IHU
Em 2006, no
Semiárido havia áreas suscetíveis à
desertificação. Eram 6 núcleos –
Cabrobó (
PE),
Gilbués (
PI),
Inhamus (
CE),
Irauçuba (
CE),
Jaguaribe (
CE) e
Seridó (
PB e
RN) – que foram divulgados no
Plano Nacional sobre Mudança do Clima, o
PAN da Desertificação.
Hoje, esses núcleos agravaram em muito a situação de degradação e se
tornaram o epicentro das áreas quase desérticas do Semiárido que
passaram a existir em pouco mais de uma década. No total, o
Semiárido tem hoje
13% do seu território classificada como quase desértica.
É o que apontou o
Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (
Lapis), ligado à
Universidade Federal de Alagoas (
Ufal). “O total que a gente chegou de áreas de todo o Semiárido brasileiro, incluindo o
Norte de
Minas Gerais, está em torno de
13% de áreas quase desérticas,
que estão em níveis de degradação muito alto. Mas existem outros níveis
intermediários que estão acelerando em função do uso da terra, das
secas, em função da ocupação do solo”, assegura Humberto Barbosa,
coordenador do
Lapis, que coordena um sistema de
recepção de dados em tempo real e tem a capacidade de gerar informações
da cobertura vegetal na frequência diária. O monitoramento da cobertura
vegetal é o principal indicador de degradação ambiental utilizado pela
Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (
UNCCD).
Imagem de satélite de agosto passado que demonstra a umidade do semiárido | Fonte: Divulgação Lapis
Em julho passado, o
Lapis divulgou este dado
alarmante, mas houve pouca repercussão nos veículos de comunicação.
Talvez, esse fato seja só mais uma prova da pouca importância que a
região semiárida, o bioma Caatinga e as famílias que vivem nele têm para
o Brasil. Um ecossistema que, em tempos de alterações climáticas
mundiais, tem muito a ensinar no quesito produção de alimentos em
condições de pouca água e alta temperatura.
Na entrevista abaixo, o professor
Barbosa, com formação em meteorologia, mestrado em Sensoriamento Remoto pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (
Inpe) e doutorado em Solo, Água e Ciências Ambientais pela Universidade do Arizona, discorre sobre as principais
vulnerabilidades do Semiárido, em diversas dimensões, que contribuem para a ampliação da degradação a passos largos.
Segundo o professor, tais vulnerabilidades são alimentadas pela
ausência de políticas públicas direcionadas para minimizar este processo
de degradação. “Políticas públicas não podem ser implementadas se você
não tem informações. Pelo menos de conter o desmatamento sem saber quais
são as taxas, em que ano esse desmatamento tem acontecido. Então, as
áreas suscetíveis, as áreas degradadas que a gente destacou mais
recentemente é mais em função de falta de políticas públicas para conter
este
desmatamento no Semiárido“.
Na entrevista, o coordenador do
Lapis também lança
um olhar específico para a condição da mulher nos territórios que estão
se tornando inférteis e impróprios à vida. Esta questão mereceu destaque
no recente relatório do
IPCC, o
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas que busca compreender as mudanças climáticas em curso e conta com cientistas e especialistas do mundo todo.
Neste relatório lançado há dois meses em
Genebra na versão direcionada para os formuladores de políticas públicas de todo o mundo, o professor
Barbosa coordenou
uma equipe internacional e multidisciplinar de pesquisadores para a
elaboração do capítulo sobre degradação da Terra. “Foi a primeira vez
que o
IPCC colocava a questão da superfície terrestre
nas emissões. Qual era a contribuição da superfície terrestre nas
emissões, principalmente, do metano, do óxido nitroso e do CO2
indiretamente?”, disse ele.
Nascido no interior da Paraíba, com avós sertanejos e uma influência
fortíssima de um de seus avós, considerado por ele como “ambientalista
por preservar muito a cobertura vegetal no sítio”, o professor
Barbosa explicou, de forma didática, como se dá o
ciclo de degradação. Tudo começa com o
desmatamento,
hoje em dia, intensificado pela produção de biomassa, agronegócio e
criação de animais de grande porte, como os bovinos, em áreas pequenas.
O relato do pesquisador
Humberto Barbosa acerca da vulnerabilidade do semiárido foi feito à
Verônica Pragana, publicado por
Articulação do Semiárido – ASA, 05-09-2019.
Eis o relato.
