Gado na Floresta Nacional de Jamanxim. Foto: Marcio Isensee.
O ano de 2017 foi um ano difícil para a conservação. Mas ninguém
poderá acusá-lo de ser um ano morno. Reviravoltas, avanços, ensaios,
retrocessos (muitos retrocessos) e uma boa dose de drama marcaram os
últimos 12 meses. Relembre aqui os principais fatos que marcaram o ano.
Uma floresta chamada Jamanxim
No final de 2016, o governo escolheu
reduzir o tamanho
da Floresta Nacional do Jamanxim (Flona), localizada em Novo Progresso,
no Pará, para resolver o caos fundiário da região, e em criar na parte
desafetada uma Área de Proteção Ambiental. A novela de Jamanxim
percorreu 360 graus e se encontra agora no mesmo ponto do final do ano
passado: esperando ser analisada pelo Congresso Nacional, como projeto
de lei.
Antes, as mudanças em Jamanxim veio através de Medida Provisória, que
segue um rito próprio: precisam ser aprovadas em 60 dias. Esse prazo
pode ser prolongado por igual período. Se aprovadas, viram lei. Se não
aprovadas, caducam.
A Medida Provisória retirou 57% da área original de 1,3 milhão de
hectares da unidade, quase duas vezes o tamanho da área metropolitana de
São Paulo. Da redução total de 743 mil hectares, 438 mil foram
adicionados ao Parque Nacional do Rio Novo e outros 305 mil hectares, um
quarto da antiga Flona, viraram parte de uma nova Área de Proteção
Ambiental (APA), a mais branda categoria de proteção brasileira, que
permite propriedade privada -- leia-se, nesse caso, legalização de
terras invadidas dentro dos seus limites.
Os parlamentares trataram de descaracterizar a MP, e as partes
benéficas, como o ganho de área para o Parque, desapareceram, e outras
Unidades de Conservação que não tinham nada a ver com a história, como o
Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina, entraram na
história.
Os ambientalistas reagiram e iniciaram uma campanha antes
da visita do presidente Temer à Noruega,
o maior financiador do Fundo Amazônia. Num gesto feito para diminuir os
protestos, foi acordado um veto à MP, com o acordo de cavalheiros entre
governo e ruralistas de que a matéria voltaria para o Congresso, dessa
vez não como medida provisória, mas como projeto de lei, que tramitaria
em caráter de urgência.
O ministro Sarney Filho demorou para enviar o projeto e os ruralistas
sentiram o golpe, ameaçando votar o projeto de lei que muda o
licenciamento.
O projeto foi enviado, com urgência, e os parlamentares na comissão especial formada para analisar o projeto
introduziram perdas em outras Unidades de Conservação
do mesmo jeito que fizeram com a Medida Provisória vetada. O governo
abandonou o projeto por quebra de acordo e retirou a tramitação urgente.
A novela sobre a redução de Jamanxim ainda não terminou e será um dos assuntos de 2018.
Trump e as mudanças na política ambiental americana
Para
Trump, a decisão de não considerar as alterações climáticas um assunto
de segurança nacional vem da necessidade dos Estados Unidos recuperar a
sua competitividade econômica no mundo. Foto: Gage Skidmore/Flickr.
O presidente norte-americano cumpriu a sua promessa de campanha
presidencial em relação ao meio ambiente. Começou o ano diminuindo em
31% o orçamento
da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em
inglês), deixando o órgão com o menor orçamento dentre todas as agências
federais.
Antes, colocou no comando do EPA um cético do clima e aliado das
indústrias petroleiras: Scott Pruitt. O ex-procurador-geral do estado de
Oklahoma assumiu o órgão que ele mesmo processou 13 vezes.
Na contramão do seu antecessor em diversas medidas, Trump ordenou revisão de
27 monumentos nacionais declarados desde 1996, entre eles Bear Ears,
que 2016 foi declarado como monumentos nacional pelo então presidente
Obama. Dois meses depois, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris.
