sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Justiça reabre processo e mantém Parque Estadual do Cristalino II

 


Justiça reabre processo e mantém Parque Estadual do Cristalino II



08 agosto 2022    
Decreto de criação da unidade de conservação, de 118 mil hectares de Floresta Amazônica, segue vigente e caso pode chegar ao STF

Por Observa-MT


Após a justiça ter dado ganho de causa a uma empresa para revogar decreto que criou o Parque Estadual do Cristalino II (MT), o processo (nº 0001322-40.2011.8.11.0082) foi reaberto na sexta-feira (5), com a retirada da certidão de “trânsito em julgado”.

O “trânsito em julgado” é o momento em que uma sentença se torna definitiva e não cabe mais recurso no processo. Reverter esse quadro é algo incomum, até raríssimo, na justiça brasileira.

No caso do Cristalino II, isso se deu porque o Ministério Público não foi citado sobre a decisão e sobre os prazos de recurso. Com o reconhecimento desta falha processual, agora o MP poderá recorrer a instâncias como o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

A consultora jurídica e de articulação do Observa-MT (Observatório Socioambiental de Mato Grosso), Edilene Amaral, ressalta que a área continua fazendo parte do banco das Unidades de Conservação do Estado. “O parque continua existindo e protegido. Qualquer atividade incompatível com a sua categoria, que é de proteção integral, continua vedada e passível de penalidades”.

A decisão que poderia resultar na extinção do parque mobilizou a sociedade civil. O Observa-MT e outras 45 organizações se aliaram para fazer frente ao retrocesso sem precedentes.

Em manifesto, defenderam a proteção do Parque Cristalino II. “É mais um dos diversos ataques que as áreas protegidas no Estado vêm sofrendo e pode representar um precedente perigoso”.

As organizações registram na nota que a sentença se deu sem que a PGE (Procuradoria Geral do Estado) tivesse interposto nenhum recurso. E que o “procurador do Estado, em seu parecer, pede a retirada do parque das bases de dados da Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente), fundamentado pela decisão da Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo do TJMT (Tribunal de Justiça de Mato Grosso), que acolheu a tese do não cumprimento da exigência de consulta pública”.

Mas as organizações questionam esse argumento, pois “esse mesmo critério não tem sido reconhecido pelo TJMT e nem mesmo pela Procuradoria Geral do Estado especializada na questão ambiental (SUBPGMA) quando se trata de exigência para contemplar comunidades tradicionais, indígenas ou organizações que visam proteger a biodiversidade do Estado”.

Segundo levantamento do Instituto Socioambiental para Unidades de Conservação, a região do Cristalino abriga mais de 600 espécies de aves catalogadas, sendo que 23 delas constam na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção do Ministério do Meio Ambiente. Conforme levantamento realizado pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT/ Sinop, foram identificadas 60 espécies de anfíbios, 82 espécies de répteis, 39 espécies de peixes e 38 espécies de mamíferos de médio e grande porte, sendo 12 delas também consideradas ameaçadas de extinção.

Conforme levantamento da FEC (Fundação Ecológica Cristalino), Sema, Unemat (Universidade do Estado de Mato Grosso) e Royal Botanica Gardens, foram catalogadas mais de 1.400 espécies da flora do Parque Cristalino. O estudo foi publicado em 2010.

A área, de 118 mil hectares do Cristalino I concentra floresta de terra firme, floresta estacional, de igapó, varjões, afloramentos rochosos e o rio Cristalino.

Vale ressaltar que, segundo o decreto que se pretendia anular, o parque foi criado, “considerando a necessidade de se assegurar a proteção integral dos recursos bióticos, abióticos e paisagísticos das áreas de floresta primárias, corredeiras, cachoeiras e sítios arqueológicos no Município de Novo Mundo. Localizado ao norte do estado, o Parque Estadual Cristalino II limita-se com a Serra Rochedo até a divisa com o Pará, em um lugar de profusão de nascentes de água pura e cristalina, que justificam o nome da Unidade de Conservação.

Os serviços ambientais prestados pelo Parque Estadual do Cristalino II são fundamentais para a própria agricultura do estado e do país. Entre estes serviços está a manutenção do regime de chuvas, com a formação dos Rios Voadores que transportam umidade da Floresta Amazônica que se transformará em precipitações em outras regiões do país. 

