Manifesto defende manutenção da Fundação Parque Zoológico de São Paulo
Duda Menegassi segunda-feira, 17 agosto 2020 20:02
Na última quinta-feira (13), o governo do Estado de São Paulo enviou
um Projeto de Lei – em tramitação de urgência – para aprovar um plano de
corte de gastos que o enxugamento de 10 institutos e fundações. O PL nº
529/2020, apesar de ter poupado a Fundação Florestal de uma controversa
extinção, gerou manifestações contrárias da sociedade civil e
organizações por propor a fusão de três institutos de pesquisa e o fim
da Fundação Parque Zoológico de São Paulo.
Um manifesto produzido em defesa
da Fundação Parque Zoológico destaca seu papel como aliada da
conservação da biodiversidade, na medida em que exerce um relevante
papel na manutenção de espécies ameaçadas de extinção. O texto destaca
que a instituição usa seus recursos integralmente para manter mais de 2
mil animais, dois terços deles parte de programas de reprodução ex situ e
de projetos de pesquisa.
“Somos referência no manejo reprodutivo e na manutenção de espécies nativas ameaçadas, como, por exemplo, micos-leões (Leontopithecus sp.), tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), Arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), Perereca-dealcatrazes (Ololygon alcatraz) e Jararaca-ilhoa (Bothrops insularis)
para subsidiar programas de conservação integrada in situ-ex situ, bem
como no desenvolvimento de técnicas de criação artificial de filhotes
órfãos e incubação artificial de ovos. A Fundação também participa de
programas de reintegração de fauna em natureza, recentemente tendo
enviado exemplares de Jacutinga (Aburria jacutinga). O corpo
técnico também conta com equipe especializada em técnicas de promoção de
bem-estar animal, como enriquecimento ambiental e condicionamento
animal”, destaca o manifesto.
O manifesto faz referência também a história da Fundação, criada em
1958, e que desde então já recebeu mais de 93 milhões de visitantes e
possui uma arrecadação anual de cerca de 30 milhões de reais.
Segundo proposto pelo Projeto de Lei enviado à Assembleia Legislativa
de São Paulo (Alesp), “a operação das atividades voltadas à visitação
pública, educação ambiental e conservação do patrimônio público e dos
ativos ambientais realizada em suas instalações serão transferidas à
iniciativa privada, por meio de procedimento licitatório adequado. As
atividades relacionadas ao desenvolvimento de pesquisas, gestão de
unidades de conservação, fiscalização do Zoológico, Jardim Botânico e
demais atividades públicas serão transferidas a entidades de ensino e
pesquisa que compõem a Administração” (PL nº 529/2020).
O manifesto destaca que independente da concessão de serviços à
iniciativa privada, as “pesquisas e a proteção das espécies ameaçadas de
extinção continuarão sob a responsabilidade do Governo do Estado e da
Fundação Parque Zoológico, inclusive previstos em edital e seus anexos,
com destaque à previsão de infraestrutura para equipe de fiscalização
contratual”.
O texto é assinado por representantes do Instituto para Criação e
Conservação da Fauna (ICFAU), do Instituto Arara-Azul, do Instituto
Espaço Silvestre, e da empresa Nutropica.
Um abaixo-assinado virtual também foi criado para defender a manutenção da Fundação e já conta com mais de 4 mil assinaturas.
Abaixo-assinado contra fusão do Instituto Florestal
Outras ”vítimas” do corte de gastos previsto pelo governo paulista
são os institutos Florestal, de Botânica e Geológico, que serão
centralizados em um único centro de pesquisas ambientais. A decisão
gerou uma manifestação contrária por parte de setores da sociedade, que
também organizaram um abaixo-assinado que, até o fechamento desta edição, já contabilizava mais de 6 mil assinaturas.
Em contradição aos dados, Mourão declara que “a floresta não está queimando”
Salada Verde quarta-feira, 19 agosto 2020 20:14
A apresentação feita nesta quarta (19) pelo vice-presidente General
Mourão no Fórum Amazônia +21 reforçou mais uma vez o discurso adotado
pelo governo que tenta minimizar os dados que comprovam a acelarada
destruição da floresta. Mourão alegou que o desmatamento está todo
concentrado nas áreas antropizadas da Amazônia, e o que normalmente se
chama de Arco do Desmatamento, ele apelidou de “Arco de Humanização”.
Não bastasse, reforçou que “a floresta não está queimando”, pois as
queimadas só ocorrem nessas áreas “humanizadas”. Além disso, minimizou a
exportação de gado oriundo de áreas desmatadas ilegalmente, louvou os
esforços feitos na ditadura militar para “desenvolvimento” da região
amazônica, e ainda alfinetou o ator Leonardo DiCaprio, com um convite
para marchar com ele por 8 horas na selva e entender “como funcionam as
coisas nessa imensa região”.
Durante sua apresentação, Mourão usou um mapa para apontar o que ele
chamou de “Arco da Humanização”, que corresponderia aos 16% da floresta
já desmatada. “Onde ocorre queimada na Amazônia é naquela área
humanizada. A floresta não está queimando. E no entanto, a imagem que é
passada para o resto do Brasil e da comunidade internacional é de que
tem fogo na floresta, e não adianta você mostrar o mapa da NASA, o mapa
do INPE que a turma não aceita o dado”, declarou durante sua fala no Fórum (assista na íntegra aqui)..
“Nós não somos os vilões da sustentabilidade, muito pelo contrário
(…) temos mais de 60% do nosso território com a cobertura vegetal
original e dentro da Amazônia, 84% da floresta está em pé, preservada”,
argumentou o vice-presidente.
Em seu discurso, ele também diminuiu o avanço ilegal das atividades
agropecuárias para cima da floresta e desmentiu que o país estivesse
exportando essas commodities oriundas de áreas desmatadas. “Não existe
essa situação de que o Brasil está exportando para o resto do mundo,
produtos que saem ilegalmente da floresta. Se isso ocorre é numa
percentagem ínfima”.
