Publicado em julho 12, 2016 por
Redação
Revista
Radis / Fiocruz
Eles não carregam mais venenos dentro de suas bolsas. Aquele exército
de homens de uniforme bege, todos com um embornal a tiracolo, um boné e
o rosto queimado de sol, passou a usar uma nova arma contra o mosquito
transmissor da dengue: ao invés de larvicida, os agentes de combate a
endemias levam consigo uma garrafinha com um peixe de pouco mais de dois
centímetros, conhecido na linguagem popular como piaba rabo de fogo ou
simplesmente piabinha. É com vida, e não com morte, que a cidade de
Pedra Branca venceu o
Aedes aegypti: o município, no interior
do estado do Ceará, há dez anos não registra um caso de dengue
transmitido dentro de seu próprio território.
Pescadas em açudes da região, as piabinhas, peixes usados no
controle do Aedes, passam por um período de adaptação à água com cloro
em tanques de piscicultura (foto: Radis/Fiocruz)
Com a ajuda de um espelho na palma da mão, o agente Ileudo Luís faz
uso de um recurso natural abundante naquela terra: a luz do sol.
Refletida no espelho, a luz permite que ele vasculhe a cisterna de uma
casa para conferir se os peixes ainda estão lá. É uma técnica simples,
mas que mostra como Pedra Branca aprendeu a usar as condições sociais e
ambientais a seu favor no controle do mosquito. Com sua voz de locutor
radiofônico, é Donizete Alves, coordenador de endemias do município, um
dos personagens principais dessa iniciativa pioneira, que sintetiza numa
frase o sucesso da experiência que levou Radis ao sertão cearense:
“Quando o Brasil todo ficou assustado com a chegada da zika e da
chikungunya, uma cidade pequena no sertão cearense já estava prevenida”,
aponta.
“Dá licença, minha senhora” — a equipe de agentes pede para adentrar
mais uma casa. Ileudo verifica se não há furos nas telas que recobrem os
tambores de água da residência de Antonia Honorato de Souza. Acostumada
à falta de água na região, em razão da seca e das dificuldades de
abastecimento, a população considera o líquido um recurso valioso e tem o
costume de armazená-lo em casa, em tambores, cisternas, baldes, potes,
tanques e todo tipo de recipiente. A solução deu ao Aedes o criadouro
perfeito para procriar suas larvas: água limpa e parada. Não por acaso,
até o início de junho, o Ceará já havia registrado 49.542 casos de
dengue, com 33 possíveis mortes relacionadas, ainda em investigação.
Por isso, Pedra Branca investiu em uma estratégia de controle que
começa por onde o mosquito nasce: “Nós não deixamos o mosquito criar
asas, já debelamos os focos quando ainda são larvas”, conta Donizete. Os
tambores de Dona Antonia estão todos vedados com telas verdes que
impedem que o inseto alcance o interior e deposite seus ovos.
A moradora
conta que usa a água armazenada para lavar roupa e, nos meses de maior
escassez, também para o consumo da família. Na cisterna, estão os
peixinhos que Ileudo localiza com a ajuda do espelho de luz. “A gente
faz o que eles ensinam”, comenta a moradora, em relação ao trabalho dos
agentes de combate a endemias (ACE) e agentes comunitários de saúde
(ACS). A visita é encerrada com a cajuína e o bolo que dona Antonia
oferece aos agentes e à equipe de Radis, em sinal de hospitalidade.
Com orgulho, Donizete explica que não foi uma solução mágica que fez
que Pedra Branca, uma cidade de pouco mais de 42 mil habitantes, não
tivesse um caso de dengue autóctone (transmitida em seu território) nos
últimos 10 anos, com o índice de infestação predial (que mede a presença
do Aedes) próximo a zero por um período de 14 anos. A iniciativa reúne
uma série de esforços ambientais, sociais e políticos que envolvem a
população, o poder público e os profissionais de diversas áreas.
“Pedra
Branca é um município que não trabalha com o químico, somente com o
biológico, com o controle dos criadouros, com o monitoramento ambiental,
com a participação social, com o trabalho educativo nas escolas,
associações e creches, com o apoio da prefeitura e da secretaria
municipal de saúde e com a participação da nossa população que interage,
juntamente com os ACS, para que esse mosquito venha a ser
verdadeiramente debelado”, sintetiza.
Meninas dos olhos
Lá estão eles, nos fundos do hospital municipal de Pedra Branca,
guardados como as “meninas dos olhos” de uma experiência de sucesso. Os
peixes, que se alimentam das larvas do mosquito transmissor de dengue,
zika e chikungunya, são criados em tanques de água e distribuídos para
as cerca de 12 mil residências e outros tipos de construções do
município.
Por dia, saem dali por volta de 300 peixes, pelas mãos dos
agentes de combate a endemias, que levam, de casa em casa, o principal
instrumento de controle biológico ao Aedes. “É um trabalho simples e
custa muito pouco. É simplesmente uma piaba que a gente pega no açude,
traz para os tanques e faz uma quarentena para que ela seja adaptada à
água com cloro”, conta Donizete.
O método desenvolvido na cidade se baseia em uma tecnologia social
bastante conhecida pelos sertanejos: a presença dos pequenos peixes em
cisternas e outros reservatórios de água. A secretária de saúde da
cidade, Ana Paula Albuquerque, conta que quando criança convivia com os
“peixinhos” no tanque de água de sua casa. Mas a implantação do método
para a erradicação da dengue, há 15 anos, só foi possível com o apoio da
comunidade. “A população vem buscar o peixe e não se opõe ao telamento
das caixas d’água”, ressalta. Como Donizete explica, são poucos peixes
por caixa dágua (cerca de dois ou três); e não há recomendação para que
sejam alimentados: quando não há larvas, eles se alimentam da própria
matéria orgânica do depósito de água.
Natalice Fernandes chega com seu filho Pedro Henrique, de oito anos,
em busca do “peixinho”. Ela conta que há um mês foi encontrado um foco
de larvas do mosquito em sua residência. Desde então, redobrou os
cuidados, por recomendação dos ACE. “Orientada pelos agentes, eu comecei
a prevenir antes de acontecer, lavando a caixa e colocando o peixe”,
relata. Quando um criadouro é descoberto, os agentes fazem o que chamam
de “delimitação de foco”: verificam todo o quarteirão e retornam a cada
sete dias, por três vezes consecutivas, para garantir a quebra do ciclo
biológico do mosquito. “A gente cerca o mosquito de todos os lados”,
brinca Anataliel Teixeira, outro agente de combate a endemias, da
Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
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EcoDebate, 12/07/2016