O PL do genocídio, o golpe da AGU na Foz e uma boa nova do Equador
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O Jurídico falou pra gente evitar a expressão, mas é difícil imaginar qualquer palavra diferente de “genocídio” para qualificar o impacto do PL 2.903. O projeto de lei que virtualmente acaba com as demarcações de terras indígenas no país foi aprovado por 13 votos a 3 na Comissão de Agricultura do Senado na última quarta-feira. Entre os 13 senadores – oh, surpresa! –, quatro ex-integrantes do primeiro escalão do governo Bolsonaro.
O antigo PL 490, renomeado na Câmara Alta, ficou conhecido por estabelecer a tese infame do marco temporal, segundo a qual indígenas que não estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988 perderiam o direito a elas (e azar seu se você foi expulso pelo Estado ou por fazendeiros armados antes disso). Só que o marco temporal talvez seja o menor dos problemas da proposta: ela muda completamente o entendimento jurídico do que seja uma terra indígena. Pela Constituição de 1988, as TIs são um direito originário e um bem indisponível; não cabe ao Estado discutir se os índios devem ou não devem estar nelas, cumpre reconhecer a presença indígena, demarcar e proteger.
O 2.903 implode essa lógica e transforma os territórios dos povos nativos numa commodity que pode ser arrendada, comprada e vendida. Povos inteiros podem ser removidos e reassentados em outro lugar, como se os indígenas não tivessem ligação cultural indissociável com suas terras. E demarcações já homologadas podem até mesmo ser desfeitas e a terra “retomada” pela União (o próprio termo é uma estupidez, porque toda terra indígena já é da União) caso se verifique “alteração dos traços culturais” da comunidade. Um caso de racismo típico da ditadura.
Inconstitucional até o osso, o PL avança agora para a Comissão de Constituição e Justiça. Enquanto isso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se finge de morto quanto aos pedidos para incluir outras comissões na tramitação, como você verá nesta edição.
Boa leitura.
Equatorianos escolhem barrar petróleo no Yasuní
Quase 60% dos eleitores equatorianos votaram a favor do fim da exploração de um bloco petrolífero no Parque Nacional Yasuní, localizado na Amazônia equatoriana, no dia 20 de agosto. A área conhecida como bloco 43 é a quarta maior produtora de petróleo do país e começou a ser explorada em 2016 no meio de uma disputa judicial. A tentativa de proteger o parque contra a extração de combustíveis fósseis tem mais de 20 anos e o processo na Suprema Corte para fazer o plebiscito foi iniciado em 2013.
Agora, a estatal Petroecuador terá um ano para sair do bloco. Na segunda-feira (21), o Coletivo Yasunidos, grupo que liderou a campanha pelo direito de fazer a votação, apresentou um plano de retirada organizada e progressiva da infraestrutura petroleira, que inclui reparação integral à natureza e aos povos indígenas com participação dos proponentes do plebiscito, comunidades indígenas e estado.
A histórica vitória obtida no plebiscito sobre o bloco 43, no entanto, não impede a continuidade da extração de combustíveis fósseis em outras áreas da Amazônia equatoriana.As reivindicações para uma mudança de modelo econômico devem continuar. 68% dos eleitores também votaram pelo fim da mineração no Chocó Andino, região perto da capital Quito. Leia a reportagem completa aqui.
Bruxaria da AGU cria fato sobre a Foz do Amazonas
O ministro Alexandre da Silveira pode até ser negacionista da ciência, mas não é burro. Nesta semana, o chefe das Minas e Energia ressuscitou a guerra do petróleo na Foz do Amazonas e emparedou Marina Silva criando uma fake news dupla: de um lado, encomendou ao AGU Jorge Messias um parecer dizendo que a Petrobras não tem obrigação nenhuma de fazer Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) para explorar petróleo na Foz do Amazonas. De outro, disse, magnânimo, que quer fazer uma mesa de conciliação com o Ibama sobre as divergências entre o órgão ambiental e a petroleira. A imprensa caiu na esparrela e o que sempre foi uma questão técnica virou um fato político (como bem notou a Sumaúma).
Vamos com calma. Primeiramente, o Ibama nunca disse que a AAAS era precondição para licenciar nada na Foz. O parecer técnico que embasou a negativa do presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, é explícito ao afirmar que a obrigação não existe (portanto, a AGU gastou horas-homem para produzir um truísmo). O despacho de Agostinho é menos enfático, mas tampouco aponta obrigatoriedade (o Ibama também tem advogados, afinal). A licença foi negada não pela falta de AAAS, mas por não demonstrar segurança da operação.
Sobre a tal conciliação do tubarão com a perna do banhista, a ministra Marina Silva usou uma boa analogia na quinta-feira (24) no Senado: O Ibama não dá licenças políticas. “O Ibama dá licenças técnicas. Ele não facilita nem dificulta. Alguém vai ficar teimando com a Anvisa quando ela diz ‘esse remédio aqui é tóxico’?, e aí alguém resolve mandar para uma decisão política? Existem órgãos da administração pública que dão pareceres técnicos e, em um governo republicano, a gente olha para o que a ciência está dizendo.”
Com petroditaduras, Brics vira clube fóssil
Ele foi fundado com o maior emissor de carbono do planeta (China), um petroestado que se lixa para metas climáticas (Rússia), duas potências carvoeiras (Índia e África do Sul) e um aspirante a membro da Opep (Brasil). Após a cúpula desta semana em Joanesburgo, o Brics vai ficar parecendo o grupo das carpideiras dos combustíveis fósseis: dos seis novos membros, três são petroditaduras (Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes), e uma ditadura árabe rica em óleo (Egito) e um é uma potência emergente do gás fóssil (Argentina). Companhia pouco auspiciosa para a presidência brasileira do G20, que começa em setembro e que terá, diz o governo, a transição energética como um dos pilares (Folha).