2006: áreas vulneráveis à desertificação
Primeiro, a gente participou do
PAN de desertificação [
Plano Nacional sobre Mudança do Clima], que foi uma ação do governo federal com estados e com agências de Estados pra monitorar essas áreas de
desertificação.
Até então, eram cinco núcleos de desertificação espalhados pelo
Semiárido e
havia interesse do Governo Federal de implementar um sistema precoce de
monitoramento de seca, de desertificação e de áreas degradadas.
Até
2006, esse plano serviu como referência para
mapeamento das áreas de desertificação. Porém não houve sequência,
outras ações para complementar o mapeamento dessas áreas degradadas ou
suscetíveis à desertificação. Daí a gente começou tomar a decisão de dar
sequência, de continuar mapeando, buscando outras informações.
A partir de 2006, nós começamos a perceber que as áreas do entorno dos
núcleos de desertificação começaram
a ampliar a degradação neste entorno. A gente começou a melhorar a
metodologia, começamos a colocar níveis de degradação, colocamos três
níveis. Não eram níveis de suscetibilidade, eram níveis mesmo de
degradação a partir da cobertura vegetal.
A
UNCCD, que é a
Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação,
tinha a cobertura vegetal como o único indicador das áreas degradadas.
Então, a cobertura era a principal métrica pra dizer se a área estava
degradada.
A gente adotou isso também, olhando primeiro a cobertura vegetal ao
longo tempo, desenvolvendo metodologia para saber. A gente classificou
em três níveis, o nível 3 é o que a gente chama de quase deserto, aquela
região que está no nível mais alto de degradação e que coincide com os
núcleos de desertificação que o
PAN de 2006 mapeou e redefiniu como núcleos de desertificação.
2019: 13% de área quase desértica no Semiárido
O total que a gente chegou de áreas de todo o Semiárido brasileiro, inclui o
Norte de Minas Gerais, está em torno de 13% de áreas quase
desérticas,
que estão em níveis de degradação muito alto. Mas existem outros níveis
intermediários que estão acelerando em função do uso da terra, das
secas, em função da ocupação do solo.
A gente tem uma área, por exemplo, se você pegar o Seridó, que se estende pelo
Cariri paraibano e ainda pega parte do
Rio Grande do Norte,
é uma das áreas que você tem ocupação humana, você tem a produção de
serviço para o rebanho leiteiro, É uma área bastante rica no sentido de
ter uma produção econômica mas é uma área extremamente degradada nos
últimos anos e que as secas e o processo de degradação, de desmatamento e
de empobrecimento ali também têm aumentado nos últimos anos.
Primeira vulnerabilidade do Semiárido: a desertificação
O que a gente tem percebido hoje de vulnerabilidade do
Semiárido brasileiro, a gente classifica em seis tipos de vulnerabilidades. E, a maior delas ou uma das principais, é a
desertificação. A desertificação tem um processo em resposta a vários outros processos que ocorrem no uso da terra.
Hoje, o processo de degradação é muito ligado, principalmente,
ao desmatamento da Caatinga. Esse desmatamento ocorre principalmente
para a produção de biomassa para gerar energia e a gente tá falando do
carvão que vai alimentar as padarias e outros setores produtivos.
Some-se a isso as
secas. A gente teve [seca] desde
2011, embora na literatura comece em 2012, mas a gente já tinha
percebido sinais de variações de precipitação, ou seja, o regime de
chuva abaixo da média, a partir de 2011 até 2016, início de 2017,
olhando isso de uma forma mais generalizada.
Então foram quase seis a sete anos consecutivos, seis anos de algumas
regiões, até sete anos em algumas áreas do Semiárido, onde a seca foi
muito intensa e consecutiva.
A gente não tinha visto um registro de seca que tivesse a intensidade
e a permanência dela e isso foi o fator também muito acelerador dessas
áreas degradadas.
2012 foi um momento em que a Caatinga teve um momento muito crítico em função não só do uso da terra –
desmatamento,
queimadas, superpastoreio mas, em cima disso, a ação climática natural.
As secas extremas aceleraram os processos. A gente fez um mapeamento em
2012/2013 e percebeu que as áreas aumentaram em uma taxa muito mais
intensa do que a gente tinha visto nos outros anos.
Degradação nos estados
Em média, botando a
degradação como um todo,
colocando todos os níveis, a gente está numa escala média de 23% de
todos os estados, incluindo uma parte do Norte de Minas Gerais. Mas, no
Nordeste, está em torno de 23% a 27% de
áreas degradadas.
