Por Fernando Fernandez
- terça-feira, 29 abril 2008 15:46
O que os olhos não lêem, o coração não sente.
Provérbio popular (versão)
Você já pensou por que não existem pingüins no hemisfério norte?
Todos nós aprendemos que pingüins são encontrados apenas no
hemisfério sul, na Antártida e adjacências. Implicitamente, isso nos é
passado como sendo um fato da natureza - como se sempre tivesse sido
assim. Mas não é o caso. A resposta para a nossa questão é muito mais
interessante que isso, e ao mesmo tempo desconcertante e perturbadora.
Não existem pingüins no hemisfério norte porque o homem os extinguiu em 1844.
A ave que foi originalmente chamada de pingüim é hoje conhecida –
menos do que deveria ser - pelo nome de grande alca (“great auk”). Seu
nome científico – Pinguinus impennis - foi baseado em seu primeiro nome
vulgar. Os pingüins do hemisfério sul, aves pertencentes a outra família
e descobertos depois, receberam o seu nome exatamente por que se
assemelhavam às grandes alcas.
As alcas eram aves de grande porte, que
viviam no Atlântico norte, em volta do círculo polar ártico, e que eram
caçadas em imensa quantidade entre os séculos XVI e XIX – enchiam os
porões dos navios para servir de alimento, e também eram usadas como
isca para a pesca de bacalhau e lagostas. Sob essa imensa pressão, as
alcas declinaram inexoravelmente até uma situação desesperadora. Então,
no dia 3 de junho de 1844, um grupo de marinheiros avistou o último
casal de grandes alcas, denunciados por sua grande estatura em meio às
aves marinhas menores, na pequena ilha de Eldey, ao largo da Islândia.
Os marinheiros correram para as grandes alcas com porretes. As alcas
tentaram desesperadamente alcançar a segurança da água, mas uma foi
encurralada contra as rochas, e outra alcançada já à beira d’água. Ambas
foram mortas a porretadas. Em seu ninho havia um ovo, que se acredita
ter sido esmagado sob a bota de um marinheiro.
É por isso que não existem (mais) pingüins no hemisfério norte. Não,
não é um fato da natureza, infelizmente. Nós fizemos isso ser assim.
As grandes alcas não estão sozinhas, longe disso. Há uma imensa
coleção de espécies de animais que nós extinguimos nos últimos séculos.
Na maior parte dos casos são extinções muito bem documentadas e
conhecidas pela ciência, de espécies que todos nós deixamos de conhecer
por muito pouco. Muitas delas eram animais maravilhosos, espetaculares,
que fariam o mundo vivo parecer muito mais rico e maravilhoso do que já
é.
Eu estou exagerando? Bom, que tal um peixe-boi de oito metros?
Havia, sim, um peixe-boi de oito metros. Um animal dócil,
inteligente, com uma elaborada vida social. Nós acabamos com ele em
1768. A vaca marinha de Steller, Hydromadalis gigas, que podia alcançar
umas dez toneladas, era o maior mamífero vivente nesse planeta em tempos
históricos, fora as grandes baleias.
A vaca marinha de Steller habitava
as águas costeiras das desabitadas ilhas Commander, no extremo leste da
Sibéria, onde foi descoberta pelo naturalista russo Georg Steller em
1741. Eram pacíficas comedoras de algas marinhas que raspavam das
rochas. Steller escreveu que havia fortes laços sociais entre elas,
incluindo uma espantosa solidariedade.
Al contrario que otros sirenios, la vaca marina de Steller era el único
conocido que habitaba en aguas frías, aunque tenía el mismo temperamento
excepcionalmente manso (hasta el punto de dejarse matar con facilidad).
Quando uma era arpoada, as outras
tentavam impedir que ela fosse arrastada para a margem, fazendo um
círculo à volta dela; várias colocavam a si mesmas nas cordas ou
tentavam tirar o arpão do corpo daquela que havia sido ferida. Steller
também observou que um macho voltou dois dias seguidos para junto de sua
fêmea morta na costa.
Nada disso impressionou muito os pescadores
russos, que após a descoberta da vaca marinha fizeram uma verdadeira
corrida para caçar aquele animal tão rico em carne e óleo, e com uma
pele valiosa. Em 1768 – apenas vinte e sete anos depois de ter sido
descoberta! – a vaca marinha de Steller já estava extinta.
