“Precisamos pegadas menores, mas também precisamos de menos pés”.
(Enough is Enough, 2010)
[
EcoDebate]
Hoje, 01 de agosto, é o dia da Sobrecarga da Terra. Significa que a
humanidade já consumiu todos os recursos renováveis para o ano completo
de 2018. Nos próximos 5 meses, a economia internacional vai funcionar na
base do déficit ambiental, consumindo a herança deixada pela “Mãe
natureza”. Serão cinco meses de sobrecarga e degradação ambiental, fato
que compromete a sustentabilidade ecológica no longo prazo, pois diminui
a biocapacidade do Planeta.
Portanto, o caminho atual trilhado pelo ser humano é insustentável,
pois a taxa de utilização da riqueza natural está acima da taxa de
regeneração dos ecossistemas e as atuais gerações estão comprometendo a
capacidade de sobrevivência das futuras gerações e das demais espécies
vivas da
“Nossa casa comum”. As atividades humanas ultrapassaram a
capacidade de carga do Planeta e será impossível continuar enriquecendo a
humanidade às custas do empobrecimento ambiental.
Nos últimos 45 anos a Pegada Ecológica mundial ultrapassou a
biocapacidade do Planeta, segundo dados da Footprint Network. Em 1961, a
biocapacidade do Planeta era de 9,5 bilhões de hectares globais (gha) e
a pegada ecológica era de 7 bilhões de gha. O mundo, com uma população
de 3 bilhões de habitantes, tinha superávit ambiental, pois a pegada
ecológica per capita era de 2,29 gha e a biocapacidade per capita era de
3,13 gha. Mas a partir do início dos anos de 1970, os valores das duas
medidas se inverteram e o mundo começou a experimentar déficits
ambientais crescentes.
Em 2014, o mundo tinha uma população 7,4 bilhões de pessoas, com uma
pegada ecológica per capita de 2,84 hectares globais (gha) e uma
biocapacidade per capita de 1,68 gha, como resultado, houve um déficit
total de 70%. Ou dito de outra maneira, o mundo estava consumindo o
equivalente a 1,7 planeta. Portanto, a população mundial vive no
vermelho e tem um produto da multiplicação entre população e consumo que
é insustentável.
Algumas pessoas dizem que o déficit ambiental é provocado pela
superpopulação. Outros dizem que o déficit é gerado pelo superconsumo.
De certa forma, os dois lados estão certos.
Os dados de 2014 mostram que se o consumo for reduzido, por exemplo,
baixando a pegada ecológica de 2,84 gha para 1,68 gha (redução do padrão
de consumo médio global) o Planeta entra em equilíbrio ambiental. Mas
os dados também mostram que se a população de 2014 for reduzida de 7,4
bilhões para 4,3 bilhões de habitantes a biocapacidade per capita global
passaria para 2,84 gha (12,2 bilhões de gha divididos por 4,3 bilhões
de habitantes), eliminando o déficit. Ou seja, o equilíbrio entre a
biocapacidade e a pegada ecológica pode ser atingido reduzindo a pegada
ecológica ou diminuindo o número de pés (Enough is Enough, 2010).
Mas também existe o caminho do meio que seria reduzir o consumo, por
um lado, e diminuir o tamanho da população, por outro lado. Por exemplo,
se o consumo for reduzido de 2,84 gha para 2,26 gha e a população for
reduzida para 5,4 bilhões de habitantes (o que daria uma biocapacidade
de 2,26 gha), o equilíbrio ambiental se daria pela restrição simultânea
do superconsumo e da superpopulação.
Vejamos o caso de dois continentes que apresentam comportamento diametralmente oposto em relação ao padrão de consumo.
A Europa, com população de 730 milhões de habitantes em 2014, tinha
uma pegada ecológica de 4,69 gha e uma biocapacidade de 3,07 gha.
Portanto, os europeus possuem um padrão de consumo bem acima da média
mundial, gerando um déficit ambiental. Claramente, a Europa tem um
problema de superconsumo. Se o estilo consumista for abrandado, por
exemplo, para 3,07 gha, a Europa poderia manter um consumo acima da
média mundial, mas eliminaria o déficit ambiental, pois a pegada
ecológica e a biocapacidade per capita ficariam em 3,07 gha.