Uma das últimas decisões do ano e não menos importante, o atual presidente dos EUA anunciou que
mudanças climáticas não fazem parte da Estratégia de Segurança Nacional
como havia determinado Barack Obama em 2015. Dessa forma, a
administração Trump tem demonstrado traços de que não caminhará em
defesa do meio ambiente.
A extinção e a volta da Renca
Um dos assuntos mais polêmicos do ano e que causou muitos protestos
da sociedade civil foi a decisão do governo Michel Temer, que assinou o
Decreto nº 9.142, de 22 de agosto de 2017,
que extingue a Reserva Nacional de Cobre e seus associados, permitindo a
exploração de mineração na região a empresas privadas.
Criada por decreto em 1984, no final da ditadura militar, a Reserva
Nacional de Cobre e Associados determinava o monopólio do governo sobre
qualquer atividade mineral em sua área, de 46.501 quilômetros quadrados.
A área era bloqueada para a iniciativa privada exercer atividades de
mineração.
Num primeiro momento, a extinção da Renca foi confundida com a
revogação de áreas protegidas que estão situadas no local. A confusão é
culpa do nome “reserva”. O fato de sete unidades de conservação,
incluindo o maior Parque Nacional em floresta tropical do mundo, as
montanhas do Tumucumaque, e duas Terras Indígenas estarem sobrepostas à
Renca acendeu o alerta vermelho dos ambientalistas e tomou conta das
redes sociais. As vozes contrárias se estenderam até o palco do maior
festival de música do ano, o Rock in Rio 2017.
Mediante repercussão negativa na sociedade civil, o governo, no dia 28,
revogou o decreto e editou um novo
(decreto nº 9.147/2017) “para clarificar a situação”. O texto diz que
não haveria atividades de exploração de mineração em unidades de
conservação ambiental e terras indígenas. O pequeno recuo não convenceu.
Após críticas públicas de ambientalistas e do próprio ministro do Meio
Ambiente, que havia se posicionado contra a abertura da Renca, Temer
voltou atrás mais uma vez e o Ministério de Minas e Energia decidiu
paralisar todos os procedimentos relativos à exploração minerária dentro
da
Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) por 120 dias.
Votação Código Florestal
Ministra Cármen Lúcia já definiu a data da retomada do julgamento do Código Florestal.
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF.
Após vários adiamentos, o julgamento de artigos do Novo Código
Florestal ficará para fevereiro de 2018. O Supremo Tribunal Federal
(STF) analisa, desde 2012, quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade
e uma Ação Declaratória de Constitucionalidade sobre a lei atualizada
em 2012 pelo Congresso Nacional.
Serão julgadas, em conjunto, quatro Ações Diretas de
Inconstitucionalidade – três delas movidas pelo MPF e uma movida pelo
PSOL –, que questionam a constitucionalidade de 58 artigos da
Lei nº 12.651/2012
(novo Código Florestal), que regulamenta a conservação e a recuperação
de vegetação nativa dentro de propriedades rurais do país. Aprovada e
sancionada em 2012, a lei tem um total de 84 artigos, dos quais 64%
foram questionados no Supremo Tribunal Federal. Também está sendo
julgada a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 42) proposta
pelo Partido Progressista. De acordo com o partido, se o Supremo
declarar o Novo Código Florestal constitucional, acabará com a
insegurança jurídica no campo.
No dia 8 de novembro, o relator do processo, ministro Fux, considerou
inconstitucional o Programa de Regularização Ambiental (PRA), por
anistiar produtores rurais. O PRA tem por objetivo a adequação das Áreas
de Proteção Permanente (APPs) e de reserva legal de propriedades rurais
por meio de recuperação ou compensação, firmando termo de compromisso. A
adesão ao programa confere benefícios, suspendendo sanções por
infrações anteriores a 22 de julho de 2008 e afastando penalidades
administrativas e punibilidade por crimes ambientais.
