segunda-feira, 27 de maio de 2024

Querem privatizar os ‘terrenos de marinha’ na costa brasileira! Diga ‘NÃO’ na consulta pública do Senado

 


25/05/2024

 

 Você já ouviu falar em terrenos de marinha? São áreas situadas na costa marítima, que contornam ilhas, margens dos rios e de lagoas, em faixa de 33 metros medidos a partir da posição da Linha da Preamar Média (LPM), que considera as marés cheias do ano de 1831. 

Difícil de entender? São terras da União localizadas entre a linha imaginária da média das marés e 33 metros para o interior do continente. A imagem a seguir pode ajudar na compreensão dessas áreas.


É bom que todos saibamos o que são e onde ficam essas áreas costeiras porque, na próxima segunda-feira (27), às 14h (horário de Brasília), a Comissão de Constituição Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado vai realizar audiência pública interativa sobre a PEC 03/2022Proposta de Emenda à Constituição que visa privatizar os terrenos de marinha, e que foi apelidada de PEC da Cancún Brasileira.

Ou seja, transferi-los mediante pagamento, aos seus ocupantes particulares, e, gratuitamente, quando ocupados por estados ou municípios. Na linguagem do Congresso, trata-se da extinção e redistribuição dos terrenos de marinha para fins particulares.

“A zona costeira é essencial para a proteção das cidades, são áreas extremamente importantes para a vida selvagem e o modo de vida de uma parcela significativa da população, justamente uma parcela mais vulnerável que trabalha com pesca artesanal, pequenos empreendedores da praia, fazem turismo de base comunitária e muitas outras iniciativas nesse sentido”, nos lembra Rodrigo Thome, um dos fundadores da ONG Euceano, no vídeo que gravou com seu parceiro Rodrigo Cebrian, que viralizou no Instagram e você pode assistir no final deste post.

Sim! “Este é mais um projeto do Pacote da Destruição (que avança no Congresso enquanto o Rio Grande do Sul sofre com inundações), prestes a ser votado. E coloca em risco todo o nosso litoral, a segurança nacional, a economia das comunidades costeiras e nossa adaptação às mudanças climáticas”, alerta o Observatório do Clima (OC).

Há três pontos importantíssimos a considerar para lutar contra esse decreto, de acordo com o OC:

  1. Terrenos de Marinha protegem, “são guardiões naturais contra enchentes, deslizamentos e eventos climáticos extremos. E essa defesa é essencial para a nossa segurança e resiliência”;
  2. A privatização dessas áreas da União coloca a biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas costeiros em risco, podendo resultar em danos irreversíveis; e
  3. Privatizar praias gera impacto econômico, comprometendo o turismo, empregos e negócios locais, além de desvalorizar e levar à perda de investimentos dessas atividades.

Participação popular

Segundo o Senador Rogério Carvalho (PT/SE), “a proposta busca alterar a Constituição para modificar a propriedade sobre os terrenos de marinha, atualmente pertencentes à União, e sua extinção pode impactar o Balanço Geral da União (BGU) e as receitas correntes da União, portanto, torna-se fundamental que a matéria seja debatida e aprimorada em audiência pública”.

Por isso, é importante participar dessa audiência enviando perguntas e comentários pelo telefone da Ouvidoria do Senado (0800 061 2211) ou pelo Portal e-Cidadania, que poderão ser lidos e respondidos ao vivo pelos senadores e debatedores ao vivo. 

Vale destacar que o Senado oferece declaração de participação, que pode ser usada como hora de atividade complementar em curso universitário, por exemplo.

Também é imprescindível pressionar os senadores a votarem contra a PEC 03 diretamente em seus e-mails ou perfis no Instagram (a lista está no final deste post), além de responder NÃO à Consulta Pública do Senado. O ‘placar’ está ótimo – 1.311 NÃO x 112 SIM (em 24/5, às 22h32), mas quanto mais votos, mais difícil para os senadores aprovar essa proposta.

A seguir, assista ao vídeo da ONG Euceano e entenda mais profundamente o que está acontecendo e como você pode colaborar: 

A seguir, a lista de Senadores que fazem parte deste debate e seus perfis no Instagram:

– Sen. Alessandro Vieira (MDB/SE): @senadoralessandrovieira
– Sen. Omar Aziz (PSD/AM): @omaraziz.senador
– Sen. Angelo Coronel (PSD/BA): @angelocoronelba
– Sen. Otto Alencar (PSD/BA): @ottoalencar
– Sen. Eliziane Gama (PSD/MA): @elizianegama
– Sen. Lucas Barreto (PSD/AP): @senadorlucasbarreto
– Sen. Fabiano Contarato (PT/ES): @fabianocontarato
– Sen. Rogério Carvalho (PT/SE): @senadorrogerio
– Sen. Paulo Paim (PT/RS): @paulopaimsenador
– Sen. Ana Paula Lobato (PDT/MA): @ana_paulalobato
– Sen. Zenaide Maia (PSD/RN): @drazenaide
– Sen. Mara Gabrilli (PSD/SP): @maragabrilli
– Sen. Daniella Ribeiro (PSD/PB): @daniellaribeiropp
– Sen. Jaques Wagner (PT/BA): @jaqueswagner
– Sen. Humberto Costa (PT/PE): @senadorhumbertocosta
– Sen. Teresa Leitão (PT/PE): @teresaleitaope
– Sen. Jorge Kajuru (PSB/GO): @senadorkajuru
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Foto: Pixabay

