segunda-feira, 26 de junho de 2017

O vexame escandinavo de Michel Temer

Por Claudio Angelo
Ambientalistas protestam contra Temer em Oslo. Foto: Ronny Hansen/Rainforest Foundation Norway.
Ambientalistas protestam contra Temer em Oslo. Foto: Ronny Hansen/Rainforest Foundation Norway.
Na mitologia escandinava, Ragnarök designa uma série de eventos futuros que resultariam num grande cataclismo, na morte dos deuses e finalmente na submersão do mundo. Foi mais ou menos o que aconteceu com Michel Temer nesta semana, em sua primeira viagem oficial à Noruega. O presidente achou por bem dar uma banda no norte europeu para escapar por uns dias da crise política, mas acabou enfrentando um Ragnarök particular: na sexta-feira, o saldo de sua visita de dois dias a Oslo era um puxão de orelha dos noruegueses, um humilhante corte de doação internacional, um protesto de rua — e uma gafe.
Não precisava saber ler as runas para ver que o rolê não tinha como terminar bem. Afinal, para o cidadão norueguês médio, a única coisa que importa no Brasil é a Amazônia. (Antes que vocês venham com essa de “esses europeus já desmataram tudo e agora vêm cagar regra pra cima da gente”, saibam que a Noruega é 40% floresta, 40% campos naturais e montanhas, 7% pedra e gelo, 7% água e só 3% agricultura. Grato.) A Noruega doou US$ 1,1 bilhão de seu fundo soberano para financiar a política de redução do desmatamento no Brasil desde 2008. Mesmo para um dos países mais ricos do mundo, US$ 1,1 bilhão é um bom dinheiro. A única coisa que eles pediram em troca foi a redução das taxas de desmatamento. E o Brasil não tem como esconder a má notícia.
O desmatamento na maior floresta tropical do mundo está fora de controle — admitiu-o candidamente o ministro Sarney Filho em Oslo, na fala mais desastrada de seu mandato: “só Deus pode garantir” que a taxa cairá. Essa taxa cresceu 60% nos últimos dois anos, e o presidente brasileiro e seu governo “semiparlamentarista” têm feito de tudo para que cresça ainda mais.
Num esforço para se manter na cadeira, em que cada voto no Congresso importa, Temer se atirou de corpo e alma nos braços da bancada ruralista, que apoiou o impeachment vendo na ascensão do peemedebista uma janela para implementar de forma mais acelerada sua agenda de desregulamentação total do campo.
A lista de malfeitos ambientais resultante dessa aliança é conhecida: congelamento da demarcação de terras indígenas, desmonte da Funai, licenciamento ambiental ameaçado pelo próprio ministro da Casa Civil (aliás acusado de crimes ambientais e sobre quem há suspeitas de grilagem, mas fecha parênteses) e duas Medidas Provisórias ceifando 600 mil hectares de áreas protegidas para atender meia-dúzia de políticos e grileiros locais do Pará.
Reduzir áreas protegidas, ou mesmo ameaçar reduzi-las, é uma das maneiras mais eficientes de aumentar o desmatamento. Tudo o que os grileiros precisam é de um sinal de que o crime pode compensar e ser anistiado. As MPs de Temer, aliadas ao corte de 43% no orçamento do Ministério do Meio Ambiente, garantiam uma continuidade no ritmo das motosserras.
“Reduzir áreas protegidas, ou mesmo ameaçar reduzi-las, é uma das maneiras mais eficientes de aumentar o desmatamento”.
Os noruegueses evidentemente acompanham a movimentação. Na semana passada, seu ministro de Clima e Meio Ambiente, Vidar Helgesen, mandou uma carta delicadamente desaforada a Sarney listando suas preocupações e ameaçando cortar o Fundo Amazônia caso a curva ascendente da devastação não fosse revertida. Helgesen lembrou que as regras do Fundo Amazônia, do BNDES, que gerencia a doação norueguesa, foram fixadas pelo próprio Brasil, e estão atreladas a resultados: se o desmatamento cai, o país acessa o dinheiro. Se sobe, não acessa.
Temer bem que tentou encarnar Loki, o trapaceiro filho de Odin, e anunciar na segunda-feira, antes de embarcar para Moscou e Oslo, o veto às Medidas Provisórias que retalhavam as áreas protegidas na Amazônia. Fez questão de comunicá-lo trumpianamente, num tuíte dirigido à modelo Gisele Bündchen.
A malandragem, porém, já havia sido desmascarada na véspera, sem querer, pelo próprio Sarney Filho. No domingo, num vídeo, visivelmente constrangido ao lado do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Sarney anunciou ao “setor produtivo” da região de Novo Progresso que Temer vetaria as MPs. Não pelo mérito, mas pela forma: cortar área protegida usando um expediente inconstitucional poderia causar questionamentos judiciais — e seria pior para todo mundo.
