Um dos superintendentes demitidos é o de MG que alertou em 2018 sobre risco de rompimento na barragem em Brumadinho
O Diário Oficial da União publicou nesta quinta-feira (28) a
exoneração de 21 superintendentes regionais do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). O motivo das demissões
ainda não foi divulgado pelo órgão responsável, o Ministério de Meio
Ambiente (MMA), chefiado por Ricardo Salles.
Um dos funcionários exonerados foi Julio Cezar Dutra Grillo,
superintendente do Ibama em Minas Gerais. Dutra Grillo participou de uma
reunião extraordinária da Câmara de Atividades Minerárias (CMI), em 11
dezembro de 2018, cujo resultado foi a aprovação da licença para que as
operações da Mina de Córrego de Feijão da Vale continuassem.
O superintendente expressou na reunião que algumas barragens no estado, como a de Brumadinho)
não apresentavam “risco zero”. Conforme a ata da reunião
extraordinária, Dutra Grillo teria afirmado: “Em uma negligência
qualquer de quem está à frente de um sistema de gestão de risco, aquilo
rompe. Se essa barragem ficar abandonada alguns anos, não for
descomissionada, ela rompe, e isso são 10 milhões m³, é um quarto do que
saiu de Fundão – em Mariana (MG), que rompeu há três anos –,
inviabiliza Casa Branca e inviabiliza ao menos uma das captações do
Paraopeba”.
Em entrevista à Rádio Itatiaia nesta
quinta (28), o funcionário afirmou que a exoneração não foi surpresa.
“O ministro do Meio Ambiente já tinha se manifestado algumas vezes
dizendo que era intenção deles exonerar todos os superintendentes e
encaminhar militares reformados para o lugar”, contou na entrevista.
Em novembro de 2018, superintendentes do Ibama de três estados da Amazônia enviaram uma carta ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, com críticas ao “esvaziamento das superintendências estaduais”.
A maioria dos superintendentes exonerados atuava no Norte e Nordeste.
Seis deles no Norte (Tocantins, Roraima, Rondônia, Amapá, Acre e
Amazonas), nove no Nordeste (Sergipe, Rio Grande do Norte, Piauí,
Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Bahia, Ceará e Maranhão), três no
Centro-Oeste (Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal), dois no Sudeste
(Minas Gerais e Espírito Santo) e um no Sul (Santa Catarina).
Mais mudanças no Ibama
A Folha de S. Paulo divulgou, na terça-feira (26), o conteúdo de uma
minuta de decreto enviada pelo MMA ao Ibama para análise. O texto propõe
criar um “núcleo de conciliação” com poderes para analisar, mudar o
valor e até anular as multas que são aplicadas pelo Ibama por crimes
ambientais cometidos no território nacional.
Com a minuta, o MMA também propõe extinguir um sistema que hoje
permite a participação de entidades públicas e organizações não
governamentais em projetos de recuperação ambiental.
O núcleo seria composto por “no mínimo dois servidores efetivos”, que
seriam designados através de portaria conjunta do ministro do Meio
Ambiente, ou seja Ricardo Salles, e “do dirigente máximo do órgão
ambiental federal”.
O trabalho com as pessoas que habitam o entorno de Unidades de
Conservação (UCs) é fundamental para o êxito das ações de preservação,
na medida em que os serviços ecossistêmicos não são apenas explicados,
mas percebidos. Essa terceira parte encerra uma série de reportagens
especiais sobre o trabalho que a Associação Caatinga vem desenvolvendo
na Serra das Almas e que envolve 40 comunidades, no Ceará e Piauí.
Existem aproximadamente 1.700 famílias no entorno da Reserva Natural Serra das Almas (RNSA). A maioria vive no município de Crateús, no
Estado do Ceará, nos distritos de Tucuns, Queimadas, Poty e Ibiapaba; e
uma pequena parcela no distrito de Jatobá, no município de Buriti dos Montes (Piauí).
São 40 comunidades, sendo 30 no Ceará e dez no Piauí, incluindo três
assentamentos e duas reservas indígenas (Tabajara e Potiguara).
A Associação Caatinga, informa o biólogo e
coordenador de conservação, Gilson Nascimento, acredita que, além dos
esforços empregados na conservação do bioma, é preciso promover o
envolvimento de toda comunidade do entorno em planos de
ecodesenvolvimento, visando unir a preservação ambiental com a geração
de renda para as famílias das comunidades. Por esse motivo, criou-se o Modelo Integrado de Conservação da Caatinga, que foi finalista do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, na Edição 2009.
Assista ao vídeo
Foram desenvolvidos, junto às comunidades, projetos que buscam
identificar atividades produtivas e ambientais que gerassem
oportunidades e melhorias na qualidade de vida dos habitantes. Dentre as
atividades realizadas, estão: a construção participativa de cisternas, a
produção de mel de abelhas nativas, de sabonetes e essências naturais
de plantas da Caatinga e de artesanatos, além do replantio de mudas de
árvores nativas em áreas degradadas.
Resultados
27 mil pessoas beneficiadas diretamente
Proteção dos 6.146 hectares de caatinga da RNSA
Dois planos de desenvolvimento local sustentável elaborados em conjunto com a comunidade
Dois planos ambientais comunitários elaborados
400 agricultores capacitados para o uso de queimadas controladas
Capacitação
25 meliponicultores (produtores de mel)
14 jovens artesãos
30 artesãs em palha de carnaúba
12 trabalhadores em granja comunitária
Valor da floresta em pé
“No modelo de gestão da unidade tanto na RNSA quanto para o
desenvolvimento sustentável das comunidades do entorno, o importante não
é só ter a reserva bem cuidada, mas ter a participação de quem está
próximo como aliado. Mudar um pouco a ideia de explorar a natureza, para
ser sustentável. Um grande exemplo é a Meliponicultura, que demonstra o valor da floresta em pé”, afirma Gilson.
“A Meliponicultura, no Projeto “No Clima da Caatinga” (NCC), entra como Tecnologia Social.
Os agricultores do entorno da Reserva Natural Serra das Almas (RNSA)
recebem uma capacitação para o manejo básico com a jandaíra, abelha sem
ferrão, e saem daqui aptos a desenvolver essa atividade”, destaca
Carlito Rodrigues Lima, agente de mobilização da Associação Caatinga.
Gilson explica que, nas fases 1 e 2 do Projeto “No Clima da Caatinga”, patrocinado pela Petrobras por meio do Programa Petrobras Sociambiental,
foram capacitados em meliponicultura 86 agricultores familiares das
comunidades do entorno, que receberam 200 enxames.
