SÃO PAULO -
Insatisfeito com o governo petista, Alexandre Schwartsman, ex-diretor
do Banco Central e um dos principais nomes, voltou a tecer críticas em
relação a economia brasileira. Desta vez, o economista foi entrevistado pelo jornalista Wagner Vargas, do Instituto Millenium - um dos principais think tanks liberais do Brasil.
Schwartsman afirmou que o governo Dilma foi "desastroso" em sua
condução econômica: crescimento fraco, inflação alta e sem nenhuma
perspectiva de melhoras. Pior ainda, ele não vê nenhum avanço, com o
governo relutante em até mesmo admitir os seus erros - especialmente em
ano eleitoral.
Eleição esta que não deverá trazer resultados - nenhuma reforma
estrutural -, já que a expectativa de Schwartsman é que Dilma seja
reeleita e continue com a política classificada como desastrosa. Com a
reeleição garantida, a expectativa de Schwartsman é que Dilma pouco faça
para mudar as suas políticas no futuro próximo.
Confira a íntegra da entrevista:
Wagner Vargas: Apesar de abaixo do esperado, o Brasil apresentou
aumento da atividade econômica em 2013; atingiu a meta de superávit
primário e o BC retomou a alta de juros e a inflação não fechou no teto.
Qual sua avaliação de como a política econômica foi conduzida no ano
passado?
Alexandre Schwartsman: Continuou desastrosa, não tem outra
palavra isso. O país cresceu mais que no ano retrasado. Mas, em 2012,
ele cresceu 1%, e ter crescido mais do que isso no ano passado, não
chega a ser um mérito extraordinário. De qualquer forma, estamos falando
de um ritmo de crescimento na casa de 2%, q
ue também não é um valor que
a gente possa se orgulhar. A inflação caiu, mas a gente sabe como:
controle muito forte da taxa dos chamados preços administrados. Os
preços ainda estão subindo forte, as medidas de núcleo de inflação não
desaceleraram - pelo contrário, elas vieram acelerando - nem
crescimento, nem inflação foram muito bons. E, francamente, a meta de
primário, do jeito que foi cumprida, era melhor que não fosse. Se fosse
para resumir em uma palavra a atuação do governo ano passado, seria
esta:
desastrosa.
WV: Houve evolução? Falta fazer algo mais específico?
AS: Acredito que há algumas. O governo deu muita cabeçada,
apesar da condução da política macro que não teve evolução nenhuma e sim
um retrocesso.
O governo não pretende admitir seus erros, é muito claro
que eles pretendem continuar neste curso. Já na questão das concessões,
há uma melhora. Algo que começou muito torto e não está exatamente do
jeito ideal.
Mas, aparentemente, foram aprendendo ao longo do caminho,
foram errando muito, agora estão errando menos. Porque não tem
alternativa, tentaram fazer um leilão do jeito que eles queriam e foi um
fracasso; no leilão seguinte já começaram a mudar um pouco, estão
tabelando menos retorno, não é o ideal, mas temos que reconhecer que
houve uma evolução na base da cabeçada mas, independentemente da origem,
é bom que tenha uma evolução.
WV: Para o governo não há mudança da matriz macroeconômica
(tripé), operando "estritamente dentro dos preceitos de meta de
inflação, câmbio flutuante". Mas, o senhor e muitos analistas apontam o
contrário, essencialmente, em relação à responsabilidade fiscal e à
inflação, o que fez a presidente resgatar uma expressão da ditadura
militar: "guerra psicológica". Por que tanta disparidade nas visões?
AS: O governo tem um legado político que ele quer defender e não
vai admitir a verdade. A verdade é que ele abandonou o Tripé econômico
[responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação].
Se ele
não abandonou, está fazendo alguma coisa muito errada, porque a meta
fiscal não foi atingida, a meta de inflação não foi atingida e o câmbio
não flutua. Esta conversa de 'o tripé está mantido’ é da boca para fora.
Rigorosamente, não guarda nenhuma relação como que se observa
concretamente no campo da política econômica. Em relação ao câmbio, de
alguma forma administrado, não totalmente, o Banco Central tem estado
muito ativo, basta lembrar o quanto vendeu de Swap no ano passado, o
quanto ele prometeu de vender na primeira metade deste ano.