No continente africano a situação é oposta. A África tinha em 2014
uma população de 1,05 bilhão de habitantes com pegada ecológica per
capita de 1,39 gha e biocapacidade de 1,29 gha. Existe consenso que o
consumo per capita da África é muito pequeno, implicando em baixo padrão
de vida. Portanto, a África tem subconsumo e não superconsumo. Vamos
supor que a pegada ecológica do continente subisse para 2,26 gha. Para
haver equilíbrio a população teria de ser reduzida para 601 milhões de
habitantes para atingir uma biocapacidade per capita também de 2,26 gha.
Existem várias formas para se reduzir o déficit ambiental. Pode haver
equilíbrio ecológico via redução do consumo, via redução da população,
ou via redução simultânea dos dois vetores que estão degradando a saúde
dos ecossistemas. Todavia, reduzir a população e o consumo no curto
prazo é muito difícil. Mas ao longo do século XXI é possível planejar um
decrescimento demoeconômico que coloque as atividades antrópicas em
equilíbrio homeostático com a biocapacidade do Planeta, única forma de
se evitar um colapso ambiental e civilizacional. Como explica Herman
Daly, em entrevista recente (2018):
“
O impacto ambiental é o produto do número de pessoas vezes que o
uso de recursos per capita. Em outras palavras, você tem dois números
multiplicados um pelo outro – qual é o mais importante? Se você mantiver
uma constante e deixar a outra variar, você ainda está multiplicando.
Não faz sentido para mim dizer que apenas um número é importante. No
entanto, ainda é muito comumente dito. Suponho que faria algum sentido
se pudéssemos nos diferenciar histórica e geograficamente – para
determinar em que ponto da história, ou em que país, qual fator merecia
maior atenção. Nesse sentido, eu diria que, certamente, para os Estados
Unidos, o consumo per capita é o fator crucial – mas ainda estamos
multiplicando pela população, então não podemos esquecer a população. No
nordeste do Brasil, por outro lado, a população estava – pelo menos na
época em que morei lá – crescendo extremamente rápido, então talvez seja
na demografia que a ênfase deveria ser colocada”.
Portanto, para evitar o superconsumo e a superpopulação, podemos
colocar mais ênfase na redução do consumo ou mais ênfase na redução da
população. Evidentemente, isto varia de país a país. Mas em termos
globais, neste momento em que a humanidade já ultrapassou a capacidade
de carga da Terra, somente a redução do consumo global e da população
global pode evitar um colapso ambiental e reduzir os danos de uma grande
crise ecológica. Como dizia Jacques Cousteau: “O superconsumo e a
superpopulação estão por trás de todos os problemas ambientais que
enfrentamos hoje”.
Ao longo do século XXI é necessário haver decrescimento demoeconômico
até se atingir o nível de equilíbrio do Estado Estacionário, conforme
explica Herman Daly.
O desafio global mais candente e que requer uma resposta imediata é a
reversão do rumo insustentável da economia internacional. É preciso
abandonar o “crescentismo” ou “crescimentomania” (doença do crescimento a
qualquer custo), dando mais ênfase à redução das desigualdades sociais
para se atingir o bem-estar populacional e buscar, urgentemente, um
relacionamento justo e sustentável com a natureza, com o clima e com as
demais espécies vivas da Terra.
Referências:
HERMAN DALY. Ecologies of Scale, Interview by Benjamin Kunkel. New Left Review 109, January-February 2018
https://newleftreview.org/II/109/herman-daly-benjamin-kunkel-ecologies-of-scale
O’Neill, D.W., Dietz, R., Jones, N. (Editors), Enough is Enough:
Ideas for a sustainable economy in a world of finite resources. The
report of the Steady State Economy Conference. Center for the
Advancement of the Steady State Economy and Economic Justice for All,
UK, 2010.
http://steadystate.org/wp-content/uploads/EnoughIsEnough_FullReport.pdf
José Eustáquio Diniz Alves,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor
titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas
Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail:
jed_alves@yahoo.com.br
in
EcoDebate, ISSN 2446-9394, 01/08/2018
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