 

 


Pesquisadores propõem simplificação da Lei da Mata Atlântica para ampliar conservação

  Por André Julião*

Um grupo de pesquisadores apoiado pela Fapesp observou que critérios fundamentais para definir se uma área de Mata Atlântica pode ou não ser suprimida por seus proprietários são pouco claros. Com isso, podem dar margem para o desmatamento legal de áreas que prestam importantes serviços ecossistêmicos.

O grupo propõe mudanças que podem simplificar o processo de licenciamento para o proprietário, ao mesmo tempo em que tornam a política de conservação mais efetiva

O estudo How to enhance Atlantic Forest protection? Dealing with the shortcomings of successional stages classification foi publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation

“A legislação, de modo geral, determina que florestas em estágio inicial, com exceção das inclusas na área obrigatória de conservação [Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente], podem ser suprimidas em até 100%, a depender do caso”, explica Angélica Resende, primeira autora do estudo, realizado como parte de seu pós-doutorado, com bolsa da FAPESP, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).

“No entanto, resoluções como a do Estado de São Paulo não determinam um método para fazer uma classificação do estágio da floresta que realmente meça os atributos mais importantes dessas áreas, o que dá margem a distorções”, completa.

Além do levantamento do estágio de sucessão florestal, como é chamado esse critério, outro requisito nos pedidos de autorização para supressão de Mata Atlântica é o inventário da flora da área a ser desmatada, a fim de verificar a diversidade de espécies arbóreas e a ocorrência de espécies ameaçadas de extinção.

No entanto, os autores argumentam que a tarefa exige um grau de especialidade muito alto, uma vez que o bioma tem um número muito elevado de espécies e os grupos vegetais variam bastante de uma região para outra ou até numa mesma região. Isso torna virtualmente impossível seguir a determinação à risca se não com um especialista muito bem treinado.

Por isso, o grupo propõe eliminar essa etapa numa primeira parte do pedido de autorização e aplicá-la num segundo momento, apenas nos autorizados na fase inicial. Os levantamentos seriam realizados por técnicos certificados ou a serviço do governo.

O estudo integra o projeto Compreendendo florestas restauradas para o benefício das pessoas e da natureza – NewFor, apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa BIOTA e coordenado por Pedro Brancalion, professor da Esalq-USP.

“Existe uma necessidade de conservar e restaurar mais, por conta dos compromissos firmados pelo Brasil e pelo Estado de São Paulo em cumprir metas de emissão de gases de efeito estufa, sem falar na prestação de outros serviços pelas florestas, como a polinização das lavouras e a proteção de mananciais de água”, conta Brancalion.

Como está hoje, acrescenta, a legislação é facilmente burlada, o que pode levar à supressão de florestas em estágio avançado. Por fim, a norma é de compreensão bastante complexa para proprietários de terra e técnicos.

Remanescente em floresta ombrófila na região da Cantareira. Florestas primárias  prestam muitos serviços ambientais e são priorizadas para conservação

Legislação

Quando alguém pretende derrubar uma área de Mata Atlântica de sua propriedade, seja para abrir uma nova área de produção agropecuária ou de habitação, uma regra básica é que 20% do total da propriedade tenha floresta. Essa é a chamada Reserva Legal, segundo a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, mais conhecida como Código Florestal e promulgada em 2012.

Lei da Mata Atlântica, de 2006, determina os estágios de sucessão florestal e os usos autorizados dessas florestas em todo o Brasil. Na esfera estadual, é determinado o quanto pode ser suprimido de floresta entre os casos que se encaixam na lei federal.

Em São Paulo, a regra é estabelecida pela Resolução 01/1994 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Embora o Conama seja um órgão federal, a regra foi estabelecida em conjunto com o Estado, que serviu de inspiração para outras unidades federativas.

Se um proprietário já cumpre a regra dos 20% de Reserva Legal, mais as Áreas de Proteção Permanentes (APPs), como topos de morro, nascentes e margens de corpos d’água, e quer derrubar outra parte ou toda a floresta “excedente”, pode pedir autorização para o órgão ambiental estadual para realizar a supressão.