Os dois, então, emendam que o governo mandaria em “urgência constitucional” ainda nesta semana, um projeto de lei para reduzir a Floresta Nacional do Jamanxim. O PL tiraria da Flona os mesmos 486 mil hectares da MP, ou seja, trocaria seis por meia-dúzia. Quando Temer entrou no Aerolula na segunda, até os índios isolados da Amazônia já sabiam que o veto era para norueguês ver. A cobertura do Jornal Nacional naquela noite já alertava sobre a patranha.
Na quinta-feira, numa coletiva improvisada no saguão do Ministério do Meio Ambiente da Noruega, ao lado de Sarney Filho, Helgesen confirmou que haveria uma redução da ordem de 50% no próximo repasse. Parte da imprensa brasileira e internacional presente ao local interpretou a declaração, em resposta a perguntas da imprensa, como um anúncio — o que não foi, porque a redução é automática dada a taxa de desmatamento. A interpretação equivocada, publicada inclusive pelo Observatório do Clima, ganhou repercussão imensa: por dois dias "Fundo Amazônia" ficou entre os "trending topics" do Twitter. Na sexta-feira, Helgesen soltou uma nota oficial reafirmando a parceria entre Noruega e Brasil, esclarecendo mais uma vez que o corte é uma regra do fundo e dizendo que, na verdade, a redução seria maior do que o divulgado: de US$ 110 milhões para um máximo de US$ 35 milhões, ou 68%.
Também na sexta, a premiê norueguesa, Erna Solberg, aproveitou para fazer um bonito com os contribuintes e puxar a orelha de Temer sobre o desmatamento. O brasileiro, que já tinha encarado uma manifestação contra sua política ambiental na entrada da residência oficial da premiê, deve ter ficado nervoso, porque chamou a Noruega de Suécia no pronunciamento conjunto.
“Agora Temer tem contra si, além de todos os ambientalistas — que redescobriram sua voz — e 93% da população brasileira, a imprensa internacional, o principal doador do Fundo Amazônia… e a Gisele Bündchen”.
Agora Temer tem contra si, além de todos os ambientalistas — que redescobriram sua voz — e 93% da população brasileira, a imprensa internacional, o principal doador do Fundo Amazônia… e a Gisele Bündchen. Num feito possivelmente inédito na história das visitas de Estado, o presidente foi ao exterior e voltou com um corte de investimentos em vez de uma promessa de mais dinheiro.
Mas até o Ragnarök tem um lado positivo. Na mitologia nórdica, após a catástrofe um novo mundo ressurgiria, e dois seres humanos, Líf e Lífthrasir, repovoariam a Terra. Pode ser que Oslo tenha sido demais até para um presidente que se orgulha dos seus 7% de popularidade e Temer resolva tirar alguma coisa dos ruralistas, só para variar. Pode ser que o episódio tenha dado a Sarney mais poder de barganha no governo, como analisou o ecólogo André Aroeira num post de otimismo incomum em seu perfil no Facebook. Essa hipótese terá dois testes cruciais nas próximas semanas.
O primeiro é, claro, o destino do Jamanxim. O PL reduzindo a Flona já não foi enviado nesta semana, como Sarney havia prometido. Pode ser que o governo agora enrole. É preciso também saber o que o Instituto Chico Mendes, “dono” da Flona, dirá no parecer que precisa dar sobre o caso. Em 2009, o órgão apontou que 35 mil hectares da floresta estavam invadidos e desmatados. A maioria dos ocupantes atuais do Jamanxim chegou lá depois da criação da área protegida, em 2006 — ou seja, são grileiros em busca de anistia. Se concordar com a redução de 486 mil hectares, o ICMBio estará abençoando a grilagem, com consequências devastadoras para a Amazônia no futuro. Pode ser também que o instituto tente regulamentar os usos da APA (Área de Proteção Ambiental) a ser criada após a redução da Flona, mas fazer isso na Amazônia é mais ou menos como convencer um cardume de piranhas a não comer um boi que atravesse o rio.
O segundo teste é o licenciamento ambiental. Temer já havia concordado em votar o projeto de licenciamento elaborado por Sarney em vez do texto dos ruralistas, apoiado por Eliseu Padilha. Mas deu aos ruralistas dois destaques que, na prática, desfigurariam a lei. A Frente Parlamentar da Agropecuária tem no licenciamento sua prioridade máxima agora.
Por ação ou por omissão, o que o governo fizer em relação ao licenciamento e às áreas protegidas terá peso enorme na imagem da administração — e nos mercados às commodities brasileiras, que acabaram de tomar mais uma marretada com a suspensão pelos EUA das importações de carne fresca.
Temer pode muito bem ignorar tudo isso e tocar sua agenda “semiparlamentarista” da mesma forma. Na lenda nórdica, o malandro Loki se liberta da rocha onde a serpente lhe deita veneno sobre o rosto no princípio do Ragnarök. Mas é bom lembrar que o destino do deus trapaceiro é trágico mesmo assim.

logoRepublicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo.

Por que o aumento da destruição da Mata Atlântica não surpreende

Por João de Deus Medeiros
Corte autorizado de araucárias - São José dos Pinhais/PR. Foto: Zig Koch.
Corte autorizado de araucárias - São José dos Pinhais/PR. Foto: Zig Koch.
A Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) recentemente apresentaram a décima segunda edição do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, que inclui o mapeamento do território dos 17 Estados inseridos no Mapa da Área de Aplicação da Lei 11.428 de 2006, a Lei da Mata Atlântica.
O estudo aponta o desmatamento de 29.075 ha, ou 290 Km2, nos 17 Estados do bioma Mata Atlântica, representando aumento de 57,7% em relação ao período anterior (2014-2015). Há 10 anos não era registrado um desmatamento nessas proporções.
A Bahia liderou o desmatamento com decréscimo de 12.288 ha, o que representa alta de 207% em relação ao ano anterior, quando foram destruídos 3.997 ha. A vice-liderança nesse lamentável ranking do desmatamento ficou com Minas Gerais, com 7.410 ha desmatados, seguido por Paraná (3.453 ha) e Piauí (3.125 ha).
Esse cenário te surpreende?
No Paraná, os índices de desmatamento voltaram a subir pelo segundo ano consecutivo, passando de 1.988 ha destruídos entre 2014 e 2015 para 3.545 ha em 2015 a 2016, um aumento de 74%. No Estado, a destruição concentra-se na região da Floresta com Araucária, um dos ecossistemas associados à Mata Atlântica, onde vive a espécie ironicamente conhecida como “pinheiro-do-paraná” e que, desde a década de 1990, está ameaçada de extinção. A conversão da mata nativa em áreas de pastagens e silvicultura de espécies exóticas acelera a dilapidação desse patrimônio já tão comprometido.
Mas podemos, realmente, nos surpreender com esse cenário? Certamente que não. Basta uma breve análise da nossa ainda incipiente política ambiental para ver que o quadro é preocupante, contudo, altamente previsível. Tomamos, a título de exemplo, a forma como temos tratado nossas espécies ameaçadas de extinção, grande parte delas da Mata Atlântica. Analisemos a condição da araucária.
Um histórico de abuso e omissão pública
No início de 1992, a Sociedade Botânica do Brasil publicou o Centuria Plantarum Brasiliensium Exstintionis Minitata. Com base nesse trabalho, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) instituiu uma portaria em 15 de janeiro de 1992, listando 107 espécies da flora ameaçadas de extinção. Esse esforço se deu pela constatação de que a lista então existente – editada em 1968 pelo extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) – relacionava apenas 12 espécies, dentre as quais só uma arbórea. Na época, a araucária não constava em nenhuma das listas, afinal, não era do interesse do poder público considerar em extinção uma espécie que figurava como um dos principais itens de exportação num país que vivia a euforia de um “milagre” econômico.
Corte de Araucárias. Foto: Zig Koch.
Corte de Araucárias. Foto: Zig Koch.
Em abril de 1992, a partir da pressão de setores mais atentos aos abusos contra o patrimônio natural que estavam sendo cometidos, uma portaria do IBAMA incluiu a araucária na categoria “vulnerável”. Anos depois, com a edição da portaria do Ministério do Meio Ambiente (MMA) 443, de 2014, o governo federal atualizou a “Lista Oficial de Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção". Só então que a araucária passou a figurar como espécie “Em Perigo”. Definia a portaria que “essas espécies ficam protegidas de modo integral, incluindo a proibição de coleta, corte, transporte, armazenamento, manejo, beneficiamento e comercialização”. Faltou dizer: “exceto no Paraná”, por que nesse Estado, a árvore continuou sendo o alvo preferido das motosserras. Além de afiadas, todas trabalhavam devidamente autorizadas pelo poder público.
A Araucária também foi o objeto predileto dos famigerados “Planos de Manejo Florestal Sustentável”, que defendiam a viabilidade do corte da árvore. Essa exploração violenta só cessou em 2001 com a intervenção do judiciário, a partir de decisão proferida em uma Ação Civil Pública movida por entidades conservacionistas.
Apesar da morosidade, em 2016, finalmente uma decisão judicial confirma a condenação do IBAMA pelo Superior Tribunal de Justiça, já que o mesmo IBAMA que reconhecia a araucária como espécie ameaçada de extinção não via problemas em prosseguir autorizando sua exploração insustentável e predatória.
Ecossistemas da Mata Atlântica, como a Floresta com Araucária, sofrem um abusivo ataque há mais de 500 anos, que agride e dilapida a biodiversidade, num processo histórico que conjuga desprezo e negação do natural, suportado por um Estado contraditório, relapso e conivente com a depredação da biodiversidade e do patrimônio cultural. E tudo sendo conduzido por um falso discurso que defende a insana e falaciosa ideia de “progresso”.
Nesse contexto, o aumento da degradação ambiental não surpreende. Surpreendente seria vermos a Lei da Mata Atlântica, aprovada em 22 de dezembro de 2006, sendo devidamente aplicada. É muito pedir isso?