Se a gente pegar
Alagoas e somar os níveis de
degradação, vamos para um nível de 23% a 25%, o que é alto. Quando eu
cheguei aqui, há 10 anos, eu comecei a perceber uma mudança no sertão de
áreas [degradadas] aumentando. A gente via muito na
Paraíba,
Pernambuco,
Ceará, naqueles estados onde as secas são muito mais intensas, onde o processo de ocupação acontece com mais intensidade.
Foi um dos primeiros sinais que mais me chamou atenção. Quando eu comecei a mapear, foi como
Alagoas nos últimos anos, no
Sertão alagoano, bem no centro do mapa de
Alagoas,
tem áreas com processo de degradação muito alto, alguns já chegando
quase no último nível. O que foi a nossa grande surpresa. Porque Sergipe
e Alagoas eram estados que a gente olhava a degradação no nível baixo,
médio em função de secas, em função da ocupação, isto tudo tem acelerado
o processo.
Degradação e IDH
Houve uma preocupação nossa também, mais aqui em
Alagoas, de estabelecer as áreas que a gente mapeou de áreas degradadas com o
Índice de Desenvolvimento Humano.
Não foi nenhuma surpresa que as áreas mais degradadas havia uma
correlação alta com os dados censitários do IBGE de índice de
desenvolvimento baixo. Então isso também nos preocupou.
A gente queria aprofundar mais isso com os dados censitários socioeconômicos embora para o
IBGE não
tem essa alta frequência. A escala é municipal, a gente estava
trabalhando em uma escala menor do que a do município. Esses são
gargalos que a gente espera que nos próximos anos possamos aperfeiçoar e
envolver mais a questão socioeconômica.
Mulher, mudanças climáticas e a degradação ambiental
O que a gente tem mais chamado atenção agora, assumindo o papel como líder autor de uma publicação sobre a
degradação da terra pelo IPCC, é a questão de gênero nas regiões degradadas.
As
mulheres e os jovens são os mais impactados pelas mudanças climáticas, mas também na degradação.
Elas estão nesta região e os homens terminam migrando, mas tem um
ponto fundamental que a gente levantou nas referências bibliográficas:
elas têm pouco papel na tomada de decisão da terra.
A terra ainda é muito machista, ainda está ligada à decisão do homem:
a venda, o conhecimento, a formação técnica é muito colocada para o
homem, esquece que a
mulher está ali na
situação de seca extrema ou alguma situação desfavorável que o homem larga aquela terra mas muita dessas mulheres permanecem.
Mas a transferência de conhecimento ainda é feito para o homem. A
decisão sobre a terra é do homem: vou vendê-la, vou buscar conhecimento…
é muito centrada no homem. Na verdade já existem algumas áreas fora da
América Latina que
as mulheres detém um conhecimento e elas foram treinadas exatamente
para que elas pudessem, na tomada de decisão, serem mais favorecidas.
O problema não é só elas ficarem com o com problema. É como elas
estão preparados para lidar com o problema. Porque elas não têm a tomada
de decisão, elas não têm o conhecimento e as variações climáticas
extremas e o uso do solo estão deixando essas terras improdutivas.
Então, se ela depende da sua subsistência dessa área, ela vai ter que a
migrar para outras áreas.
O conhecimento tem que ser melhor direcionado para a questão do problema. Nesta questão, a mulher é a solução.
Políticas públicas
Até
2006, o governo federal reconhece o
PAN de 2006 –
de mapeamento de área suscetíveis à desertificação – como uma ação. Uma
ação governamental oficial porém depois a gente percebeu que esse
mapeamento começou a ser feito independente por agências governamentais
com metodologias que não eram equalizados. Cada um dava uma metodologia
diferente para mapear essas áreas suscetíveis à desertificação após o
PAN de 2006.
Aí, essas iniciativas individuais do
IBAMA e outros
órgãos governamentais já não tinham esse respaldo oficial de uma ação
governamental e as metodologias eram as divergentes e os números também
começaram a ficar divergentes. Esse fez com que o governo federal,
principalmente em 2012 quando estava numa boa situação econômica e o
país tinha reuniões e tratados e acordos internacionais, havia um
desconforto do governo federal na questão do Semiárido porque a gente
não tinha informações oficiais de qual era o desmatamento, quais eram as
taxas de desmatamento do Semiárido.
