O custo de fazer negócio e os mitos do progresso
Por Amelia Gonzalez
O governo
do Canadá, mesmo sob pressão intensa dos cidadãos que levam a sério os alertas
dos cientistas que mostram os impactos causados no meio ambiente pelo uso
abusivo dos combustíveis fósseis, decidiu enfrentar. Comprou o gasoduto já
existente e o projeto de expansão da Kinder Morgan por US $ 4,5 bilhões depois
que a empresa suspendeu os trabalhos diante da incerteza da sustentabilidade de
seu negócio. E Dodge, num evento
realizado quarta-feira passada num escritório de advocacia, justificou a atitude do
primeiro-ministro Justin Trudeau.
Para Dodge, a expansão do gasoduto vai ajudar a economia do
país, já que o “impacto dos gargalos de transporte nos preços do petróleo
canadense custa cerca de US $ 10 bilhões por ano”. Portanto, diz o executivo,
não se justificam os atos da sociedade civil, também por que o empreendimento
estaria atendendo aos padrões mundiais do ambiente. Dodge considera as
manifestações como “o equivalente ao zelo religioso que leva ao desrespeito à
lei de uma forma radical, que poderia levar à morte ... ”
“Somos, coletivamente, uma sociedade disposta a permitir que
os fanáticos obstruam a vontade geral da população? Isso acaba sendo um teste
real para saber se realmente acreditamos no estado de direito”, disse ele.
Sem considerar todo o drama vivido pelos indígenas que estão
no caminho desse progresso que chegará para outros por um cano que atravessará
seu território, há, no cerne desse discurso, uma negação de diversos estudos.
Dodge não menciona os riscos ambientais que já existem e já estão transtornando
a vida de 18 milhões de pessoas no mundo todo, deslocadas por terem que
enfrentar os efeitos das mudanças climáticas causadas pelo uso dos combustíveis
fósseis. E deixa, também, de lado, o impacto à saúde humana, já registrado em
diversos relatórios. Apenas para citar um, e bem aqui perto: o Laboratório de
Poluição Atmosférica da Universidade de São Paulo fez um estudo em 2005 onde
concluiu que o paulistano perde, em média, dois anos de vida em função da
poluição ambiental.
“Diferentemente do cigarro, a poluição do ar não pode ser
evitada”, concluíram os pesquisadores do estudo.
Menosprezando tudo isso, o executivo do banco priorizou a
economia do país. É parte de sua natureza, no fim das contas. E é esta reflexão
que pode nos levar a tentar encontrar um caminho que não está na polarização,
na dialética. Neste sentido, gosto da leitura de “O mito do progresso”, livro
escrito por Gilberto Dupas dois anos antes de sua morte em 2008, e lançado pela
Editora Unesp.
Dupas lutou contra a ditadura militar nos anos 60, ocupou o
cargo de presidente de uma empresa de papel e celulose, e quando o governo
civil assumiu o poder, esteve como executivo na Caixa Econômica, no Banespa,
além de ter sido Secretário de Agricultura e Abastecimento. É, portanto, um
defensor do diálogo, cuja vida foi interrompida cedo demais por causa de um
câncer.
No capítulo em que se dedica a escrever sobre o meio
ambiente e o futuro da humanidade, Dupas estuda o modelo de desenvolvimento
implantado pela civilização global que “conduz à prioridade do conforto
aparente sobre a saúde e a preservação da vida e da natureza”. E esmiuça, à luz
de uma vontade clara que leva à disposição para se obter algum consenso nessa
dinâmica, o papel do empreendedor:
“A regra básica do empreeendedor dentro da lógica
capitalista é a maximização do lucro. Regulação e restrições só são assimiladas
quando definidas e punidas pelo setor público, ou quando a auto-regulação
mostra vantagens mercadológicas significativas por melhorar a imagem do produto
ou da empresa diante do mercado conumidor ou investidor. ... essa afirmação não
inclui nenhum julgamento moral sobre as empresas, já que faz parte da natureza
delas buscar continuamente estratégias para a maximização dos seus resultados.
Portanto, a questão ambiental nunca será a prioridade maior de suas gestões,
mas sim um problema a contornar ou utilizar para gerar melhores resultados
econômicos a médio prazo. Resta à sociedade, por instrumentos que puder estruturar,
fazer valer sua opinião sobre que riscos se dispõe a correr; e com que
objetivos”, escreve Dupas.
O caminho, portanto, indicado pelo cientista social, é
justamente aquele que Dodge enfrentou na quarta-feira passada. No site da organização 350.org (o nome da ONG
corresponde ao número de partículas por milhão de dióxido de carbono que o
planeta teria condições de absorver – já estamos em 470), esta resistência que
está sendo levada à frente por pessoas a favor de manter os combustíveis
fósseis no solo está bem explicada. No mundo todo, são sete frentes de luta que
estão dando certo, fazendo barulho, embargando obras.
O Salve Lamu está contra a instalação da primeira usina a
carvão do continente africano, fora a África do Sul e tem apoios nacionais e
internacionais. Há um movimento também contra a instalação de outro oleoduto,
da Ponte Bayou, ao sul da Louisiana: combinado com os efeitos das mudanças
climáticas que já são sentidos, os pântanos da Louisiana – e as comunidades que
prosperaram em seu entorno por gerações – estão ameaçados.
Linha 3 é outra
proposta de oleoduto que traria petróleo bruto das areias betuminosas de
Alberta, no Canadá, até Superior, em Wisconsin, nos Estados Unidos, e há também
uma organização maciça da sociedade civil contra ela. Aqui no Brasil, o
movimento “No Fracking” vem resistindo, desde 2012, à prática de tirar gás de
xisto com técnicas perigosas não só ao ambiente como à saúde humana.
Por fim, o Gasoduto Trans Adriático – ou TAP, na abreviação
do inglês – faz parte do Corredor Sul de Gás, um mega gasoduto de mais de três
mil quilômetros que permitiria que o gás, um combustível fóssil poluente
composto principalmente de metano, fluísse do Azerbaijão para a Europa, também
tem resistência forte. E o Pare Adani mobilizou dezenas de milhares de pessoas
em todo o mundo contra a instalação da usina de carvão Carmichael, proposta em
Queensland, no extremo Nordeste da Austrália, pronta para ser a maior daquele
país e uma das maiores do mundo.
Como se vê, há muita luta, pouco diálogo. As empresas ainda
podem, dia a dia, se surpreender com as atividades organizadas que fogem do
atual senso comum do “cada um por si”, impondo uma agenda de iniciativas
coletivas bem potente. Pode ser o caminho para uma civilização menos egoísta e
mais aberta a considerar o progresso dominante como um mito que, segundo Dupas,
que deve ser desvelado, já que é sempre “renovado por um aparato ideológico
interessado em nos convencer que a história tem um destino certo – e glorioso –
que dependeria mais da omissão embevecida das multidões do que da sua vigorosa
ação e da crítica de seus intelectuais”.