Sarney Filho decide que destino de Jamanxim está nas mãos do ICMBio

Por Daniele Bragança*
Ministro anuncia que acatará decisão do ICMBio sobre destino de Jamanxim. Foto: Claudio Angelo/OC.
Ministro anuncia que acatará decisão do ICMBio sobre destino de Jamanxim. Foto: Claudio Angelo/OC.
Duas versões rondam o destino da Floresta Nacional de Jamanxim, no Pará. Neste sábado, numa entrevista coletiva ao lado de um dos líderes da bancada ruralista, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, anunciou que o Projeto de Lei que o governo enviaria para reduzir a área protegida só irá para o Congresso se tiver o aval do órgão responsável por criar e administrar as Unidades de Conservação federais, o Instituto Chico Mendes (ICMBio). O órgão ambiental, por sua vez, já havia comunicado que acataria os termos do acordo político que resultou nos vetos às Medidas Provisórias que recortariam áreas protegidas no Pará e em Santa Catarina. Traduzindo, o ICMBio afirmou que seguiria o que Sarney Filho disse, quando anunciou em vídeo que o presidente vetaria as MPs.
Segundo Paulo Carneiro, diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do ICMBio, o parecer técnico já estava praticamente pronto e seria enviado ao Ministério do Meio Ambiente até a última sexta-feira (23), com 486 mil hectares da Floresta Nacional (Flona) sendo transformada na Área de Proteção Ambiental (APA) de Jamanxim, categoria mais branda de Unidade de Conservação, que permite propriedades privadas e exploração produtiva dentro de seus domínios. No caso de Jamanxim, isso significa a legalização de terras pública invadidas: dois terços das ocupações da Flona ocorreram depois da criação da área protegida, segundo estudo feito pelo próprio ICMBio.
“Nós estamos no cumprimento das tratativas do acordo que levaram ao veto da Medida Provisória, apresentando o desenho que foi apresentado na Câmara. Nós defendemos a área que nós tínhamos apresentado anteriormente, mas essa conversa vai começar de novo no Congresso”, afirmou o diretor, no final da tarde de quinta (22).
Dois dias depois, Sarney Filho convocou uma entrevista coletiva para falar sobre o Fundo Amazônia. Acompanhou toda a entrevista, sentado ao lado do ministro, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), um dos mais vocais membros da bancada ruralista.
Perguntado sobre o envio do projeto de lei, Sarney passou a bola para o ICMBio.
“Nós estamos agora num processo de discussão, sem pressa. E nada será remetido pelo Ministério do Meio Ambiente sem que não tenha o parecer técnico dos órgãos competentes para isso. Não sou eu que vou dizer, são os órgãos que vão dizer. Se amanhã o ICMBio dizer: 'olha, pelas nossas avaliações técnicas, nós não devemos fazer nada', nós não faremos nada. Mas se eles disserem: “precisamos de ajuste aqui, precisamos de ajuste ali”, nós vamos fazer”, disse.
Perguntado se o Projeto de Lei seria enviado com os 486 mil hectares, Sarney disse que não havia sido ele que afirmou isso, mas sim o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA). “Eu disse que ia mandar com parecer do ICMBio. Estou aguardando. Se o ICMBio disser que não é necessário eu não vou mandar. Se o ICMBio disser que é necessário eu mando nos termos que o ICMBio determinar.”
Em 2009, ICMBio descartou redução drástica de Jamanxim
Atual proposta para retirar 486 mil hectares da Floresta Nacional (à direita) é 13 vezes maior que o recomendado em 2009 pelo próprio ICMBio. Na ocasião, instituto admitia transformar 35 mil hectares em APA (à esquerda). Arte: Paulo André Vieira.
Atual proposta para retirar 486 mil hectares da Floresta Nacional (à direita) é 13 vezes maior que o recomendado em 2009 pelo próprio ICMBio. Na ocasião, instituto admitia retirar 35 mil hectares dos limites da Flona (à esquerda). Arte: Paulo André Vieira.
“(...) as soluções de cunho imediatista atendem a interesses corporativistas ligados a alguns latifundiários, tendo como principal objetivo a redução dos limites atuais da Unidade”, afirma o relatório do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em 2009. Na época, o instituto admitia, no máximo, a diminuição de 35 mil hectares de seus limites “para atender demandas justas de posse”. Hoje prepara documento admitindo a redução de 486 mil.
