Publicado em março 23, 2016 por
Redação
Botânicos registram 46 mil espécies e identificam em média 250 por ano no Brasil
Depois de sete anos de trabalho, um grupo de 575 botânicos do Brasil e
de outros 14 países concluiu a versão mais recente de um amplo
levantamento sobre a diversidade de plantas, algas e fungos do Brasil,
agora calculada em 46.097 espécies. Quase metade, 43%, é exclusiva
(endêmica) do território nacional.
O total coloca o Brasil como o país
com a maior riqueza de plantas no mundo – a primeira versão do
levantamento, publicada em 2010, listava 40.989 espécies. Esse número
não vai parar de crescer tão cedo porque novas espécies são
identificadas e descritas continuamente em revistas científicas. Em
média, os botânicos apresentam cerca de 250 novas espécies por ano.
Os cinco artigos detalhando a segunda versão da Lista de espécies da
flora do Brasil foram publicados em dezembro do ano passado na
Rodriguésia, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), como forma de
prestigiar a revista, que completou 80 anos em 2015. Dali também brota
um alerta para as perdas contínuas de variedades únicas de plantas.
Enquanto o levantamento era feito, um grupo de botânicos identificou uma
espécie nova de bromélia com uma inflorescência vermelha, a Aechmea
xinguana, em uma área de mata já coberta pela água do reservatório da
usina de Belo Monte, em construção no norte do Pará.
“Alguns exemplares
dessa espécie foram resgatados e estavam na casa de vegetação do
reservatório, mas as populações naturais se perderam na área alagada”,
disse Rafaela Campostrini Forzza, pesquisadora do JBRJ e coordenadora do
levantamento.
O trabalho não terminou.
Neste mês de março os especialistas em cada
grupo de plantas devem começar a incluir as descrições, distribuição
geográfica detalhada e outras características de cada espécie no banco
de dados on-line Flora do Brasil (floradobrasil.jbrj.gov.br) para servir
de base para o Flora do Brasil Online, que deve estar concluído até
2020 para integrar o World Flora Online, com informações sobre todas as
plantas conhecidas do mundo. Na trilha dos botânicos, os zoólogos se
organizaram e apresentaram também em dezembro de 2015 a primeira versão
do Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil (CTFB), resultado do trabalho
de cerca de 500 especialistas, que começaram a detalhar as informações
sobre 116.092 espécies, a maioria artrópodes, com quase 94 mil espécies
ou 85% do total (fauna.jbrj.gov.br/fauna/listaBrasil).
Elaborado a pedido do Ministério do Meio Ambiente, com financiamento
do governo federal, instituições privadas e fundações estaduais como a
Fapesp, o Flora do Brasil indica que a Amazônia abriga a maior
diversidade do grupo das plantas sem frutos e com sementes expostas, as
gimnospermas, que predominaram de 300 milhões até 60 milhões de anos
atrás, quando os dinossauros circulavam pela Terra. Seus representantes
mais conhecidos são árvores em formato de cone típicas do clima frio do
sul do País, como a araucária, com uma única espécie no Brasil, e quatro
espécies de Podocarpus. Dispersas nas matas da região Norte, porém,
vivem seis espécies de cipós de folhas largas do gênero Gnetum, que
crescem sob o clima quente e úmido ao redor de árvores. Suas sementes
vermelhas ou lilases são tão parecidas com frutos que já confundiram até
os botânicos.
Os quase 50 mil exemplares de espécies nativas colocam o Brasil como o
país continental com maior diversidade de espécies do mundo, seguido
por China, Indonésia, México e África do Sul. Em número de espécies
endêmicas, perde apenas para grandes ilhas como Austrália, Madagascar e
Papua Nova Guiné, cujo isolamento favorece a formação de variedades
únicas, e para apenas uma área continental, o Cabo da Boa Esperança, na
África do Sul.
O total de espécies não chega aos 60 mil das estimativas
mais otimistas, mas é maior que o da Colômbia, antes vista como o país
da América do Sul com maior diversidade, e é mais que o dobro das 22.767
espécies descritas na monumental Flora brasiliensis, coleção de 15
volumes e 10.367 páginas escrita por 65 botânicos de vários países sob a
coordenação de Carl Friedrich Philipp von Martius, August Wilhelm
Eichler e Ignatz Urban, e publicada de 1840 a 1906.