Tinha as
taxas de desmatamento da Amazônia, através do
Prodes [realiza
o monitoramento por satélites do desmatamento por corte raso na
Amazônia Legal e produz as taxas anuais de desmatamento na região, que
são usadas pelo governo brasileiro para o estabelecimento de políticas
públicas], do Inpe que desenvolveu uma metodologia desde 1988. A gente
não tinha, não tem isso do Semiárido, nem por alguma agência.
A gente não tem uma série de informações sobre qual é o desmatamento na região
semiárida brasileira.
Políticas públicas não podem ser implementadas se você não tem
informações. Pelo menos de conter o desmatamento sem saber quais são as
taxas, em que ano esse desmatamento tem acontecido. Então, as áreas
suscetíveis, as áreas degradadas que a gente destacou mais recentemente é
mais em função de falta de políticas publicas para conter este
desmatamento no Semiárido. Lembrando que 30% da matriz energética vem da
biomassa, da lenha que é tirada da da
Caatinga. É o que a gente vê de consenso entre alguns órgãos estaduais, agências, em média 30% da energia do Nordeste vem da Caatinga.
Então, as regiões semiáridas, embora tenham um fórum político que é a
UNCCD,
que é o orgão das convenções de combate à seca, não despertou para
políticas públicas se a gente comparar com a Amazônia, que têm
tratamento completamente diferenciado se a gente olhar para políticas
públicas nacionais e internacionais.
Se a gente olhar em termos de fragilidades, não só socioeconômica,
mas climática, hoje o Semiárido é o que mais é impactado. Porém
políticas públicas hoje se você ver e abrir as manchetes dos jornais são
tudo direcionados para a
Amazônia. Não que não seja
importante, mas não podemos esquecer que outros ecossistemas no Brasil
estão em altíssima condição de vulnerabilidade por falta de clareza de
como vai ser o monitoramento, pra que isso baseie decisões municipais,
estaduais e do Governo Federal.
Desmatamento e degradação no espaço urbano
A questão da degradação não é só rural no sentido de que o rural hoje
é bem diferente do que era há 40, 50 anos mas é também urbano, não pode
esquecer que esse uso e ocupação urbano, ele é em função de um
desmatamento, de uma ocupação irregular, que as pessoas do campo vieram
para essas áreas e se tornaram refém desta situação socioeconômica.
Na maior parte das cidades brasileiras, essas áreas de risco estão
localizadas em áreas vulneráveis, são áreas de montanha, de encostas,
porque foi devastada a vegetação e foi criada uma estrutura de habitação
que não era adequada para isso. Também é uma degradação e uma
degradação de origem do desmatamento. Você teve a ocupação indevida
daquela área para suprir uma carência habitacional.
O primeiro passo é retirar a vegetação…
O processo começa quando removo a
vegetação, essa
vegetação já começa a influenciar nas condições de clima. A umidade da
vegetação faz com que você harmonize aquela área. Com a vegetação, dá um
certo equilíbrio ecológico. Você remove essa vegetação aí você já
começa a alterar na umidade, na temperatura dessas superfícies. As
chuvas já começam a não se distribuir igualmente, ficarem mais fortes em
algumas áreas que a gente chama de enxurrada.
Essa intensidade, esses
pulsos de chuvas aumentam em
algumas áreas mais do que outras e esses pulsos começam arrastar o que a
gente chama de nutrientes desse solo, que já é um solo, de certa forma,
impactado pelas condições de Semiárido e se remove esses primeiros
nutrientes. Outras chuvas vão vindo e as temperaturas vão aumentando.
Então você começa também a fazer com que o lençol freático altere a localização. A evaporação desse
lençol freático vai
criando uma pequena camada, que a gente chama de sais, que vão ficando
em cima da crosta do solo. Na próxima chuva, a água não percola. Então,
você começa a gerar erosão. Tudo isso são os processos que acelera a
degradação e desertificação. Naquele solo pode chover, mas ele não
responde.
Além disso, nos últimos anos, o processo de desmatamento se soma à
queimada e ao
superpastoreio,
que é quando você começa a criar animais de grande porte em áreas
pequenas. O problema não é criar animais, o problema é a quantidade de
animais numa área pequena e eles vão compactando o solo, degradando esse
solo.
Com isso, você acelera o
processo de perda de nutrientes.
Porque o solo é uma coisa viva, a gente sempre acha que é a vegetação,
mas o solo tem nutrientes e micro-organismos que precisam desta
vegetação para ter equilíbrio ecológico.
