quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Transposição do Tocantins para o São Francisco, por Roberto Malvezzi (Gogó)

quarta-feira, 6 de setembro de 2017


– Entrevista ao site pretonobranco.org –
O que está por detrás da transposição do Tocantins para o São Francisco?
 
 
 
 
Em primeiro, é preciso dizer que essa proposta é mais insana, mais louca que a transposição do São Francisco para outros estados da forma como ela foi feita.

 
 
 
Na verdade, os movimentos socioambientais sempre disseram que o São Francisco tinha pouca água para suportar uma transposição. Era um anêmico que não podia doar sangue. Agora, essa proposta de transpor o Tocantins para o São Francisco só comprova o que sempre dissemos. Está faltando água no São Francisco não só para as comunidades beiradeiras, mas a falta de água inviabilizou a hidrovia do São Francisco, diminuiu a geração de energia e está faltando água até para os perímetros irrigados já instalados. Então, começou a bater o desespero também no setor econômico, naqueles que mais ganham com as águas do Velho Chico. Daí a proposta doida de transpor o Tocantins para aumentar o volume de água do São Francisco, água que ele já teve, mas agora não tem mais.
 
 
 
 
 
 
Essa transposição do Tocantins para o São Francisco é viável?
 
 
 
 
 
As pessoas propõem certas obras e com isso mostram todo desconhecimento que tem da realidade. O aquífero que abastece o Tocantins é um dos mesmos que abastece o São Francisco, isto é, o aquífero Urucuia. E esse é um dos aquíferos que está perdendo forças no Cerrado brasileiro. Portanto, sem o aquífero Urucuia morre o Tocantins e morre o São Francisco.
 
 
 
 
 
Acontece que a devastação da Amazônia que gera os rios voadores que fazem chover em todo território brasileiro, inclusive até na Argentina, está prejudicando a formação dos rios voadores. E o Cerrado brasileiro, onde estão os três maiores aquíferos do Brasil e da América Latina – Urucuia, Bambui e Guarani -, está sendo devastado para plantação de soja e criação de gado. Com seus solos compactados, perdeu a capacidade de alimentar seus aquíferos, ou pelo menos está perdendo essa capacidade. Portanto, nossa caixa d’água está cada vez mais seca.
 
 
 
 
 
Então, esses dias andei em Miracema do Norte, no Tocantins, e o rio Tocantins de lá estava mais seco que o São Francisco aqui. Andei no Bico do Papagaio, em Marabá, onde o Tocantins se encontra com o Araguaia e vi mais pedras que água no leito do Araguaia.
 
 
 
 
 
Portanto, não é fazendo obras gigantescas que vamos resolver os problemas de nossos rios, pelo contrário, elas podem tornar a situação ainda mais grave.
 
 
 
 
O que fazer?
 
 
 
 
 
Sem uma revitalização séria e sem respeito ao nosso ciclo das águas não há tecnologia que resolva nossos dramas hídricos. Primeiro, respeitar a Amazônia, que o ministro de Petrolina agora quer entregar para as mineradoras.
 
 
 
 
 
Segundo, preservar o que há no Cerrado, para que a área não seja totalmente impermeabilizada e evitar que nossos aquíferos que distribuem a água para todo território nacional sejam extintos. Sem esses aquíferos morre o São Francisco e o Tocantins.
 
 
 
 
 
Terceiro, investir seriamente na revitalização do rio São Francisco, que pressupõe parar por hora com novos projetos de irrigação e uso da água; recompor as matas do território da bacia, principalmente as ciliares, encostas e áreas de recarga dos aquíferos; parar com o desmatamento do Cerrado mineiro e baiano.
 
 
 
 
 
Cada um de nós também pode contribuir no cotidiano, no jeito de lidar com a água, o rio e cobrando dos responsáveis que a revitalização seja séria e eficaz.
 
 
 
 
 
Perdemos muitas batalhas a cada dia na luta pelo São Francisco, mas ainda não perdemos essa guerra.
Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.
 
 
 
 
 
www.robertomalvezzi.com.br
 
 
 
 
 
Fonte: EcoDebate

Estamos caminhando para o desaparecimento irreversível das florestas

segunda-feira, 4 de setembro de 2017


Estamos caminhando para o desaparecimento irreversível das florestas. Entrevista especial com Luiz Marques

IHU
Uma das evidências que confirma o “declínio” das florestas tropicais no mundo é que a “taxa de desmatamento no primeiro decênio deste século foi 62% maior que no último decênio do século passado, e desde 2011 constata-se uma aceleração dessa aceleração, sobretudo na Ásia e na Oceania”, adverte o historiador Luiz Marques à IHU On-Line.
No Brasil, afirma, embora tenha havido uma diminuição da taxa de desmatamento em quase uma década, “o desmatamento voltou a crescer, atingindo 7.989 km² nos 12 meses entre agosto de 2015 e julho de 2016”. Apenas depois da implantação do novo código florestal em 2012, informa, “houve um aumento de 75% na taxa anual de desmatamento”. Na avaliação de Marques, isso ocorreu porque “o governo de Dilma Rousseff após 2012 entregou a Amazônia e o Cerrado à sanha destruidora dos ruralistas. Só o governo de Michel Temer consegue agora nos convencer de que não há de fato um limite absoluto para a piora”.




Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para IHU On-Line, Marques explica os fatores associados ao aumento do desmatamento das florestas tropicais e assinala que a globalização do capitalismo “transformou definitivamente a alimentação em commodities, negociadas nos mercados futuros. Nesse âmbito, o avanço das pastagens para o gado bovino, estimulado pelo aumento do carnivorismo no Brasil e no mundo todo, é, de longe, a principal causa do desmatamento”. Associado a esse fator, o aumento das secas e do aquecimento global está “levando as árvores à falência hidráulica por cavitação ou embolia vegetal, um fenômeno conhecido pelo termo dieback”, diz.
Luiz Marques lembra que as florestas são “imprescindíveis para a vida no planeta” porque “são fundamentais para o ciclo do carbono, para retardar a velocidade e amenizar as mudanças climáticas, para a manutenção dos recursos hídricos, para a regularização das chuvas, para a conservação dos solos etc.”