Carlito explica, no
entanto, que a irregularidade das chuvas, que vem se repetindo desde
2010, afetou muito a atividade. “Essa ainda não é uma fonte de renda,
mas uma promessa, uma vez que o manejo é fácil e o mel tem um valor dez
vezes superior ao das abelhas africanas com ferrão”, esclarece.
Cícero
Rufino do Nascimento continua cuidando das abelhas, apesar das
dificuldades provenientes das chuvas irregulares | Foto: Eduardo Queiroz
No Assentamento Xavier, nós visitamos a casa do
agricultor familiar Cícero Rufino do Nascimento, tornado também
meliponicultor graças ao trabalho da Associação Caatinga. Ele conta que,
antes, vivia só no cultivo de sequeiro (aquele que depende das águas
das chuvas), principalmente na produção de milho e feijão. Participante
do projeto entre 2006 e 2008, recebeu uma colmeia e fez mais quatro.
Em 2009, ainda chegou a tirar um bocado de mel, mas daí veio a seca e
a atividade minguou. Mas ele não desistiu. “Eu quero muito bem as
abelhas. É tão fácil que até uma criança pode cuidar delas”, declara.
Hoje, além do cultivo de sequeiro, Cícero mantém uma pequena horta no
quintal.
“Fora as tecnologias voltadas à produção, tem as de melhoria de qualidade de vida, como as cisternas, numa região que a água é bem salina para o consumo; e o fogão ecoeficiente, que usa menos lenha e tem uma chaminé que joga a fumaça para fora da casa, reduzindo o risco de doenças”, ressalta Gilson.
Antônia Generosa Lima está feliz da vida com o seu fogão ecoeficiente | Foto: Eduardo Queiroz
Na localidade de Pendência, conhecemos a agricultora e dona de casa
Antônia Generosa Lima, 59. Hoje, ela gasta menos lenha e tem uma cozinha
mais saudável e com uma aparência bem melhor que antes. “O fogão
ecoeficiente economiza lenha por transmitir melhor o calor para a
panela”, explica Carlito. “Diminuiu a fumaça, é mais rápido”, aprova
dona Generosa.
Na localidade de Santa Luzia, nós visitamos a agricultora familiar
Núbia Cardoso, 51, que transformou o seu pequeno quintal num verdadeiro
oásis, em um ano e seis meses, graças a uma Tecnologia Sustentável que
ainda é um projeto piloto para a Associação Caatinga, mas que já produz
seus primeiros frutos: o Bioágua (sistema de reúso de águas cinzas).
A agricultora familiar Núbia Cardoso mostra com orgulho o seu quintal produtivo | Foto: Eduardo Queiroz
O Sistema Bioágua, explica Carlito, foca na limpeza
das águas cinzas, usadas na lavagem de roupas, louças e banho. “Por meio
de uma caixa de gordura, filtro, tanque de reúso e bomba, leva a água
ao quintal produtivo”, enumera.
“Tinha um poço de lama no quintal, juntava muito mosquito. Só tinha
dois pés de goiaba. Agora, além de goiaba, tem cebola, maxixe, laranja,
coco, manga, mamão, maracujá, cheiro verde, pimenta de todo tipo, uma
fartura”, alegra-se a pequena agricultora Núbia.
Antônio
José Rodrigues Vale conquistou a sonhada cisterna de placas para
garantir água às necessidades básicas da casa | Foto: Eduardo Queiroz
Em Malinhos, estivemos com Antônio José Rodrigues Vale, 49,
aposentado por invalidez. Ele, que mora sozinho, conta que estava
desesperançoso de conseguir uma cisterna para ter água para beber e
cozinhar, até conhecer a Associação Caatinga. Ele trabalhava como
manobrista em São Paulo e, por causa de um tumor na coluna, se aposentou
e resolveu retornar à sua terra e conta com o apoio de uma empregada,
todas as manhãs.
Substitutivo na
Comissão de Agricultura da Câmara não tem nada a ver com ideia original;
ele prevê autodeclaração, retirada do conceito de relevância ambiental e
pode provocar uma guerra entre estados por empreendimentos devastadores
Por Júlia Dolce
O Projeto de Lei (PL) 3.729/2004, que muda as regras de licenciamento
ambiental no país, não foi escrito originalmente para agradar os
ruralistas. Ao longo de 15 anos o projeto apresentado por um deputado
petista foi capturado pela bancada, a mais poderosa do Congresso, e
transfigurado para atender os interesses empresariais, do agronegócio à
mineração. Um ex-deputado que agora está no governo Bolsonaro, Valdir
Colatto (MDB-SC), ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária
(FPA), deixou sua digital nas alterações.
A proposta também é prioridade para o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, condenado em São Paulo por adulteração de mapa ambiental para benefício de mineradoras e outras empresas, entre elas a Suzano.
O PL foi apresentado em 2004 ao plenário da Câmara
pela bancada do PT, com a assinatura do deputado Luciano Zica (PT-SP).
Ele tinha como objetivo regularizar e garantir segurança jurídica aos
atos de licenciamento ambiental, estabelecendo regras e multas de acordo
com o perfil do empreendimento. De lá para cá, o projeto passou por
diversas comissões, teve outras propostas apensadas para tramitação em
conjunto e foi modificado na forma de substitutivos. A proposta que
tramita hoje virou um projeto guarda-chuva, feito à imagem e semelhança
dos interesses dos ruralistas.
Ele foi votado em comissões como a de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável, a de Finanças e Tributação e a de
Constituição e Justiça e de Cidadania. Em 2013, o então deputado Valdir Colatto,
agora chefe do Serviço Florestal do Ministério da Agricultura, requereu
a inclusão da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e
Desenvolvimento Rural na análise do mérito. A partir daí o PL 3.729 teve
uma inflexão e se tornou alvo de críticas de ambientalistas e órgãos
públicos de preservação ambiental.
Colatto era membro ativo da bancada ruralista. Dono
de terras em Rondônia, ele foi o autor do projeto de lei que deu origem
ao atual Código Florestal. Em abril de 2017, o político defendeu a “reforma dos indígenas”
como prioridade no Congresso. ” Nós vamos transformar nossos indígenas
em cidadãos”, afirmou. “Vamos fazer com que os indígenas tenham renda,
possam arrendar suas terras, ter royalties do petróleo, nos minerais, na
floresta”.
‘QUEREM ACABAR COM QUALQUER REGRA’, DIZ EX-DEPUTADO
Autor do projeto original, Luciano Zica se aproximou
da ex-ministra Marina Silva – ele foi secretário Nacional de Recursos
Hídricos e Ambiente Urbano – e migrou para o PV, depois para a Rede. Em
entrevista ao observatório, ele conta que voltou a acompanhar o trâmite
de seu projeto a partir do crime ambiental em Brumadinho, no dia 25 de
janeiro. Com 134 mortos e 199 desaparecidos até agora, o rompimento de
barragens da mina Córrego do Feijão trouxe a público a
irresponsabilidade da aprovação relâmpago do licenciamento que ampliou a
exploração da mina em dezembro.
