Não deixem de ler essa
carta-desabafo
de um gringo que vai casar com uma brasileira e viveu no Brasil pelos
últimos 4 anos. Sua visão de fora é acurada, seus ataques são legítimos,
suas críticas são duras, porém verdadeiras. Ignorá-lo, ou pior,
atacá-lo por ser um “estadunidense” metendo o dedo em nossa cara,
criticando nossa cultura, significa apenas reforçar os problemas que ele
aponta. A postura de alguém maduro deve ser
absorver as críticas,
refletir sobre elas, e de preferência…
mudar! Adianto
que esse é inclusive o tema de meu próximo livro pela Record, já em
fase de edição (acelera aí, Carlos Andreazza!). Leiam:
Querido Brasil,
O Carnaval acabou. O “ano novo” finalmente vai começar e eu estou te deixando para voltar para o meu país.
Assim
como vários outros gringos, eu também vim para cá pela primeira vez em
busca de festas, lindas praias e garotas. O que eu não poderia imaginar é
que eu passaria a maior parte dos 4 últimos anos dentro das suas
fronteiras. Aprenderia muito sobre a sua cultura, sua língua, seus
costumes e que, no final deste ano, eu me casaria com uma de suas
garotas.
Não
é segredo para ninguém que você está passando por alguns problemas.
Existe uma crise política, econômica, problemas constantes em relação à
segurança, uma enorme desigualdade social e agora, com uma possível
epidemia do Zika vírus, uma crise ainda maior na saúde.
Durante
esse tempo em que estive aqui, eu conheci muitos brasileiros que me
perguntavam: “Por que? Por que o Brasil é tão ferrado? Por que os países
na Europa e América do Norte são prósperos e seguros enquanto o Brasil
continua nesses altos e baixos entre crises década sim, década não?”
No
passado, eu tinha muitas teorias sobre o sistema de governo, sobre o
colonialismo, políticas econômicas, etc. Mas recentemente eu cheguei a
uma conclusão. Muita gente provavelmente vai achar essa minha conclusão
meio ofensiva, mas depois de trocar várias ideias com alguns dos meus
amigos, eles me encorajaram a dividir o que eu acho com todos os outros
brasileiros.
Então aí vai: é você.
Você é o problema.
Sim,
você mesmo que está lendo esse texto. Você é parte do problema. Eu
tenho certeza de não é proposital, mas você não só é parte, como está
perpetuando o problema todos os dias.
Não
é só culpa da Dilma ou do PT. Não é só culpa dos bancos, da iniciativa
privada, do escândalo da Petrobras, do aumento do dólar ou da
desvalorização do Real.
O
problema é a cultura. São as crenças e a mentalidade que fazem parte da
fundação do país e são responsáveis pela forma com que os brasileiros
escolhem viver as suas vidas e construir uma sociedade.
O
problema é tudo aquilo que você e todo mundo a sua volta decidiu
aceitar como parte de “ser brasileiro” mesmo que isso não esteja certo.
Quer um exemplo?
Imagine
que você está de carona no carro de um amigo tarde da noite. Vocês
passam por uma rua escura e totalmente vazia. O papo está bom e ele não
está prestando muita atenção quando, de repente, ele arranca o
retrovisor de um carro super caro. Antes que alguém veja, ele acelera e
vai embora.
No
dia seguinte, você ouve um colega de trabalho que você mal conhece
dizendo que deixou o carro estacionado na rua na noite anterior e ele
amanheceu sem o retrovisor. Pela descrição, você descobre que é o mesmo
carro que seu brother bateu “sem querer”. O que você faz?
A) Fica quieto e finge que não sabe de nada para proteger seu amigo? Ou
B) Diz para o cara que sente muito e força o seu amigo a assumir a responsabilidade pelo erro?
Eu
acredito que a maioria dos brasileiros escolheria a alternativa A. Eu
também acredito que a maioria dos gringos escolheria a alternativa B.
Nos
países mais desenvolvidos o senso de justiça e responsabilidade é mais
importante do que qualquer indivíduo. Há uma consciência social onde o
todo é mais importante do que o bem-estar de um só. E por ser um dos
principais pilares de uma sociedade que funciona, ignorar isso é uma
forma de egoísmo.
Eu
percebo que vocês brasileiros são solidários, se sacrificam e fazem de
tudo por suas famílias e amigos mais próximos e, por isso, não se
consideram egoístas.
Mas,
infelizmente, eu também acredito que grande parte dos brasileiros seja
extremamente egoísta, já que priorizar a família e os amigos mais
próximos em detrimento de outros membros da sociedade é uma forma de
egoísmo.
Sabe
todos aqueles políticos, empresários, policiais e sindicalistas
corruptos? Você já parou para pensar por que eles são corruptos? Eu
garanto que quase todos eles justificam suas mentiras e falcatruas
dizendo: “Eu faço isso pela minha família”. Eles querem dar uma vida
melhor para seus parentes, querem que seus filhos estudem em escolas
melhores e querem viver com mais segurança.
É
curioso ver que quando um brasileiro prejudica outro cidadão para
beneficiar sua famílias, ele se acha altruísta. Ele não percebe que
altruísmo é abrir mão dos próprios interesses para beneficiar um
estranho se for para o bem da sociedade como um todo.