Na apresentação, o vice e também chefe do Conselho da Amazônia defendeu a aprovação do Projeto de Lei 2.633/2020 – a nova carapuça da MP da Grilagem
– e listou, como é costumeiro a esse governo quando o assunto é
proteção ambiental, uma série de metas vagas e sem nenhuma grande
explicação sobre como o governo irá alcançá-las.
Durante o discurso de Mourão sobrou até para o ator americano e
ativista ambiental, Leonardo DiCaprio. “Eu gostaria de convidar o nosso
mais recente crítico, o ator Leonardo DiCaprio, para ir comigo até São
Gabriel da Cachoeira. Nós fazemos uma marcha de 8 horas pela selva entre
o aeroporto de São Gabriel e a estrada de Cucuí e ele vai aprender em
cada socavão que ele tiver que passar que a Amazônia não é uma planície.
E aí entenderá melhor como funcionam as coisas nessa imensa região”,
ironizou o vice. Em que momento DiCaprio chamou a Amazônia de planície
ou o que isso tem a ver com a defesa da Amazônia, nós também não
sabemos, mas não é a primeira vez que o governo ataca o ator de
Hollywood. Em 2019, o próprio Bolsonaro já havia acusado DiCaprio de
financiar as ONGs que “tacavam fogo na Amazônia”. (Duda Menegassi)
Como mostramos aqui no Conexão Planeta recentemente, o Pantanal tem sofrido com os incêndios: os focos de calor no primeiro semestre já são os mais altos dos últimos 20 anos. Nas duas últimas semanas, vários órgãos dos governos estadual e federal uniram forças para tentar controlar o fogo.
A prova de que os incêndios estão mais intensos do que em anos
anteriores foi confirmada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), que divulgou dados ontem (03/08) revelando que as queimadas no
mês de julho no Pantanal foram 240% maiores do que no mesmo período do ano passado.
De acordo com o instituto, foram registrados 1.684 pontos de incêndio
no bioma no mês passado, o número mais alto para julho desde que se
começou a coletar esses dados em 1998. No ano passado, foram observados
494 focos de calor.
Só no Mato Grosso do Sul, entre janeiro e julho deste ano foram
detectados 3.623 mil focos de incêndio, um aumento de 88% em relação ao
primeiro semestre de 2019.
No último dia 1o de julho, o governo do estado decretou emergência ambiental no Pantanal.
Os pantaneiros estão acostumados com a temporada das queimadas na região, que normalmente, começa em agosto e vai até outubro. O clima nessa época do ano fica mais seco, sem chuvas e os ventos são mais fortes. Mas estão assustados com a situação atual.
O fogo atinge regiões remotas, o que torna o controle mais difícil
Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera, o Pantanal é a maior
planície alagável de água doce do mundo e abrange os estados de Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, além de áreas da Bolívia e do Paraguai. O
bioma é habitat de mais de 650 espécies de aves e 130 de mamíferos.
Em 15 de julho, o governo federal decretou uma moratória do fogo,
proibindo queimadas por 120 dias tanto no Pantanal, como na Amazônia. O
que ocorre é que muitos produtores colocam fogo em suas propriedades
para “limpar” o solo e assim, poder plantar novamente e fazer pastagem
para o gado. Como a vegetação já está seca, qualquer fagulha se torna o
estopim para incêndios de grandes proporções.
Em 2019, o Pantanal também sofreu com o fogo. Dados do Inpe mostraram
que no ano passado houve um salto de 493% nos focos de queimada, seis
vezes maior do que em 2018 (leia mais aqui).
Fotos: Saul Schramm (abertura) e CBMS/Fotos Públicas
Jornalista,
já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo
da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e
2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras,
entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta
Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas,
energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em
Londres, vive agora em Washington D.C.
O mundo tem mais de 4 bilhões de hectares de florestas, o que
representa 31% da área total da Terra. Mais da metade (54%) delas está
em apenas cinco países – Rússia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e China.
E um novo relatório lançado pela Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) revela quais são as
nações que mais tiveram progresso em conter o desmatamento e as que ainda enfrentam dificuldades para reduzir a destruição florestal.
De acordo com a “Avaliação Global de Recursos Florestais”, as áreas com perdas florestais estão aumentando, mas a taxa de devastação diminuiu.
O mundo perdeu 178 milhões de hectares de florestas desde 1990, uma
área equivalente ao tamanho da Líbia. Na grande maioria, essas terras
foram convertidas em solo para a agricultura. Todavia, a
taxa de perda diminuiu substancialmente na última década, devido a uma
redução no desmatamento em alguns países, além de aumentos na vegetação
em outros, através de processos de reflorestamento e expansão natural
das florestas.
A taxa de perda líquida de florestas caiu de 7,8 milhões de hectares
por ano, na década de 1990-2000, para 5,2 milhões anuais entre 2000 e
2010 e atingiu o patamar atual de 4,7 milhões nos últimos dez anos.
Os países que apresentaram os melhores índices de ganhos florestais
foram China, Austrália, Índia, Chile, Vietnã, Estados Unidos, França,
Itália e Romênia.
Outra boa notícia trazida pelo levantamento da FAO é que a área de
florestas protegidas no planeta aumentou em 191 milhões de hectares,
totalizando cerca de 725 milhões de hectares, 18% do volume de florestas
na Terra.
“Embora a taxa de desmatamento tenha diminuído bastante nas últimas
décadas, ainda permanece como uma fonte de grande preocupação. No ritmo
atual, corremos o risco de não cumprir as metas para 2030 relacionadas
ao manejo florestal sustentável”, ressaltou Anssi Pekkarinen,
especialista da FAO em florestas.
“Precisamos intensificar os esforços para deter o desmatamento e
assim, contribuir para a produção sustentável de alimentos, o alívio da
pobreza, a segurança alimentar, a conservação da biodiversidade e as
mudanças climáticas, mantendo a produção de todos os outros bens e
serviços que as florestas fornecem”, enfatizou.