Luiz Marques é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas e doutorado em História da Arte pela École des Hautes Études en Sciences Sociales – EHESS. Atualmente é professor de História na Universidade Estadual de Campinas. É cocriador do portal Crisálida. Crises socioambientais. Labor Interdisciplinar Debate & Atualização.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como são feitas as projeções sobre qual será o estado das florestas nos próximos anos, como 2030 e 2050?
Luiz Marques – Por definição, projeções são feitas a partir de trajetórias observadas. Qualificam-se e quantificam-se os diversos dados e fatores conhecidos dos quais a forma da curva já observada é a resultante.




A partir dessa análise, que inclui aceleração, manutenção ou desaceleração, causas diretas e indiretas ou sistêmicas, respostas do próprio ecossistema às pressões observadas (sua capacidade maior ou menor ou mesmo incapacidade de regeneração), detecção de regiões de concentração do desmatamento (hotspots), demandas do mercado, legislação, entre outros muitos fatores, criam-se então cenários futuros, quando possível com determinação de sua probabilidade e com margens de erro. Estes vão desde o mais pessimista ao mais otimista, passando pela manutenção do cenário de base (business as usual).
Se continuarmos a pensar que a natureza é apenas um subsistema do sistema econômico, se continuarmos imersos em nossa ilusão antropocêntrica e hipnotizados pelo discurso hegemônico de que o crescimento econômico é a “saída”, como é ainda a crença da maior parte dos economistas, então estamos condenados a um colapso socioambiental
Há várias projeções em pauta. Em geral, as projeções de curto prazo (15 a 35 anos) e, portanto, de maior confiabilidade, convergem para um quadro de declínio continuado, ou mesmo de ainda maior aceleração, da área, da integridade, da funcionalidade e da resiliência das florestas em escala global. 
O WWF, por exemplo, projeta que os cinco países asiáticos banhados pelo rio Mekong — Cambodia, Laos, Myanmar, Tailândia e Vietnã —, que perderam em média um terço de suas florestas nos últimos 35 anos, poderão ter em 2030, a se manter o ritmo atual da devastação, apenas entre 10% e 20% de sua cobertura florestal original (veja-se “Saving Forests at Risk”. WWF Living Forests Report. Capítulo 5).




A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE afirma: “As florestas primárias, mais ricas em biodiversidade, devem perder até 2050 13% de sua área. As florestas primárias (…) têm decaído e estima-se que diminuirão constantemente até 2050, mantido o cenário de base” (veja-se: OECD Environmental Outlook to 2050: The Consequences of Inaction, 2012, pp. 22 e 157).
IHU On-Line – Qual é a situação das florestas tropicais no Brasil em comparação com a situação mundial?
Luiz Marques – O declínio das florestas tropicais como um todo está se acelerando. Trata-se de uma situação extremamente grave. A taxa de desmatamento no primeiro decênio deste século foi 62% maior que no último decênio do século passado, e desde 2011 constata-se uma aceleração dessa aceleração, sobretudo na Ásia e na Oceania. 
No que se refere ao Brasil, após uma diminuição notável da taxa de desmatamento da Amazônia entre 2004 e 2012 (de 27.774 km², entre agosto de 2003 e julho de 2004, para 4.656 km² entre agosto de 2011 a julho de 2012, segundo dados do INPE), o desmatamento voltou a crescer, atingindo 7.989 km² nos 12 meses entre agosto de 2015 e julho de 2016. Desde a implantação do novo código florestal em 2012, houve um aumento de 75% na taxa anual de desmatamento. O governo de Dilma Rousseff após 2012 entregou a Amazônia e o Cerrado à sanha destruidora dos ruralistas. Só o governo de Michel Temer consegue agora nos convencer de que não há de fato um limite absoluto para a piora.
IHU On-Line – No Brasil, as florestas tropicais são responsáveis por que percentual da cobertura vegetal do país?
Historicamente, na Amazônia, mais de 80% do desmatamento é causado pela pecuária
Luiz Marques – Depende do que se entende por florestas tropicais e do momento escolhido para definir essa porcentagem. Apenas no que se refere à floresta amazônica, dados do IBGE/PRODES para o período 1970-2013 indicam uma perda da ordem de 22% de sua área, 763 mil km² ou, por amor de precisão, 762.979 km². Em julho de 2016, totalizamos uma perda total, por corte raso, de 782.187 km². A cada ano, portanto, esse percentual diminui significativamente. Até 2020, teremos provavelmente perdido pouco mais ou menos de 800 mil km², mantida a trajetória atual. E isso sem falar na destruição já ocorrida de cerca de metade da área do Cerrado, e da destruição da Caatinga e dos resíduos da Mata Atlântica.
IHU On-Line – O senhor aponta, como causas do declínio das florestas, pelo menos duas razões: o avanço da fronteira agropecuária e o sistema climático. Pode nos explicar por que e de que modo esses dois eventos têm implicações diretas sobre as florestas?
Luiz Marques – Na realidade, os fatores são múltiplos. Mas o mais importante é a globalização do capitalismo que transformou definitivamente a alimentação em commodities, negociadas nos mercados futuros. Nesse âmbito, o avanço das pastagens para o gado bovino, estimulado pelo aumento do carnivorismo no Brasil e no mundo todo, é, de longe, a principal causa do desmatamento. Historicamente, na Amazônia, mais de 80% do desmatamento é causado pela pecuária, e a figura abaixo mostra a íntima correlação entre pecuária e desmatamento nessa região entre 1988 e 2004.