Além
disso, seu povo também é muito vaidoso, Brasil. Eu fiquei surpreso
quando descobri que dizer que alguém é vaidoso por aqui não é
considerado um insulto como é nos Estados Unidos. Esta é uma outra
característica particular da sua cultura.
Algumas
semanas atrás, eu e minha noiva viajamos para um famoso vilarejo no
nordeste.
Chegando lá, as praias não eram bonitas como imaginávamos e
ainda estavam sujas. Um dos pontos turísticos mais famosos era uma pedra
que de perto não tinha nada demais. Foi decepcionante.
Quando
contamos para as pessoas sobre a nossa percepção, algumas delas
imediatamente disseram: “Ah, pelo menos você pode ver e tirar algumas
fotos nos pontos turísticos, né?”
Parece
uma frase inocente, mas ela ilustra bem essa questão da vaidade: as
pessoas por aqui estão muito mais preocupadas com as aparências do que
com quem eles realmente são.
É
claro que aqui não é o único lugar no mundo onde isso acontece, mas é
muito mais comum do que em qualquer outro país onde eu já estive.
Isso
explica porque os brasileiros ricos não se importam em pagar três vezes
mais por uma roupa de grife ou uma jóia do que deveriam, ou contratam
empregadas e babás para fazerem um trabalho que poderia ser feito por
eles.
É uma forma de se sentirem especiais e parecerem mais ricos.
Também é por isso que brasileiros pagam tudo parcelado. Porque eles
querem sentir e mostrar que eles podem ter aquela super TV mesmo quando,
na realidade, eles não tenham dinheiro para pagar.
No fim das contas,
esse é o motivo pelo qual um brasileiro que nasceu pobre e sem
oportunidades está disposto a matar por causa de uma motocicleta ou
sequestrar alguém por algumas centenas de Reais. Eles também querem
parecer bem sucedidos, mesmo que não contribuam com a sociedade para
merecer isso.
Muitos
gringos acham os brasileiros preguiçosos. Eu não concordo. Pelo
contrário, os brasileiros tem mais energia do que muita gente em outros
lugares do mundo (vide: Carnaval).
O
problema é que muitos focam grande parte da sua energia em vaidade em
vez de produtividade. A sensação que se tem é que é mais importante
parecer popular ou glamouroso do que fazer algo relevante que traga isso
como consequência. É mais importante parecer bem sucedido do que ser
bem sucedido de fato.
Vaidade
não traz felicidade. Vaidade é uma versão “photoshopada” da felicidade.
Parece legal vista de fora, mas não é real e definitivamente não dura
muito.
Se
você precisa pagar por algo muito mais caro do que deveria custar para
se sentir especial, então você não é especial. Se você precisa da
aprovação de outras pessoas para se sentir importante, então você não é
importante. Se você precisa mentir, puxar o tapete ou trair alguém para
se sentir bem sucedido, então você não é bem sucedido. Pode acreditar,
os atalhos não funcionam aqui.
E
sabe o que é pior? Essa vaidade faz com que seu povo evite bater de
frente com os outros. Todo mundo quer ser legal com todo mundo e acaba
ou ferrando o outro pelas costas, ou indiretamente só para não gerar
confronto.
Por
aqui, se alguém está 1h atrasado, todo mundo fica esperando essa pessoa
chegar para sair. Se alguém decide ir embora e não esperar, é visto
como cuzão. Se alguém na família é irresponsável e fica cheio de
dívidas, é meio que esperado que outros membros da família com mais
dinheiro ajudem a pessoa a se recuperar. Se alguém num grupo de amigos
não quer fazer uma coisa específica, é esperado que todo mundo mude os
planos para não deixar esse amigo chateado. Se em uma viagem em grupo
alguém decide fazer algo sozinho, este é considerado egoísta.
É sempre mais fácil não confrontar e ser boa praça. Só que onde não existe confronto, não existe progresso.
Como
um gringo que geralmente não liga a mínima sobre o que as pessoas
pensam de mim, eu acho muito difícil não enxergar tudo isso como uma
forma de desrespeito e auto-sabotagem. Em diversas circunstâncias eu
acabo assistindo os brasileiros recompensarem as “vítimas” e punirem
àqueles que são independentes e bem resolvidos.
Por
um lado, quando você recompensa uma pessoa que falhou ou está fazendo
algo errado, você está dando a ela um incentivo para nunca precisar
melhorar. Na verdade, você faz com que ela fique sempre contando com a
boa vontade de alguém em vez de ensina-la a ser responsável.
Por
outro lado, quando você pune alguém por ser bem resolvido, você
desencoraja pessoas talentosas que poderiam criar o progresso e a
inovação que esse país tanto precisa. Você impede que o país saia dessa
merda que está e cria ainda mais espaço para líderes medíocres e
manipuladores se prolongarem no poder.
E
assim, você cria uma sociedade que acredita que o único jeito de se dar
bem é traindo, mentindo, sendo corrupto, ou nos piores casos, tirando a
vida do outro.