Gráfico mostra os países com maior áreas de florestas no mundo
Agora, as más notícias…
Na verdade, o relatório da Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação não traz nenhuma novidade. Outros
levantamentos realizados por outras entidades já tinham apontado que o
Brasil é o país que mais tem desmatado no mundo.
Há pouco mais de um mês, um estudo com dados da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, publicado pelo Global Forest Watch, que divulgamos nesta outra reportagem,
revelava que o Brasil aparecia em 1o lugar na lista das nações que
tiveram maior perda árborea em 2019, assim como já havia acontecido em
2018. Nosso país contabilizou, sozinho, por um terço da redução global
de florestas tropicais primárias no ano passado.
O levantamento da FAO confirma os demais estudos e coloca o Brasil no
topo dos dez países que mais perderam florestas entre 2010 e 2020.
Abaixo dele estão Congo, Indonésia, Angola, Tanzânia, Paraguai, Myanmar,
Cambódia, Bolívia e Moçambique.
Ásia, Oceania e Europa tiveram aumento de suas florestas, enquanto África e América do Sul caminham em sentido oposto
*O relatório completo da FAO, com 186 páginas, você encontra neste link.
Jornalista,
já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo
da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e
2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras,
entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta
Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas,
energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em
Londres, vive agora em Washington D.C.
Em série de vídeos, a atriz e produtora Alice Braga conta como o
agronegócio está destruindo o planeta… e o que podemos fazer para
impedir que isso aconteça
“Os vídeos a seguir foram feitos antes da crise da covid-19, mas hoje
eles parecem mais relevantes do que nunca. Se há uma lição que estamos
aprendendo, é que uma mudança está a caminho. Voltar ao que chamávamos
de ‘normal‘, não é aceitável. Na verdade, a
‘normalidade’ era o que estava errado. Depende de nós lutar pelo futuro
que precisamos, pelo futuro que queremos. Vamos seguir juntos e cuidar
uns dos outros”.
É assim que a atriz e produtora Alice Braga apresenta a série de três vídeos (que você pode assistir no final deste post) intitulada Você sabe de onde vem sua comida?, que gravou a convite do Greenpeace – em português e inglês – para contar como o alimento chega ao nosso prato, sob a lógica cruel do sistema de produção de alimentos, liderado pelo agronegócio, responsável por 80% de todo desmatamento no planeta.
E, aqui, não falamos apenas da destruição das florestas, mas também de prados, de zonas úmidas e de outros ecossistemas essenciais para evitar o desequilíbriodo planeta:
secas, enchentes, deslizes de terra… “Esses ecossistemas estão sendo
rapidamente transformados em enormes zonas de monocultura e pastagens”,
destaca Alice.
Mas justamente por não pactuar com a volta à normalidade, que a série não se limita a apresentar este cenário caótico. Seu objetivo é o engajamento para que, antes mesmo de a pandemia de covid-19 terminar, trilhemos um caminho diferente, tomemos atitudes que ajudem a frear a lógica atual de produção dos alimentos – que envolve as grandes empresas alimentícias – e seu impacto, que contribui para as mudanças climáticas.
“Quando os ecossistemas viram pastos ou plantações, param de absorver dióxido de carbono e a emitir mais carbono”.
Vida de commodities
Para dar a dimensão do problema, Alice faz a conexão entre os alimentos que consumimos e commodities, como óleo de palma, soja, carne e laticínios – “existe um fluxo econômico que transforma tudo que comemos em commodities e que está totalmente fora de controle”-, destruição do meio ambiente e crise climática e apresenta números terríveis. Veja…
Você imagina que existem 1/2 bilhão de cabeças de gado no planeta?
Esse número equivale à soma das populações da Rússia e dos Estados
Unidos!! E a quantidade de galinhas? São 23 bilhões! Ou
seja, “três galinhas por pessoa na terra” ou três vezes a população de
humanos! Então, é preciso mais terras para produzir grãos e alimentar
esses animais. E estamos falando apenas de gado e galinhas. Hoje,
utiliza-se mais terra para “cultivar comida para os animais do que para
as pessoas. E a gente não escolheu isso!”.
Como se não bastasse, com toda essa performance, o agronegócio é responsável por emissões de gases de efeito estufa (GEEs) em
quantidade equivalente a emitida por todos os carros, trens, navios,
ônibus e aviões juntos! Ou seja, por causa desse setor as alterações do
clima só aceleram.
E o cenário é ainda mais tenebroso no Brasil: o atual sistema de
produção de alimentos está amparado por leis governamentais e não só
avança sobre os ecossistemas como também impacta os pequenos produtores rurais. A agricultura industrial utiliza agrotóxicos,
muitas vezes em áreas invadidas (terras públicas griladas) e, assim,
pode oferecer “comida mais barata” do que a cultivada pelos pequenos.
Nesse cenário, sem subsídios e produzindo alimento no tempo da
natureza – sem acelerar nem alterar processos – os produtores familiares
ainda levam a fama de produzir comida cara: por isso que ainda se ouve
muito, por aí: “a comida orgânica é cara”.
Dá pra mudar um sistema quebrado?
Depois de apresentar o panorama no qual vivemos e nos deixar atônitos, no segundo vídeo, Alice conta sobre como funcionam as grande empresas do agronegócio.
“Agora, a gente já sabe que o mundo não pode sustentar a forma como a
nossa comida está sendo produzida. Afinal, ela está literalmente
incendiando o planeta”, salienta.
Se beneficiando deste sistema criminoso estão megaempresas como Unilever, Bunge, Cargil e JBS. A maioria com histórico de impactos sociais e ambientais.
Apesar de não encontrar evidencias de envolvimento em violações dos
direitos humanos, na semana passada, a Anistia Internacional denunciou a
JBS, maior produtora de carne bovina do mundo, por incluir, em sua cadeia de fornecimento, gado criado ilegalmente em áreas protegidas na Amazônia.