O Estudo Técnico de Revisão dos Limites da Floresta Nacional do Jamanxim, concluído no final de setembro de 2009, é contundente ao afirmar que reduzir drasticamente a Unidade de Conservação não era a solução:
“Isto [a redução drástica] levaria a um recuo de estratégia governamental de conservação que traria consequências ambientais imprevisíveis não só para a própria área da Flona, mas também para várias outras unidades de conservação da Amazônia, invariavelmente sofrendo de pressão fundiária, invasões e interesses políticos”.
Em relação à questão das ocupações, o estudo do ICMBio de 2009 aponta que os benefícios sociais da redução seriam mínimos, já que são poucas as famílias que vivem na região: cerca de 30 a 40 famílias em toda a extensão da unidade.
“Em algumas das fazendas mantêm-se vaqueiros, mas muitas áreas não possuem ninguém, e nem pastagens, são vastas extensões de florestas públicas, que apesar desta condição tem posseiros que se dizem donos. Encontram-se também muitos pastos abandonados, em processo natural de regeneração”.
Na sua conclusão, o relatório defende a desafetação de três áreas da Floresta que totalizaria 35 mil hectares, mas alerta que a pressão para diminuir a unidade continuaria:
“Certamente as três áreas propostas para desafetação por este trabalho não satisfarão os anseios dos fazendeiros e políticos que propõe a desconstituição da unidade, porém são os únicos possíveis ajustes que não trarão os prejuízos sociais e ambientais expostos. Ressalta-se que a concessão florestal proposta para a Flona Jamanxim indubitavelmente trará maiores benefícios sociais e ambientais do que o atual modelo de grandes propriedades com pecuária extensiva”.
O que mudou de 2009 para cá não foi o perfil fundiário, dominado por posseiros e grileiros sem títulos de posse, mas a crença do próprio ICMBio de que mecanismos de comando e controle já não resolviam a situação da Unidade de Conservação mais desmatada do país, principalmente com o crescente aumento da violência na região: há um ano, o policial João Luiz de Maria Pereira foi morto durante operação do Ibama de combate ao desmatamento e garimpo dentro de Jamanxim.
“Nós acreditamos que é necessário uma alteração no modelo do jeito de encarar o problema de implementação da Flona de Jamanxim”, afirmou Carneiro.
Em dezembro de 2016, o ICMBio cedeu reduzir em 304 mil hectares a Floresta Nacional, em troca do aumento da proteção de 438 mil hectares, que seriam anexados ao Parque Nacional do Rio Novo, e a criação de parte da APA de Jamanxim onde ainda não havia qualquer Unidade de Conservação.
O Congresso tratou de desmantelar esses ganhos e de ampliar outros retrocessos, como o aumento da APA de Jamanxim para dentro da Flona, no total de 486 mil hectares. Se o governo não trair o acordo com os ruralistas, haverá o envio desse mesmo tamanho de APA de volta ao Legislativo, sem os ganhos ambientais previsto originalmente. Tudo dependerá da resposta do ICMBio - que já está inclinado a aquiescer.
Uma fonte do governo envolvida na negociação disse que, caso se opte pelo recorte dos 486 mil hectares, o decreto de criação da APA de Jamanxim conterá restrições ao desmatamento no local, de maneira que ele não seja ampliado. "APA não é um laissez-faire", afirmou.
Há exemplos de outras APAs, especialmente no litoral, onde restrições de uso vêm sendo aplicadas com sucesso. Na Amazônia, porém, dadas as dificuldades de fiscalização e a própria leniência do governo em fazer valer o Código Florestal, tais restrições tendem a não ter efeito contra o desmatamento. Na Amazônia, segundo o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), as taxas de desmatamento em APAs são idênticas às das áreas privadas.
Além disso, especialistas apontam que o principal efeito de uma unidade de conservação para brecar o desmatamento é retirar terras da possibilidade de grilagem. Quando o próprio governo reduz uma unidade de conservação para beneficiar a grilagem, ajuda a implodir esse efeito dissuasório, com possíveis impactos em outras áreas protegidas.