O Banco Central em tempos atrás tentava trazer o câmbio para cima,
agora está tentando trazê-lo para baixo. O primário [superávit], ninguém
sabe o que é, se está na meta, o que de fato está acontecendo, porque a
meta, em si, muda e a execução é um truque contábil em cima do outro.
E
a inflação está aí para todo mundo ver. O BC projeta, oficialmente, a
inflação acima da meta até 2015. Não entregou em 2011, em 2012, em 2013 e
não vai entregar a meta em 2014 e em 2015. Se o BC está perseguindo a
meta, ele está fazendo alguma coisa muito errada, porque cinco anos para
alcançá-la, não tem desculpa.
Esta conversa de manutenção do tripé é
uma conversinha para boi dormir. Na prática, temos um arranjo de
política econômica bem diferente.
WV: Segundo o Ministro da Fazenda, os dados do superávit
primário foram antecipados para acalmar os ânimos do mercado ou os
"nervosinhos". No entanto, para fechar as contas, o governo tem se
valido de estratégias classificadas ironicamente como "criativas". De
que forma isso ocorre e como elas afetam a credibilidade, ainda que as
metas tenham sido cumpridas?
AS: Não adianta, o governo tenta disfarçar com certas
estratégias, mas, de uma forma ou de outra, há um conjunto de analistas
do setor privado da imprensa que consegue perceber as manobras: 'fizemos
75 bilhões’, eles percebem que não fizeram. É "criativo" porque sempre
aparece alguma coisa nova. Em 2012, de repente, apareceu uma receita do
Fundo Soberano que salvou as contas, um dinheiro que, na verdade, não
existe, tínhamos que saber como ele foi depositado. Ano passado, tivemos
as receitas não recorrentes, especificamente o leilão do campo de
Libra. Você faz o leilão apenas uma vez, não vai obter sempre a receita
de R$ 15 bilhões, que foi ligada a isso. Houve uma receita de
renegociação tributária, o Refis, de R$ 20 bilhões, que também não vai
se repetir.
É como se uma família estivesse vendendo suas joias e contabilizando-as
como renda familiar, o que não é verdadeiro, já que você tem um
conjunto finito de joias da família. Além disso, os restos a pagar que
aumentaram em 2013 e 2014, despesas que foram reconhecidas em 2013, mas
que só serão quitadas em 2014. Desta forma, eles melhoram as contas de
2013 à custa de piorá-las em 2014 e, muito provavelmente, será feito o
mesmo neste ano, é uma bicicleta.
Este tipo de coisa eu não acho
sustentável. Quando olhamos para a parte sustentável do que tem sido o
superávit do governo, são números muito baixos, inferior a 1% do PIB.
Certamente, há uma deterioração séria em relação à política fiscal do
país.
WV: Mesmo contabilizando o aluguel de plataformas de petróleo
(na maior parte, para a Petrobras) como exportação (US$ 7,736 bi), o
Brasil registrou um saldo de US$ 2,561 bilhões, menor resultado desde
2000, quando houve um déficit de US$ 731 milhões. A que esse resultado
se atribui essencialmente e até que ponto isso é culpa do contexto
externo?
AS: O contexto externo, obviamente, não é tão bom quanto foi há
alguns anos.
Agora, vamos falar a verdade, 2013 foi melhor do que 2012
para o mundo como um todo. Jogar a culpa da balança comercial na ideia
de que o mundo cresceu pouco, não é adequado. Apesar de baixo, ele
cresceu mais do que em 2012. Então, se vê que tem algo de errado com
este tipo de explicação. Uma série de países que, basicamente, exportam o
mesmo tipo de coisas que o Brasil, commodities, estão observando o
mesmo tipo de piora na balança de pagamentos que foi observada aqui.
Mas, o problema do Brasil é muito simples. Estamos com uma economia que,
de alguma forma, está restrita pelo lado da oferta, com uma taxa de
desemprego baixa, crescimento baixo, então, não tem muito mais gente
para entregar, crescimento baixo de produtividade. Você não consegue
colocar mais gente para trabalhar e as pessoas que estão ativas no
mercado não conseguem produzir o tanto que você precisa.
O governo dá estímulos à demanda, ao consumo, por meio de crédito,
BNDES, gasto público, faz a demanda crescer, mas não consegue produzir.