Na Flora brasiliensis, o grupo predominante, com 32.813 espécies, são
as plantas com sementes protegidas por frutos carnosos ou secos, as
chamadas angiospermas. Nesse grupo estão as árvores como o ipê e o
jacarandá, a roseira e outras espécies ornamentais, o feijão, o
amendoim, o milho e a maioria dos vegetais usados na alimentação.
Somente de feijões, pertencentes aos gêneros Vigna, Canavalia e
Phaseolus, a flora brasileira registra cerca de 30 espécies nativas e
naturalizadas, “a maioria delas com um potencial para a alimentação
humana ainda pouco investigado”, comentou Vinicius Souza, professor da
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade
de São Paulo (USP) que participou da produção e organização das
informações desse trabalho.
As angiospermas se espalharam quando o clima se tornou quente e
úmido, depois da extinção dos dinossauros.
As mudanças do clima
eliminaram a maioria das gimnospermas, hoje raras em todo o mundo: os
botânicos encontraram apenas 30 espécies, sendo 23 nativas, desse grupo
no Brasil.
Por sua vez, as samambaias e as licófitas – plantas sem
sementes e sem flores, que se reproduzem por esporos, também com origem
antiga – estão representadas por 1.253 espécies no Brasil?; algumas
?delas ?atingem 20 metros de altura, lembrando as variedades gigantes
que marcavam a paisagem terrestre há 300 milhões de anos.
Alegria e inquietação
Os botânicos agora convivem com a satisfação de ver mais uma etapa do
projeto concluída e, ao mesmo tempo, uma desagradável inquietação,
porque eles sabem que a distribuição geográfica das coletas de amostras
de plantas, sobre as quais o trabalho foi feito, não era equilibrada:
havia muito mais informações sobre as regiões Sul e Sudeste, onde se
concentram as coletas, os grupos de especialistas e as instituições de
pesquisa, do que nas outras partes do País. Enquanto no Rio de Janeiro
havia 5,8 coletas por quilômetro quadrado (km2) e no Espírito Santo, 3,9
por km2, no Pará e no Amazonas essa relação era de 0,10 e 0,17 por km2.
Provavelmente por causa do número de coletas aquém do desejado pelos
botânicos, o estado do Amazonas aparece em terceiro lugar entre os
estados com maior diversidade, seguindo Minas Gerais, em primeiro, e
Bahia. Os botânicos não estão satisfeitos com esse resultado. “No
Amazonas poderia haver pelo menos mais 20 mil espécies ainda não
amostradas”, disse Souza.
São Paulo encontra-se em quarto lugar de diversidade. Além de ser um
espaço bastante percorrido por expedições botânicas, o estado apresenta
uma variedade de relevos, com planícies a oeste e montanhas a leste, e
de tipos de vegetação que favorecem a formação de novas espécies. “Tanto
as formações vegetais de clima frio que vêm do sul quanto as de clima
quente, como o Cerrado, param em São Paulo”, disse José Rubens Pirani,
professor do Instituto de Biociências (IB) da USP (ver tabela).
“Infelizmente, mantivemos a distorção do trabalho de Von Martius, que
coletou principalmente na Mata Atlântica, Caatinga e Cerrado e andou
pouco pela Amazônia”, comentou Rafaela. “Precisamos de um plano nacional
de mapeamento das espécies de plantas da Floresta Amazônica para
resolver o problema da subamostragem do maior bioma brasileiro, que
representa metade do território nacional.”
Elaborado com informações mantidas em herbários e em bases on-line
como o Reflora, atualmente com 1.390.218 registros de plantas nativas
(ver Pesquisa Fapesp nº 229), o levantamento apontou a Mata Atlântica
como o bioma com maior diversidade de angiospermas, samambaias,
licófitas e fungos, em razão de coletas mais numerosas e da variedade de
altitudes, climas e latitudes. Em segundo lugar está a Amazônia e em
terceiro, o Cerrado.
