quarta-feira, 3 de março de 2021

Ambientalistas e setores do agronegócio se unem por derrubada de veto

 

Ambientalistas e setores do agronegócio se unem por derrubada de veto

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura divulgou uma nota técnica nesta quarta-feira (3) pedindo a derrubada dos vetos presidenciais à Lei 14.119, sancionada em janeiro deste ano, que  institui a política nacional por pagamentos de serviços ambientais (PSA).

O movimento, composto por entidades que lideram o agronegócio no Brasil, organizações civis da área de meio ambiente e clima, representantes  do meio acadêmico, associações setoriais e companhias da área de madeira, cosméticos, siderurgia, papel e celulose, explica que a pauta foi aprovada no fim de 2020, em acordo com diferentes setores da sociedade após mais de 13 anos de tramitação na Câmara.

O acordo foi costurado para que houvesse compensações financeiras a produtores que preservam acima do que a lei exige. Para a Coalizão Brasil, o PSA é uma ferramenta importante para incentivar a preservação das florestas e complementar à fiscalização, que pune quem está fazendo algo ilegal. O PSA valoriza atitudes positivas.

O objetivo da nota técnica é explicar aos parlamentares as razões pelas quais o grupo acredita que é necessário derrubar os vetos presidenciais. A efetividade e o impacto da Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, dizem, serão fortemente atingidos com a manutenção dos vetos.

"Um Programa Federal de PSA robusto, eficiente e transparente é uma estratégia fundamental para transformar a conservação e a restauração florestal em um bom negócio para os produtores rurais, para a sociedade e também para os cofres públicos".

Confira a nota técnica da Coalizão Brasil sobre os vetos à Lei nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021, que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais

A Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais (PNPSA) foi instituída pela Lei nº 14.119 em 13 de janeiro de 2021, com o objetivo de estimular a manutenção, recuperação ou melhoria dos ecossistemas (recursos hídricos, solo, biodiversidade, entre outros) em todo o território nacional. A política também visa à preservação do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado, à regulação do clima e à redução do desmatamento e da degradação florestal, entre outros.

O tema estava em discussão no Congresso Nacional desde 2007 e tem sido acompanhado pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento que reúne mais de 280 representantes do agronegócio, setor financeiro, sociedade civil e academia. O texto encaminhado pelo Congresso à sanção presidencial foi fruto de um amplo processo de diálogo feito nos últimos anos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, envolvendo representantes do agronegócio, da sociedade civil, do setor financeiro e da academia. Desta forma, o texto aprovado reflete o equilíbrio de posições e opiniões entre os diversos setores da sociedade.

O papel desempenhado pelos incentivos econômicos, como é o caso do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), é fundamental para estimular a conservação e a recuperação dos recursos naturais a partir da valoração das ações humanas que geram benefícios para o meio ambiente (ou ‘serviços ambientais’), até então vistos como gratuitos. Normas que estabeleçam estímulos a boas práticas no Brasil são fundamentais para complementar as estratégias de comando e controle. A promulgação desta Lei foi um importante avanço para a agenda ambiental brasileira, mas corre o risco de perder sua eficácia em razão dos vetos que lhe foram impostos.

Há um volume bilionário de recursos nacionais e internacionais que poderão ser canalizados para o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (PFPSA). Um dos mais importantes potenciais financiadores é o Fundo Global para o Meio Ambiente (em inglês, Global Environment Facility - GEF), que em sua sétima edição (2018 – 2022) está mobilizando US$ 4,1 bilhões para apoiar questões ambientais globais e iniciativas nacionais de desenvolvimento sustentável. Outro exemplo é o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que destina cerca de US$ 2,5 bilhões por ano para ações de desenvolvimento sustentável e ecológico. Esses fundos mantêm um forte compromisso de alcançar resultados mensuráveis e os mais elevados padrões de integridade, transparência e prestação de contas. Ou seja, para transformar este potencial em realidade e acessar estes recursos, o PFPSA precisa contar com instrumentos efetivos e eficazes de transparência e acompanhamento social. Tais instrumentos estão previstos na lei aprovada, porém, foram vetados pelo presidente da República.