“As companhias prometeram redobrar cuidados com fornecedores das
commodities mais ligadas à destruição florestal: soja, gado, óleo de
palma e papel e celulose”, conta o Greenpeace em seu site. Mas o prazo
acabou e as florestas continuam sendo destruídas a um ritmo alarmante.
O Greenpeace pediu a 50 grandes empresas para que divulgassem a
origem dos produtos utilizados em sua rede, mas apenas cinco atenderam à
solicitação. Todas disseram que suas redes de abastecimentos são “muito
complicadas”. Sim, em geral, suas redes de fornecedores são muito
extensas, o que, muitas vezes, impede que se chegue ao produtor de
origem.
Alice, então, insiste na necessidade de responsabilizá-las pelo que
produzem e comercializam, afinal, vêm daí os impactos no meio ambiente e
nas comunidades locais. Disputas de terra, conflitos, mortes, ameaças e
contaminação destroem as comunidades tradicionais: indígenas,
quilombolas e rurais. Em geral, por trás desse rastro de destruição está
uma grande e poderosa empresa.
Grande marcas se comprometeram com a conservação ambiental, mas, como
destaca Alice: “se estivessem mesmo comprometidas em parar o
desmatamento, estariam rastreando suas compras do começo ao fim,
protegendo as terras indígenas e financiando a restauração florestal”.
Mas o dinheiro é que determina a proteção ou não da vida e do planeta.
E, enquanto ele estiver garantido – no entender do antiministro do meio
ambiente, Ricardo Salles, enquanto a boiada puder passar – nada será feito. Cabe, então, a nós, consumidores, pressionar essas empresas e boicotá-las. E pressionar o Governo também.
O que fazer para construir outro futuro
No último vídeo, o terceiro da série, Alice convida todos a
participarem e indica que ações pontuais podem contribuir para “começar a
desmontar esse sistema”. Nossas escolhas estão em prSempre ouvimos
dizer que é “assim que as coisas são” e que esse é o sistema que
funciona. Que é assim que a comida chega no nosso prato e que isso é
“normal”. Que é “assim que as coisas são”. Que este sistema é que
funciona. Mas, não!
Este é um sistema doente, um sistema de produção que está fora de controle, que alimenta o desmatamento e a crise climática. Mas o mais importante: ele não é inevitável porque foi planejado.
Isto significa que, agora, depois da prova de sua falência comprovada –
ele está nos matando! -, podemos projetar algo melhor, mais justo, mais
humano.
Por isso, no último vídeo, o terceiro da série, Alice convida todos a
participarem e indica que ações pontuais podem contribuir para “começar
a desmontar esse sistema”. Nossas escolhas estão em primeiro lugar,
claro. Nesse contexto, parar de comer carne ou, pelo menos, reduzir o
consumo, é importante. O Greenpeace lidera a campanha #SegundaSemCarne lançada em outubro de 2009.
“Ficar um dia da semana sem consumir produtos de origem animal parece
pouco, mas isso já provoca muitas consequências positivas”, indica a
ONG em seu site. “Como apontou Monica Buava, gerente de campanhas da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), “a gente nem se dá conta, mas sim, a
Segunda Sem Carne
está mudando a realidade do consumo de carne e derivados no país”. Mais
de 327 milhões de refeições vegetarianas e veganas foram oferecidas até
hoje, graças à essa campanha, realizada com diversos parceiros.
Acompanhe o perfil e a hashtag no Instagram.
Mas o que Alice indica no vídeo vai muito além das mudanças
empreendidas por quem consome: para um resultado efetivo, essas mudanças
devem ser feitas também por quem está no topo. É aí que entra nosso poder como cidadãos! E ela indica cinco ações de impacto:
Apoiar e defender os direitos dos povos indígenas e
a luta pela terra em todo o mundo, afinal, essas comunidades estão
sempre na “linha de frente” contra a “economia do apocalipse”. Basta
lembrar que os indígenas estão aqui há mais de 500 anos e, desde a
invasão dos portugueses, não fazem outra coisa do que lutar por suas
vidas contra o famigerado desenvolvimento econômico;
Exigir – por meio de boicote e de cobranças nas redes sociais – que as empresas parem de comprar de quem destrói os ecossistemas.
Já passou da hora de as empresas se responsabilizarem por suas redes de
fornecedores. Ser sustentável e justo é exigir que todos que fazem
parte da cadeia produtiva e de consumo façam sua parte;
Mas não é só se comprometer daqui em diante! As empresas precisam mitigar os efeitos dos danos provocados ao meio ambiente e se comprometer em restaurar o que foi destruído. Todos nós devemos cobrar e acompanhar, fiscalizar;
Mais: não basta se comprometer e mitigar, as empresas devem alterar seumodelo de negócio e reduzir a comercialização de produtos que provocam esses impactos, como a carne e os laticínios.
Quanto menos espaço a agricultura industrial ocupar, mais espaço para a
natureza e alimentos orgânicos (sem veneno e que respeitam o tempo) e
para nós, humanos, não para alimentar animais destinados à comida ou
para abastecer tanques de carros, aviões, caminhões… e
Por
fim, a ação mais importante – e talvez a mais difícil: é preciso que
todas as instâncias da sociedade – governos, empresas, cidadãos –
aceitem que o crescimento econômico infinito e a proteção ambiental não
combinam. Onde um está, o outro não tem lugar. Para nossa
sobrevivência, é imprescindível reduzir o consumo e adotar e promover
formas sustentáveis de produção: agroecologia, energia solar etc etc.
Desmatamento, queimadas, poluição de mares e rios, secas, enchentes,
colocar animais em risco de extinção, entre outros impactos provocados
pelo agronegócio devem ser considerados responsabilidade do governo e
das empresas e assumidos por eles, publicamente. Inclusive o compromisso
de alterar esse cenário. Esta é a única maneira para que possamos
desenhar o caminho que nos levará a um futuro mais justo e saudável, verdadeiramente.