Mas, além do desmatamento por corte raso, para dar lugar à soja e ao pasto, outros fatores concorrem para a destruição das florestas: as hidrelétricas, a mineração, a extração de madeira, a caça, o tráfico de espécies silvestres, as estradas e o avanço da urbanização e da indústria do turismo. Esses fatores causam degradação e fragmentação das florestas, aumento das linhas de borda, maior exposição à insolação e ao ressecamento pelos ventos e maior vulnerabilidade a incêndios (na maior parte provocados por fazendeiros) e defaunação, com diminuição dos animais dispersores de sementes.
Mudanças climáticas
Estamos caminhando para o desaparecimento ou degradação irreversível desses ecossistemas num horizonte de tempo que não ultrapassa, em muitos casos, a primeira metade do século
E há, enfim, as mudanças climáticas, em particular a ação combinada do aquecimento global e de secas maiores e mais recorrentes. 
Associados à ação destrutiva direta do agronegócio, das corporações mineradoras e de outras corporações, esses fatores climáticos estão levando as árvores à falência hidráulica por cavitação ou embolia vegetal, um fenômeno conhecido pelo termo dieback. Temperaturas mais elevadas (que fazem aumentar a transpiração das árvores) e/ou maior carência de água no solo levam as raízes das árvores a bombear mais intensamente água ao longo de seu sistema vascular. Uma consequência importante desse mais intenso bombeamento é a formação de bolhas de ar em seus xilemas (o tecido por onde circula a seiva), que diminuem ou bloqueiam a condução hidráulica.
O exame de 226 espécies de árvores pertencentes a diversos tipos de florestas de 81 diferentes latitudes do planeta mostra que 70% delas já operam com estreitas margens de segurança em relação à diminuição da umidade, de modo que a intensificação das secas em várias regiões do globo prevista pelos modelos climáticos pode lhes ser letal. “Todas as árvores e todas as florestas do globo”, afirma Hervé Cochard, um ecofisiologista da Université Blaise Pascal de Clermont-Ferrand e do Institut National de Recherche Agronomique – INRA de Avignon, “estão vivendo no limite de sua ruptura hidráulica. Há, portanto, uma convergência funcional global da resposta desses ecossistemas às secas”.
Em suma, estamos caminhando para o desaparecimento ou degradação irreversível desses ecossistemas num horizonte de tempo que não ultrapassa, em muitos casos, a primeira metade do século.
IHU On-Line – É possível conciliar a preservação das florestas com o desenvolvimento da agropecuária? O que seria adequado para o caso brasileiro nesse sentido?
A única solução é a adoção de outro regime alimentar, uma alimentação sem carne ou com muito menos carne, o que traria, de resto, benefícios tangíveis à saúde humana
Luiz Marques – Não há quadratura do círculo. A “solução”, por vezes proposta, de confinamento do gado bovino implica, além de um sofrimento ainda maior desses animais, algo a meu ver eticamente inaceitável, uma alimentação baseada em ração, o que supõe um aumento da área agrícola para o cultivo dessa ração (com mais desmatamento), além de uso crescente de hormônios e antibióticos “preventivos”, problemas insuperáveis de gestão dos resíduos, entre outros. A única solução é a adoção de outro regime alimentar, uma alimentação sem carne ou com muito menos carne, o que traria, de resto, benefícios tangíveis à saúde humana.
IHU On-Line – Em um artigo recente, o senhor informa que a perda anual de florestas nos países tropicais, com exceção do Brasil e da Indonésia, praticamente dobrou nesses 14 anos, passando de pouco mais de 31 mil km² em 2001 para pouco mais de 61 mil km² em 2014. Quais são as razões desse aumento? Como esses países estão lidando com essa questão?
Luiz Marques – No caso da Ásia e da Oceania, os fatores preponderantes são o cultivo do óleo de palma e a extração de madeira. Também na África esses fatores começam a atuar de modo expressivo, à medida que o continente se insere no agronegócio global. As políticas adotadas pelos países concernidos devem ser avaliadas por seus efeitos. A se admitir que sejam mais que simples propaganda, não são objetivamente, ao menos até agora e num futuro previsível, de natureza a inverter a curva do desmatamento.
IHU On-Line – Vários estudos chamam atenção para a diminuição do número de florestas no mundo. Quais são as implicações práticas da redução florestal?
Luiz Marques – Em 2014, a FAO lançou um documento chamado “Não podemos viver sem florestas”. É a simples e incontornável verdade. As florestas são imprescindíveis para a vida no planeta.




Não apenas por serem o lar de (ainda) 80% da biodiversidade terrestre, mas porque são fundamentais para o ciclo do carbono, para retardar a velocidade e amenizar as mudanças climáticas, para a manutenção dos recursos hídricos, para a regularização das chuvas, para a conservação dos solos etc. Nosso sistema econômico, baseado no imperativo da expansão e do lucro, tem destruído as florestas a uma velocidade vertiginosa, sem perceber, em sua ganância, arrogância e ignorância, que estamos destruindo os alicerces sobre os quais a biosfera, e portanto nossas sociedades, se sustentam.
IHU On-Line – Que tipo de ação global poderia ser adotada para reverter o atual prognóstico em relação às florestas? O Acordo de Paris, do ponto de vista climático, lhe parece uma boa iniciativa?
Uma ação global capaz de nos desviar da trajetória de colapso da biosfera e de mudanças climáticas catastróficas deve começar pela admissão da extrema gravidade das crises socioambientais contemporâneas
Luiz Marques – Em seu compromisso (INDC) firmado no Acordo de Paris, o Brasil prometeu zerar o desmatamento ilegal e restaurar 120 mil km² de florestas até 2030. O custo dessa restauração foi recentemente avaliado entre 30 e 50 bilhões de reais. Não é nada se pensarmos na relação custo/benefício. Mas alguém acredita que o Estado brasileiro, se continuar dominado pelo agronegócio e por outros interesses corporativos, cumprirá essas promessas? Só os que amam se autoenganar.
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
O mesmo pode-se dizer do Objetivo 15 dos nobres 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, também assinado em 2015 pelo Brasil. Esse Objetivo propõe um manejo sustentável das florestas, combate à desertificação, reverter a degradação do solo e a perda da biodiversidade. Nada disso é atingível no quadro atual das relações de força entre os interesses da sociedade e os interesses dos grandes conglomerados que dominam os fluxos estratégicos de investimento. 
Uma ação global capaz de nos desviar da trajetória de colapso da biosfera e de mudanças climáticas catastróficas deve começar pela admissão da extrema gravidade das crises socioambientais contemporâneas. Adotar essa premissa significa se compenetrar de que há risco real, crescente e iminente de inviabilização de qualquer sociedade organizada já no horizonte dos próximos decênios. Significa entender, de fato (e não apenas em palavras), que o futuro da atual geração e das próximas será pior ou muito pior que o presente se não tomarmos em mãos nosso destino, o que supõe arrebatá-lo do controle das elites econômicas. Se de fato entendermos que o que está em jogo é a existência mesma de nossas sociedades neste século, as soluções políticas e tecnológicas aparecerão.