No Brasil, existem exemplos de sucesso de projetos de PSA nos níveis subnacionais.  Somente o Programa Bolsa Floresta no Amazonas, por exemplo, canalizou recursos na ordem (Fundo Amazônia) de R$ 29 milhões. Vale ressaltar que a conservação da vegetação nativa, com objetivo de aumento e manutenção dos estoques de carbono, conservação da biodiversidade, polinização, regulação do clima, disponibilidade hídrica, proteção e fertilidade do solo, ciclagem de nutrientes, entre outros benefícios ecossistêmicos já é reconhecida como atividade rural, conforme disposto na Lei Federal nº 8.023, de 1990, art. 2º, III,, sendo a mesma classificada no Código Nacional de Atividade Econômica — CNAE na subclasse 0220-9/06, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE.

A abordagem do PSA é atraente na medida em que permite acesso a novos recursos, os quais não estariam disponíveis, e tem potencial para ser sustentável, uma vez que depende do interesse mútuo dos usuários e provedores de serviços, e não da disponibilidade de financiamento do governo ou doador. Além disso, é um mecanismo eficiente, uma vez que remunera serviços cujos benefícios são maiores que o custo pago por eles.

Com esta Nota Técnica queremos registrar nossa preocupação quanto ao alto risco de perda de efetividade da PNPSA em decorrência destes vetos e apresentar argumentos e fundamentos para que eles sejam derrubados pelo Congresso Nacional, conforme abaixo:

  • Órgão Colegiado (veto no § 8º do art. 6º e art. 15) – esse dispositivo é de extrema importância para a participação social no PFPSA, pois define a criação de um órgão colegiado para avaliar o programa, cujas principais atribuições são propor prioridades e critérios de aplicação dos recursos e monitorar a conformidade dos investimentos realizados com os objetivos e as diretrizes da PNPSA. O trecho prevê a composição do órgão, que agrega transparência sobre o uso dos recursos públicos com a participação da sociedade civil, academia setor privado e produtores. Este ponto tem grande importância para dar credibilidade ao programa e atrair investidores. Boas práticas e instrumentos de governança e participação são aspectos cada vez mais requeridos por fundos e investidores internacionais para garantir a adequada aplicação e impacto dos recursos pactuados.

O programa pode ser gerido por instâncias já existentes do executivo (como, por exemplo, a Secretaria da Amazônia e dos Serviços Ambientais no Ministério do Meio Ambiente), “com a colaboração voluntária de setores da sociedade, setor privado e academia, , evitando a criação de novo órgão e, consequentemente, o aumento de gastos.

  • Pagamentos por Serviços Ambientais para Unidades de Conservação (veto no § 1º do art. 8º) – este trecho define que os recursos provenientes da conservação de vegetação nativa em unidades de conservação (UC) serão aplicados pelo órgão ambiental competente em atividades ligadas à regularização fundiária, plano de manejo, fiscalização, monitoramento, manejo sustentável da biodiversidade e outras vinculadas à própria unidade (consultando o conselho deliberativo no caso das unidades de conservação de uso sustentável). Apesar da justificativa do veto dizer que o texto contraria o interesse público ao estabelecer vinculação de receita, é importante ressaltar que quanto mais clara e explícita for a proposta de aplicação dos recursos, maior será a atratividade de investimentos e financiamento para as UCs.

Além de atrair os investidores, a vinculação do recurso à unidade deve subsidiar os esforços para garantir a provisão do serviço ambiental, embasando a regulamentação dos artigos 47 e 48 do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC. Apesar da significativa contribuição social e econômica prestada por essas áreas protegidas, sua efetiva implementação encontra-se comprometida pelos recursos reduzidos. O Brasil está entre os países com menores aportes financeiros por hectare protegido e possui uma das piores relações de área protegida por funcionário. As contribuições econômicas advindas do PSA podem superar significativamente o montante destinado pelas administrações públicas à manutenção das UC. O PSA tem o potencial de reduzir as despesas da União frente à vinculação do recurso para a melhoria da gestão das UCs federais.

  • Cadastro Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais (veto nos Art. 13 e 16) – esse trecho garante o registro dos contratos de PSA no âmbito do Programa Federal, tanto aqueles que envolveriam os agentes públicos quanto privados. O cadastro garante transparência, com registro das áreas potenciais e os respectivos serviços ambientais prestados, as metodologias e informações sobre planos, programas e projetos que integram o PFPSA. Este trecho também prevê a integração de dados nas esferas federal, estadual e municipal e o acesso público a essas informações. Sem cadastro, diminuem a transparência sobre o uso dos recursos e as oportunidades de integração das informações. Um cadastro nacional de PSA assegurado por lei tem muito mais força normativa do que previsto em Portaria, como justificado no veto. A Portaria nº 288, de 2 de julho de 2020, do Ministério do Meio Ambiente é um complemento, mas não pode ser a única base jurídica para a implementação do Cadastro Nacional de PSA.