O documento, que tem como fonte dados de 2002 da Fundação Estadual do Meio Ambiente – que no Governo de Blairo Maggi virou Sema -, destacava que a região era ameaçada pela extração ilegal de madeira e grilagem.

Leia a manifestação na íntegra e confira as entidades que assinam o documento, aqui.

Há um mês fogo devasta Unidade de Conservação na Amazônia mato-grossense

 


Há um mês fogo devasta Unidade de Conservação na Amazônia mato-grossense

Posted on 12 setembro 2022

No Parque Cristalino, proprietários rurais formam brigadas para combater os incêndios

No Parque Cristalino, proprietários rurais formam brigadas para combater os incêndios

Por SOS Cristalino


O Parque Estadual Cristalino I e II, situado no sul da Amazônia, norte de Mato Grosso, está sendo destruído pelo desmatamento e queimadas. Desde o dia 13 de agosto, quando o fogo começou, a unidade já perdeu 5.080 hectares. Na área de entorno da unidade de conservação, o fogo atingiu mais 1.800 hectares, além de propriedades rurais e habitações. A unidade de conservação tem, ao todo, 184.900 hectares e está localizada entre os municípios mato-grossenses, de Alta Floresta e Novo Mundo, divisa entre Mato Grosso e Pará. Os dados foram divulgados pelo projeto Observatório Socioambiental de Mato Grosso (ObservaMT)

Até o domingo (11), não foi registrada a presença de instituições públicas de defesa do meio ambiente no combate ao fogo. Foi criada uma Brigada de Combate aos Fogo, iniciativa de propriedades privadas para combater os incêndios no parque e em propriedades particulares do seu entorno. “Estamos tentando salvar o parque Cristalino e as propriedades rurais no entorno, mas não temos brigadistas e equipamentos adequados, como, por exemplo, aeronaves. Aguardamos reforços do Governo de Mato Grosso”, disse a coordenadora da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação (Rede Pró-UC), Ângela Kuczach.

Tudo começou há um mês, depois do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) anunciar decisão judicial favorável a uma empresa agropecuária reivindica a extinção do Parque Cristalino II, com 118 mil hectares. 

A consultora jurídica e de articulação do Observa-MT, Edilene Amaral explica que o Ministério Público de Mato Grosso conseguiu reverter em parte a ação que deve ter ainda uma decisão final junto aos órgãos superiores de justiça. 

"Apesar do ganho jurídico que manteve ainda recorrível a decisão judicial do processo que tenta extinguir o Parque do Cristalino II, o que vemos é que mesmo que irreal, a possibilidade da extinção da UC estimula as ações criminosas de grilagem, desmatamentos e de incêndios florestais na região. O cenário piora com a inércia do Poder Público de combater essas práticas criminosas", diz.
 

Biodiversidade ameaçada

O Parque Cristalino I e II é uma das unidades de conservação mais importantes da Amazônia, com 600 espécies de aves registradas, das 850 existentes em toda a Amazônia brasileira. Dessas 600 espécies, 25 delas estão oficialmente ameaçadas de extinção. Outra espécie única no mundo é o macaco-aranha-de-cara branca (Ateles marginathus), símbolo do parque.

Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), foram registrados 112.749 focos de calor no Brasil entre os dias 1 de julho até o dia 9 de setembro, 60% deles, na Amazônia. 

Mato Grosso responde por 30% das queimadas na Amazônia Legal. Conforme dados coletados pela plataforma Global Fire Emission Data Base ( GFED/NASA), de 1 janeiro de 2022 até o dia 7 de agosto, foram queimados 3,7 milhões de hectares, sendo 1,9 milhões de hectares queimados no período proibitivo (1 de julho a 30 de outubro).

A região norte de Mato Grosso, no Arco do Desmatamento, é alvo de grilagem de terras públicas e invasão de unidades de conservação e territórios indígenas. A área do Parque Estadual Cristalino I e II pertencia à União e foi doada ao Governo de Mato Grosso quando o parque foi criado a partir de 2000 e 2001, respectivamente. 
 