Essas soluções passam todas, em todo o caso, por uma democratização radical da sociedade. Mas se continuarmos a pensar que a natureza é apenas um subsistema do sistema econômico, se continuarmos imersos em nossa ilusão antropocêntrica e hipnotizados pelo discurso hegemônico de que o crescimento econômico é a “saída”, como é ainda a crença da maior parte dos economistas, então estamos condenados a um colapso socioambiental de proporções ainda imponderáveis, mas, de qualquer forma, terrivelmente doloroso para os jovens de hoje.




Fonte: EcoDebate

Microplásticos ameaçam centenas de espécies da fauna marinha em todo o mundo

quarta-feira, 6 de setembro de 2017


Centenas de espécies da fauna marinha, como peixes, moluscos e outras, estão sendo ameaças pela ingestão do lixo que se acumula no mar em forma de microplásticos, sem que até o momento se saiba a fundo suas causas e consequências. Os últimos estudos apontam que até 529 espécies selvagens já foram afetadas pelos resíduos, um risco mortal que se soma aos outros já enfrentados por dezenas delas em perigo de extinção. A informação é da EFE.
 
 
 
 

Por menores que sejam, os microplásticos (de até cinco milímetros de diâmetro e presentes em vários produtos, como os cosméticos) representam uma ameaça para as mais de 220 espécies que os absorvem, algumas delas muito importantes no comércio mundial, como os mexilhões, as lagostas, os camarões, as sardinhas e o bacalhau.
 
 
 
 
 
Relatório recente da Organização da ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO) alertou para as consequências desses resíduos para a pesca e a aquicultura. “Ainda que nos preocupe a ingestão de microplásticos por parte das pessoas através dos frutos do mar, ainda não temos evidências científicas que confirmem os efeitos prejudiciais em animais selvagens”, explicou à Agência EFE uma das autoras do estudo, a pesquisadora Amy Lusher.
 
 
 
 
 
 
Ela acredita que ainda faltam muitos anos de estudos, dado o vazio de informação que existe sobre o assunto e as muitas inconsistências nos dados disponíveis. Para contribuir com o debate, uma revista especializada em biologia da Royal Society, de Londres, publicou recentemente um estudo que sugere que certos peixes estão predispostos a confundir o plástico com o alimento, por terem um cheiro parecido.
 
 
 
 
 
Matthew Savoca, líder de um trabalho realizado em colaboração com um aquário de San Francisco (Estados Unidos), explica que foram apresentadas a vários grupos de anchovas substâncias com o cheiro de resíduos plásticos recolhidos do mar e outras com o cheiro de plásticos limpos.
 
 
 
 
 
 
As anchovas reagiram ao lixo de forma similar à que fariam com o alimento, já que esses resíduos estão cobertos de material biológico, como algas, que têm cheiro de comida.
 
 
 
 
 
 
“Muitos animais marítimos dependem muito do seu olfato para encontrar comida, muito mais que os humanos”, afirmou Savoca, ressaltando que o plástico “parece enganar” os animais que o encontram no mar, sendo “muito difícil para eles ver que não é um alimento”.
 
 
 
 
 
A FAO lembra que os efeitos adversos dos microplásticos na fauna marinha são observados em experiências em laboratórios, normalmente com um grau de exposição a estas substâncias “muito maior” que o encontrado no ambiente.
 
 
 
 
 
Até então, estas partículas só apareceram no aparelho digestivo dos animais, que as pessoas “costumam retirar antes de consumir”, apontou a pesquisadora Amy Lusher.
 
 
 
 
 
Substâncias contaminantes
No pior dos cenários, o problema seria a presença de substâncias contaminantes e de aditivos que são acrescentados aos plásticos durante sua fabricação ou são absorvidos no mar, ainda que não se saiba muito sobre o seu impacto e o dos plásticos menores na alimentação.
 
 
 
 
 
Para os cientistas, é preciso estudar mais a fundo a distribuição desses resíduos a nível global, por mais que se movam de um lado a outro, e o processo de acumulação de lixo, ao qual contribuem a pesca e a aquicultura quando seus equipamentos de plástico acabam perdidos ou abandonados nos oceanos.
 
 
 
 
 
Em um mundo onde há cada vez mais plástico (322 milhões de toneladas produzidas em 2015), estima-se que a poluição continuará aumentando nos oceanos, onde em 2010 foram despejados entre 4,8 milhões e 12,7 milhões de toneladas desse tipo de lixo.
 
 
 
 
 
Fonte: EcoDebate

Origem desconhecida


Por Bernardo Camara
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30% da carne oriunda da Amazônia vem de frigoríficos sem acordos com o Ministério Público. 
Foto: Marcio Isensee e Sá


Enquanto você passa os olhos por esta reportagem, cerca de 60 mil bois criados na Amazônia aguardam enfileirados a hora do abate. O ritual se repete todos os dias, distribuído por pelo menos 128 frigoríficos espalhados pela região. Antes do momento derradeiro, metade destes frigoríficos faz uma varredura diária nos bancos de dados públicos. O objetivo é garantir que os animais não venham de fazendas com irregularidades ambientais e sociais. A outra metade dos abatedouros, porém, não faz a mais vaga ideia da origem da boiada.