Além disso, alternativas de baixo custo ligadas a sistemas de informação e gestão de dados podem ser utilizadas. O potencial de captação de recursos é muito maior do que o custo necessário para garantir o registro e a transparência dos dados. Ainda, a crítica à internalização dos custos da conservação deixa de parecer onerosa ao consumidor quando comparada ao custo de recuperar um ecossistema que deixa de prestar um serviço ambiental essencial.

  • Incentivos aos esquemas de Pagamentos por Serviços Ambientais (veto nos Art. 17, 18 e 19) – ao vetar estes artigos do texto do Programa Federal de PSA, o governo retira não somente os benefícios fiscais e incentivos tributários, mas também a oportunidade de promover: 1. créditos com juros diferenciados para atividades de recuperação de áreas degradadas e restauração de ecossistemas em áreas prioritárias; 2. assistência técnica e incentivos creditícios para o manejo sustentável da biodiversidade e demais recursos naturais; 3. programa de educação ambiental destinado especialmente às populações tradicionais, a agricultores familiares e a empreendedores familiares rurais, 4. compras de produtos sustentáveis associados a ações de conservação e prestação de serviços ambientais.

A justificativa sobre a perda de receita é equivocada. Os incentivos fiscais e outros retirados do texto poderiam atrair novas fontes de recursos por meio, principalmente, do setor privado. Os serviços ambientais vêm ganhando atenção do setor privado, visto a crescente representatividade do conceito em importantes índices de sustentabilidade corporativa, como Dow Jones Sustainability Index family (Nova Iorque) e FTSE4Good Index Series (Londres).

No Brasil, a avaliação sobre serviços ecossistêmicos é considerada no Índice de Sustentabilidade Empresarial da Brasil Bolsa Balcão (ISE-B3) desde 2018. Adicionalmente, grandes empresas de gestão de ativos do mundo, como a BlackRock, também passaram a avaliar fundos com base em parâmetros ambientais, sociais e de governança. Assim, visando atender a demanda de investidores e destaque no setor financeiro, os estímulos fiscais e econômicos podem atrair recursos do setor privado tanto para alimentar fundos ambientais que financiam o PSA, como para aumentar a escala dos projetos.

Outro importante aspecto de programas de PSA é que, além do impacto positivo na renda dos proprietários da terra, pode haver benefícios associados ao próprio serviço ecossistêmico, como a possibilidade de comercialização de produtos não-madeireiros, a redução nos custos de tratamento de água e a emissão de créditos por captura ou redução de gases de efeito estufa, entre outros. Considerando que o incentivo pode impactar positivamente toda a cadeia de atividades econômicas já tributados, certamente haverá um aumento de arrecadação fiscal e tributária. Em relação ao prazo de vigência do benefício fiscal que deve ser de, no máximo, 5 anos, conforme estabelecido no art. 137, da Lei Orçamentária nº 14.116/2020, isso pode ser facilmente corrigido sem inviabilizar o incentivo.

Em nossa opinião, caso estes vetos sejam mantidos a implementação, a efetividade e o impacto da Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais serão fortemente atingidos e o Brasil perderá oportunidade histórica de reconhecer e valorar o trabalho dos milhões de cidadãos que cuidam dos nossos ativos ambientais.

Um Programa Federal de PSA robusto, eficiente e transparente é uma estratégia fundamental para transformar a conservação e a restauração florestal em um bom negócio para os produtores rurais, para a sociedade e também para os cofres públicos.

Pelas razões acima expostas, a Coalizão Brasil, Clima, Floresta e Agricultura solicita que o Congresso Nacional derrube estes vetos e demonstre que o Brasil tem compromisso efetivo com as agendas ambiental, produtiva e de emergência climática, e que possui mecanismos eficientes e confiáveis de governança e transparência para atrair os investimentos necessários para que o país possa atingir suas metas e seguir como referência para o mundo na conciliação da produção com a proteção ambiental.

> Servidores do Ibama e ICMBio não acreditam que saída de Salles mude política ambiental

Green Deal”: O Novo Pacto Ecológico Europeu

 

“Green Deal”: O Novo Pacto Ecológico Europeu

O Pacto Ecológico Europeu “Green Deal”, é uma iniciativa da Comissão Europeia que tem como objetivo ser o “fio verde” para todas as futuras atividades na Europa e propõe 50 medidas para que a Europa se torne neutra em carbono até 2050, unindo a todos os países da Comissão Europeia em ação conjunta.