E que tal a ave mais abundante do Mundo? No século XIX, o
naturalista John Audubon, um dos fundadores da ornitologia, ficou
chocado com a abundância da pomba migratória, Ectopistes migratorius, na
América do Norte.
Os bandos eram tão numerosos que há relatos
confiáveis de que obscureciam a luz do sol ao passar; dizia-se que
passavam por vários dias seguidos. Colônias de nidificação chegavam a
160 Km de comprimento. Audubon estimou que devia haver entre cinco e dez
bilhões de pombas migratórias na América do Norte – o que as fazia, de
longe, as aves mais abundantes do planeta.
Mas aquele século, o da
desenfreada expansão americana rumo ao oeste, foi também o do colossal
massacre da pomba migratória. Elas foram caçadas aos milhões, para
comida e por simples esporte. Caçar pombas migratórias e coletar seus
ovos era um esporte de fim de semana para a família inteira, muito
popular entre os americanos do século XIX. Havia matanças mais sérias:
em uma competição de caça da época, o troféu seria do virtuoso caçador
que primeiro matasse trinta mil pombas migratórias.
Você leu certo,
trinta mil, só pelo vencedor. Com esse tipo de pressão, as populações da
pomba migratória começaram a diminuir, e houve quem dissesse que era
preciso limitar a caça, ou a espécie acabaria desaparecendo. Foram
chamados de alarmistas, riu-se deles. Houve também quem dissesse da
pomba migratória que era óbvio que havia tanto que nunca iria acabar –
mais ou menos como alguns hoje dizem da Amazônia.
Mas as populações
continuaram diminuindo, e o inacreditável aconteceu. Em 1900, a pomba
migratória se extinguiu na natureza. No dia 1º de setembro de 1914,
Martha, a última pomba migratória, morreu no Zoológico de Cincinnati.
Estava extinta a espécie de ave mais abundante do planeta no século XIX.
E por que não um lobo marsupial? Quando falamos em marsupiais, a
maioria das pessoas imediatamente pensa em cangurus, ou quem sabe nos
gambás tão comuns em nosso país. Mas até há poucas décadas havia um lobo
marsupial, ou tilacino, um dos mais espantosos seres que já se viu.
Poucos reparam no significado de um nome científico, mas raramente um
nome científico é tão revelador quanto Thylacinus cynocephalus. “Thyla”
quer dizer bolsa, “cinus” ou cynos” quer dizer cachorro, e “cephalus”
quer dizer cabeça. Thylacinus cynocephalus, portanto, quer dizer
“cachorro com bolsa com cabeça de cachorro”. Perdoe o pleonasmo do
cientista que batizou o bicho, meu caro leitor. Experimente procurar por
“thylacine” no Google Images.
O tilacino é tão parecido com um cachorro
que qualquer leigo poderia facilmente confundi-los. A semelhança da
cabeça é de fato tão extraordinária que apenas os dentes, uns dentes
triangulares característicos de marsupiais, denunciam que se trata de um
parente dos cangurus. Os quartos traseiros caídos e a cauda afinando
gradualmente, como a de um canguru, também traem sua ancestralidade
marsupial.
Mas não se trata simplesmente de um canguru com crise de
identidade, que acha que é cachorro. Isso é o mais interessante de tudo:
o tilacino é um espetacular exemplo do fenômeno que os biólogos chamam
de convergência evolutiva, ou seja, animais de linhagens muito
diferentes – no caso, os mamíferos placentários (como nós) e os
marsupiais – evoluindo formas similares em lugares diferentes, como
adaptação a papéis ecológicos similares.
O tilacino, comum na Austrália
inteira até uns poucos milhares de anos atrás, sobreviveu na grande ilha
da Tasmânia, ao sul do continente australiano, até bem dentro do século
XX. Porém, foi impiedosamente perseguido pelos colonizadores
australianos, em represália à predação sobre suas ovelhas.
A extinção do
tilacino na natureza não teve nada de acidental, ao contrário, foi
meticulosamente planejada, e levada a cabo como política oficial do
governo da Tasmânia. Com o fim de erradicar a “praga”, recompensas foram
pagas para cada pele de tilacino entregue. À medida que os animais
começavam a escassear, o valor da recompensa foi aumentado cada vez
mais. Em 1936, o governo da Tasmânia enfim mudou de política e decretou
uma lei protegendo a espécie.