Em um levantamento inédito, o instituto de pesquisas Imazon mostra que apenas 48% dos frigoríficos presentes na Amazônia aderiram ao acordo que ficou conhecido como TAC da Carne. Firmado junto ao Ministério Público Federal, o Termo de Ajustamento de Conduta tem implementação complexa, mas princípios simples: todo frigorífico que assinar o documento se compromete a monitorar as fazendas de onde compram gado. Se houver qualquer indício de desmatamento ilegal, invasão de terra indígena ou uso de trabalho escravo, por exemplo, o fornecedor deve ser imediatamente excluído.


"Cerca de 18 mil cabeças de gado são abatidas diariamente na Amazônia sem qualquer monitoramento ambiental. E sem restrição de mercado"
 
 
A iniciativa do TAC da Carne nasceu em 2009 pelas mãos do procurador Daniel Azeredo, que comandava a área ambiental do MPF no Pará. Numa minuciosa investigação, ele provou que os maiores frigoríficos do estado estavam adquirindo gado de fazendas envolvidas com crimes ambientais e sociais. Com as evidências debaixo do braço, bateu à porta dessas empresas e deu o ultimato: ou vocês encaram penas e multas milionárias na Justiça ou assinam este documento. Acabaram escolhendo a segunda opção.


“Desde o início o objetivo era alcançar toda a indústria que atua na Amazônia. Então iniciamos em 2009 mesmo reuniões com procuradores de todos os estados da região e formamos o Grupo de Trabalho Amazônia Legal”, conta Daniel Azeredo. “Cada procurador começou a fazer as investigações em seus estados e a se reunir com os frigoríficos para buscar a assinatura dos acordos”.


Oito anos depois, 63 frigoríficos estão sob as regras do TAC da Carne – por envolver os maiores, eles representam 70% da capacidade de abate na região. Os outros 30% estão nas mãos de 65 frigoríficos que permanecem alheios à iniciativa. Isso significa que, todos os dias, cerca de 18 mil cabeças de gado são abatidas na Amazônia sem qualquer monitoramento ambiental. E sem restrição de mercado.

“O maior comprador da carne brasileira é o próprio Brasil”, diz o pesquisador do Imazon, Paulo Barreto, apontando o principal destino deste produto. “A Amazônia fica com apenas 12% da carne produzida na região. A maioria vai para os outros estados”.


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“Nenhum boi morre no pasto”


Para garantir que a carne produzida na Amazônia esteja livre de irregularidades, 100% dos frigoríficos da região precisariam se comprometer com o monitoramento de seus fornecedores. Mas isso está longe de se tornar realidade. E o motivo é simples: os frigoríficos que não aderiram aos acordos nunca deixaram de vender seus produtos por conta disso. Pelo contrário, em alguns casos até levam vantagem no mercado.


“O cumprimento das medidas estipuladas pelo TAC gera custos para as empresas. Quem não se submete a isso está livre desses custos, então passa a ter vantagens comerciais”, diz Francisco Victer, fundador e ex-presidente da União Nacional da Indústria da Carne (Uniec), que representa os frigoríficos. “Tem um frigorífico em Xinguara (PA), por exemplo, que assinou o TAC e é de primeiro mundo. Mas não consegue vender um quilo de carne no município, porque lá tem empresas que não seguem os acordos e conseguem vender ao varejo por um preço muito mais barato”.

"Aumentou 144% o número de animais oriundos do Pará abatidos no Tocantins após a assinatura do acordo em 2009, um dos estados com menor número de frigoríficos signatários do TAC."
 
 
A desvantagem comercial das empresas que assinaram o TAC também acontece no momento da compra do gado para abate. Ao abrir mão de fornecedores com irregularidades, muitas vezes o frigorífico precisa buscar a matéria-prima em locais mais distantes, aumentando seus custos. O fazendeiro rejeitado, no entanto, facilmente encontra outros compradores. “A pessoa atravessa a rua e vende para o frigorífico que não assumiu compromissos”, diz Victer. “A JBS no Pará, por exemplo, tem uma lista de mais de 2500 rejeições de compra. Mas nenhum boi morre no pasto. Alguém comprou aquele gado”.


O exemplo dado por Victer é corroborado pelo Imazon. No estudo “Os frigoríficos vão ajudar a zerar o desmatamento?”, o instituto mapeou as áreas potenciais de compra de 128 frigoríficos ativos na Amazônia Legal. Chegou à conclusão que as empresas comprometidas com o TAC operam no mesmo território comercial que as não signatárias, abrindo caminho para o chamado vazamento do acordo. “As zonas de compra estão sobrepostas, o que gera uma competição injusta e desleal. Tem que incluir todo mundo no TAC, senão teremos sempre o vazamento”, diz Paulo Barreto.


Durante a elaboração do estudo, os pesquisadores do Imazon foram a campo e ouviram dos próprios fazendeiros exemplos desta prática. “Pecuaristas boicotados por empresas que assinaram o TAC no Pará informaram que conseguiram vender seu gado para frigoríficos sem TAC no Tocantins”, diz. Isso pode explicar o aumento de 144% no número de animais oriundos do Pará abatidos no estado vizinho após a assinatura do acordo em 2009. O Tocantins é um dos estados com menor número de frigoríficos signatários.


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Mercado aberto
Se as vendas dos fazendeiros irregulares seguem sem barreiras, o mesmo pode ser dito sobre as transações comerciais feitas pelas empresas do ramo sem TAC. E não se trata só do mercado interno: somente em 2016, nove frigoríficos localizados nos estados do Pará, Tocantins, Rondônia e Mato Grosso exportaram mais de 48 mil toneladas de carne bovina para outros países, de acordo com informações levantadas na plataforma Trase, que traz dados comerciais de commodities brasileiras.


Coincidência ou não, a lista de importadores que compraram carne dessas empresas é formada principalmente por países asiáticos, africanos e sul-americanos, como Hong Kong, Egito, Angola, Peru e Chile. Estes mercados costumam ser menos rígidos em suas exigências comerciais. No entanto, também foi possível identificar vendas em menor quantidade para países europeus, além dos Estados Unidos. “Na atual lógica de mercado, o preço continua sendo um diferencial, tornando a carne vinda de frigoríficos sem TAC mais atrativa. Os problemas relacionados com sua produção não são considerados por esses países importadores”, diz Maria Rosa Darrigo, do Greenpeace.