Luciano Zica: “Essa versão abre a porteira”. (Foto: Mauricio Garcia de Souza/Alesp)
Afastado da vida pública desde 2007, Zica diz que a
aprovação da forma atual de seu projeto pode levar a desastres
ambientais de proporções similares:
– O que mais me choca e assusta é a fúria da
bancada ruralista em assumir esse pensamento que submete a preservação
do meio ambiente, que deveria ser o fundamental, a algo secundário.
Tratando o empreendimento mais importante do que a preservação. Querem
acabar com qualquer regramento para o licenciamento.
O ex-deputado conta que a intenção era a preservação.
Um dos recursos era o estabelecimento de multas elevadas. “A ideia era
preservar a fúria devastadora dos empreendedores, na agropecuária, na
indústria, na exploração de madeira”, afirma Zica. “A forma como o PL
está hoje é toda chocante, é inaceitável, ou retomam sua tramitação nas
comissões competentes ou ele precisa ser rejeitado. A comissão de
agricultura não deve analisá-lo”.
Com relatoria do deputado ruralista Moreira Mendes (PSD-RO), morto no
ano passado, uma nova versão do projeto foi aprovada por unanimidade na
Comissão de Agricultura com uma série de anexos. Ele passou a ter itens
como prazos curtos para o pronunciamento de órgãos de licenciamento, a
diminuição da autoridade desses órgãos e a determinação quase exclusiva
dos estados na formulação de critérios e parâmetros para os
empreendimentos.
Em seu voto, Mendes disse que o texto proposto visa estabelecer
previsões legais “que reduzam a discricionariedade dos agentes públicos e
garantam a eficiência do processo”. Por isso ele sugeriu um
substitutivo com um marco legal “que melhore a qualidade da gestão
ambiental e do ambiente de negócios”.
A nova versão do PL, em 2015, já tinha treze outros
projetos apensados. Voltou para a Comissão de Meio Ambiente com a
relatoria do então deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP). Houve novas
discussões e ele voltou, em parte, ao seu intuito original. Os prazos
para o licenciamento foram dilatados e as atribuições que privilegiavam
os estados foram retiradas, a partir do entendimento de que a Lei
Complementar nº 140/11 regulamentou a preservação do ambiente como
competência comum entre União, Estados e Municípios, com o Sistema
Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) como único outorgante de
licenciamento ambiental no país.
A relatoria de Tripoli também reforçava a autonomia
dos órgãos ambientais “ao se afirmar expressamente que o poder decisório
compete a eles enquanto autoridades licenciadoras”. O documento foi
aprovado, por unanimidade, em 14 de de outubro de 2015.
Foi quando o projeto seguiu para a Comissão de
Finanças e Tributações, onde ganhou como relator o deputado Mauro
Pereira (MDB-RS), derrotado nas eleições de 2018 quando disputava um
segundo mandato. Membro da Frente Parlamentar da Agropecuária, Pereira
recuperou as medidas acrescentadas ao PL pela Comissão de Agricultura,
tornando-o ainda mais danoso ao ambiente.
“Ele basicamente recuperou a versão do deputado
Moreira Mendes”, afirma Rodrigo Vicentin, ex-presidente do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), hoje assessor
técnico de Meio Ambiente do PT na Câmara. “Nessa versão ele praticamente
abre a porteira”.
Vicentin diz que Mendes desconsidera uma série de
elaborações de Tripoli e da Comissão do Meio Ambiente, avançando ainda
mais nos pontos que têm sido objetos de críticas, como a retirada do
poder de veto de empreendimentos que afetam áreas protegidas dos órgãos
gestores de unidades de conservação. E mais: o deputado gaúcho
acrescentou a possibilidade de autodeclaração, pela qual o próprio
empreendedor tem a responsabilidade de encaminhar pela internet a
documentação exigida.
A nova versão transfere exclusivamente aos estados a
definição de critérios e parâmetros para classificar os empreendimentos.
O ex-presidente do ICMBio analisa:
– Eles excluíram o critério de relevância
ambiental da área onde o projeto está sendo instalado, por exemplo,
dentro de uma Terra Indígena ou no entorno de uma Unidade de
Conservação. Ou seja, tanto faz instalar um empreendimento agrícola ou
industrial em uma área de grande relevância ou de menor risco. Essa
versão final do PL também flexibiliza a autonomia dos estados, o que
pode ter como consequência prática o que chamam de guerra fiscal
ambiental, na medida em que cada estado, para canalizar mais
investimentos e empreendimentos, pode apresentar exigências mais
flexíveis do que os demais.
SETORES DA CELULOSE E CARVÃO QUEREM FICAR ISENTOS
Uma das medidas previstas no projeto de Mauro Pereira
é uma das mais cobiçadas pelos ruralistas: a exclusão da
obrigatoriedade de licenciamento ambiental para as atividades
agropecuárias. O texto afirma que a licença deve ser dispensada para
empreendimentos de “cultivo de espécies de interesse agrícola
temporárias, semiperenes e perenes, e pecuária extensiva, realizados em
áreas de uso alternativo do solo, desde que o imóvel, propriedade ou
posse rural estejam regulados ou em regularização”.
Mantovani: “Temos um desmonte da legislação”. (Foto: Facebook)
Segundo o ambientalista Mário Mantovani, diretor de
Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, a iniciativa é uma
forma de controle social do licenciamento. “Não querem que o
licenciamento ambiental seja um instrumento de controle do agronegócio”,
analisa o geógrafo. “A ideia deles é conquistar novas fronteiras
agrícolas em cima de terras públicas, terras indígenas, unidades de
conservação”.
Mantovani considera que a ação bancada pela FPA
sinaliza para outros setores a possibilidade de ficarem isentos de
fiscalização. “O setor da celulose também já pediu para retirar a
atividade de plantio de celulose da Lei de Licenciamento, o setor de
carvão também. Temos um desmonte da legislação”.
O ambientalista observa que o setor de mineração já
está embalado para fazer parte desse rol. Isso foi constatado na
proposta do novo Código de Mineração, relatada por Leonardo Quintão
(MDB-MG), conhecido como “deputado da mineração”, agora com cargo no
governo Bolsonaro, o de Secretário Especial para o Senado, sob o comando
do ministro Onyx Lorenzoni, na Casa Civil.