Para conseguir a licença, ele contrata um técnico, que depois de um estudo da área emite um laudo para a secretaria de meio ambiente do seu Estado. Um dos principais critérios para autorizar o desmatamento legal é se a floresta for considerada nova, o que a classifica como em “estágio inicial”.

Segundo a lei, uma floresta nesse estágio, com árvores de até 8 metros de altura e troncos com diâmetros de até 10 centímetros, não prestaria tantos serviços ecossistêmicos como uma floresta primária.

As florestas primárias, ou em estágios mais avançados, são conhecidas por abrigar grande número de espécies. Podem tornar o clima mais ameno, gerar água, estocar carbono e prover polinizadores, entre outros serviços ecossistêmicos. Por isso, são tidas como prioritárias para a conservação.

Problemas

Como a legislação não especifica os critérios fundamentais para medir o estágio da floresta, alguém que esteja cumprindo a regra pode, no limite, classificar erroneamente uma floresta como em estágio inicial.

Isso porque um dos critérios para determinar o estágio de sucessão florestal é a média de diâmetro dos troncos em uma determinada área, sem que a legislação defina nem mesmo o tamanho mínimo dessa área a ser inventariada. A legislação nem sequer estabelece o diâmetro mínimo na altura do peito, parâmetro usado em trabalhos científicos, por empresas florestais e mesmo em leis de outros Estados.

“Com isso, quem está fazendo o inventário florestal pode escolher o diâmetro mais baixo, mesmo que esteja cercado de árvores centenárias, baixando a média e alcançando o patamar para que o desmatamento legal seja autorizado”, aponta Resende.

Num exemplo apresentado no estudo, outro grupo de pesquisadores avaliou remanescentes conservados e matas secundárias na Serra do Mar, uma das maiores áreas contínuas de Mata Atlântica do Brasil

Foram encontradas árvores com uma média de 12,7 centímetros de diâmetro e 9,1 metros de altura, considerando todos os indivíduos acima de 4,8 centímetros de diâmetro.

“Se fossem seguidos os parâmetros do Conama, essa floresta rica em biomassa poderia ser classificada como em estágio inicial ou intermediária”, exemplifica.

Propostas

Para superar deficiências como esta, os pesquisadores propõem alterações na resolução do Conama seguida no Estado de São Paulo. Uma delas é separar os tipos de floresta (fitofisionomias), reconhecendo as diferenças naturais entre essas formações. A partir daí, estabelecer um diâmetro mínimo para as árvores a serem inventariadas.

Outra proposta é definir uma área mínima de amostragem para determinar o estágio da floresta, como toda a área em locais com menos de meio hectare ou 1% da área em terrenos acima de 5 hectares, por exemplo. 

Hoje, uma área desse tamanho pode ser avaliada com apenas uma parcela de 10 metros quadrados, por exemplo.

Para uma revisão, um dos possíveis caminhos a seguir seria a proposta apresentada na última parte do artigo, que sugere que a avaliação seja feita em duas etapas. 

primeira etapapelo próprio dono da terra, sem necessariamente precisar de um técnico.

O órgão ambiental estadual então verificaria o histórico de uso e cobertura do solo dos últimos 40 anos daquela área por meio de ferramentas disponíveis gratuitamente – como MapBiomas e Google Earth – além de fotos feitas pelo requerente.

O órgão ambiental então aprovaria ou não o pedido em primeira instância, encaminhando os aprovados para uma segunda avaliação. 

Na segunda etapatécnicos indicados pelo governo fariam a avaliação florística, a fim de verificar o grau de biodiversidade e a presença de espécies ameaçadas. Dessa forma, pouparia o proprietário de pagar por um serviço que poucas pessoas têm condição de realizar com excelência.

Por fim, seriam avaliados aspectos sociais e de paisagem, adotando um ou mais serviços ambientais como indicadores. O foco seria não apenas na sociedade de modo geral, mas na população local, mais afetada pela remoção da floresta, com a perda de serviços ecossistêmicos como água, bem-estar e regulagem do clima.

“A Lei da Mata Atlântica foi uma grande vitória para a sociedade brasileira. No entanto, um novo escopo técnico é necessário para reforçá-la quase duas décadas após sua promulgação e mais de três décadas depois da resolução estadual. O conhecimento sobre a Mata Atlântica aumentou dramaticamente nos últimos anos e está disponível para desenvolver regras mais efetivas e baseadas na ciência”, encerram os autores.

O estudo contou, ainda, com apoio da Fapesp por meio do Núcleo de Análise e Síntese de Soluções Baseadas na Natureza (BIOTA Síntese), do Centro de Ciência para o Desenvolvimento Estratégia Mata Atlântica (CCD-EMA), além de bolsas de pós-doutorado (22/14605-020/06734-022/07712-5 e 23/00412-9).  

Este texto foi publicado originalmente no site da Agência Fapesp em 20/5/2024