O motivo disto é que a exportação de produtos agropecuários não está condicionada ao cumprimento de compromissos socioambientais. Os protocolos hoje – tanto do Brasil como dos países importadores – costumam ser apenas sanitários. “Não conheço país que deixe de comprar carne brasileira porque veio de área desmatada”, diz Victer. E quando se trata do mercado interno, o cenário não é muito diferente. “O setor do varejo ainda não está engajado no processo. Os supermercados assinaram termos de cooperação, fizeram marketing, mas continuam comprando carne de frigoríficos que não têm compromissos socioambientais”.


Exportação dos frigoríficos sem TAC na Amazônia (2016)
Frigoríficos Sem TAC da Carne
Estado Volume Exportado
(toneladas) 2016
Países importadores
VPR Brasil Importações e Exportações Ltda MT 1,328.90 Hong Kong, Rússia, Egito, Angola, Vietnã, Paraguai, Ghana
Mataboi Alimentos Ltda MT 57,113.20 Hong Kong, Egito, China, Rússia, Iran, Chile, Reino Unido, Itália, Holanda, Arábia Saudita
Total S/A RO 146.30 Hong Kong
Frigon - Frigorífico Irmãos Gonçalves RO 31,030.20 Hong Kong
Masterboi Ltda PA 2,932.10 Hong Kong, Rússia, Tailândia, Ucrânia
Frigorífico Fortefrigo Ltda PA 114.10 Hong Kong
Frigorífico Paraíso Ltda TO 376.40 Hong Kong
Coop. dos Prod de Carne e Derivados de Gurupi TO 10,053.00 Hong Kong, Rússia, Egito, Arábia Saudita, Angola, Peru
Indústria e Comércio de Carne e Derivados Boi Brasil TO 3,965.50 Hong Kong, Egito, Angola, Congo, Malásia, Coreia do Sul

Silêncio dos inocentes
"A exportação de produtos agropecuários não está condicionada ao cumprimento de compromissos socioambientais. Os protocolos hoje – tanto do Brasil como dos países importadores – costumam ser apenas sanitários"
 
 
Para confirmar esta informação, ((o)) eco entrou em contato com as três maiores redes de supermercados do Brasil – Carrefour, GPA (antigo Grupo Pão de Açúcar) e Walmart –, pedindo a lista dos frigoríficos da Amazônia que lhes fornecem carne e o volume médio mensal comprado da região. Apenas o Walmart abriu o jogo.  Luiz Herrisson, diretor de sustentabilidade do grupo, não divulga a quantidade, mas afirma que 40% da carne vendida nas 485 lojas da rede vêm da Amazônia. De lá, o produto vai parar nas prateleiras do sudeste, nordeste e centro-oeste.


“Hoje a gente tem um número bem restrito de fornecedores que atuam na Amazônia. São apenas quatro: JBS, Marfrig, Boiforte e Masterboi”, diz Herrisson, para confirmar em seguida: “Nem todos assinaram o TAC”. Ele se refere às duas últimas empresas, Masterboi e Boiforte, que têm unidades no estado de Tocantins. De acordo com o mapeamento feito pelo Imazon, os dois frigoríficos compram gado de uma região que soma mais de 420 mil hectares de áreas embargadas e desmatamento recente.
Para driblar este problema, o Walmart afirma ter criado um sistema próprio de monitoramento de fazendas fornecedoras.


Além disso, o grupo diz que desde 2016 só fecha negócios com frigoríficos que sigam as mesmas exigências feitas pelo TAC. “Todo frigorífico que vende carne para o Walmart precisa ter sistema de monitoramento dos fornecedores e fazer auditoria anual. Isso está em contrato”, diz Herrisson, garantindo que o Boiforte e o Masterboi já têm seus sistemas implementados. No entanto, ((o)) eco entrou em contato com os dois frigoríficos, mas as empresas não atenderam às repetidas solicitações de entrevista.


Líder em faturamento no setor do varejo, o Grupo GPA – controlador das redes Extra, Assaí e Pão de Açúcar – também preferiu o silêncio. Afirmou que, “por políticas internas”, sua lista de fornecedores não é pública. Uma fonte ouvida por ((o)) eco, porém, afirma que aproximadamente dez frigoríficos na Amazônia Legal fornecem carne para as mais de duas mil lojas que o grupo tem espalhado pelo Brasil.


Segundo essa fonte, apenas os três maiores frigoríficos do país – JBS, Marfrig e Minerva – estão entre os fornecedores do GPA que assinaram o TAC. Todos os outros estão fora do acordo. Haveria frigoríficos que não têm nada ou muito pouca informação sobre as fazendas fornecedoras. Em alguns casos, têm apenas uma caderneta com o nome e o telefone do pecuarista de quem costumam comprar gado. Nenhum sistema ou planilha organizada com dados sobre o produtor.


"Dos nove estados da Amazônia Legal, nenhum até hoje conseguiu fazer com que 100% dos frigoríficos locais aderissem ao TAC da Carne"
 
 
Desde outubro de 2016, o GPA iniciou uma parceria com a ONG Aliança da Terra para tentar mudar este cenário. De lá para cá, a empresa tem exigido dos seus fornecedores que repassem informações sobre as fazendas de onde compram gado. A partir daí, o próprio GPA faz a checagem para saber se o pecuarista está nas listas de desmatamento ilegal, trabalho escravo ou se está dentro de áreas protegidas. “Acaba sendo um TAC informal, porque são as mesmas condições”, explica Aline Locks, da Aliança da Terra, que tem ajudado o grupo varejista neste processo.


Segundo Aline, o GPA já excluiu fornecedores que não concordaram em abrir seus dados de compra. “Assim como o Greenpeace e o Ministério Público têm poder de pressão sobre o varejo, os supermercados têm poder de pressão comercial junto aos frigoríficos”, diz ela. O problema é que esta influência ainda é pouco exercida pelo setor, observa Maria Rosa, do Greenpeace. “Com certeza o varejo pode ajudar a aumentar a adesão dos frigoríficos ao TAC. Mas para que haja uma mudança significativa, é necessário que mais supermercados e outros tipos de varejo intensifiquem a pressão sobre essas empresas.


