O atual embaixador brasileiro em Washington, Mauro Vieira, assume o
cargo de ministro das Relações Exteriores em um momento delicado para o
Itamaraty, de crescente insatisfação do corpo diplomático com o
desprestígio do órgão dentro do próprio governo.
No Itamaraty
desde os anos 70, ele foi anunciado nesta quarta-feira para substituir o
atual chanceler Luiz Alberto Figueiredo, que ocupará seu posto na
capital americana. Foi também o único novo nome entre os 14 ministros
que faltavam ser indicados por Dilma Rousseff.
Foram mantidos em
seus cargos: Aloizio Mercadante (Casa Civil), Arthur Chioro (Saúde),
Eleonora Menicucci (Políticas para as Mulheres), Guilherme Afif Domingos
(Micro e Pequena Empresa), Ideli Salvatti (Direitos Humanos), Izabella
Teixeira (Meio Ambiente), José Eduardo Cardozo (Justiça), José Elito
Carvalho Siqueira (Segurança Institucional), Luís Inácio Adams
(Advocacia-Geral da União), Manoel Dias (Trabalho e Emprego), Marcelo
Neri (Assuntos Estratégicos), Tereza Campello (Desenvolvimento Social) e
Thomas Traumann (Comunicação Social).
Vieira será empossado
amanhã, junto com os demais 38 ministros que acompanharão a presidente
Dilma Rousseff em seu segundo mandato.
Segundo analistas ouvidos
pela BBC Brasil, o novo chanceler terá a difícil missão de estabelecer
uma boa comunicação com a presidente e aumentar a importância da
política externa no governo Dilma. Após ganhar prestígio e se expandir
durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), o ministério
teria sido colocado de lado no primeiro mandato da atual presidente,
perdendo relevância política e peso no orçamento federal.
"O
Itamaraty está marginalizado no momento. Está subutilizado e muito
enfraquecido", afirma Oliver Stuenkel, professor de Relações
Internacionais da Fundação Getulio Vargas.
Os recursos
destinados ao Itamaraty cresceram em ritmo menor que as despesas do
governo federal nos últimos anos, o que reduziu sua relevância no
orçamento. A fatia do Ministério das Relações Exteriores (MRE) nos
gastos totais federais (somadas a despesas dos poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário) caiu de 0,17% em 2008 para 0,11% em 2014
(considerando os valores empenhados, ou seja, liberados, até dia 23 de
dezembro).
Em valores absolutos, os recursos destinados ao MRE
cresceram 25% neste período, para R$ 2,6 bilhões neste ano. Já o gasto
federal total praticamente dobrou no período, com uma alta de 96% para
R$ 2,473 trilhões.
O crescimento dos recursos seria insuficiente
para bancar a expansão da estrutura do Itamaraty, que no governo Lula
abriu 77 novas embaixadas, consulados e representações, um aumento de
mais de 50% ante os 150 existentes até então. Na semana passada, o
jornal Folha de S.Paulo revelou que a falta de recursos levou o MRE a
atrasar o pagamento de aluguéis em pelo menos cinco postos no exterior.
Além disso, funcionários teriam ficado três meses sem receber
auxílio-moradia.
"Há uma certa preocupação nesse campo. O Brasil
prometeu, sobretudo aos países em desenvolvimento da África, participar
do seu desenvolvimento, e já se sabe que nas capitais africanas o
Brasil não tem meios para concretizar essa diplomacia. Então, seria uma
diplomacia oca, sem capacidade de realizar os projetos que foram
lançados", critica José Flávio Saraiva, professor de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília.
Stuenkel observa que
a política externa não tem papel de destaque no governo Dilma como
tinha no de Lula e isso afeta a capacidade de atuação do ministério
porque "a moeda de poder em Brasília é a atenção da presidente".
Se o Itamaraty não é visto como órgão prestigiado, explica, receberá
menos recursos do Ministério do Planejamento e menos atenção de outros
ministérios, que passam a exercer função do Itamaraty, como as
negociações de comércio exterior.
Força política e negócios
Mauro Vieira, que antes de assumir o mais alto posto em Washington em
2010 foi embaixador em Buenos Aires por quase sete anos, tem reconhecida
experiência diplomática para assumir a função de chanceler. A dúvida,
ressalta Stuenkel, é se terá força política para elevar o prestígio do
Itamaraty junto ao Planalto.
"O novo ministro vai ter que ter
capacidade política. Os dois anteriores (Figueiredo e seu antecessor,
Antônio Patriota) não conseguiram estabelecer um canal com a presidente.
É uma das posições mais difíceis porque a expectativa é muito grande e a
tropa (o corpo diplomático) esta muito desanimada", afirmou.
Os
dois professores consideram que a forma de governar da presidente,
muito centralizada em si própria, engessa a política externa.
"A
classe diplomática está amuada porque as decisões praticamente não são
tomadas no Itamaraty. É preciso garantir ao novo ministro uma autoridade
internacional. O atual chanceler, apesar de excelente diplomata, não
pôde trabalhar", disse Saraiva.
Em um momento em que o Brasil
perdeu espaço no comércio global e fechará o ano com déficit na balança
comercial pela primeira vez desde 2000, aumentaram as críticas também a
uma suposta falta de atuação do Itamaraty na abertura de mercados para
as empresas lá fora. Um dos motivos apontados para a saída do atual
ministro Alberto Figueiredo seria sua pouca experiência na área de
comércio exterior.
O presidente da Associação de Comércio
Exterior do Brasil, José Augusto de Castro, defende "um Itamaraty mais
voltado para o comércio".
"Nós sentimos que o mundo hoje tem uma
diplomacia comercial e nós continuamos com uma diplomacia diplomática.
As chancelarias do mundo deixaram de cuidar apenas da parte
institucional do país para também cuidar da parte comercial, pois tudo
hoje são acordos, sejam bilaterais ou multilaterais", afirma.
Na
sua avaliação, a abertura dos mercados forçaria o governo a adotar
medidas estruturais que elevem a competitividade brasileira, como
reforma tributária e melhoria da infraestrutura.
Já o professor da FGV Oliver Stuenkel considera que o poder do Itamaraty nesta área está superestimado.
"Tem gente que diz que o Brasil precisa de um caixeiro viajante como o
Lula que possa vender o Brasil lá fora. Mas isso não existe, o mercado
não funciona assim. A conquista de mercados é muito mais em função da
capacidade da indústria brasileira de competir internacionalmente",
afirma.
Para Stuenkel, o Itamaraty precisa se comunicar melhor
com a sociedade brasileira para tornar mais claro o seu papel. Na
avaliação dele, o órgão pode ser muito importante também na agenda
doméstica, utilizando acordos internacionais nas áreas de direitos
humanos e ambiental para pressionar por melhores políticas internas.
"O próximo chanceler tem que dar ênfase à interação com as ONGs, com os
jornais, com o mundo acadêmico, com a sociedade civil em geral. Hoje em
dia ninguém se importa com a situação ruim do Itamaraty porque não é
clara qual sua importância", disse.