Por Claudio Angelo, do Observatório do Clima
- segunda-feira, 20 fevereiro 2017 23:01
Desmatamento em Rondônia visto pelo satélite Landsat. Imagem: Google Earth.
Há tempos os cientistas intuem que o desmatamento altera o padrão de
chuva na Amazônia. Um quarteto de pesquisadores dos Estados Unidos acaba
de mostrar de que forma isso acontece. Em estudo publicado nesta
segunda-feira (20), eles mostram que, em grandes áreas desmatadas, chove
mais de um lado e menos do outro, de acordo com a direção do vento.
Essa mudança pode ter consequências sérias para o clima da Terra – e
para a agropecuária na região Norte.
O grupo liderado pela física indiana Jaya Khanna, da Universidade
Princeton (hoje na Universidade do Texas em Austin), chegou a essa
conclusão após analisar 30 anos de dados de um lugar pródigo em grandes
áreas desmatadas: o Estado de Rondônia,
que já perdeu mais de 50% de suas florestas.
Analisando informações de satélite e cruzando-as com medições feitas
em campo e modelos de computador, Khanna e colegas mostraram que o
sudeste de Rondônia está em média 25% mais seco nos meses de “verão”
amazônico (a estação seca), enquanto o noroeste deve um aumento
equivalente nas chuvas nestas últimas três décadas. O trabalho está na
edição on-line do periódico
Nature Climate Change.
Segundo os pesquisadores, a devastação foi tão extensa que alterou o
próprio mecanismo de precipitação no Estado: no lugar da chuva amazônica
tradicional, na qual a umidade é inicialmente trazida do Atlântico e a
chuva é reciclada pela evaporação que ocorre nas próprias árvores,
instaura-se um novo regime, no qual a precipitação é empurrada pelo
vento por sobre a área desmatada e a floresta na sua borda.
O resultado é que a barlavento (“vento abaixo”, ou seja, no sentido
do deslocamento do vento) chove mais, enquanto a sotavento (“vento
acima”) fica mais seco.
“É um mecanismo semelhante, mas não equivalente, ao que acontece
quando o mar bate num rochedo na praia”, diz Khanna. Segundo ela, a
diferença de altura entre os dois tipos de vegetação – a floresta alta e
o pasto baixo – faz com que o ar suba, o que causa o aumento da
nebulosidade e da precipitação no noroeste do Estado na estação seca. “O
oposto, o afundamento do ar e uma redução nas nuvens e na precipitação,
é esperado no sudeste – algo similar, mas não equivalente, a uma
cachoeira.”
O curioso é que nem sempre foi assim. No passado, quando predominavam
pequenos desmatamentos (de cerca de 1 km) em Rondônia, a quantidade de
precipitação aumentou. Isso tem a ver com o calor irradiado pelas
clareiras, que subia por convecção e, no alto, se encontrava com a
umidade evaporada dos remanescentes florestais. Isso favorecia a
condensação.
Até hoje essa dinâmica é percebida em locais da Amazônia onde dominam os pequenos desmatamentos.
Quando as porções desmatadas cresceram para 200 quilômetros de
extensão ou mais, no entanto, a situação mudou. A “bomba d’água”
representada pelas árvores deixou de existir. No palavreado dos
cientistas, a circulação deixou de ser “termodinâmica” (ou seja,
induzida pela evaporação) para ser “dinâmica”. “Mesmo que essa chuva
seja deslocada para outro lugar, você está encurralando a chuva”, diz
Ane Alencar, pesquisadora do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia).
“Os modelos de computador já mostravam que desmatamentos grandes
reduziam a chuva. O pulo do gato deste estudo é que ele propõe um
mecanismo pelo qual isso acontece”, diz o físico Paulo Artaxo, da USP.
Ele é autor de comentário ao estudo na mesma edição da
Nature Climate Change.
Segundo Artaxo, o trabalho de Khanna e colegas é “muito relevante”,
porque permitirá agora entender exatamente o que acontece em outras
regiões da Amazônia que já sofreram desmatamento extenso, como Mato
Grosso. De agora em diante, diz, será possível alimentar modelos
computacionais com esse processo para prever o que acontecerá localmente
em várias situações de desmatamento.
“Entender o mecanismo desses processos é chave para Brasil”, diz
Artaxo. “Por exemplo: o meio-oeste brasileiro vai ter a mesma
produtividade de soja?”
O cientista da USP e seu colega americano Jeffrey Chambers, da
Universidade da Califórnia em Berkeley, também mostram-se preocupados
com o que acontecerá com o carbono das florestas que sobraram na metade
seca dessa equação. No limite, ele pode acabar na atmosfera, agravando o
aquecimento global. “O sistema não é linear. Se num lugar que tem 2.000
milímetros de chuva você passar a ter 3.000 o fluxo de carbono não
muda. Mas, se na área seca a precipitação cair abaixo de um limiar, você
mata a floresta.”
“O aumento de 25% [na chuva] no noroeste (ou queda no sudeste) da
Rondônia desmatada pode ter consequências para a vegetação nessas
regiões, seja pasto ou floresta, e pode resultar em mudanças na
vegetação dominante e no tipo e frequência dos incêndios no sudeste”,
diz Khanna. “Isso deve ser investigado em estudos futuros.”
BOA NOTÍCIA (EM TERMOS)
A velocidade do desmatamento caiu 82% no bimestre dezembro de
2016-janeiro de 2017, em comparação com o mesmo período anterior. O dado
é do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), que
lançou nesta segunda-feira seu
boletim de alertas de desmatamento.
Foram 42 quilômetros quadrados desmatados, contra 227 em dezembro de 2015 e janeiro de 2016.
No acumulado desde agosto, início do período em que se mede a
devastação (agosto de um ano a julho do ano seguinte), ainda estamos com
problemas: neste ano já fora perdidos 1.261 quilômetros quadrados de
floresta, 5% a mais que no mesmo período de 2015/2016. Lembrando que no
biênio 2015/2016 a devastação já foi 29% maior que no ano anterior.