Caso contrário, vai continuar existindo o vazamento na compra de gado”.


Segundo colocado no ranking das varejistas com maior faturamento no país, o Grupo Carrefour também não informou quem são seus fornecedores de carne na Amazônia. No final de 2015, o Greenpeace fez um levantamento com os maiores supermercados do país, para saber como andavam suas políticas de desmatamento zero para a carne bovina que vendem em suas lojas. De acordo com Maria Rosa Darrigo, membro da ONG, apesar dos recentes avanços anunciados pelo Walmart e GPA, ainda hoje nenhum supermercado no país “pode garantir que a carne que vende está totalmente livre de desmatamento, trabalho escravo ou invasão de terras indígenas”.


“É um trabalho que não tem fim”
Dos nove estados da Amazônia Legal, nenhum até hoje conseguiu fazer com que 100% dos frigoríficos locais aderissem ao TAC da Carne. Como se trata de um acordo, o engajamento é voluntário. E o que tem colocado a indústria contra a parede são as investigações, que, segundo o procurador Daniel Azeredo, não pararam um minuto depois que a porteira se abriu em 2009. “É um trabalho contínuo, pesado, que não tem fim”, diz ele, citando a importância da cooperação de outros órgãos como o Ibama para acelerar este processo.


No último mês de março, oito anos depois que o TAC da Carne ganhou vida, o Ibama deflagrou sua primeira operação de grande porte em cima dos frigoríficos da Amazônia, fechando plantas e distribuindo milhões em multas. Os principais alvos da Carne Fria, porém, foram as empresas que já haviam assinado o acordo, o que gerou uma enorme revolta do setor.


“Chegaram aqui, chamaram imprensa e embargaram justamente as empresas que mais estão ralando para reduzir o desmatamento”, critica Francisco Victer. “Enquanto isso, os frigoríficos que não estão envolvidos no processo continuaram funcionando livremente. Por que não foram atrás deles?”.


Coordenador geral de fiscalização do Ibama, Renê Luiz de Oliveira não se abala com as críticas, e diz que aquele foi apenas um episódio de muitos que ainda estão por vir. “A operação não acabou. Ainda teremos a Carne Fria 2”, diz ele. E garante: “Estamos com um olhar especial para os frigoríficos que não assinaram o TAC”.

Governo contra governo: sem guia de trânsito, gado ilegal no Pará fica impune

Por Bernardo Camara
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Os pontos brancos são cabeças de gado dentro de área desmatada na Floresta Nacional de Jamanxim.
 Foto: Bernardo Camara


Cinco autuações, embargos e mais de R$ 20 milhões em multas. A lista de penalidades aplicadas ano a ano pelos fiscais do ICMBio não tem sido suficientes para convencer um fazendeiro a retirar as milhares de cabeças de gado que mantém ilegalmente dentro da Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, no sul do Pará. Neste caso, a saída seria apreender o rebanho. Mas esta não tem sido uma opção para o órgão ambiental. "Há anos a gente não consegue apreender e retirar gado das unidades de conservação no Pará", diz Diego Rodrigues, que coordena a equipe de fiscalização do ICMBio na região da BR-163.


Segundo Rodrigues, o entrave para a remoção dos bois tem nome: Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará). O órgão é responsável por emitir as Guias de Trânsito Animal (GTA), documento necessário para qualquer movimentação de rebanhos em território nacional. A Adepará, no entanto, tem ignorado as solicitações do ICMBio, que só em 2017 já formalizou dois  ofícios pedindo informações sobre como proceder após a apreensão dos animais. "Eles ignoram nossa comunicação. E a gente fica de mãos atadas. Por mais que eu apreenda o gado, não tenho como retirá-lo, pois não tenho as GTAs, as guias de transporte".


"A gente sabe que existe um receio do setor agropecuário em abrir esses dados [da Guia de Trânsito Animal] para os órgãos ambientais porque tem muita criação de boi em áreas não autorizadas"Renê Oliveira, Ibama
Margeando a BR-163 no sul do Pará, a Rebio Nascentes da Serra do Cachimbo é uma das unidades de conservação mais impactadas pela pecuária na região: segundo o ICMBio, em torno de 80% das áreas abertas ali são destinadas à pecuária. De acordo com Rodrigues, cerca de 9 em cada 10 das multas e embargos aplicados são absolutamente ignorados pelos infratores.


"Mesmo com as sanções, o dano ambiental não cessa. Eles não ligam para as ações de fiscalização. Não pagam as multas e mantêm suas atividades nas áreas embargadas, impedindo a regeneração da floresta. Muitas vezes até ampliam o pasto", diz o servidor do ICMBio. Um dos principais motivos da impunidade é o frequente uso de "laranjas" na região: as propriedades são registradas em nomes de terceiros, com o claro objetivo de burlar as investidas dos órgãos ambientais.


Uma maneira de driblar este problema seria justamente a apreensão e retirada dos rebanhos ilegais, uma das sanções administrativas que, por lei, o ICMBio tem autoridade para executar nas unidades de conservação. Na avaliação de Rodrigues, esta seria a estratégia mais eficaz em casos de reincidência, pois mexe diretamente com o bolso do produtor ilegal. "É o que dá mais impacto, pois vai na questão econômica: aquele rebanho está gerando lucro, então com a apreensão nós descapitalizamos o infrator", diz. "Mas com este entrave na Adepará, hoje o máximo que a gente consegue é aplicar multas e embargos".


Informação limitada
Nos ofícios enviados à Adepará, o ICMBio também vem pedindo acesso aos dados de proprietários que têm fazendas dentro de unidades de conservação. As informações seriam uma valiosa ferramenta de inteligência nas investigações do órgão ambiental. Com elas, além de facilitar a identificação dos infratores, o ICMBio teria um retrato refinado sobre a quantidade de gado ilegal dentro das UCs, o local onde os animais são criados e para quem eles estão sendo vendidos. A Adepará, porém, também não responde às solicitações.