Tornar-se o primeiro continente neutro em termos de clima até 2050 é o maior desafio e a maior oportunidade do nosso tempo. Para tal, a Comissão Europeia apresentou o Pacto Ecológico Europeu, um ambicioso pacote de medidas que deverá permitir que os cidadãos e as empresas europeias beneficiem de uma transição ecológica sustentável. As medidas, acompanhadas de um roteiro de políticas fundamentais, vão desde a redução das emissões até ao investimento em investigação e inovação e a preservação do ambiente da Europa.

Apoiado por investimentos em tecnologias verdes, soluções sustentáveis e novas empresas, o “Green Deal” pode ser uma nova estratégia de crescimento da UE. A participação e o empenho dos cidadãos de todos os países são cruciais para o seu sucesso.

Acima de tudo, o Green Deal Europeu estabelece um caminho para uma transição socialmente justa, de forma a não deixar nenhum indivíduo ou região para trás na grande transformação que se avizinha.

Conheça em detalhe o Pacto Ecológico Europeu “GreenDeal” que visa transformar a economia da UE e tornar a Europa o primeiro território a alcançar a neutralidade carbónica em 2050: https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/european-green-deal_en

Dossiê liga Banco Mundial a violações ambientais na Amazônia

 


Dossiê liga Banco Mundial a violações ambientais na Amazônia

EMPRESA DE LOGÍSTICA QUE RECEBEU INVESTIMENTO E SELO DE QUALIDADE DO BANCO PREJUDICA COMUNIDADES AO LONGO DE ROTA INTERNACIONAL DA SOJA QUE CORTA A FLORESTA, DIZ RELATÓRIO. DESMATAMENTO E POLUIÇÃO ESTÃO ENTRE IMPACTOS.

Na nova rota da soja, grão sai de Mato Grosso, maior produtor nacional, e corta a Floresta Amazônica pela BR-163

Ao longo da rota internacional da soja que corta a Floresta Amazônica para levá-la a mercados como China e União Europeia, uma série de violações ambientais tem prejudicado a vida de comunidades, populações indígenas e a maior floresta tropical do mundo.

Os abusos envolvem empresas e instituições conhecidas por pregarem padrões de sustentabilidade nos negócios, denuncia o dossiê Enquanto a soja passa: impactos da empresa Hidrovias do Brasil em Itaituba, organizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), com base em documentos e relatos de lideranças locais.

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Segundo a investigação, a Hidrovias do Brasil, empresa de logística instalada no distrito de Miritituba, no município de Itaituba, no Pará, descumpre medidas que deveriam ser adotadas para aliviar os impactos negativos de sua atuação na Amazônia.

A contradição, aponta o dossiê, é que a companhia tem entre seus acionistas a International Finance Corporation (IFC), braço de investimentos do Banco Mundial que, como condição para bancar parte do empreendimento, estipulou que fossem cumpridos os chamados Padrões de Desempenho sobre Sustentabilidade Socioambiental (PDs).

“O que é importante aqui é que o Banco Mundial e a IFC dão como se fosse um selo de qualidade socioambiental porque, a principio, eles têm políticas socioambientais muito fortes. O que a gente tentou provar no dossiê é que essas políticas não estão sendo implementadas”, afirma Livi Gerbase, assessora política do Inesc, sobre a operação da Hidrovias do Brasil.

Segundo o documento, a empresa se utiliza desse selo tentando mostrar que emprega boas práticas socioambientais. “Mas, quando a gente analisa, na realidade isso é mais um discurso do que de fato a empresa cumprindo a sua responsabilidade”, pontua Gerbase.

Nova rota e violações

É pelo rio Tapajós, que percorre mais de 800 quilômetros entre Mato Grosso e Pará até desaguar no rio Amazonas, que as barcaças de soja seguem até o Atlântico. O grão vem de Mato Grosso, maior produtor nacional, e corta a Floresta Amazônica pela BR-163, estrada que recebeu recentemente asfaltamento completo.

Nos últimos dez anos, essa rota, chamada de Arco Norte, tem virado opção por se acreditar que é mais barato passar por dentro da Floresta Amazônica para exportar soja e milho – o que, até então, ocorria apenas passando pelo Sudeste.

Consequentemente, empresas da cadeia global de commodities e de logística, como a Hidrovias do Brasil, se instalaram pelo trajeto. Desde 2013, pelo menos dez portos industriais foram construídos, por exemplo, ao redor de Itaituba. Outros 40 estão planejados, quase todos ligados ao agronegócio.