“Ao perdoar infrações administrativas e crimes ambientais pretéritos,
o Código Florestal sinalizou uma despreocupação do Estado para com o
direito ambiental”. Assim, o ministro votou pela declaração de
inconstitucionalidade dos artigos 59 e 60 da lei.
O ministro considerou constitucional o artigo 15, no qual se admite o
cômputo das APPs no cálculo da Reserva Legal do imóvel. “Não é difícil
imaginar que a incidência cumulativa de ambos os institutos em uma mesma
propriedade pode aniquilar substancialmente sua utilização produtiva”,
afirma. O cômputo das APPs no percentual da Reserva Legal, diz o
ministro, está na área do legítimo exercício do legislador.
Em fevereiro, votarão os outros ministros.
Desmatamento: desce o da Amazônia, sobe o do Cerrado
A derrubada da floresta amazônica saiu de 7.893 quilômetros
quadrados, em 2016, para 6.624 km², em 2017. É como se um pouco mais de
quatro cidades de São Paulo de vegetação tivessem sidos perdidas entre
agosto de 2016 a julho de 2017. No mesmo período do ano anterior, o país
perdeu cinco cidades de São Paulo.
No mesmo ano em que o desmatamento na maior floresta do país
diminuiu, o governo finalmente divulgou os primeiros dados sobre o
desmatamento no Cerrado e a notícia é alarmante: apenas em 2018 o
Cerrado perdeu 9.483 quilômetros quadrados de vegetação, o que equivale a
mais de seis cidades de São Paulo e supera em 52% a devastação na
Amazônia no mesmo ano.
Órgãos ambientais são atacados
Print do vídeo de Waldir Adriano no Youtube.
Em julho, moradores fecharam a BR 163 na altura de Novo Progresso, no
Pará. Manifestantes protestaram contra o veto do presidente Temer que
manteve o tamanho integral da Floresta Nacional (Flona) de Jamanxim,
área que os ocupantes pleiteiam para aumentar a produção do município.
Durante o fechamento da rodovia, o
manifestantes queimaram
oito caminhonetes do Ibama, além da carreta que as transportava, em
Cachoeira da Serra, às margens da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), no
município de Altamira. O crime aconteceu na madrugada do dia 07 de
julho. A ação foi feita por madeireiros e seria uma retaliação ao órgão
por conta de uma operação que combateu a retirada de madeira da Terra
Indígena Menkragnoti.
Ibama considerou a queima das caminhonetes um atentado e a
presidente, Suely Araújo, mandou fechar todas as serrarias da região.
"Foi um atentado contra ação legítima do Estado brasileiro", disse o
diretor de Proteção Ambiental, Luciano Evaristo.
No final de outubro, prédios de órgãos ambientais pegaram fogo,
viaturas foram tombadas, casas e carros de servidores do Ibama atacados
em Humaitá, no Amazonas. Foi uma reação de garimpeiros e parte dos
moradores à Operação Ouro Fino, contra o garimpo ilegal no Rio Madeira.
Políticos locais apareceram em imagens comemorando o ataque.
O ICMBio, que gere as Unidades de Conservação do país, também sofreu uma perda esse ano. Em agosto,
um guarda-parque foi assassinado por caçadores na Serra da Capivara, no Piauí.
Acidente com equipe do Ibama
Na manhã de uma segunda-feira, dia 3 de julho,
um avião com uma equipe do Ibama caiu
sobre árvores logo após decolar na pista da empresa Paramazônia,
município de Cantã, leste de Roraima. Quatro pessoas morreram, três eram
servidores do Ibama -- os analistas ambientais Olavo Perin, de 35 anos,
do Espírito Santo; Alexandre Rochinski, de 45 anos, de Santa Catarina e
o técnico administrativo Sebastião Júnior, de 50 anos, de Roraima --.
mais o piloto, Marcos Jardim.
O analista ambiental Lazlo Macedo de Carvalho, de 44 anos, foi o único sobrevivente do desastre aéreo.
