos de EPI em todo o mundo. A organização adicionou o EPI ao seu aplicativo de celular que permite que voluntários documentem itens jogados fora e os incluam no site da organização. Em uma pesquisa global de voluntários que participaram de limpezas em praias em meados de 2020,  foram documentados mais de 107 mil itens de EPIs jogados fora, embora os líderes do grupo tenham concluído que o número provavelmente está “bastante subestimado”.

Os próprios voluntários podem proporcionar uma estimativa melhor; 94% relataram ver regularmente máscaras, luvas e outros EPIs descartados incorretamente em suas comunidades, enquanto a metade declarou ver EPIs jogados no chão todos os dias. Já 40% relataram ter visto EPIs jogados em riachos, rios e oceanos.

“É um grande problema; não há como esconder”, afirma Mallos. “Mas lembrem-se, isso se soma à crise global existente de lixo plástico. É uma questão de saúde pública e também de saúde dos oceanos.”

O grupo pressionou para que haja a eliminação progressiva de embalagens plásticas redundantes e desnecessárias e, desde o início da pandemia, por melhorias nas embalagens de alimentos para viagem, substituindo-as por outros materiais, como papelão, que não têm o mesmo impacto que as embalagens plásticas quando descartadas.

O que pode ser feito? 

Poucos dias depois de a pandemia ser declarada, em março passado, Justine Ammendolia, pesquisadora marinha que mora em Toronto e bolsista da National Geographic Society, notou máscaras e luvas descartadas em quantidades cada vez maiores enquanto fazia suas caminhadas diárias. Ela também percebeu a falta de um monitoramento estruturado de EPIs por parte de qualquer órgão governamental ou de outra organização conforme eles se alastram pela cidade.

Para identificar pontos críticos, a própria Ammendolia documentou máscaras, luvas e lenços umedecidos descartados em seis locais, incluindo dois estacionamentos de supermercados, uma região hospitalar, duas áreas residenciais e uma trilha recreativa. Ela registrou mais de 1,3 mil itens em cinco semanas no meio do ano passado. Não surpreendentemente, os estacionamentos de supermercados ficaram em primeiro lugar, seguidos pela região hospitalar.

“Não é a maior quantidade de plástico do mundo”, afirma ela, “mas, a questão é que vamos mudar depois dessa situação, assim como nossa relação com os produtos descartáveis. Isso chama a atenção para a quantidade de resíduos produzidos. Esse é o ponto de partida da conversa.”

Fonte: National Geographic Brasil

Por que antiga cidade de Cahokia foi abandonada? Novas evidências descartam uma teoria

 


Por que antiga cidade de Cahokia foi abandonada? Novas evidências descartam uma teoria

LOCALIZADA PRÓXIMO DA ATUAL CIDADE DE ST. LOUIS, EM ILLINOIS, NOS EUA, CAHOKIA ENTROU EM DECLÍNIO REPENTINAMENTE 600 ANOS ATRÁS, E NINGUÉM SABE O PORQUÊ.

A praça central de Cahokia, na imagem, agora faz parte de um sítio histórico de 890 hectares. Um estudo recente descobriu que os residentes da antiga cidade não esgotaram os recursos naturais da área, como se pensava.
FOTO DE IRA BLOCK, NAT GEO IMAGE COLLECTION

Cerca de mil anos atrás, uma cidade surgiu na planície aluvial conhecida como American Bottom, localizada a leste da região que hoje é conhecida como St. Louis, em Illinois. Em questão de décadas, a antiga cidade tornou-se o maior centro populacional do continente ao norte do México, com cerca de 15 mil habitantes e o dobro nas áreas vizinhas. Alguns séculos após seu surgimento, a cidade entrou em declínio e, por volta do ano 1400, estava abandonada.

A história de Cahokia desafia arqueólogos desde a primeira vez em que viram seus montes de terra — dezenas deles, incluindo uma plataforma de dez andares que até 1867 era a estrutura mais alta feita pelo homem nos Estados Unidos. Eles não sabem por que Cahokia se formou, por que se tornou tão poderosa ou por que seus habitantes migraram para longe, deixando-a em colapso. As hipóteses são abundantes, mas os dados são escassos.

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Agora, uma arqueóloga parece ter conseguido descartar uma hipótese para o destino de Cahokia: a de que as inundações causadas pela extração excessiva de madeira tornaram a área cada vez mais inabitável. Em um estudo publicado recentemente na revista científica Geoarchaeology, Caitlin Rankin, da Universidade de Illinois, não apenas argumenta que a hipótese do desmatamento está errada, mas também questiona a própria premissa de que Cahokia pode ter causado sua própria ruína com práticas ambientais prejudiciais.

“Cahokia era a área mais densamente povoada da América do Norte antes do contato com a Europa”, afirma ela. “Às vezes pensamos que grandes populações são o problema. Mas não se trata necessariamente da quantidade de pessoas, e sim de como essas pessoas gerenciam e exploram recursos.”

Sentido lógico versus dados

Em 1993, dois pesquisadores da Universidade de Edwardsville, no sul de Illinois, Neal Lopinot e William Woods, sugeriram que talvez Cahokia não tenha sido bem-sucedida devido à degradação ambiental. Eles levantaram a hipótese de que os cahokianos haviam desmatado as terras altas a leste da cidade, levando à erosão e a inundações que teriam prejudicado sua produção agrícola e inundado áreas residenciais.

Dadas as evidências concretas de que os cahokianos haviam cortado milhares de árvores para projetos de construção, a “hipótese do uso excessivo de madeira” era sustentável. Ela fazia sentido e se encaixava nos dados disponíveis, e a comunidade arqueológica amplamente a considerou como uma causa possível — ou mesmo provável — para o declínio de Cahokia. Mas pouco foi feito para testar essa hipótese.