As
vezes, a melhor coisa que você pode fazer por um amigo que está sempre
atrasado é ir embora sem ele. Isso vai fazer com que ele aprenda a
gerenciar o próprio tempo e respeitar o tempo dos outros.
Outras
vezes, a melhor coisa que você pode fazer com alguém que gastou mais do
que devia e se enfiou em dívidas é deixar que ele fique desesperado por
um tempo. Esse é o único jeito que fará com que ele aprenda a ser mais
responsável com dinheiro no futuro.
Só
que em breve, Brasil, você será parte da minha vida para sempre. Você
será parte da minha família. Você será meu amigo. Você será metade do
meu filho quando eu tiver um.
E
é por isso que eu sinto que preciso dividir isso com você de forma
aberta, honesta, com o amor que só um amigo pode falar francamente com
outro, mesmo quando sabemos que o que temos a dizer vai doer.
E também porque eu tenho uma má notícia: não vai melhorar tão cedo.
Talvez você já saiba disso, mas se não sabe, eu vou ser aquele que vai te dizer: as coisas não vão melhorar nessa década.
O
seu governo não vai conseguir pagar todas as dívidas que ele fez a não
ser que mude toda a sua constituição. Os grandes negócios do país
pegaram dinheiro demais emprestado quando o dólar estava baixo, lá em
2008-2010 e agora não vão conseguir pagar já que as dívidas dobraram de
tamanho. Muitos vão falir por causa disso nos próximos anos e isso vai
piorar a crise.
O
preço das commodities estão extremamente baixos e não apresentam nenhum
sinal de aumento num futuro próximo, isso significa menos dinheiro
entrando no país. Sua população não é do tipo que poupa e sim, que se
endivida. As taxas de desemprego estão aumentando, assim como os
impostos que estrangulam a produtividade da classe trabalhadora.
Você
está ferrado. Você pode tirar a Dilma de lá, ou todo o PT. Pode (e
deveria) refazer a constituição, mas não vai adiantar. Os erros já foram
cometidos anos atrás e agora você vai ter que viver com isso por um
tempo.
Se
prepare para, no mínimo, 5-10 anos de oportunidades perdidas. Se você é
um jovem brasileiro, muito do que você cresceu esperando que fosse
conquistar, não vai mais estar disponível. Se você é um adulto nos seus
30 ou 40, os melhores anos da economia já fazem parte do seu passado. Se
você tem mais de 50, bem, você já viu esse filme antes, não viu?
É
a mesma velha história, só muda a década.
A democracia não resolveu o
problema. Uma moeda forte não resolveu o problema. Tirar milhares de
pessoa da pobreza não resolveu o problema. O problema persiste. E
persiste porque ele está na mentalidade das pessoas.
O
“jeitinho brasileiro” precisa morrer. Essa vaidade, essa mania de dizer
que o Brasil sempre foi assim e não tem mais jeito também precisa
morrer. E a única forma de acabar com tudo isso é se cada brasileiro
decidir matar isso dentro de si mesmo.
Ao
contrario de outras revoluções externas que fazem parte da sua
história, essa revolução precisa ser interna. Ela precisa ser resultado
de uma vontade que invade o seu coração e sua alma.
Você
precisa escolher ver as coisas de um jeito novo. Você precisa definir
novos padrões e expectativas para você e para os outros. Você precisa
exigir que seu tempo seja respeitado. Você deve esperar das pessoas que
te cercam que elas sejam responsabilizadas pelas suas ações. Você
precisa priorizar uma sociedade forte e segura acima de todo e qualquer
interesse pessoal ou da sua família e amigos. Você precisa deixar que
cada um lide com os seus próprios problemas, assim como você não deve
esperar que ninguém seja obrigado a lidar com os seus.
Essas
são escolhas que precisam ser feitas diariamente. Até que essa
revolução interna aconteça, eu temo que seu destino seja repetir os
mesmos erros por muitas outras gerações que estão por vir.
Você
tem uma alegria que é rara e especial, Brasil. Foi isso que me atraiu
em você muitos anos atrás e que me faz sempre voltar. Eu só espero que
um dia essa alegria tenha a sociedade que merece.
Seu amigo,
Mark
Voltei.
Obrigado, Mark. Suas críticas são de um amigo sim, pois de inimigos
bastam os próprios brasileiros que fingem que nada disso existe, que
alimentam essa cultura porca do “jeitinho”, que acham o máximo essa
esculhambação e rejeitam a impessoalidade das regras do jogo sob o
império das leis isonômicas.
Um gringo com essa visão, que tem a coragem
de colocar o dedo na ferida, vale mais do que mil brasileiros
empolgados com as “malandragens” nacionais e recalcados com os
bem-sucedidos.
Quem tem inveja e a deixa dominá-lo jamais vai admirar o
que existe de melhor, querer aprender com os países mais desenvolvidos.
É puro complexo de vira-latas, tão comum em meu país de origem. Ou o
brasileiro deixa de ser tão jeca, ou realmente vamos viver repetindo os
mesmos erros, e depois do PT, de que nem nos livramos ainda, pode muito
bem vir um PSOL da vida. Cruzes!
Rodrigo Constantino