PROJETO ATUAL JÁ BENEFICIA EMPRESAS
A atual legislação sobre licenciamento ambiental foi
elaborada na década de 1980, através da Lei 6.938/81, que estabeleceu a
Política Nacional do Meio Ambiente e determinou que qualquer atividade
potencialmente poluidora ou com capacidade de causar degradação deve
passar pelo processo de licenciamento, por meio da elaboração de estudos
de impacto ambiental, sendo sujeita à avaliação dos órgãos ambientais. O
licenciamento cabe ao Sisnama, sistema vinculado ao Ministério do Meio
Ambiente, com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) como órgão executor.
Em 1996, o Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama) estabeleceu a Resolução nº 237, que distribuía as atribuições
do licenciamento ambiental entre os entes federativos. Desde então, cabe
ao Ibama, em âmbito federal, licenciar atividades desenvolvidas em mais
de um estado, ou cujos impactos ultrapassem os limites territoriais de
um estado. Para empreendimentos de menor porte, a competência é de
órgãos estaduais e municipais. Tal determinação gera uma série de
confusões, fraudes e interpretações que já isentam a agropecuária do
licenciamento.
“Hoje em dia é evasivo e beneficia as empresas,
levando aos crimes ambientais”, afirma o ex-deputado Luciano Zica. “É
triste, muito triste. O sentimento que tenho é de me perguntar o que
fizemos errado naquela época, porque não evoluímos nos dois anos do meu
mandato, e como a degradação do Parlamento brasileiro chegou a esse
ponto? O Congresso não acompanhou o cuidado do meio ambiente e a Frente
Ambientalista é coordenada hoje por parlamentares que não têm interesse
na preservação”.
Lama em Brumadinho: setor da mineração também pode ser beneficiado por regras flexíveis. (Foto: Mídia Ninja)
Rodrigo Vicentin, ex-ICMBio, diz que o projeto, como
está agora, “enfraquece as instituições, indo na contramão de tudo que
há de mais moderno em qualquer país desenvolvido”. Como o PL tem seu
parecer elaborado com requerimento de urgência, explica, ele pode ir
para o plenário a qualquer momento, mesmo com o vencimento de mandatos e
comissões:
– Todas as matérias que não foram apreciadas na
candidatura passada foram arquivadas, mas é só fazerem um requerimento
que isso volta à pauta. E essa pauta deve voltar. Ricardo Salles tem
destacado que, mesmo com os acontecimentos de Brumadinho, ele insiste em
tramitar a proposta da Lei Geral de Licenciamento. Depende simplesmente
do presidente da mesa, e da pressão e vontade política por trás do PL.
Espero que com a opinião pública voltada para o caso de Brumadinho,
consigamos prevenir esses interesses econômicos, porque a correlação de
forças aqui no Congresso
Por Julia Dolce, De Olho nos Ruralistas –
Após 30 anos de denúncias, Oriximiná realizou primeira audiência
pública sobre riscos de barragem da Mineradora Rio do Norte; município e
estado não confirmam segurança de 25 barragens para comunidades
ribeirinhas e quilombolas da região
O quilombola Manuel Edilson de Jesus, morador da Comunidade de Boa
Vista, em Oriximiná (PA), achava que conseguiria, no dia 8, parte das
respostas às denúncias que tem feito nos últimos 30 anos. Ele integra a
Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de
Oriximiná, fundada em 1989 para resistir às invasões e ameaças contra
seus territórios, há décadas pautando as potenciais ameaças trazidas
pela exploração de bauxita pela empresa Mineração Rio do Norte (MNR).
Com o rompimento da barragem em Brumadinho (MG), a prefeitura do
município paraense marcou para aquele dia a primeira audiência pública
sobre o tema. A ação, no entanto, na opinião de Jesus, foi “inútil”. A
audiência estava prevista para acontecer no período da manhã, mas se
estendeu para o fim da tarde e acabou durando nove horas. Nas primeiras
horas do dia, a MNR monopolizou a mesa com discursos técnicos que
garantiam a segurança das 25 barragens de rejeitos instaladas no
município.
Seis mil funcionários da MNR e seus familiares moram na vila de Porto Trombetas. (Foto: Reprodução/UFSC)
Elas ficam em área pública, dentro da Floresta Nacional de
Saracá-Taquera, próxima de igarapés que desaguam no Rio Trombetas,
afluente do Amazonas. Nas horas seguintes, segundo a liderança
quilombola, os habitantes do município ouviram que tanto a Secretaria
Municipal quanto a Estadual do Meio Ambiente não contavam com técnicos
capazes de comprovar a garantia da mineradora.
“A mineradora fica insistindo que a barragem é segura, que não vai
quebrar, mas não há técnicos no poder público para dizer o contrário”,
questiona Jesus. “Quem tem essa competência? Nós queremos ser bem
informados e Isso foi um dia perdido. Temos 30 anos de luta contra a
barragem, e nunca fomos ouvidos. Nós temos muito medo de ela romper, com
esse tanto de rejeito, como vamos ficar se ela estourar?”
Na audiência, lideranças das comunidades só conseguiram espaço de
fala após incentivo da promotora Lilian Braga, do Ministério Público do
Pará. A coordenadora da comunidade ribeirinha Boa Nova, Maria de Fátima
Lopes, conta que naquele dia foi informada de que deveria ter realizado
um cadastro prévio se quisesse expor alguma informação durante a
audiência. “Não conseguimos nos manifestar”, afirmou ao De Olho nos
Ruralistas.
Se tivesse tido espaço, a ribeirinha, de 41 anos, teria contado o que
viu e o que ouviu de sua mãe, nas últimas três décadas, sobre as
mudanças nas águas do Igarapé Araticum, cujas margens abrigam sua
comunidade:
– As pessoas mais antigas, com quem a gente conversa, diziam que
há 30 anos tinha fartura de peixes. Eu conto para os meus filhos que
quando a gente passeava de canoa os peixes pulavam dentro dela. Pegavam
200 peixes com uma só jogada de malha dura. Com o passar do tempo eles
foram sumindo. Os peixes não gostam de água suja, então a gente acredita
que talvez, com a chuva, a bauxita escorra para dentro dos igarapés.
Também percebemos que quando vamos tomar banho no igarapé ficamos com
coceira no corpo todo, antes isso não acontecia. A diarreia e os
problemas de estômago também estão cada vez mais frequentes, muita gente
com problemas na vesícula.