Em 2017, Rankin, então doutoranda na Universidade de Washington em St. Louis (onde hoje ela atua como geoarqueóloga pesquisadora), começou a escavar perto de um dos montes de Cahokia para avaliar as mudanças ambientais relacionadas às inundações. Ela descobriu algo que não esperava encontrar: evidências concretas de que não houve inundações recorrentes do tipo previsto pela hipótese do uso excessivo de madeira.

Sua pesquisa mostrou que o solo sobre o qual o monte foi construído tinha se mantido estável durante a época da ocupação cahokiana. O monte estava localizado em uma área baixa, perto de um riacho que provavelmente teria inundado se a hipótese do uso excessivo de madeira fosse aplicável, mas o solo não mostrou nenhuma evidência de sedimentos de inundação.

Esses resultados levaram Rankin a questionar as suposições que levaram não apenas a essa hipótese em particular, mas a todas as narrativas ambientais do declínio de Cahokia. A ideia de que as sociedades não prosperam devido ao esgotamento dos recursos e à degradação ambiental — o que às vezes é chamado de ecocídio — tornou-se uma explicação dominante nos últimos 50 anos.

E a razão para isso é evidente: vemos isso acontecendo nas sociedades do passado e tememos que esteja acontecendo na nossa. Mas nossa crise ambiental atual pode nos levar a enxergar crises ambientais em cada fresta do passado da humanidade, explica Rankin, quer elas realmente tenham acontecido ou não.

“As pessoas que viviam aqui na América do Norte antes dos europeus — elas não criavam animais e não aravam a terra com tanta intensidade. Olhamos para o sistema agrícola delas de um ponto de vista ocidental, quando deveríamos considerar as perspectivas e práticas indígenas”, declara Rankin.           

Uma visão de mundo diferente

Os cahokianos faziam parte do que os antropólogos chamam de cultura do Mississippi — uma ampla diáspora de comunidades agrícolas que se estendeu por todo o sudeste norte-americano entre 800 e 1500 d.C. Eles cultivavam milho e outras safras, construíam montes de terra e, em certo ponto, formaram uma população urbana altamente concentrada em Cahokia. Não está claro se isso foi por razões políticas, religiosas ou econômicas. Mas é improvável que eles vissem os recursos naturais como mercadorias a serem utilizadas para obter o máximo lucro privado.

Os cahokianos cortaram muitas árvores — milhares delas foram usadas para construir o que os arqueólogos acreditam ser fortificações defensivas — mas isso não significa que eles as tratassem como bens fungíveis ou as derrubassem de forma insustentável, como os europeus-americanos costumavam fazer. Talvez eles fossem indiferentes ao meio ambiente e talvez não, explica Rankin, mas não devemos presumir que sim, a menos que existam evidências disso.

“Veja o que aconteceu com o bisão”, ela exemplifica. Os povos indígenas das planícies os caçavam de forma sustentável. Mas “os europeus chegaram e os exterminaram. Essa é uma mentalidade ocidental de exploração de recursos — extrair tudo o que puder. A exploração não funcionava dessa forma nessas culturas indígenas.”

Tim Pauketat, chefe de pesquisas sobre Cahokia e supervisor de Rankin na Universidade de Illinois, concorda que as diferenças nas visões de mundo de cada cultura precisam ser consideradas com maior seriedade. “Estamos nos afastando de uma explicação ocidental — de que eles exploraram em excesso isso ou não fizeram aquilo — e compreendendo que eles se relacionavam com seu ambiente de uma maneira diferente.”

E isso sugere que as hipóteses para o declínio e colapso de Cahokia devem se tornar mais complexas. Tristram Kidder, antropólogo da Universidade de Washington, em St. Louis, que presidiu a banca examinadora da dissertação de Rankin, declarou: “há uma tendência das pessoas quererem explicações simplistas, porque elas fazem parecer que pode haver soluções fáceis para os problemas”.

Kidder dá aulas sobre mudança climática e diz que essa é uma tentação constante, não apenas para os alunos, mas para ele mesmo — tentar dominar o problema simplificando-o demais. Se os cahokianos simplesmente tivessem parado de cortar árvores, tudo ficaria bemSe nós apenas começarmos a dirigir carros elétricos, tudo vai ficar bem. Mas a realidade é muito mais complexa do que isso, segundo ele, e precisamos lidar com essa complexidade.

Lopinot, um dos arqueólogos que originalmente propôs a hipótese do uso excessivo de madeira em 1993, e que atualmente trabalha na Universidade Estadual de Missouri, parabenizou a pesquisa de Rankin. Ele sabia, na época em que apresentou sua hipótese, que era apenas uma tentativa razoável de dar sentido a um mistério.

“O declínio de Cahokia não foi algo que aconteceu da noite para o dia”, afirma ele. “Foi um processo lento. Não sabemos por que as pessoas estavam deixando a cidade. Pode ter sido uma questão de conflitos políticos, guerra, seca ou doença — nós simplesmente não sabemos.”

Existem indícios. Nos anos finais da cidade, os cahokianos construíram uma paliçada em torno do centro de Cahokia, o que sugere que a luta entre grupos havia se tornado um problema. E dados preliminares indicam que pode ter ocorrido uma grande seca na região, que dificultaria o cultivo de alimentos. Mas essas evidências ainda precisam ser investigadas, segundo os pesquisadores.

“A arqueologia não é como a física, onde é possível realizar experimentos controlados e obter as respostas que se procura”, explica Rankin. É preciso ir até o local e cavar, e nunca se sabe o que será encontrado.

Fonte: National Geographic Brasil