A aeronave havia sido alugada pelo Exército
para levar os servidores do Ibama para uma operação de combate à
mineração ilegal na Terra Indígena Yanomâmi, área de fronteira, em uma
ação da Operação Curare VIII.
Lazlo teve 50% do corpo queimado, principalmente os membros
superiores, sofreu danos de fuligem na traqueia e nos pulmões. O seu
estado de saúde quando chegou ao Centro de Tratamento de Queimados (CTQ)
era considerado grave, mas ele reagiu bem ao tratamento, o que
impressionou até a equipe médica, e deixou o hospital 84 dias após a
internação.
10 anos do Instituto Chico Mendes: ((o))eco em trilha
A Grande Travessia dos Lençóis Maranhenses percorreu 50km do parque nacional.
Foto: Duda Menegassi.
Em 2017, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio) completou dez anos de existência. O aniversário do órgão
ambiental, que é responsável pela gestão das unidades de conservação
federais, incluiu uma programação especial: a realização de 10
travessias em áreas protegidas.
((o))eco acompanhou de perto essa jornada que começou em junho, na vastidão do Cerrado, no recém-ampliado
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO). Passou pelas dunas construídas pelo vento no
Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (MA), percorreu as paisagens ancestrais do Parque Nacional da
Chapada dos Guimarães (MT) e subiu as montanhas do
Parque Nacional da Serra do Cipó (MG). Em agosto, no mês de aniversário, foi para
Reserva Extrativista Chico Mendes (AC)
conhecer os caminhos escondidos sob a copa das árvores na Floresta
Amazônica. Em setembro, a travessia teve como cenário as imponentes
formações rochosas do
Parque Nacional da Chapada Diamantina (BA) e no mês seguinte chegou na unidade de conservação mais antiga do país, o
Parque Nacional do Itatiaia (RJ).
A caminhada foi das montanhas para o litoral, na paradisíaca paisagem
do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE) e na reta final
das comemorações, chegou em no Parque Nacional da Tijuca (RJ), o mais
visitado do país, no coração da Cidade Maravilhosa. A última travessia
programada para comemorar os dez anos de existência do órgão será
realizada no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (RJ), um dos berços do
montanhismo brasileiro, em janeiro.
Novas espécies
O B coloratus foi encontrado no município de Piraquara (PR). Pequeno, resistente ao frio e não sabe nadar. Foto: Luiz Fernando Ribeiro.
Como todo ano, em 2016 também foram descobertas novas espécies. Destacamos a descoberta de
duas novas espécies de sapos nas montanhas da Mata Atlântica que pertencem ao gênero
Brachycephalus.
No Panamá,
uma nova espécie de peixe-elétrico foi descoberta. Pequeno, com comprimento variando de 16 cm a 30 cm, o
Eigenmannia meeki difere das outras espécies do gênero pela posição da boca, padrão de coloração, número de escamas, e disposição dos dentes.
Outro destaque foi a separação de 21 novas espécies de aves tropicais em espécies distintas.
A diferenciação foi feita usando as divergências sonoras dessas aves,
que pareciam ser da mesma espécie. Os estudos, desenvolvidos pelos
pesquisadores Benjamim Freemam, da Universidade of British Columbia, e
Graham Montgomery, da Cornell University, demonstram que, quando os sons
eram muito diferentes, os pássaros de populações separadas, embora
tidos como da mesma espécie, não se reconheciam.
Na Caatinga,
um guia mapeou todas as serpentes registradas no bioma: 114 espécies de serpentes ao todo. Nas várzeas da Amazônia, um estudo descobriu
onça viva vale muito mais do que gado morto.
E por falar em gado, ((o))eco se debruçou esse ano no impacto da
pecuária na Amazônia. Foram 11 reportagens de fôlego sobre o assunto,
como o
“
O drible do gado: a parte invisível da cadeia da pecuária”, “Cadeia invisível”, “
Governo contra governo: sem guia de trânsito, gado ilegal no Pará fica impune” e
“Origem desconhecida”.
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