QUILOMBO FICA A MENOS DE 500 METROS DE BARRAGEM
A possibilidade de vazamentos nas barragens assusta os moradores das
comunidades da região, que ficaram ainda mais tensos com a tragédia de
Brumadinho. O Quilombo Boa Vista Trombetas, com cerca de 120 famílias,
fica a apenas 430 metros de duas das barragens da MNR, chamadas de
barragens Água Fria. A empresa afirma que as duas barragens são
consideradas de baixo dano potencial associado. Há dois anos, no
entanto, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) vistoriou as barragens e recomendou que passassem
para a categoria de alto dano potencial associado. Solicitou ainda um
Estudo de Ruptura Hipotética e a Elaboração de um Plano de Ação de
Emergência.
De acordo com uma nota publicada pela Comissão Pró-Índio de São Paulo
(CPI), organização que acompanha as comunidades de Oriximiná, os planos
de ação elaborados pela MNR apontam graves consequências para um
eventual rompimento, com risco, inclusive, de mortes. “Em um dos
cenários de rompimento poderiam ser atingidas 30 estruturas da empresa
em região onde trabalham 300 pessoas em horário administrativo”, diz a
nota.
Terra quilombola fica exatamente na rota da barragem. (Foto: Carlos Penteado)
Os documentos da MNR, segundo a organização, indicam que um
rompimento levaria à destruição da camada vegetal e da vida animal da
região. Em setembro de 2018, a mineradora informou à Comissão Pró-Índio
que os planos de evacuação, de abastecimento de água e acessibilidade
seriam detalhados até, no máximo, o início de 2019. Em julho, a Agência
Nacional de Mineração negou acesso aos relatórios das fiscalizações que
realizou nas barragens em 2015 e 2018, argumentando que os documentos
são sigilosos.
Entre as principais demandas das associações das comunidades da
região está o treinamento dos moradores para um eventual desastre. De
acordo com Maria de Fátima, a empresa garantiu, durante a audiência, a
elaboração de um plano de segurança específico. “Garantir a segurança
eles podem garantir, mas nós queremos um plano para nossas comunidades”,
afirma. “As pessoas trabalham próximas a essas barragens. A partir da
hora que uma barragem romper e sujar nossos igarapés nós vamos nos
alimentar de quê? Queremos uma garantia, um treinamento, sirenes que
possamos ouvir de nossas casas”.
Maria de Fátima destacou ainda que já informou a empresa de todos os
sintomas de poluição do rio notados pela comunidade. “Eles fazem uma
pesquisa mensal da água e todos os meses dizem que está tudo bem. Enviam
relatórios extremamente técnicos que não conseguimos entender. Se está
tudo bem, como sentimos essas consequências?”, questionou a
coordenadora, que visitou as barragens de rejeitos pela primeira vez, a
convite da empresa, somente no dia 6. “É um cenário assustador”,
sintetizou.
Antes da construção das barragens, a Mineração Rio do Norte passou
cerca de uma década lançando todo o rejeito de bauxita no Lago do
Batata, jusante à Comunidade Boa Vista. Na época, as comunidades tiveram
de parar de utilizar as águas do lago. Apenas na década de 1990 a
empresa construiu o conjunto de tanques para despejo dos rejeitos.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio),
subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, é o órgão encarregado da
preservação da Flona Saracá-Taquera e da Reserva Biológica do Rio
Trombetas (Rebio). De acordo com Deborah Castro, analista ambiental e
chefe do Núcleo de Gestão Integrada do ICMBio Trombetas, todas as
denúncias realizadas por comunidades que utilizam os rios e igarapés
para subsistência estão sendo registradas.
Ela conta que, entre dezembro e janeiro, foram realizadas três
vistorias técnicas para averiguar as denúncias relativas ao Igarapé do
Teófilo, motivo de reclamações em mais de uma comunidade. “Em princípio
não foi localizado nenhum ponto de contaminação pela MNR neste igarapé
específico”, diz. Segundo Deborah, os demais igarapés com denúncias de
contaminação também passarão pelo mesmo tipo de vistoria, inclusive o
Arativum.
“A equipe do ICMBio Trombetas conta com apenas quatro servidores para
realizar a gestão das unidades e averiguar todas as denúncias”, relata.
“E não possuímos laboratórios nem técnicos especializados que possam
fazer uma análise físico-química da água para constatar contaminações
nesse nível. Nossas constatações são a nível visual”.
VALE E ALCOA TÊM QUASE 60% DAS AÇÕES DA MNR
Fundada há quarenta anos, a Mineração Rio do Norte é a quarta maior
mineradora em número de barragens de rejeitos do Brasil, e a maior
mineradora de Bauxita do país. A empresa já foi controlada pela então
estatal Vale do Rio Doce. Hoje, a Vale (Bradesco, Mitsui, fundos de pensão)
é a principal sócia da MNR, possuindo cerca de 40% de suas ações. A
empresa registrou lucro líquido de R$ 106,3 milhões no ano de 2017, de
acordo com seus registros financeiros.
Outros 18,2% das ações estão com a multinacional Alcoa, dos Estados
Unidos; 14,8% com a australiana South 32, que já pertenceu à BHP
Billinton (sócia da Vale na Samarco, a responsável pelo crime ambiental
de Mariana, em 2015). Outros 12% das ações estão nas mãos de outra
gigante mundial da mineração, a anglo-australiana Rio Tinto. A Companhia
Brasileira de Alumínio (CBA), fundada por Antonio Ermírio de Moraes,
detém 10% das ações. Finalmente, a norueguesa Hydro possui 5% das ações.
Empresas do Brasil, EUA, Inglaterra, Austrália e Noruega dividem ações da MNR. (Imagem: MNR)
Foi a MNR que construiu a vila de Porto Trombetas, distrito que leva o
nome do rio em cujas margens vivem cerca de 6 mil habitantes, todos
funcionários ou familiares de funcionários da empresa. A estrutura
inclui escola, hospital, aeroporto e centro comercial próprio, além de
uma sede do ICMBio. O processo de exploração de minério dentro das
reservas é legal, mas tem seu zoneamento limitado. Precisa respeitar uma
série de critérios, fiscalizados pelo Ibama e pelo ICMBio, entre eles o
pagamento de uma taxa ao órgão, que simbolizaria o rendimento da mata
caso ela continuasse viva, uma soma do valor da madeira, dos frutos e de
outros produtos.
O plano de manejo da Flona Saracá-Taquera, segundo o ICMBio, deverá
passar por um processo de revisão em breve, “principalmente no que tange
as áreas das comunidades tradicionais no interior da Flona”, segundo a
chefe do órgão na unidade. “A MNR já foi autuada diversas vezes pelo
ICMBio e pelo IBAMA. Eu não saberia dizer quantas vezes ou quais artigos
infracionais de enquadramento dessas autuações, mas o artigo 90 do
Decreto 6514/2008, sobre causar dano a unidade de conservação, é um
deles”, afirma.