Alertas do INPE

Entre os dias 1 de julho até o dia 2 de setembro, O INPE emitiu 3.099 alertas referentes a uma área de 5.719,67 km² na Amazônia, 2.770,57 km² na Amazônia mato-grossense. Ainda em agosto, o MapBiomas, iniciativa do SEEG/OC (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima) divulgou que o Brasil já perdeu 13% da vegetação nativa da floresta amazônica nos últimos 37 anos. 

O desmatamento atingiu 830.429 km² até 2021, ou uma perda de cerca de 21% da área total original da floresta (Prodes, Inpe). Em 2021, a cobertura vegetal dessa região distribuía-se em floresta nativa (63%) e vegetação nativa não florestal (19%). O restante da área (2%) é composto pela rede hidrográfica de rios e lagos.

Preservar a Amazônia é fundamental para a manutenção dos serviços climáticos, como a chuva, além de contribuir para as metas de gases de efeito estufa e reduzir os efeitos do aquecimento global

 

VotePeloCerrado: Campanha da sociedade civil cobra propostas para salvar o bioma

 


VotePeloCerrado: Campanha da sociedade civil cobra propostas para salvar o bioma

Posted on 8 setembro 2022

Geralmente esquecido por candidatos, bioma já perdeu metade de sua vegetação original

Geralmente esquecido por candidatos, bioma já perdeu metade de sua vegetação original 

Por ISPN


O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) lança a campanha #VotePeloCerrado, uma ação de conscientização sobre a importância do bioma e as consequências trágicas que sua degradação pode causar para nossa sociedade caso  não haja políticas públicas efetivas para salvar a savana mais biodiversa do mundo, conhecida como “berço das águas” do Brasil. A intenção é mobilizar cidadãos na cobrança de seus candidatos sobre propostas para conservação de seus ecossistemas e combate ao desmatamento em ascensão.

A campanha pode ser acessada pelas redes sociais do ISPN (@ispn_brasil) e conta com duas ações offline de sensibilização de público, por meio de degustação de sucos de frutos nativos do Cerrado e distribuição gratuita de água para hidratação (veja abaixo). #VotePeloCerrado é realizada por ISPN e Rede Cerrado, com apoio do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), Small Grants Programme, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Projeto CERES, União Europeia e WWF-Brasil.

“É importante que as pessoas conheçam a diversidade de sabores do Cerrado, o potencial que esses frutos têm para geração de renda e a conservação da biodiversidade. A água que sacia a sede e que gera a energia de inúmeras casas do país vem do Cerrado”, explica Isabel Figueiredo, Coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do ISPN. “Sem Cerrado, não há água e, sem água, não há vida. O Cerrado grita por socorro e nós gritamos pelo Cerrado”.

O vídeo inaugural da campanha apresenta o Cerrado como o melhor candidato dessas eleições, porque cumpre tudo aquilo que promete: segurança alimentar, água fresca, geração de energia e renda, diversidade cultural e equilíbrio climático. “Como nosso herói não é um candidato real, precisamos cobrar daqueles que receberão nossos votos propostas que incluam a conservação do bioma”, destaca Figueiredo.

Entre 30 de agosto e 2 de outubro, as peças veiculadas nas redes sociais do Instituto trazem dados científicos e associações do bioma com o cotidiano dos brasileiros, independentemente da região em que habitam.
 

Ações offline de sensibilização

Duas parcerias fortalecem a campanha para realização de ações offline de degustação de sucos de frutos nativos e distribuição de água gratuita: uma delas é o Festival Ilumina, que chega à sua 8ª edição na Chapada dos Veadeiros (GO); a outra é a Rede Cerrado, em Brasília (DF).

Entre os dias 9 e 10 de setembro, a “estação de hidratação” do ISPN estará na Aldeia Multiétnica, em Alto Paraíso de Goiás (GO), para sensibilização do público do Festival Ilumina. No dia 11, Dia Nacional do Cerrado, é a vez da estação se juntar à programação do Grito pelo Cerrado, realizado pela Rede Cerrado no Eixão Norte, na altura da 210 norte.

As atividades da data especial na capital brasileira incluem ações culturais de corrida de tora com os povos indígenas Xavante e Timbira, oficina artística para crianças, oficina percussiva Vivendo & Batucando, ações musicais e mais.
 