Tarde demais. Naquele mesmo ano, o último
tilacino conhecido, uma fêmea, morreu no zoológico de Hobart, capital da
Tasmânia. Por negligência de seus tratadores, o animal foi deixado na
parte exposta de sua gaiola, sem acesso a seu ninho protegido, e morreu
de hipotermia numa noite fria de setembro.
Há alguns registros não
confirmados de tilacinos vistos na natureza nos anos seguintes; um dos
mais confiáveis é o de uma fêmea que teria sido morta por um fazendeiro
com seus cachorros por volta de 1940. Dentro da bolsa da fêmea havia
três filhotes. Não houve mais registros depois disso.
Deixei para o fim o meu favorito, se é que pode haver um favorito
numa lista dessas: o menor, o mais sutil, mas nem por isso o menos
espetacular. Um animal tão fantástico que parece ter saído da mais
imaginativa ficção, e que você e eu fomos privados de conhecer por
poucas décadas. Morcegos voam, todos eles, certo? Claro. Sempre foi
assim? Não. Em algumas ilhas do Pacífico, onde eram ausentes tanto
grandes predadores como também roedores nativos, evoluíram várias
espécies de morcegos terrestres.
Eram animais bizarros, que eram capazes
de voar só uns poucos metros, mas que se moviam agilmente pelo chão da
floresta nas patas de trás e nos cotocos das asas, exercendo o papel
ecológico dos roedores. Eram tão bem adaptados à vida terrestre que
alguns tinham bolsas ao lado do corpo onde recolhiam as asas. À medida
que a colonização das ilhas do Pacífico avançava, animais introduzidos
pelo homem, como ratos e gatos, foram extinguindo os morcegos terrestres
em ilha após ilha.
As ilhas Salomão e Big South Cape, que permaneceram
livres de ratos domésticos até muito recentemente, foram seu último
refúgio. Mas mesmo ali, os ratos chegaram em 1962 ou 1963, e em 1965
Mystacina robusta, a última espécie de morcegos terrestres, deixou de
existir. É possível que ainda houvesse Mystacina quando você nasceu, ou
pelo menos quando seus pais nasceram. Mas seus filhos não poderão mais
vê-lo.
Hora de desfazer uma ilusão bastante arraigada. Fala-se muito em
espécies em extinção, mas muita gente acha que o homem extinguiu até
agora relativamente poucas espécies, e que portanto nossa capacidade de
extinguir espécies possa estar superestimada.
Não é o caso. Apenas de
1600 para cá, foram comprovadamente extintas pelo homem pelo menos umas
120 espécies de aves, umas 60 de mamíferos e pelo menos 25 de répteis,
entre muitas outras. Muitos desses casos, inclusive os acima, são
descritos em um livro maravilhoso, “A Gap in Nature”, de Tim Flannery e
Peter Schouten, publicado em 2001.
Além disso, já extinguimos mais de
600 espécies de plantas, e provavelmente vários milhares de
invertebrados, que são mais mal conhecidos. A lista continua crescendo:
há apenas um ano foi a vez do baiji, o golfinho do Yang Tse. Isso tudo
não inclui centenas de outras extinções de animais de grande porte
causadas pelo homem muito antes da Idade Moderna - mas isso já é outra
história.
Por que essas coisas ainda são tão pouco divulgadas e discutidas?
Eram animais espetaculares, fascinantes, são histórias que mexem com
nossos sentimentos, mas nossa cultura não parece ter olhos para elas.
Houve uma expressiva melhora nos últimos anos, mas ainda é raro
encontrar sobre as extinções históricas em programas de televisão,
livros e revistas, e portanto elas não atingem nossos corações e mentes.
Acho que a melhor explicação para isso é mesmo a imensa capacidade que a
nossa cultura tem de não olhar para aquilo que não lhe interessa – o
que é ótimo para quem quiser manter o status quo, mas péssimo para quem
queira virar o jogo.
Quando eu era criança, História me parecia fascinante, mas ao mesmo
tempo o menos aplicado ou menos útil de todos os assuntos. Minhas
professoras sempre tinham o mesmo argumento sobre a importância do
estudo da História: é preciso estudar História para aprender com os
erros do passado. Só agora sou capaz de perceber o quanto elas estavam
certas.