Há mais de uma década, no entanto, as comunidades quilombolas da
região pedem a titulação oficial das terras da região. A demarcação
garantiria a posse da terra aos quilombolas, essa sim proibida dentro
das unidades de conservação. A confusão fundiária gerou uma ação do
Ministério Público Federal (MPF), que em 2013 pediu que o governo
resolvesse a questão. Em 2015, a Justiça deu parecer favorável ao MPF, e
estabeleceu um prazo de dois anos para a demarcação dos territórios
quilombolas, sob pena de uma multa de R$ 2 mil por dia de atraso.
QUILOMBOLAS QUEREM COMPENSAÇÃO FINANCEIRA
Segundo a Comissão Pró-Índio, ainda existem cerca de mil hectares
passíveis de mineração no território reivindicado por comunidades que
reúnem 8 mil quilombolas. Como ainda cabe recurso para a decisão da
demarcação, elas continuam aguardando. Com a demarcação, a Compensação
Financeira pela Exploração de Recursos Minerais na área, R$ 42 milhões
em 2015, segundo a ANM, deixaria de ir para o ICMBio, sendo destinada
para as associações quilombolas. Além disso, a Mineração Rio do Norte
teria de pagar royalties de 1,5% aos proprietários da terra, que se
somariam aos 3% já pagos ao governo.
Documentos obtidos pela Comissão Pró-Índio junto ao Ibama indicam que
a MNR planeja instalar 11 novas barragens na região nos próximos anos.
No dia 22 de janeiro, o Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, general Santa Rosa, anunciou também o Projeto
Barão do Rio Branco na região, que prevê a construção de uma
hidrelétrica no Rio Trombetas, próximo de Oriximiná, de uma ponte sobre o
Rio Amazonas no município de Óbidos, e da extensão da BR-163 até a
fronteira do Suriname.
Em resposta ao anúncio do projeto, oito associações, representando as 35 comunidades quilombolas de Oriximiná, divulgaram uma nota de repúdio,
denunciando que os empreendimentos “certamente trarão grandes prejuízos
para a população da cidade, especialmente para as comunidades que terão
seus territórios diretamente afetados. No documento, as associações
lembraram também que tais obras não podem ser aprovadas sem a consulta
livre, prévia e informada dos povos tradicionais que vivem na região.
Leia também a declaração de comunidades quilombolas e ribeirinhas sobre a mineração na região.
(#Envolverde)
MPF aponta inconstitucionalidade em milhares de pedidos de títulos minerários.
O Ministério Público Federal do Amazonas ingressou com ação civil
pública (ACP) pedindo o indeferimento de todos os requerimentos de
pesquisa ou lavra minerais incidentes sobre terras indígenas (TIs) no
estado do Amazonas. Os pedidos encontram-se suspensos (sobrestados, no
linguajar técnico) na Agência Nacional de Mineração (ANM), o que confere
às mineradoras solicitantes preferência em uma eventual regulamentação
de artigos constitucionais relacionados à exploração minerária em TIs.
A ação requer, ainda, que a ANM seja impedida de sobrestar futuros
pedidos voltados para a mineração em terras indígenas, tendo o órgão,
obrigatoriamente, que indeferir solicitações dessa natureza. Segundo o
texto protocolado pelos procuradores do MPF, a “suspensão dos
procedimentos, levada a cabo pela ANM, não é albergada pela legislação
brasileira constitucional e infraconstitucional, tratando-se de prática
violadora das normas protetivas ao meio ambiente e às comunidades
tradicionais indígenas”.
Para fundamentar parte da ação, MPF utilizou o estudo Mineração na
Amazônia Legal e Áreas Protegidas, lançado pelo WWF-Brasil em outubro de
2018. Segundo a publicação, que utilizou dados do Ministério do Meio
Ambiente, da Agência Nacional de Mineração e da Fundação Nacional do
Índio (Funai), existem mais de 4 mil requerimentos de títulos minerários
sobrepostos a terras indígenas na região amazônica, colocando em risco
comunidades, biodiversidade e recursos naturais nesses territórios.
Segundo Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, a ação
ajuizada pelo Ministério Público é oportuna e deve ser vista como um
importante alerta público. “No atual contexto, em que ganham força as
ameaças a unidades de conservação, aos direitos e territórios dos povos
tradicionais, é fundamental que toda a sociedade brasileira esteja
vigilante em relação a ameaças como a mineração em terras indígenas”,
analisou.
O texto da ACP reitera que qualquer ação voltada para pesquisa ou
lavra minerária no interior de terras indígenas só pode ocorrer mediante
autorização expressa do Congresso Nacional. Isso ocorre, ainda conforme
os procuradores do MPF, pelas “peculiaridades inerentes aos impactos da
atividade sobre o meio ambiente e as comunidades tradicionais”. Porém,
uma vez que a regulamentação da atividade de mineração nas TIs não
existe, tais solicitações não poderiam sequer ser acolhidas pela Agência
Nacional de Mineração.
Adicionalmente, o artigo 231 da Constituição, bem como a Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é
signatário, determinam que qualquer projeto que proponha empreendimento
com potencial impacto a povos tradicionais deva ser objeto de consulta
prévia, livre, de boa-fé e informada, cabendo às comunidades deliberar
sobre a possibilidade de se levar adiante ou não o processo. No caso em
discussão, conforme o texto da ação civil pública, ao não rejeitar
prontamente as solicitações das mineradoras, a ANM concretiza “medida
administrativa capaz de afetar o povo titular do território sobre o qual
incide o requerimento”, sem qualquer consulta, caracterizando flagrante
inconstitucionalidade.
Os procuradores do MPF apresentaram, ainda, algumas decisões já
tomadas em cortes em Roraima e Amapá (ainda em fase de apelação) em
ações similares ingressadas pelo MPF. As duas ACPs mencionadas condenam a
ANM, à época DNPM, a cancelar requerimentos pendentes de pesquisa e
lavra mineral em terras indígenas nos dois estados amazônicos.
O coordenador de políticas públicas do WWF-Brasil, Michel Santos,
lembrou que o garimpo ilegal é, reconhecidamente, um importante vetor de
desmatamento na Amazônia. “É necessário o rápido indeferimento dos
requerimentos de títulos em toda área protegida, com vistas a minimizar a
corrida pela mineração e as atividades ilegais nesses territórios”,
afirmou.
A ação é subscrita pelos procuradores Ana Carolina Haliuc Bragança, Fernando Merloto Soave e José Gladston Viana Correia.