"O que sabemos é que existem centenas de fazendas dentro das unidades de conservação, e que não deveriam estar ali. Mas não temos informações sobre a produção pecuária: de onde está vindo o gado, para onde está indo. Isso é um gargalo para nós", afirma Rodrigues.


O impasse com o órgão estadual de defesa agropecuária, no entanto, não é novidade na região. Ainda em 2009, apenas dois anos após o nascimento do ICMBio, o Ibama já se estranhava com a Adepará. Naquele ano, durante a Operação Boi Pirata, o órgão do Ministério do Meio Ambiente entrou em contato com a Adepará solicitando dados de pecuaristas que estavam derrubando floresta ilegalmente para expandir áreas de pasto. O pedido foi negado, com a justificativa de que as informações são sigilosas.


O caso foi parar na Justiça, e o Ibama chegou a multar em R$ 15 mil um dos servidores da entidade, por sonegar informações. O troco não demorou a chegar. Há 6 anos, Em 2011, numa continuação da Operação Boi Pirata, o órgão ambiental apreendeu e retirou milhares de cabeças de gado de áreas protegidas no Pará, sem que as GTAs fossem emitidas. A Adepará lavrou um auto de infração, devolvendo uma multa de mais de R$ 12 mil à equipe de fiscalização. "Na região, esta foi a última ação de retirada de gado em UC que eu tenho notícia", diz Diego Rodrigues, do ICMBio.


O mal estar se arrasta até hoje. "O Ministério Público Federal entende que a GTA é um documento público, que deveria estar disponível não só para os órgãos de fiscalização, como para qualquer cidadão. Assim como ocorre com a guia de transação de madeira ou com o contracheque de qualquer servidor público do país", diz o procurador da República Daniel Azeredo. "Negar o acesso a essas informações significa descumprir a lei federal de transparência".


Foi baseado neste argumento que o Ministério Público interveio em favor do Ibama e exigiu que a Adepará abrisse seu sistema para o órgão ambiental. Após anos de negociações, no início de 2017 finalmente esta decisão foi concretizada. Mas parcialmente. Desde então, o Ibama tem acesso aos dados de movimentação de gado no estado, conseguindo checar a origem e o destino dos rebanhos ilegais. Informações sobre quantidade de animais ou coordenadas geográficas da propriedade, por exemplo, permanecem em sigilo.


"A gente sabe que existe um receio do setor agropecuário em abrir esses dados para os órgãos ambientais porque tem muita criação de boi em áreas não autorizadas", diz o coordenador geral de Fiscalização do Ibama, Renê Luiz de Oliveira.


A Adepará não atendeu ao pedido de entrevista de ((o))eco. Em relação às solicitações do ICMBio, o órgão estadual apenas afirmou, em nota, que as demandas foram "protocoladas na gestão passada", dando a entender que a entrada do novo diretor-geral da agência - que ocorreu em maio de 2017 - exigiria novos ofícios por parte do ICMBio.


Poder pela metade
"Eles não podem deixar de efetuar uma operação porque um órgão estadual se recusa a cooperar”, afirma Azeredo. “Se o diálogo não resolver, é preciso partir para a aplicação de penalidades"Daniel Azeredo, Procurador do MPF


Desde o momento em que foi criado por lei, em agosto de 2007, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) recebeu o “poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conservação” do país. Dois anos após seu nascimento, uma Instrução Normativa descrevia minuciosamente os procedimentos que o órgão deve adotar ao se deparar com infrações ambientais dentro de UCs. A apreensão de animais exóticos – caso do gado – está incluído na lista.


“Ao identificar a infração, nós aplicamos as sanções administrativas para garantir que o dano ambiental seja cessado. Além da multa e do embargo, também podemos apreender o objeto que está causando o dano ambiental”, explica Diego Rodrigues, que coordena a equipe de fiscalização do ICMBio no mosaico de UCs da BR-163, no Pará. “Fazendo um recorte para a pecuária: se o gado estiver numa área embargada em UC de proteção integral, podemos apreendê-lo e retirá-lo direto. Se for em uma unidade de uso sustentável, temos que notificar o produtor para que ele retire os animais dentro de um período. Caso não cumpra, fazemos a apreensão. Enquanto ICMBio, temos autoridade para isto”.


O problema é que no caso da movimentação de animais vivos e exóticos, como o gado, ela precisa estar acompanhada das Guias de Trânsito Animal (GTA). O documento é uma exigência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Além de conter dados sobre o proprietário, a GTA traz informações sobre a vacinação do rebanho, atestando que os bois estão em dia com os requisitos sanitários. O objetivo é garantir o rastreamento de animais e vegetais para prevenir qualquer possibilidade de disseminação de doenças pelo país.

VEJAM VIDEO A RESPEITO:

https://youtu.be/M7uL6QeSSwQ

Rodrigues explica que a retirada dos rebanhos ilegais sem GTA seria uma medida atropelada. Além dos riscos sanitários e do mal estar que seria gerado com os órgãos de controle sanitário, o destino do gado apreendido seria incerto: “Nós já identificamos entidades que gostariam de receber a doação desses animais apreendidos. A Secretaria de Educação de Itaituba, por exemplo, já se propôs a realizar a logística de retirada dos rebanhos para serem usados na merenda escolar. Porém, para trazer o gado da fazenda para o abatedouro eles vão precisar da GTA, senão o frigorífico nem recebe o animal, pois não sabe sua origem”, explica.


Para o procurador Daniel Azeredo, do Ministério Público Federal, o ideal seria que a Adepará – responsável pela emissão das GTAs no Pará – assinasse um termo de cooperação técnica com os órgãos de fiscalização ambiental, para um trabalho permanente de colaboração mútua. A Adepará, no entanto, segue ignorando as solicitações do ICMBio. “Eles não podem deixar de efetuar uma operação porque um órgão estadual se recusa a cooperar”, afirma Azeredo. “Se o diálogo não resolver, é preciso partir para a aplicação de penalidades”.