“Exigimos que os governos parem de colocar o lucro de alguns acima da
vida de todos nós, e que as empresas forneçam comida saudável, de boa
qualidade e acessível. Para todos”, defende o Greenpeace.
Há inúmeras outras formas de contribuir para que essa mudança
aconteça, como apoiar campanhas e petições de ONGs socioambientais. O Greenpeace mantém diversas campanhas pelas florestas, pelos oceanos, pela alimentação saudável… uma delas é a petição Todos pela Amazônia, que destaca na divulgação da nova série. Ah, pode ser este o primeiro passo para você começar a mudar esta história.
Agora, assista aos vídeos da campanha do Greenpeace, com Alice Braga:
Jornalista
com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo,
saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos
na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino
Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o
premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela
United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede
de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da
conferência TEDxSãoPaulo.
Um mês após começar a valer a Moratória do Fogo (decreto 10.424/2020), que proíbe queimadas na Amazônia Legal e no Pantanal por um período de 120 dias, a Amazônia segue registrando números altos de focos de calor,
todos ilegais: entre 16 de julho e 15 de agosto foram 20.473 focos
registrados no bioma. Somente nos 15 primeiros dias de agosto, foram
mais de 15 mil focos.
Em sobrevoo realizado pela equipe do Greenpeace,em 16/8, domingo, foram registrados focos de calor no sul do Amazonas e em Rondônia. O fogo é uma das principais ferramentas utilizadas para o desmatamento, especialmente por grileiros e agricultores, que o usam para limpar áreas para uso agropecuária ou especulação.
A prática se tornou ainda mais comum com a falta de fiscalização e o desmonte dos órgãos ambientais, como ICMBio e Ibama.
“Os números evidenciam que a estratégia adotada pelo governo federal é
ineficiente para conter a destruição da floresta mais biodiversa do
planeta. Proibir queimadas no papel não funciona sem um trabalho
eficiente de comando e controle exercido por órgãos competentes”, afirma
Cristiane Mazzetti, porta-voz da campanha de Amazônia do Greenpeace.
Uma análise do Greenpeace Brasil aponta que do total de focos de calor registrados nos primeiros 31 dias da moratória do fogo, 1120 ocorreram dentro de Terras Indígenas (TI), um aumento de 8% em relação ao ano passado, quando foram mapeados 1038.
A TI Munduruku é a que registrou maior número de
focos de calor (160), um aumento de 78% em relação ao ano passado. Além
disso, 4.115 atingiram Unidades de Conservação, um aumento de 7% em
relação ao mesmo período do ano passado. Territórios, estes, que
deveriam estar protegidos.
O comparativo do período analisado (16/07 à 15/08) mostrou uma queda
de 8% no número de focos de calor no bioma (22.250, em 2019, ante
20.473). No entanto, no mesmo período em 2019 não havia a Garantia de
Lei e Ordem (GLO) em campo e nem uma moratória do fogo em vigência. “Em
2020, mesmo proibindo o uso do fogo e com as forças armadas em campo
desde meados de maio, as queimadas continuam em ritmo acelerado”,
comenta Mazzetti.
A temporada de queimadas agrava a atual crise sanitária, pois a
fumaça e a fuligem das queimadas provocam doenças respiratórias. O
caminho para reverter essa situação já é conhecido.
“O Brasil já fez um trabalho consistente no combate à destruição da
Amazônia no passado mas os caminhos utilizados têm sido sistematicamente
ignorados. A ausência de um plano e o desmantelamento da gestão ambiental no país são parte da estratégia do atual governo. Como resultado, o maior patrimônio ambiental dos brasileiros está sendo perdido, colocando o clima, a biodiversidade e mais vidas em risco, especialmente as dos povos indígenas”, completa Cristiane Mazzetti.
Devido à situação dramática que se abate sobre a Amazônia, mais de 60
organizações da sociedade civil, incluindo o Greenpeace, apresentaram
uma proposta com cinco medidas emergenciais para combatera destruição aos
presidentes da Câmara e Senado. Detre elas estão o endurecimento das
penas a crimes ambientais, a demarcação de Terras Indígenas, quilombolas
e Unidades de Conservação e a reestruturação do Ibama, ICMBio e Funai.
*Texto publicado originalmente no site do Greenpeace, em 17/8/2020
O
Greenpeace Brasil faz parte da organização não-governamental
internacional, sem fins lucrativos, com mais de 30 anos de luta pacífica
em defesa do meio ambiente. Atua no Brasil desde 1992 (Eco92) e em 30
países por meio de ativismo e de protestos pelo meio ambiente
*Por Maurício Angelo
Um estudo publicado recentemente pela ONG Amazon Watch revela que cinco das principais instituições financeiras do mundo investiram cerca de US$ 6 bilhões em projetos de extração de petróleo no oeste da Amazônia apenas nos últimos três anos, de 2017 a 2019.
Na linha de frente da iniciativa estão alguns dos bancos e fundos de
investimento mais poderosos do planeta. Citigroup, JPMorgan Chase,
Goldman Sachs, HSBC e BlackRock financiaram empresas envolvidas na
exploração do combustível fóssil, como GeoPark, Amerisur, Frontera e Andes Petroleum.
Os projetos estão espalhados em 30 milhões de hectares no oeste da
Amazônia, que englobam 25% da floresta distribuídos entre a Colômbia, o
Equador e o Peru. A área é conhecida como Bacias Sagradas da Amazônia: é ali que nasce o Rio Amazonas, o maior em volume de água do planeta. Na região, considerada a mais biodiversa da Amazônia e do mundo, vivem cerca de 500 mil indígenas — muitos projetos petrolíferos estão dentro de territórios de diversos povos.
As reservas estimadas são de 5 bilhões de barris. Impedir que esses projetos avancem significaria evitar a emissão de 6 bilhões de toneladas métricas de dióxido de carbono — fundamental para alcançar a meta de limitar o aquecimento do planeta em 1,5 ºC. Para atingir essa meta, de acordo com o último levantamento da ONU, o ritmo da emissão de gases do efeito estufa precisa ser cinco vezes menor do que nos níveis atuais.