Consumir sem produzir, de alguma forma, isso precisa ser suprido. E isso
acaba vindo do setor externo, importações maiores e exportações
menores. Em última análise, aí está o motivo de termos piorado o
desempenho. Uma economia que está operando próxima de seu potencial,
entre outras coisas, como carência de infraestrutura. Tudo isso, explica
o baixo crescimento da produtividade e o governo não percebeu isso ou,
se percebeu, não tem adotado políticas que são condizentes com este tipo
de cenário. O diagnóstico deste tipo de aceleração, de acordo com o
governo, é que se trata de um problema de demanda. O meu diagnóstico e
de um conjunto grande de economistas aponta que é um problema de oferta,
a produção.
É o mesmo que dar um antibiótico para alguém que não está
com uma infecção, mas com uma doença autoimune, os resultados esperados
não serão obtidos e isso que está acontecendo atualmente no Brasil.
WV: Mas é possível mensurar o quanto foi responsabilidade da gestão?
AS: A responsabilidade é total, o diagnóstico está errado, as
políticas estão erradas. Não fomos nós que fizemos e propusemos as
políticas erradas, foi o governo. Se ele adota políticas equivocadas e
como consequência disso o país cresce pouco, a culpa, certamente, é de
quem está conduzindo a política econômica. Por isso, eu vejo a condução
da política econômica como desastrosa.
WV: Em 2013, o dólar subiu 15%, o Brasil registrou maior saída
de dólares dos últimos 11 anos e o Fed anunciou corte de US$ 10 bilhões
nas compras mensais de títulos para US$ 75 bilhões e afirmou que deve
realizar mais cortes e isso impacta no real. Como o BC deve atuar no
câmbio neste cenário? E, de fato, houve, no ano passado, "fuga de
capitais"?
AS: Fuga de capitais não, obviamente o fluxo de recursos é
negativo e não foi pouca coisa, mas é um processo natural. A perspectiva
de aperto da política monetária nos EUA tem seu efeito. Em alguma
medida, o fundamento estimula as pessoas a arremeterem, mas afirmar que
está ocorrendo uma fuga de capitais no sentido clássico, seria, talvez,
um pouco de exagero. Porém, não acredito que atuação do Banco Central
tem sido correta, não. O BC justifica sua intervenção, afirmando que
está tentando evitar volatilidade na taxa de câmbio. Não é verdade.
WV: Mas não tem funcionado?
AS: Ele tem conseguido segurar a taxa de câmbio. Mas vale
lembrar que, em setembro, ela chegou a R$ 2,45.
O BC vendeu um caminhão
de dólar para manter a taxa abaixo de R$ 2,40. Está projetando vender
outro caminhão, agora menor, para também segurar o câmbio. Isso não me
parece uma medida destinada a reduzir volatilidade, mas sim para impedir
a depreciação cambial, e eu acho isso equivocado, porque temos
observado uma mudança de ciclo relevante na política monetária dos EUA e
já começa a discussão sobre até que ponto isso vai acontecer em outros
lugares do mundo. Redução no ritmo de investimentos monetário, o Fed já
decidiu isso. Ainda não vai ser o momento de subida de taxa de juros lá.
O cenário seria para lá de 2015. Mas os países desenvolvidos estão
voltando a crescer e, à medida que isso acontece, eles vão precisando de
menos estímulo monetário e os governos vão reduzindo isso. O que
significa diretamente o fortalecimento do dólar, da libra. Em relação à
União Europeia, acho que está longe disso, daqui a uns dois ou três
anos, talvez.
Se essas moedas estão se fortalecendo, o natural seria que
o real se depreciasse, não se deve lutar contra isso.
WV: Mas por que que o BC luta contra isso?
AS: Porque ele "perdeu a mão" da inflação chegando muito perto
do teto da meta, então, qualquer depreciação da moeda ameaça a inflação.
É, na verdade, o pau que nasce torto. A inflação está torta e tentam
corrigi-la, não pela política monetária, mas pela política fiscal,
também via câmbio, via controle de preços etc. Troca o pé da dança,
trocou o pé esquerdo, trocou o direito, troca pelo esquerdo e assim por
diante. Mas este pé trocado é que tem levado esta política
macroeconômica confusa.
WV: Você citou esta questão de estarmos com "o pé trocado" em
algumas áreas. Um ministro da Fazenda presidindo o Conselho da Petrobras
pode causar um conflito de interesses entre instituições, já que o
reajuste no combustível, vital para melhorias no caixa da empresa, tem
impacto inflacionário. Como uma situação destas pode ser evitada? Isso
impacta na credibilidade das instituições do país?