(#Envolverde)
Para entidades, o MMA precisa justificar a motivação das mudanças no
funcionamento do Conama e permitir maior participação da sociedade civil
no órgão
Por Mauro Arbex
A revisão do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), de forma
açodada em sem uma ampla discussão da sociedade civil, está sendo
duramente criticada pelos ambientalistas, alguns dos quais fazem parte
da entidade. Argumentam que o órgão é um espaço político essencial para a
gestão ambiental participativa no Brasil e alterações no seu
funcionamento trariam impactos em todo o território nacional, o que
exige um amplo debate. O Conama tem elaborado resoluções que regulam a
qualidade das águas, do solo e do ar, entre outras importantes normas
ambientais.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) convocou reunião extraordinária
para o próximo dia 20 de março visando discutir “propostas para
aperfeiçoamento do Conama”. O MMA recebeu, até ontem (quarta-feira),
sugestões dos conselheiros do Conama tanto em relação à composição da
entidade como de seu funcionamento.
Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental
(Proam), Carlos Bocuhy, conselheiro do Conama, “o tema é complexo e as
atribuições e responsabilidades do Conama nos remetem a discussões e
reflexões aprofundadas, que exigem a devida participação,
representatividade e paridade de diferentes setores da sociedade”. Para
Bocuhy, a condução desse processo de revisão tem de ser cuidadosa, “para
que os resultados não levem a atendimentos setoriais e prejuízo nas
decisões do conselho”.
Os ambientalistas, sob a liderança do Proam, e com a participação de
outras 50 organizações não governamentais (ONG), encaminharam ontem,
quarta-feira, ao MMA, uma manifestação do setor contra a pressa na
revisão do Conama. Eles pedem que o ministério esclareça a
justificativa, a motivação e o método que irá adotar para a mudança na
composição e funcionamento do Conama. E que informe a agenda e prazos
para a discussão.
“Queremos a realização de uma ampla e democrática discussão, com a
devida transparência, participação e controle social”, diz Bocuhy. Os
ambientalistas sugerem uma paridade entre as representações da sociedade
civil e do governo no Conama, que reflita participação social efetiva,
além da diversidade de representações sociais, situação que hoje não
existe. Defendem também maior participação da área científica para as
decisões colegiadas.
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Boletim do desmatamento da Amazônia Legal (janeiro de 2019) SAD
Por Stefânia Costa
O Imazon publicou os dados do Boletim do Desmatamento (SAD)
referentes ao mês de janeiro de 2019. No total, foram detectados 108 km²
de desmatamento na Amazônia Legal. Segundo o boletim, no primeiro mês
de 2019, houve um aumento de 54% em comparação com os dados de janeiro
de 2018.
O estado do Pará é o primeiro do ranking com áreas mais desmatadas em
janeiro, com 37% do total. O Mato Grosso tem 32%, Roraima tem 16%,
Rondônia ficou com 8% e os estados do Amazonas e do Acre ficaram com 6% e
1%, respectivamente.
Em janeiro de 2018, não houve detecção de degradação florestal,
porém, em 2019, foram detectados 11 km² de florestas degradadas. Essa
degradação ocorreu nos estados do Mato Grosso (55%), Pará (27%),
Amazonas (9%) e de Rondônia (9%).
Ainda de acordo com o boletim do Imazon, em janeiro de 2019, a
maioria (67%) do desmatamento ocorreu em áreas privadas ou sob diversos
estágios de posse. O restante do desmatamento foi registrado em
assentamentos (21%), Terras Indígenas (7%) e Unidades de Conservação
(5%).
A Unidade de Conservação mais desflorestada foi a APA Triunfo do
Xingu, com 3 km² de desmatamento. Outras áreas de conservação como, a
APA do Tapajós e a Resex Verde para Sempre, também localizadas no Pará,
aparecem no ranking. A Terra Indígena Ituna/Itatá, no Pará, e Aripuanã,
em Rondônia e Mato Grosso, foram as que apresentaram maiores índices de
desmatamento, com 4 km² e 1,5 km², respectivamente.
Saiba mais a seguir:
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Fonte: Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon
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Projetos de restauração ecológica envolvendo ativamente povos indígenas e comunidades locais são mais bem-sucedidos.
Este é o resultado de um estudo realizado pela ICTA-UAB, que valoriza
a contribuição do conhecimento indígena e local na restauração de
ecossistemas degradados. Universitat Autònoma de Barcelona*
Reflorestamento em Madagascar. Autor: Joan de la Malla
Os povos indígenas e as comunidades locais são afetados por mudanças
ambientais globais porque dependem diretamente de seu ambiente imediato
para atender às necessidades básicas de subsistência. Portanto,
salvaguardar e restaurar a resiliência dos ecossistemas é fundamental
para garantir a sua soberania alimentar e sanitária e bem-estar geral.
Seu interesse em restaurar ecossistemas dos quais eles se beneficiam
diretamente e seu conhecimento íntimo de suas terras, recursos e
dinâmicas que os afetam, posiciona-os como elementos-chave na consecução
dos objetivos dos projetos de restauração ecológica.
No entanto, as contribuições dos povos indígenas e comunidades locais
continuam a ser amplamente ausentes nos fóruns de política ambiental
internacional, nos quais a importância biológica e a viabilidade de
restauração são priorizadas em detrimento da preocupação local.
O estudo, liderado pelo pesquisador do ICREA no ICTA-UAB Victoria
Reyes-García, revisa centenas de casos nos quais, através de práticas
tradicionais, os povos indígenas contribuem para o manejo, adaptação e
restauração da terra, criando novos tipos de ecossistemas altamente
biodiversos. “Há muitos exemplos em que os povos indígenas assumiram
papéis de liderança na restauração de florestas, lagos e rios, pastagens
e terras secas, manguezais e recifes e zonas úmidas degradadas por
pessoas de fora ou mudanças climáticas, combinando com sucesso as metas
de restauração e aumentando a participação da população local. ”,
Explica Victoria Reyes-García.
Práticas tradicionais incluem queima antropogênica alterando aspectos
espaciais e temporais da heterogeneidade de habitats para criar
diversidade, práticas de deposição de resíduos resultando em
enriquecimento de carbono do solo, sistemas rotacionais de roça capazes
de manter cobertura florestal e diversidade de plantas, interplantando
plantas úteis em florestas nativas aumentando a diversidade florestal e
espalhando feno rico em espécies e limpando prados para manter a
produtividade e resiliência das pastagens.
No entanto, a pesquisa ressalta que nem todas as iniciativas de
restauração envolvendo povos indígenas e comunidades locais foram
benéficas ou bem-sucedidas. “Algumas campanhas não envolveram com
sucesso as comunidades locais ou impactaram os resultados do
reflorestamento, devido à falta de clareza das políticas projetadas no
nível central ou à negligência dos interesses locais”, diz Reyes-García.