À medida em que a gente tira essa vegetação, a insolação que é muito
alta na região Nordeste do Brasil aumenta esta temperatura e os
nutrientes morrem. A gente chegou, há dois anos, a medir a umidade do
solo no sertão de
Alagoas e eu cheguei a pegar
temperatura de 50º com termômetro de solo, queimava a minha mão. E não
há pequenos organismos que sobrevivam por 50-60º Celsius.
Contribuição do agronegócio
A
retirada da vegetação típica, nos últimos anos,
[também acontece] pela ocupação, pelo uso, pelo aumento da população.
Isso é uma outra questão. Sempre uso essa referência. Há um século
éramos dois bilhões, um pouquinho mais. Hoje somos sete bilhões. E, em
2050,
que não tá muito longe, seremos nove bilhões. Ou seja, o número de
boquinhas para alimentar tem aumentado e isso traz também uma certa
demanda, uma pressão para intensificação da agricultura, que é um outro
ponto que também tem feito que a degradação aumente. Essas áreas
desmatadas algumas delas são também utilizadas na agricultura para a
produção de alimentos.
A agricultura nossa, no geral, não é sustentável não só pelos
fertilizantes, mas pela forma como é a produção de alimentos. Quando as
monoculturas são instaladas não tem problemas, mas como o passar do
tempo ela começa a extrair um dos nutrientes. A cana-de-açúcar, por
exemplo, começa a extrair um determinado nutriente e os demais começam a
se exceder e isso vai empobrecendo aquele solo. Esse é um dos
problemas, além de algumas delas ter um consumo de água muito alto.
Tem a questão da
monocultura para gerar energia, no
momento em que a gente tem uma população crescendo, quando a segurança
alimentar vai ser decisiva porque você vai ter condições climáticas
menos favoráveis a esta agricultura.
Você
transformar [
o cultivo]
em energia é
uma questão ética e uma questão também de políticas públicas de como a
nossa alimentação vai trazer estas questões de como pegar a
cana-de-açúcar para produzir energia. Isso a curto prazo é extremamente
rentável economicamente e não tem ainda impacto nas emissões mas, daqui a
50 anos, eu não sei se o modelo tecnológico que a gente tá adotando
para transformar a cana-de-açúcar em etanol se vai ser possível em face
das alterações climáticas e em face da segurança alimentar e da ética.
Em países como a
China não se permite você extrair energia de milho, da cana-de-açúcar.
A Caatinga, único ecossistema adaptado às variações climáticas
O código genético da
Caatinga tem
uma informação que, certamente, precisa ser melhor explorado que é a
informação de como essa vegetação se adaptou – essa palavra adaptação é
muito importante – a esses extremos de clima.
Você tem um ecossistema aqui no Brasil que, há séculos, vem na
adaptação destas variações de secas, que sempre tiveram, sempre foram
recorrentes, desde o tempo de
D Pedro II.
Ela tem uma informação genética e como essa informação pode ajudar a
agricultura que vai ser desafiada porque as alterações climáticas vão
trazer menos chuvas, mais altas temperaturas, isso a gente não está
falando do
Semiárido, tá falando da região centro-sul. E quem melhor se adaptou em termos vegetativos foi a
Caatinga, não tem outro ecossistema que tenha enfrentado essas variações climáticas naturais e, agora, antrópicas, se não a Caatinga.
Então destruir a
Caatinga é perder esta informação
genética de como ela se adaptou, o que fez algumas espécies se adaptarem
tanto às transformações tão bruscas e ela continuar ali ainda
resistindo.
Quando falamos do conhecimento, esta região semiárida é uma área
muito vulnerável. A gente não sabe as áreas onde estas espécies estão
suportando melhor estas condições de variações climáticas ou que
espécies poderiam estar ajudando a gente a entender e adaptar outras
cultivares, principalmente, com a questão da agricultura resistente a
baixo volume de chuvas e a altas temperaturas.
Vulnerabilidade institucional
A outra
vulnerabilidade é institucional. As nossas
agências governamentais, estaduais, todas estas agências que estão na
região semiárida brasileira elas são muito vulneráveis, ainda não
conseguem atender a necessidade que, nas próximas décadas, de como essa
população retirar a sua sobrevivência desse solo que está em condição
degradada, que tem alterações climáticas, ou seja, diminuição das
chuvas, vários problemas que você precisa ter transferência de
capacitação técnica que agências locais teriam que estar fazendo isso.
(EcoDebate, 11/09/2019) publicado pela
IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]