Na abertura do encontro na África do Sul, Lula encarnou as contradições ambientais de seu governo ao discursar contra um suposto “neocolonialismo verde” dos países ricos – mais uma menção velada à lei antidesmatamento da UE, que vem sofrendo ataques do Brasil.
Marco temporal avança e governo silencia
Tão espantoso quanto a facilidade com que os ruralistas e a extrema-direita aprovaram o PL 2.903 na Comissão de Agricultura do Senado é o silêncio da articulação política do governo a respeito. A ministra Sônia Guajajara (Povos Indígenas) declarou à GloboNews que não consegue agenda com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para discutir a tramitação da matéria. Se não consegue é porque o tema não é prioritário para a Secretaria de Relações Institucionais e para a Casa Civil, que cuidam das relações com o Parlamento.
Nesta semana, mais de 300 organizações da sociedade civil publicaram um manifesto pedindo a Pacheco que cumpra seu compromisso de não tratorar a votação do 2.903 no Senado, como Arthur Lira fez na Câmara. Há pedidos de senadores para incluir na tramitação as comissões de Meio Ambiente, Direitos Humanos e Assuntos Sociais.
Enquanto Pacheco decide o que fará com a bola, o STF marcou enfim a data de retomada do julgamento do marco temporal para 30 de agosto. Ainda bem que agora há mais um ministro progressista, Cristiano Zanin, para ajudar a formar maioria contra essa excrescência e… não, pera.
Brasil bate recordes de calor em pleno inverno
O Brasil não escapou da onda de calor mesmo sendo inverno. Em São Paulo, por exemplo, os termômetros passaram dos 32 °C na quarta (23/08) e na quinta-feira (24/08). A capital paulista também registrou a maior temperatura mínima diária para agosto na quinta. Foram 23,1 °C às 21h, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Antes, a mínima mais alta havia sido 22 °C no dia 13 de agosto de 1977, 46 anos atrás.
Vem mais calor e tempo seco por aí, alerta a entidade. Municípios do Maranhão, Piauí, Pernambuco e Bahia podem ter temperaturas 5°C acima da média até segunda-feira (28/08). A umidade do ar deve ficar entre 12% e 20% em áreas da Bahia e do Piauí.
Carbono florestal não tem lastro, diz estudo
Uma pesquisa publicada na última quinta-feira (24/8) pela Science mostrou que milhões de créditos de carbono têm sido gerados superestimando a preservação florestal à qual supostamente estariam vinculados. O estudo analisou 18 grandes projetos de compensação ambiental desenvolvidos no Peru, na Colômbia, no Camboja, na Tanzânia e na República Democrática do Congo, que anunciam, somados, a geração de 89 milhões de créditos de carbono. Desses, mais de 60 milhões são provenientes de projetos que praticamente não reduziram o desmatamento, de acordo com o estudo. Apenas 5,4 milhões desses créditos (6% do total) estão vinculados a áreas que efetivamente reduziram através de preservação florestal em quantidades equivalentes aos créditos anunciados. Ou seja: toneladas e mais toneladas de emissões de gases de efeito estufa consideradas ‘compensadas’ foram, na verdade, simplesmente despejadas na atmosfera.
Leila do Vôlei protocola PL do mercado de carbono
A senadora Leila Barros (PDT-DF) protocolou na última segunda-feira (21) o projeto de lei que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões. Previsto há quase 13 anos no decreto que regulamentou a Política Nacional sobre Mudança Climática, o mercado de carbono do Brasil vinha tropeçando no Parlamento e no desinteresse do Executivo. Desta vez, uma força-tarefa de vários ministérios se juntou para produzir um substitutivo do governo que cria um regime de “cap-and-trade” no Brasil e que, no geral, agradou da CNI ao Observatório do Clima. Não foi desta vez, porém, que a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) conseguiu criar a prometida Autoridade Nacional de Segurança Climática; o mercado de carbono será regulado por um órgão ainda a ser criado.
Desmonte ambiental dobra CO2 na Amazônia
Nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, o desmantelamento da governança ambiental resultou em um aumento do estresse no bioma amazônico comparável a um evento extremo como um mega El-Niño. Os dados foram apresentados em artigo publicado no último dia 23 na Nature. A pesquisa foi liderada por Luciana Gatti, do Inpe, e conduzida por um time de mais 29 cientistas brasileiros (alguns deles funcionários públicos que teriam sido exonerados no regime passado por assinar o estudo), e mostrou que, entre 2019 e 2020, as emissões de CO2 cresceram 122% na floresta, na esteira do aumento do desmatamento no preservado oeste amazônico – sobretudo o sul do Amazonas. Além disso, no acumulado de 2020, a Amazônia perdeu 12% das chuvas.
Marina recria Fundo Clima, com R$ 10 bilhões
Criado por Lula, deixado em banho-maria por Dilma e Temer e assassinado por Bolsonaro, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima completou a jornada do herói na última quinta-feira (24), quando foi relançado por Marina Silva e Geraldo Alckmin com um comitê gestor reformulado – e a sociedade civil de volta. O Fundo Clima tem duas linhas de crédito, uma a fundo perdido e outra reembolsável, para bancar projetos de adaptação e transição energética. O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, anunciou que a parte reembolsável terá R$ 10 bilhões, de longe o maior aporte da história do fundo. O dinheiro, segundo o governo, poderá vir da emissão de títulos da dívida soberana sustentável, o que quer que venha a ser isso.