Por Paulo Barreto
- domingo, 23 abril 2017 23:57
Foto: Arquivo/Agência Brasil.
“
Eu não sou um político. Sou um gestor”. Esse é um dos
chavões de alguns dos novos políticos que querem se diferenciar do
lamaçal da política brasileira. Embutido nele está a ideia de que o
gestor é eficiente e objetivo – a gestão tem a resposta certa. Eu
acreditava no mito do gestor como a solução definitiva dos problemas.
Porém, ao fazer mestrado na
Universidade de Yale aprendi
que mais importante do que os métodos de gestão, são os valores que
orientam as decisões. Precisamos discutir que valores devem orientar o
Brasil. Conto aqui como desmistifiquei o mito do gestor e o que aprendi
sobre valores.
No curso de “
economia da gestão de recursos naturais“, aprendi
a estimar custos e benefícios de projetos. Porém, é inviável estimar em
termos monetários todos os custos e benefícios. Por exemplo, podemos
estimar que uma hidrelétrica gerará “x” milhões de receita. Mas é
impossível estimar o valor das “y” espécies que serão extintas pelo
alagamento de um ecossistema único e do sofrimento dos índios que terão
seus cemitérios alagados e das pessoas que serão deslocadas. O curso
“métodos quantitativos para tomada de decisão” foi mais iluminador do
que a economia.
Aprendi técnicas que permitem organizar e comparar
muitas variáveis além das financeiras. No caso da hidrelétrica, eu
poderia comparar “x” de receita gerada, as perdas de “x” espécies
extintas, “y” pessoas a serem deslocadas, “z” cemitérios e terras
indígenas inundados. Mas os programas e cálculos matemáticos não decidem
a relevância dessas variáveis. Eles criam um meio para o gestor revelar
suas preferências, seus valores. O gestor decidirá se constrói ou não a
hidrelétrica que alaga as terras indígenas e extingue espécies e
desloca pessoas.
Aprendi sobre valores no curso “
fundamentos de gestão e política de recursos naturais". As
necessidades básicas e a visão de mundo influenciam o que valorizamos,
incluindo bem-estar, riqueza, poder, respeito, reputação, sabedoria e a
afeição.
Seguindo no exemplo da hidrelétrica, se o gestor despreza os índios e
outras espécies, construirá a obra em troca de votos de eleitores
insensíveis para se manter no poder. Para deslegitimar os protestos dos
índios e seus defensores, ele provavelmente usará a propaganda para
mostrar como a obra trará desenvolvimento econômico e bem-estar para os
eleitores. Disseminará que os índios são ignorantes, indolentes e,
portanto, indignos de afeição e respeito da população dominante.
“Se o gestor acredita que os peixes e os
índios valem mais do que dinheiro e poder, ele não construirá a
hidrelétrica. Ele ou ela buscarão uma alternativa, que pode até custar
mais
Se o gestor acredita que os peixes e os índios valem mais do que
dinheiro e poder, ele não construirá a hidrelétrica. Ele ou ela buscarão
uma alternativa, que pode até custar mais. Ele explicará para seus
eleitores, por exemplo, que seria indigno destruir um povo e seu
conhecimento para ter energia mais barata.
O professor de “
modelagem de política“, um
gênio oriundo do MIT (Massachusetts Institute of Technology), também
ilustrou a relevância dos valores. Durante o curso, ele mostrou a
aplicação de matemática para o desenho e avaliação de políticas. Mas em
sua última aula, intitulada a politicagem da modelagem de política, ele
deixou os números de lado para contar que deputados americanos ficaram
furiosos com o estudo dele que provou que distribuir seringas novas para
usuários de drogas reduzia a disseminação de Aids. O trabalho era tão
brilhante que ele ganhou um prêmio.
Mas os deputados o convocaram para
uma audiência pública e depois contrataram outros matemáticos para
avaliar o estudo. Os revisores concluíram que a análise estava correta.
Mas os políticos conservadores continuaram resistentes a adoção da
abordagem. Eles achavam que viciados eram inúteis e pecadores e,
portanto, mereciam o castigo da Aids. A pesquisa salvava vidas que os
deputados não queriam salvar.
Os valores também determinam que problemas o gestor enxerga e quer
resolver. Morar nos EUA durante o mestrado me permitiu refletir mais
sobre o Brasil. Das observações diretas e leituras concluí que o maior
problema brasileiro é a desigualdade social, que é uma das maiores do
mundo. A desigualdade aumenta a violência, a depressão, a desconfiança e
a desagregação social, entre outras mazelas.
No livro
Uma História do Brasil, Thomas E. Skidmore aponta
duas causas fundamentais da desigualdade no país. A distribuição de
terra por meio das sesmarias e outras formas gerou concentração
fundiária. A escravidão prolongada e a falta de investimentos nos negros
libertos deixou uma enorme população vulnerável e sem posses. Os índios
perderam terras ou foram expulsos para terras menos férteis. Decisões
tão antigas ainda deixam suas marcas.
A concentração fundiária ainda é
alta e as diferenças de educação e saúde entre negros e brancos são
enormes.
Se o país acreditar no mito do gestor, correremos o risco de
empobrecer o debate nas próximas eleições. Além das habilidades de
gestão, devemos perguntar que valores os candidatos usarão para governar
e refletir se o Brasil será mais justo a partir destes valores.