Sabores

Cajuzinho-do-cerrado, araticum, murici, pequi, buriti, babaçu, bacuri, cagaita, mangaba, jatobá e tantas outras delícias são apenas algumas das milhares de espécies de plantas presentes no Cerrado, conservadas por agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais. Durante a campanha, o público poderá conhecer alguns desses sabores e entender como é possível cobrar de políticos ações para a conservação deste bioma que já perdeu metade da sua vegetação nativa.Serão distribuídos pelas estações de hidratação do ISPN sucos de araticum, coquinho azedo, mangaba e cagaita, além de água mineral para compensar a seca e o calor. A distribuição será feita até acabarem os estoques e o público poderá retirar o brinde especial, um copo da campanha para levar um pedaço do Cerrado para casa e lembrar de votar pelo bioma.
3 eixos para salvar o Cerrado

Terena Castro, assessora técnica do ISPN, destaca que a conservação do Cerrado é urgente e possível por meio de caminhos interdependentes que devem ser garantidos pelos políticos eleitos, que são: o uso sustentável, o fim do desmatamento e a inclusão dos produtos da sociobiodiversidade nativa no consumo cotidiano das pessoas.

“É importante que cidadãos estejam atentos às propostas dos candidatos e que cobrem de políticos ações que possam salvar o Cerrado. A ameaça real que o bioma sofre é um risco para nossa segurança alimentar, para nossas fontes de água e para o equilíbrio climático global, além de violar direitos territoriais de milhares de comunidades tradicionais do país”, comenta.

“É preciso pesquisar as propostas e a trajetória de candidatos que receberão nossos votos neste ano, para verificar se eles se comprometem com o uso sustentável da biodiversidade, com a redução do desmatamento no Cerrado, e com a economia de povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares, que chamamos de ‘economia da sociobio’. Essa atitude salva o Cerrado”, completa.
 

Cerrado sociobiodiverso

No bioma, vivem mais de oitenta etnias indígenas, além de quilombolas, geraizeiros, vazanteiros, quebradeiras de coco, ribeirinhos, pescadores artesanais, comunidades de fundo e fecho de pasto, entre outros, que têm seus modos de vida diretamente relacionados com a biodiversidade local. O Cerrado abriga os aquíferos Guarani, Bambuí e Urucuia, além de nascentes de oito das doze principais regiões hidrográficas do Brasil. Ele é responsável por 70% da vazão do Rio São Francisco e 47% da vazão da bacia do Rio Paraná, que abastece a hidrelétrica de Itaipu.

O Cerrado é tema de segurança global, sendo central para os debates sobre mitigação das mudanças climáticas. Com raízes que ultrapassam 30 metros de profundidade, representando até 75% da biomassa de arbustos e árvores, o bioma consegue estocar cerca de 13,7 bilhões de toneladas de carbono.
 

Ameaça de extinção

Entre agosto de 2020 e julho de 2021, o Cerrado perdeu área de vegetação nativa equivalente a 6 cidades de São Paulo, um aumento de 8% em relação ao ano anterior. A região do MATOPIBA, que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, concentrou 61,3% do desmatamento no período (ou perda de 5.227,32 km²). Segundo Mapbiomas, foram quase 6 milhões de hectares perdidos em uma década, de 2010 a 2020. A monocultura é uma das principais responsáveis pelo desmatamento.

De acordo com dados do Mapbiomas, a área de lavoura no Brasil triplicou entre 1985 e 2020, passando de 19 milhões de hectares para 55 milhões. Destes, 36 milhões de hectares são dedicados à soja, em uma área maior do que a Itália. Metade desse avanço está no Cerrado, que perdeu 16,8 milhões de hectares para a soja nos últimos 36 anos.

“O Cerrado, escrito com inicial maiúscula, é tão importante quanto a Amazônia para biodiversidade e equilíbrio climático. A minimização das desigualdades sociais depende também do incentivo a um desenvolvimento sustentável”, afirma Terena Castro. “O segundo maior bioma do Brasil serve de moradia, alimentação e geração de renda para milhares de comunidades tradicionais do país, muitas invisibilizadas nos mapas oficiais”, finaliza.
 

Sobre a Rede Cerrado

A Rede Cerrado surge durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Brasil em 1992 (Eco-92), para enfrentar as ameaças que o bioma já vinha enfrentando. Atualmente, a Rede é composta por mais de 60 entidades da sociedade civil associadas, representadas por indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, vazanteiros, fundo e fecho de pasto, pescadores artesanais, geraizeros, extrativistas, veredeiros, caatingueros, apanhadores de flores Sempre Viva e agricultores familiares, que são os verdadeiros guardiões da biodiversidade do Cerrado.