Essa é a receita para uma destruição em larga escala
que contribui decisivamente para a crise climática global. Para Moira
Birss, diretora de Clima & Finanças da Amazon Watch, só a pressão da
sociedade civil pode fazer com que essas corporações parem de explorar recursos naturais sem garantir a conservação ambiental e o direito dos povos indígenas.
A questão é urgente, “especialmente em um momento em que governantes
na Amazônia e nos Estados Unidos — onde esses bancos e fundos estão
baseados — estão eliminando a proteção ao meio ambiente e aos
indígenas”, diz Moira.
Grandes investimentos pressionam meio ambiente
No final de 2019, Donald Trump confirmou para as Nações Unidas a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris.
Embora muitos desses financiadores tenham expressado publicamente
compromissos com a responsabilidade corporativa socioambiental e com
iniciativas climáticas como o Acordo de Paris, eles continuam
financiando a destruição da Amazônia e a violação dos direitos
territoriais indígenas, lembra o relatório da Amazon Watch.
Enfrentar o poder econômico e político dessas instituições
financeiras não é tarefa simples. A BlackRock, por exemplo, é
considerada o maior fundo global, com mais de US$ 7,4 trilhões sob sua
gestão — é o maior investidor no mundo em commodities como petróleo, gás
e carvão. O banco JPMorgan Chase investiu, desde 2016, mais de US$ 196
bilhões em empresas que exploram combustíveis fósseis.
Por isso, a Amazon Watch, em conjunto com outras instituições, lançou a campanha Stop The Money Pipeline. A ideia é buscar o engajamento da sociedade civil para pressionar esses bancos a parar de investir nesses projetos.
Outra iniciativa é o pedido para que, durante a pandemia de covid-19, seja implantada uma moratória na Amazônia para
suspender todos os projetos de prospecção mineral, petróleo, madeira e
agronegócio, assim como o proselitismo religioso que ronda os povos
indígenas.
A região já sofreu severas consequências com a contaminação ambiental
de larga escala causada pela exploração petrolífera. Entre 1964 e 1990,
a Texaco — comprada pela Chevron em 2001 — despejou ilegalmente mais de
59 bilhões de litros de resíduos tóxicos e 63 milhões de litros de
petróleo bruto na Amazônia equatoriana, atingindo diretamente
territórios indígenas.
Mais de 480 mil hectares de floresta foram poluídos e
houve pelo menos 30 mil pessoas atingidas na ocasião. Os resíduos
chegaram ao Brasil e ao Peru. Outra empresa, a Occidental Petroleum
(OXY), que atuou no Peru entre 1975 e 2000, lançou bilhões de litros de
resíduos tóxicos na floresta e em rios da região.
“As empresas de petróleo que operam na Amazônia tendem a usar táticas
de dividir e conquistar para avançar em seus planos de perfuração,
levando a mais desigualdade na região”, afirma Moira Birss.
A saúde das comunidades indígenas também é duramente afetada. Um
estudo epidemiológico no Equador descobriu que, para pessoas que vivem
em áreas produtoras de petróleo, o risco para diversos tipos de câncer
era dezenas de vezes maior do que a média da população. Elementos
altamente tóxicos são encontrados nas águas que estão perto de operações
de petróleo na Amazônia, como cádmio, mercúrio, chumbo, cloreto de
potássio, níquel, cobre e outros.
Na bacia do Rio Corrientes, no nordeste do Peru, um estudo do
Ministério da Saúde constatou que 90% dos homens, mulheres e crianças
indígenas do povo Achuar tinham níveis de metais pesados em sua corrente
sanguínea muito acima do considerado seguro.
“Precisamos agir com rapidez, porque todos sabemos que a Amazônia está se aproximando rapidamente do ponto de inflexão,
com mais incêndios e secas a cada ano. A floresta e as populações
tradicionais, especialmente os povos indígenas, estão em sério perigo”,
lembra Moira Birss.
Pandemia reforça o risco da dependência do petróleo
A pandemia do novo coronavírus atingiu diretamente o setor petrolífero. O barril de petróleo cru chegou ter custo zero no
fim de abril, com a oferta superando em muito a demanda. No médio
prazo, isso poderia frear os projetos previstos para a Amazônia e
impedir que instituições financeiras continuem a despejar bilhões de
dólares na região. Mas a diretora da Amazon Watch é cética.
Para Moira, a pandemia torna ainda mais clara a necessidade de governos e empresas respeitarem os direitos indígenas, já que a covid-19 mostra
um efeito devastador em seus territórios, especialmente nos de povos
isolados. “A pandemia exacerbou a crise já enfrentada pela indústria de
petróleo e gás, tanto por causa das mudanças climáticas quanto por causa
da má administração e do endividamento excessivo. Também deixa claro o
quanto as comunidades locais são esquecidas nas promessas de
‘desenvolvimento’ feitas pelas empresas”, critica.
No caso do Equador, a crise revelou a vulnerabilidade da economia do
país e a dependência de commodities voltadas para exportação — sobretudo
o petróleo. “Desde a década de 1960 e mesmo quando o barril estava
cotado em US$ 120, o petróleo falhou em ser a panaceia econômica que o
governo continua vendendo. Em vez disso, aprisionou o país em um ciclo
de dívida e dependência”, avalia Moira.
Agora que ficou claro para todos que o petróleo e o gás não são
apenas ruins para o clima e para os povos indígenas, mas também para o
bolso dos investidores, acredita a diretora da Amazon Watch, “é o
momento de investir em resiliência climática, alternativas lideradas por
indígenas e em energia renovável”.