AS: Certamente, tem ocorrido problema. Todo mundo sabe da
defasagem de preços da Petrobras. Por conta do controle de preços de
combustível, a companhia está sangrando caixa, ela está comprando
petróleo e derivados a preços maiores do que ela pode vender aqui
dentro, uma política ruinosa para a empresa. Agora, o presidente do
Conselho da empresa é o Ministro da Fazenda que está com a inflação
perto do teto da meta, então, a governança de maneira geral não é boa.
Acho que este arranjo está se tornando complicado do ponto de vista da
governança. Algo que poderia ser resolvido, se o BC cuidasse da inflação
e ela seria problema do BC, não da Fazenda. A Petrobras tem que se
comportar como uma empresa privada, então, subiu o preço do insumo, se
sobe o preço do produto, como uma empresa em qualquer lugar. Subiu o
preço do trigo, o pão fica mais caro, caiu o preço do trigo, o pão fica
mais barato, não deveria ser diferente disso.
WV: O que esperar de 2014? Qual a possibilidade de que sejam
feitas reformas estruturais sérias em um ano eleitoral (que dificulta a
subida da Selic) atípico como este de Copa do Mundo?
AS: Possibilidade zero, não tem a menor chance disto acontecer. Não pela dinâmica política interna. Ok, tem a
Copa do Mundo,
tem eleição, mas o ponto é que a população não dá a mínima para isso.
A
preocupação do governo é ganhar a eleição e ele não vai ganhá-la com
uma reforma previdenciária ou falando de reforma tributária, um tema
árido que ninguém entende. Redução de impostos não é um tema político,
ainda, no Brasil. O governo não tem os incentivos políticos para fazer
isso nem convicção.
WV: Mas há incentivo político para o governo?
AS: Manter o status quo, se o povo estiver consumindo, mesmo que
seja importando, está feliz. O PIB, vamos falar a verdade, é uma
abstração, tem importância política na semana seguinte que sai o número
baixo.
Mas, no dia a dia das pessoas, é algo muito distante da realidade
delas. Não é o que interessa. Em hipótese alguma, vai haver mudança de
rumo ou adoção de reformas que possam levar a um crescimento mais
rápido, como: mais produtividade, concorrência, maior abertura
comercial, redução e simplificação de impostos, racionalização de
gastos. Tudo isso é muito bonito, mas não dá voto para ninguém, então,
não vai acontecer.
WV: Qual seria a "herança econômica" para o governo que assume em 2015?
AS: Em 2015, muito provavelmente, o governo vai ser reeleito.
Para que ele vai mudar o rumo daquilo que o elegeu?
A não ser que ocorra
alguma pressão externa, alguma crise. Eu não vejo um cenário de crise
que leve a uma alteração da política econômica neste sentido. Estamos
presos a esta política econômica, estamos casados com esta política por
um período bastante longo. O cenário de 2014 deve ser crescimento ruim,
parecido ao que foi no ano passado, na casa de 2%, talvez, um pouco
mais. Inflação ainda alta, balança de pagamento pressionada.
Basicamente, o triunfo da mediocridade, a mediocridade impera no Brasil.
Se você se reelege assim, para que balançar o barco?
WV: Partindo para o campo das ideias, qual a importância dos
think thanks, como o Instituto Millenium, o Instituto Liberal? O senhor
acredita que o "ataque" no campo das ideias seja eficaz para fortalecer o
arcabouço institucional e a formulação de políticas econômicas mais
prósperas e responsáveis?
AS: É importante, mas, vamos falar a verdade, o público para
isso ainda é bem reduzido.
Pouquíssimas pessoas estão interessadas neste
tipo de coisa -- a população, em geral, mesmo os experts em economia.
É
importante divulgar a mensagem e, talvez, em alguns anos a gente
consiga mudar este estado de coisas, mas, hoje, a ressonância do que a
gente fala é muito baixa.
A população não está preocupada com isso, não é
uma mensagem que, hoje, tenha a ressonância necessária, quem sabe daqui
a um tempo mude. É importante que tenha os think thanks, mas temos que
ter em mente que, por conta da história política do Brasil, da nossa
formação econômica, a mensagem liberal em momento algum teve muito
espaço no país e acho que ainda vai demorar muito tempo para isso
acontecer,
mas não é para desistir, é para ter em mente que não vamos
mudar este jogo tão já.
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