Ela destaca que os resultados positivos são normalmente associados a
projetos nos quais as comunidades locais têm se envolvido ativamente em
atividades de co-design, instituições consuetudinárias foram
reconhecidas e tanto benefícios diretos de curto prazo para a população
local quanto apoio de longo prazo para a manutenção de restaurados.
áreas foram asseguradas.
Portanto, Victoria Reyes-García defende que “a fim de atender a Aichi
Meta 15 da Convenção sobre Diversidade Biológica sobre a restauração de
15% dos ecossistemas globalmente degradados, é necessário aumentar a
participação de povos indígenas e comunidades locais nas atividades de
restauração ecológica”.
Referência:
Reyes García V., Fernández Llamazares A., McElwee P., Molnár Z., Öllerer Z., Wilson S.J., Brondizio E.S.. The contributions of Indigenous Peoples and Local Communities to ecological restoration. Restoration Ecology. (2018) https://doi.org/10.1111/rec.12894
* Tradução e edição de Henrique Cortez, EcoDebate.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/02/2019
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reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à
EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
[EcoDebate]
O jornalista David Wallace-Wells publicou, no dia 09/07/2017, uma
matéria denominada “The Uninhabitable Earth”, na revista New York
Magazine (NYMag), pintando um cenário apocalíptico para o Planeta – um
Armagedon climático – caso as tendências atuais se mantenham. O artigo
se tornou viral e foi comentado amplamente em diversos países do mundo e
passou a ser o artigo mais lido da revista (ALVES, 19/07/2017).
O texto começou de forma assustadora: “It is, I promise, worse than
you think” (Prometo, é pior do que você pensa). O subtítulo diz do que
se trata: “Fome, colapso econômico e um sol que nos cozinha: o que as
mudanças climáticas podem causar – mais cedo do que você pensa”.
Evidentemente, o autor estava tratando de um cenário extremo e de baixa
probabilidade, mas que pode ocorrer se nada for feito para mudar os
rumos da insustentabilidade do crescimento econômico e suas
externalidades negativas sobre o meio ambiente. Naquele momento, o
jornalista Wallace-Wells escreveu um artigo urgente e aterrorizante, mas
sua premissa básica foi perguntar: e se a mudança climática for realmente um pouco pior do estamos pensamos?
Um ano e meio depois, Wallace-Wells manteve os seus argumentos e
transformou o artigo da NYMag no livro “The Uninhabitable Earth: Life
After Warming” (fevereiro de 2019). O livro começa quase na mesma linha
do artigo: “É pior, muito pior do que você pensa”.
A maior parte do livro é uma avaliação expandida e horripilante do
que poderíamos esperar como resultado da mudança climática, se não
mudarmos o curso do consumismo num cenário de crescimento econômico e
populacional. O resultado é um texto convincente que apresenta a
questão: diante da ameaça real do aquecimento global e da degradação
ambiental, que papel a narrativa ambientalista deve desempenhar?
Wallace-Wells é um jornalista extremamente competente e que explica o
assunto com muita clareza, apesar da dificuldade técnica da matéria.
Ele descreve o impacto das mudanças climáticas considerando as escalas
espaciais e temporais. O espaço talvez seja o mais fácil dos dois, pois
embora o aquecimento global e a degradação ambiental sejam fenômenos
globais, as coisas serão piores nos países tropicais e pobres, que
provavelmente vão enfrentar desastres simultâneos e em efeito cascata.
O aquecimento global
vai ser abrangente, terá um impacto muito rápido e vai durar muito
tempo. Isto quer dizer que os efeitos danosos das mudanças climáticas
vão se agravar com o tempo e, embora todas as gerações já estejam sendo
atingidas, são as crianças e jovens que nasceram no século XXI que vão
sentir as maiores consequências do colapso ambiental. A degradação
ambiental vai ocorrer em várias áreas, com a acidificação dos solos,
águas e oceanos, a precarização dos ecossistemas e os desastres
climáticos extremos (secas, chuvas, furacões e inundações de grandes
proporções).
Todavia, mesmo que a humanidade pare de emitir gases de efeito estufa
nas próximas décadas, a quantidade emitida desde a Revolução Industrial
e Energética e o processo de retroalimentação poderá liberar o metano
aprisionado no permafrost, que contém até 1,8 trilhão de toneladas de
carbono equivalente, consideravelmente mais do que o atualmente suspenso
na atmosfera terrestre. O metano, dependendo de como você mede, é pelo
menos dezenas de vezes mais potentes do que o dióxido de carbono.
Na seção “Caleidoscópio do Clima”, Wallace-Wells explica o leque de
possibilidades para a destruição do mundo físico, considerando como
essas mudanças irão afetar os seres humanos. Ele contesta a ideia de
progresso. Através da lente focada nas mudanças climáticas, percebe-se
que a sociedade industrializada é uma tragédia na qual pensávamos que
havíamos construído algo duradouro. O uso generalizado dos combustíveis
fósseis funcionou como uma miragem temporária, mas que acaba sufocando o
conjunto da vida no Planeta.
Para quem acredita nas propostas miraculosas dos tecnófilos
cornucopianos, a crítica mais severa do livro é dirigida aos gigantes da
tecnologia e à atual acomodação da corrupção moral dos EUA que alimenta
o Vale do Silício: o da libertação coletiva da tensão do trabalho e da
privação material via “A Igreja da Tecnologia”. O autor critica a ideia
de que “a tecnologia nos salvará”, um refrão frequentemente apreendido
como meio de nos permitir continuar com nossos hábitos destrutivos sem
nos sentirmos muito mal.
A resposta de Wallace-Wells aos críticos que argumentaram que ele
estava e está improdutivamente assustando as pessoas é apontar, com
detalhes, que há muito mais pessoas não alarmadas o suficiente sobre a
mudança climática do que as pessoas que estão muito alarmadas.
O livro é para assustar as pessoas que estão tranquilas diante da
dimensão dos problemas ambientais que se avolumam. Inegavelmente,
trata-se de alarme. De um despertador para acordar as pessoas. Ele
desafia o mundo a provar que ele está errado.
José Eustáquio Diniz Alves,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor
titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas
Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail:
jed_alves@yahoo.com.br
O fotógrafo mineiro Pedro Motta, de 41 anos, investiga os
confrontos e fusões entre o comportamento humano e os fenômenos
naturais.
Na exposição “Estado da Natureza”, ele apresenta 45 trabalhos.
Estes são divididos em três séries: “Naufrágio Calado” explora objetos
náuticos que se degradam no silêncio na paisagem, como o cemitério de
barcos em Roscanvel, na Bretanha (acima);
“Falência#2” traz erosões de
todos os tipos; e “Sumidouro” retrata a destruição dos garimpos no Rio
das Mortes.