Fotos: Arley Vargas/Creative Commons/Flickr (abertura) e demais Rhett A. Butler/Mongabay
Agência
de notícias sem fins lucrativos que visa aumentar o interesse e a
valorização de terras e animais selvagens, ao examinar o impacto das
tendências emergentes no clima, na tecnologia, na economia e nas
finanças em conservação e desenvolvimento. Seu objetivo é inspirar,
educar e informar
*Por Tiffany Higgins
O governo federal planeja escavar e dragar milhões de metros cúbicos
de rochas e areia do leito de um dos mais importantes rios da Bacia Amazônica para ampliar a Hidrovia do Araguaia-Tocantins. O projeto aprofundará o Tocantins para permitir o transporte rápido de soja e minérios para a China e a Europa.
Além de ameaçar a subsistência de populações ribeirinhas, com implosão de áreas de pesca, a obra vai afetar praias fluviais onde tartarugas amazônicas depositam seus ovos. O boto-do-araguaia (Inia araguaiaensis), uma espécie ameaçada, também sofrerá o impacto da hidrovia, assim como espécies endêmicas de peixe.
A meta do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
(DNIT) é implodir e dragar um trecho total de 212 quilômetros do Rio
Tocantins. A obra representará o derrocamento de 35 quilômetros de rochas de um trecho do Pedral do Lourenço, uma paisagem de importância histórica e biológica nessa região do Pará.
A bacia do Araguaia-Tocantins é a segunda maior do Brasil, com cerca
de 3 mil quilômetros de “potencial navegável”, de acordo com o DNIT. Na
estação seca, segundo o departamento, as rochas do Pedral do Lourenço
são um “impedimento” ao tráfego de barcaças.
A empresa contratada para realizar a obra, a DTA Engenharia,
de São Paulo (e sua parceira O’Martin Serviços e Locações Ltda.), diz
que precisará remover 986.541 metros cúbicos de rocha ao longo de dois
anos e meio – a previsão hoje é de início em 2021. Além disso, a DTA
precisará dragar uma extensão de 177 quilômetros, escavando quase 6
milhões de metros cúbicos de areia e despejando o material nas praias
onde as tartarugas desovam.
O Rio Araguaia nasce perto de Brasília, atravessa o Cerrado e
segue para o norte em direção à Amazônia, onde deságua no Rio Tocantins
pouco antes de Marabá, já no Pará. O rio então corre para o norte,
passando pelo Pedral do Lourenço e pelas eclusas da barragem de Tucuruí
até chegar ao porto industrial de Vila do Conde, perto de Belém, a 155
quilômetros do Oceano Atlântico. Para o DNIT, o porto da capital
paraense tem uma “localização privilegiada”. Além de soja e milho, a
hidrovia industrial transportaria para mercados estrangeiros petróleo,
combustível, caminhões e produtos de mineração.
Tartarugas, botos e peixes sob ameaça
Em comunidades como Vila Belém, Praia Alta, Vila Redonda, Santo
Antonino, Cajazeiras e Vila Tauiri, os ribeirinhos estão diante de um
horizonte assustador. O Rio Tocantins é seu meio de transporte, sua
fonte de renda e sua identidade. Mas as obras da hidrovia irão
dinamitar, dragar, escavar o leito para construir portos industriais.
Depois, o tráfego de barcaças limitará a pesca a uma faixa de 100 a 145
metros da largura do rio.
Antes de dinamitar cada trecho, a DTA Engenharia pretende disparar um
tiro de alerta, que, alega a empresa, fará os peixes nadarem para
longe. Para os pescadores, porém, o ruído alto vai paralisar os peixes,
que depois fugirão para águas mais profundas no Pedral do Lourenço – e
não para longe – para ali encontrar o seu fim.
O biólogo Alberto Akama, do Museu Paraense Emilio Goeldi,
diz que os pescadores estão certos: os peixes que habitam as
corredeiras não evoluíram para fugir, como a DTA acredita. “Ao
contrário, os peixes entrarão mais fundo nas cavidades da rocha. É assim
que se protegem. Então [a empresa] dinamitará as rochas, e todos os
peixes morrerão.”
Para reduzir os custos da obra, a DTA planeja ainda despejar 5,6
milhões de metros cúbicos de areia do leito do rio nas praias onde
tartarugas amazônicas depositam dezenas de milhares de ovos – em vez de
transportar a areia para outro lugar.
Essa operação poderá ser o fim de um bem-sucedido programa de manejo
feito pelas comunidades. Desde julho de 2017, pescadores colaboram com
pesquisadores para coletar ovos de tartaruga, criar os filhotes e depois
soltá-los. A barragem de Tucuruí, rio acima, formou um reservatório que
inundou e eliminou os locais de desova, transformando as praias do
Pedral do Lourenço num habitat crucial para a tracajá (Podocnemis unifilis) e a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa).
Outra espécie emblemática da região e vulnerável ao projeto é o
boto-do-araguaia. Em 2014, Mariana Paschoalini Frias, pesquisadora do
Instituto Aquilie, ajudou a Fundação Omacha e o Instituto Mamirauá em
uma pesquisa populacional no trecho de 500 quilômetros da futura
hidrovia entre Marabá e Belém. O estudo, publicado em abril, revelou que restam ali apenas 1.083 botos-do-araguaia.
A população reduzida provavelmente se deve às sete grandes
hidrelétricas da bacia. E a hidrovia poderá diminuir ainda mais o número
de botos. Para Mariana, a intervenção provocará uma alteração enorme
nos sedimentos do rio. “Haverá muito barulho e movimento intenso de
navios. A diversidade e a abundância de peixes será afetada. Como
resultado, os botos perderão seu habitat e a disponibilidade de
alimentos”, explica a bióloga.
Peixes também estão ameaçados. Com as obras de dragagem, alerta
Cristiane Cunha, bióloga da Universidade Federal do Sul e Sudeste do
Pará que conduziu anos de estudos com os pescadores de Tauiry, os peixes
cascudos da família Loricariidae, que se alimentam de algas e detritos no fundo do rio, serão especialmente afetados.
“Os engenheiros alegam que vão dragar apenas uma vez e depois essa
fase terminará”, diz Alberto Akama, “mas não é assim que esses rios
funcionam”. Como os rios assoreiam com o tempo, explica o biólogo, a DTA
“terá que dragar continuamente”, e isso certamente exterminará muitos
dos peixes do rio.