 

Parlamento Europeu aprova nova regra contra produtos oriundos de áreas de desmatamento

 


Parlamento Europeu aprova nova regra contra produtos oriundos de áreas de desmatamento



13 setembro 2022    
Por WWF-Brasil

Por 453 votos contra 53, o Parlamento Europeu aprovou hoje uma ambiciosa proposta de lei proibindo a comercialização nos países do bloco de produtos oriundos de áreas desmatadas em qualquer parte do mundo.  A posição do Parlamento também inclui o setor financeiro europeu, que tem apoiado desmatadores ao redor do planeta.

De acordo com a proposta aprovada pelos parlamentares, todos terão de cumprir um conjunto de regras que impedem a comercialização na UE (União Europeia) de produtos ligados ao desmatamento. Os eurodeputados também querem que as empresas verifiquem se os bens são produzidos de acordo com as disposições de direitos humanos no direito internacional e se respeitam os direitos dos povos indígenas.

A produção deve também respeitar a legislação no país de origem, e, no caso Brasil, estudos apontam que mais de 90% do desmatamento tem indício de ilegalidade.

“As medidas do bloco europeu vão impedir a entrada de produtos que direta ou indiretamente estejam relacionados com o desmatamento de importantes biomas brasileiros, como a Amazônia e o Cerrado, e são um claro sinal para o setor produtivo de que a proteção ambiental e dos direitos humanos são itens mandatórios nos negócios internacionais”, afirma Jean François Timmers, Gerente de Políticas Públicas para Cadeias livres de Desmatamento e Conversão da Rede WWF.

“Trata-se de um estímulo à separação do joio e do trigo do agronegócio brasileiro, uma oportunidade de merecida diferenciação comercial entre quem atua com responsabilidade socioambiental e dentro da lei, daqueles que invadem e grilam terras, violam direitos, desmatam e queimam ilegalmente -- produtores estes que até então vendiam nos mesmos mercados e sem maiores restrições os seus produtos", afirma Frederico Machado, líder da estratégia de Conversão Zero do WWF-Brasil. "Finalmente, será reconhecida pelos importadores a banda boa do agronegócio, que percentualmente é a maioria do setor. E, ao contrário do que vem sendo dito por quem representa interesses de grileiros e produtores que se favorecem do desmatamento ilegal não haverá interrupção ou boicote de produtos para a imensa maioria dos produtores brasileiros, que já fazem a coisa certa."
 
Contrariando o pedido do atual governo brasileiro, a proposta não faz  distinção entre desmatamento legal e ilegal. Isso evitará que mudanças legislativas que afrouxem regras de proteção, como as que estão em discussão no Congresso Nacional, possam ampliar as áreas que podem ser legalmente desmatadas, o que tornaria inócua a nova regra europeia, que tem como objetivo justamente eliminar o desmatamento derivado da expansão agropecuária.

Os eurodeputados estabeleceram que os produtos não devem ter sido produzidos em terras desmatadas após 31 de dezembro de 2019 - uma data de corte um ano anterior àquela ora proposta pela Comissão Europeia. Na prática, isso significa que as empresas importadoras passarão a verificar (a chamada “due diligence”) se os produtos vendidos na UE não foram produzidos em terras desmatadas ou degradadas a partir desta data. A medida visa garantir que os consumidores europeus não estarão, indireta e involuntariamente, contribuindo com a destruição de ecossistemas naturais para abertura de novas áreas para o agronegócio. O desmatamento é uma das principais ameaças à biodiversidade e uma das maiores fontes de emissões dos gases que estão acelerando a crise climática.

Essa regra beneficia sobremaneira o Brasil, que dispõe de tecnologia de produção, sistemas públicos de transparência (como Prodes Amazônia e Cerrado, Sistema CAR, SIGEF/Incra) e que possui imensas extensões de terras já desmatadas e aptas para multiplicar sua produção agrícola atual por 3 ou 4, no mínimo, sem precisar cortar uma só árvore sequer. Também ficou amplamente comprovado que o desmatamento é um dos grandes vetores das mudanças climáticas, reduzindo as chuvas que são essenciais para garantir a boa produção no campo.