Segundo o relatório, a principal violação cometida pela companhia analisada é relacionada a populações indígenas. “O selo do Banco Mundial para esse tema é muito forte. A política de salvaguarda do banco diz que, se forem identificados povos indígenas ou comunidades tradicionais perto do investimento, existe uma série de protocolos que devem ser seguidos, principalmente a consulta prévia, livre e informada desses povos”, diz o Inesc.

O problema, detalha Gerbase, é que a Hidrovias teria informado ao banco que não existem povos indígenas na região. Logo, os protocolos que o Banco Mundial deveria impor não foram cumpridos. “E existem aldeias indígenas coladas nos portos”, ressalta a assessora.

Indígenas munduruku, a principal etnia da região, relatam que não foram convocados para participar das audiências públicas sobre o investimento. “Nem a sociedade daqui de Itaituba foi convocada para essa audiência. Eles convocaram só um grupo de empresários que tinham um interesse grande com a implantação dos portos, e as comunidades daqui não foram chamadas”, afirmam lideranças indígenas

Duas ações civis públicas chegaram a ser protocoladas pelo Ministério Público Federal, mas até hoje não há uma sentença. Elas pediam anulação das licenças ambientais dadas pela secretaria estadual e realização de novas audiências.

“É quase escrachada a violação de um padrão de desempenho do Banco Mundial que eles simplesmente não cumprem e disseram que não vão cumprir porque não existem povos indígenas na região”, afirma Gerbase.

Impactos da nova rota

Impactos da rota da soja são sentidos por comunidades da região. Desmatamento, poluição do solo e de rios por agrotóxicos, reassentamento involuntário de populações e desmantelamento da agricultura familiar são apontados como os mais graves.

Em pouco tempo, Miritituba se transformou num complexo portuário. O distrito, que tinha uma população de 3.383 habitantes no censo de 2010, atualmente conta com cerca de 15 mil em parte devido à urbanização não planejada.

Pelo vilarejo, chegam a transitar 1.500 caminhões por dia durante a safra de soja, com aumento expressivo de atropelamentos e até mortes. “Isso gera também aumento dos casos de violência na região, pois aumenta muito a população sem expansão de infraestrutura. Nós deixamos isso bem claro no dossiê”, diz Gerbase.

A produção pesqueira dos moradores no Tapajós também caiu. Segundo as comunidades, cordões de isolamento impedem os pescadores de chegarem perto do rio. Além das barcaças, que se aglomeram e tiraram o espaço onde eles pescavam.

“Tem soja por toda a cidade. A chamada poeira de soja contém agrotóxicos, fica pela cidade, e o vento vai espalhando. É um dano tanto para a saúde das pessoas quanto para flora e fauna”, destaca o documento.

O que dizem a Hidrovias e a IFC

Consultada pela DW Brasil, a Hidrovias do Brasil repudiou o conteúdo do dossiê. Por meio de nota, a companhia afirmou que o documento responsabiliza “exclusivamente a empresa pelos impactos sinérgicos, cumulativos e históricos na região”.

A Hidrovias diz ainda seguir as diretrizes dos Padrões de Desempenho da IFC. “É com base nessas diretrizes que a empresa esclarece que não há população indígena lindeira ou diretamente afetada pelo empreendimento da companhia”, afirma.

Sobre os munduruku, a empresa admite a existência da Terra Indígena às margens do rio Tapajós e afirma que há estudo em curso para “qualificar e quantificar os eventuais impactos da operação dos terminais”, mas não especificou quando será concluído.

Já a IFC declara que supervisionou o projeto de acordo com seu mandato e procedimento interno e apoiou a empresa na implementação de seus compromissos de acordo com os Padrões de Desempenho Social e Ambiental da IFC.

“Embora a IFC concorde, em geral, com muitas das preocupações sobre as questões socioeconômicas na região, o relatório do Inesc contém afirmações que não apresentam uma imagem precisa e completa dos esforços da IFC em sua diligência e supervisão”, afirma por meio de nota.

Para o Inesc, a IFC e Banco Mundial não deixam de ter responsabilidades. “Nós estamos mostrando para o banco que ele precisa retomar o monitoramento da empresa e garantir que essas políticas estão sendo aplicadas nos seus investimentos”, pontua.

Na análise de Gerbase, o dossiê aponta que essas políticas têm grande deficiência na sua execução. “E, no meio disso, pequenas comunidades estão sendo inseridas nessas cadeias globais de produção e escoamento de commodities e estão sofrendo nas mãos  desses investimentos”, conclui.

Fonte: Deutsche Welle