Além disso, a empresa planeja depositar o material dinamitado na
parte mais funda do rio – mais um problema, aponta o biólogo. “Há peixes
que vivem em águas profundas. Se você joga rochas lá, tornando-o mais
raso, isso acaba com o habitat dessas espécies.”
Para Alberto Akama, o projeto da hidrovia “provavelmente exterminará todos esses peixes”.
Estudos de impacto ambiental: erros e omissões
Em setembro de 2019, ao divulgar um relatório de análise das milhares
de páginas dos estudos de impacto ambiental enviados pela DTA
Engenharia, o Ibama foi taxativo: o trabalho da equipe de analistas da
empresa não está baseado em metodologia científica corrente.
A DTA realizou coletas de animais para avaliar os possíveis impactos
da obra. Mas o Ibama concluiu que o estudo da empresa foi superficial e
usou métodos incompletos que não refletem as práticas atuais de coleta
científica nem são adequados aos peixes que habitam o Tocantins.
Houve erro na identificação de mais de uma dúzia de espécies. Vários
peixes em perigo foram rotulados com o nome de não ameaçados. Quatorze
espécies ameaçadas que sabidamente vivem na região não foram mencionadas
nos estudos de coleta da DTA. Em vez disso, a empresa identificou
dezenas de peixes que nem sequer vivem na bacia.
Além de tudo, nem o DNIT nem a DTA estudaram os impactos da hidrovia
depois que ela entrar em operação – entre eles, a construção de portos
de carga e os impactos diários do tráfego de barcaças.
O Pedral do Lourenço, que no total tem 43 quilômetros de labirintos
pedregosos, constitui um ecossistema especializado no qual se reproduzem
peixes, andorinhas e lagartos, entre outros animais. Contudo, o Ibama
observa que não houve uma coleta específica de amostras ou um estudo
sobre o local – uma omissão por parte da companhia contratada para
demolir as rochas.
As tartarugas poderão sofrer os maiores impactos da hidrovia, mas a
DTA estudou apenas a pequena área adjacente à futura sede do projeto,
deixando de pesquisar o habitat dos quelônios ao longo dos 212
quilômetros onde a dinamitação e a dragagem vão ocorrer.
O Ibama ordenou que a DTA refaça as coletas de peixes e conduza um
novo estudo no Pedral do Lourenço. “Foi uma vitória, porque postergamos o
projeto”, conclui Ronaldo Barros Macena, presidente da Associação da
Comunidade Ribeirinha Extrativista da Vila Tauiri. Mesmo assim, os
pescadores do Pedral do Lourenço temem que o governo ainda assim destrua
o viveiro rochoso de peixes com o qual suas histórias de vida estão
entrelaçadas.
Projetos anteriores de infraestrutura na Amazônia explicam o trauma. “Há o risco de [a área] se tornar outra Belo Monte”,
diz Cristiano Silva de Bento, doutorando e pesquisador em Antropologia e
Sociologia na Universidade Federal do Pará, com possível colapso das
populações de peixes e impactos devastadores sobre as comunidades tradicionais.
Os pescadores lembram com aflição de outra hidrelétrica da região. Em
1984, a usina de Tucuruí desabrigou ribeirinhos que não foram nem
sequer indenizados. Peixes, tartarugas e castanheiras desapareceram. Os
moradores alegam que os pagamentos que a operadora do projeto, a
Eletronorte, faz em reparação por Tucuruí vão para as prefeituras e não
chegam às comunidades, que continuam sem coleta de lixo, saneamento
básico, ônibus, estradas pavimentadas, postos de saúde ou poços
adequados.
No caso da nova hidrovia, havia uma demanda dos pescadores para serem consultados sobre o projeto, como é exigido pela Convenção C169 da
Organização Internacional do Trabalho. Mas o Ibama negou, alegando que,
diferentemente de quilombolas e indígenas, não há um protocolo no caso
para os pescadores tradicionais.
O Ministério Público Estadual do Pará interveio e exigiu que Ibama,
DNIT e DTA realizem a consulta formal aos ribeirinhos, observando a
importância deles para a conservação dos ecossistemas onde residem.
Apesar da nova determinação, o líder comunitário Ronaldo Barros Macena
reclama do governo: “Eles nunca nos consultaram. Passaram por nós como
um rolo compressor”.
DTA é criticada por falta de conhecimento técnico
Em 2016, o DNIT contratou a
DTA Engenharia para desenvolver a hidrovia sem nenhuma avaliação
ambiental preliminar – o que, de acordo com Brent Millikan, da ONG
International Rivers, não é uma exigência para a construção de
hidrovias, apesar do seu potencial de afetar comunidades humanas, a
flora e a fauna. A DTA conseguiu o contrato porque apresentou o
orçamento mais baixo entre as cinco concorrentes, um valor inferior até
mesmo às projeções de custo do DNIT.
A Constran, que ficou em segundo lugar no processo de licitação,
questionou a capacidade da DTA de realizar um projeto tão grande e
complexo. E registrou que a empresa parceira da DTA, a O’Martin, acumulava uma dívida de R$ 4,2 milhões até 2014.
Contatada pela Mongabay, a DTA diz estar contratualmente proibida de
dar entrevistas. Por isso, todas as informações desta reportagem vieram
do DNIT.
Em email de janeiro, o DNIT diz que não vai descontratar a DTA neste
ou em futuros projetos, já que cada processo de licitação é
individualizado. Regis Fontana Pinto, do Ibama, acredita que um veto à
hidrovia é improvável, já que o governo federal considera o projeto
prioritário e “necessário”.
Enquanto isso, os ribeirinhos da região do Pedral do Lourenço
aguardam os novos estudos e o desdobramento do caso – e esperam que,
dessa vez, possam ser atores em sua própria história. *Texto publicado originalmente em 10/08/20 no site do Mongabay Brasil