“Ainda estamos longe dos prováveis números reais”, observou Souza.
“Quanto maior o número de coletas por região ou estado, maior o número
de espécies.” Uma evidência de sua afirmação é que, por causa das
coletas mais numerosas, a diversidade de plantas do Tocantins aumentou
70% e a do Piauí, 40%, em relação ao registrado na primeira versão da
Flora, de 2010.
“Não estávamos trabalhando lá e as plantas não
apareciam”, comentou Pirani. Em 2013, com sua equipe, ele identificou
uma espécie nova de arbusto, Simaba tocantina, em uma área de Cerrado
pouco conhecida no interior e nas proximidades do parque do Jalapão,
leste do Tocantins, marcada por vastos areais como os descritos no livro
Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.
Na região Norte, as áreas menos estudadas são as mais propícias ao
avanço das novas plantações de soja e cana-de-açúcar. “
O desmatamento é
muito mais rápido do que nossa capacidade de conhecer a floresta”,
queixou-se a botânica paulista Daniela Zappi, pesquisadora do Kew
Gardens, de Londres. “É um desespero. Parece que não vai dar tempo de
chegar nessas áreas, principalmente no Arco do Desmatamento, entre o
norte do Mato Grosso e o sul do Pará.”
As cactáceas, um dos grupos em que ela é especialista, apresentam uma
elevada diversidade no Brasil – em Minas vivem 103 espécies e na Bahia,
98 –, mas 32% das 260 espécies desse grupo encontram-se em grau
variável de risco de extinção. As áreas que ocupam são continuamente
substituídas por plantações de eucalipto, agricultura ou mineração.
Os
cactos são explorados como plantas ornamentais e colhidos para servir
como alimento para o gado ou para pessoas, que também os usam como fonte
de medicamentos, geralmente sem se preocupar em repor as populações
originais. Outro problema é que muitas espécies crescem apenas em áreas
específicas. É o caso do Arrojadoa marylaniae, um cacto colunar com
anéis de flores vermelhas que cresce apenas sobre uma jazida de quartzo
branco de valor comercial no interior da Bahia.
O trabalho de identificação e estudo da distribuição geográfica de
cada espécie está atrelado a um plano de ação, de modo a estudar e
favorecer a polinização e germinação de espécies em maior risco de
extinção. As ações de preservação incluem a participação de
pesquisadores não acadêmicos.
Gerardus Oolstrom, um criador de cactos
comerciais em Holambra, interior paulista, trabalhou com botânicos
acadêmicos na identificação de uma espécie nova, a Rhipsalis
flagelliformis, que ele viu pela primeira vez cultivada em um sítio que
havia sido do paisagista Roberto Burle Marx no bairro de Guaratiba, na
cidade do Rio de Janeiro. “Os colecionadores, quando integrados com os
grupos de pesquisa, podem ajudar muito no trabalho de localização e
preservação das espécies”, observou Daniela.
Rafaela também trabalha com o advogado Elton Leme, um botânico não
profissional, na caracterização de três novas espécies do gênero
Encholirium, que vivem entre rochas em morros da Bahia e de Minas
Gerais. Por sua vez, pesquisadores da Fundação Zoo-Botânica de Belo
Horizonte espalharam cartazes com o título “Procura-se” e fotos e
informações sobre o faveiro-de-wilson, uma árvore rara, e conseguiram
localizar muitos exemplares com a ajuda de moradores do interior de
Minas (ver Pesquisa Fapesp no 235).
“Não precisamos plantar apenas rosas e azaleias”, propôs Pirani
enquanto caminhava pelos corredores amplos e ensolarados do herbário do
IB-USP no início de janeiro. “Cultivar plantas ornamentais nativas em
nossas casas, nas ruas e nas margens de estradas é uma forma de
preservar a diversidade.”
Em seguida ele apresentou um arbusto de flores
azuis, a canela-de-ema, duas bromélias, o gravatá e a macambira, e
outras plantas coletadas na serra de Grão Mogol, norte de Minas Gerais que ele procura adaptar ao clima da capital. “Aqui chove mais do que em
Minas, mas, mesmo assim, algumas delas florescem todo ano.”