Anke Schulmeister-Oldenhove, Diretora Sênior de Políticas Florestais do Escritório de Políticas Europeias do WWF: “A votação no Parlamento hoje para uma forte lei de desmatamento foi um claro sim: um sim para reduzir a pegada da UE e um sim para proteger florestas e savanas e os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais ao redor do mundo. Também foi um sim aos apelos dos cidadãos da UE que não querem alimentar a destruição da natureza através do seu consumo”.
 

Cerrado também será protegido

Outro importante avanço foi a inclusão de “outros ecossistemas com cobertura arbórea” (other wooded lands) além das florestas no texto da lei. Isso significa que produtos oriundos do desmatamento de quase toda a extensão do Cerrado brasileiro, por exemplo, também serão barrados. Para tanto, a nova lei passa a exigir também um número maior de verificações de produtos, definições mais claras para termos importantes como “degradação florestal” e um leque de produtos amplo, que vai além da carne bovina e soja, abrangendo cacau, café, óleo de palma e madeira e incluindo produtos derivados dessas atividades agropecuárias, como couro, chocolate e produtos que usaram soja, por exemplo.
 
A aprovação da proposta coincide com o recorde de desmatamento da Amazônia registrado em agosto: 1.661 km², área 81% superior ao registrado em agosto do ano passado, de acordo com dados do Sistema DETER, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Esse total é o segundo maior da série histórica do sistema, iniciada em 2016, sendo superado apenas por agosto de 2020, também durante o governo Bolsonaro, quando o desmatamento no bioma chegou a 1.714 km². No acumulado de 1 de janeiro a 31 de agosto, foram registrados alertas de desmatamento 52,1% superiores à média histórica do DETER para o período.  O Cerrado, por sua vez, perde mais de dois mil hectares de vegetação nativa por dia.

Por outro lado, há no Cerrado cerca de 38 milhões de hectares de terras já desmatadas  aptas à expansão da produção de soja. Essa é praticamente equivalente à área total de plantio de soja no Brasil todo. Ou seja, com um uso mais inteligente das terras já abertas, a produção de soja poderia quase dobrar, só no Cerrado, sem contar os milhões de hectares já abertos e com baixa produtividade disponíveis nos outros biomas.

Importante ainda salientar que já dispomos no Brasil de boas inspirações sobre como implementar políticas de desmatamento zero (legal e ilegal), sem comprometer a expansão produtiva. Um dos grandes exemplos mundiais é exatamente a Moratória da Soja na Amazônia, que desde o seu início, em 2006, permitiu a expansão da produção de soja no bioma em mais de 400% (ocupando principalmente pastagens degradadas), sem que tenha havido um impacto relevante de desmatamento.
 

Histórico e próximas etapas

A partir de agora, o texto da lei será discutido em diálogo tripartite entre o Parlamento Europeu, a Comissão e o Conselho da Europa, para aprovação de um texto definitivo, previsto para ser promulgado no final deste ano ou no início do ano que vem.

O texto hoje aprovado resulta de um clamor sem precedentes dos cidadãos europeus: mais de 200 mil pessoas enviaram mensagens aos deputados do Parlamento Europeu pedindo pela proteção dos ecossistemas naturais. Houve igualmente o apelo por parte de  povos originários em países que exportam para a Europa, inclusive povos do Brasil, que têm até suas próprias vidas ameaçadas pelo processo de avanço da produção agropecuária sobre suas comunidades e áreas de vegetação nativa.

Na semana passada, a Rede Cerrado entregou a “Carta dos Povos do Cerrado” a eurodeputados, governos e setor privado europeus, demandando uma legislação ambiciosa que tenha a capacidade de eliminar o desmatamento do Cerrado. Essa carta contou com a assinatura de mais de 130 organizações de base comunitária, sociedade civil e grupos acadêmicos.
 

Sobre o WWF-Brasil

O WWF-Brasil é uma ONG brasileira que há 26 anos atua coletivamente com parceiros da sociedade civil, academia, governos e empresas em todo país para combater a degradação socioambiental e defender a vida das pessoas e da natureza. Estamos conectados numa rede interdependente que busca soluções urgentes para a emergência climática.