*Colaborou Claudio Angelo, do Observatório do Clima

Vídeo sobre os agroquímicos: Nuvens de veneno



Vídeo: Nuvens de veneno

VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz
A nuvem se espraia pelas plantações. Em vez de molhar, seca. Ela não traz a chuva, traz o veneno. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de soja, algodão, milho e também um dos maiores consumidores de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Nuvens de veneno expõe as preocupações com as consequências do uso desses agroquímicos no ambiente, especialmente, na saúde do trabalhador.


Um documentário revelador que faz refletir sobre a forma que crescemos e sobre o tipo de desenvolvimento que queremos.


Direção e roteiro: Beto Novaes
Produção: Terra Firme, VideoSaúde e MP2 Produções
Legendas: inglês e espanhol

https://youtu.be/jZ1QUAxFaxs?list=PLz0vw2G9i8v8Bx0tosyX1uN7ovDJE03-g 


Nuvens de veneno
O vídeo está disponível em DVD na Livraria Virtual da Editora Fiocruz: http://goo.gl/DowQic
Categoria: Ciência e tecnologia
Licença: Licença padrão do YouTube

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/06/2017

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Correio Braziliense – Prejuízos da degradação / Editorial





O patrimônio ambiental do Brasil é invejável. A mais extensa floresta tropical do mundo e o maior volume de água potável estão em solo nacional. Trata-se de tesouro singular e de valor incalculável, mas que não tem merecido, pelos sucessivos governos, a proteção responsável e necessária à perenidade de tamanha riqueza. Entre agosto de 2015 e julho de 2016, só na Amazônia foram eliminados 7.989km² de vegetação, revelou o monitoramento por satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O descaso vale também para outros biomas, como mata atlântica, cerrado e caatinga, que vêm perdendo matas nativas, além de espécies animais pela ação predadora do homem. No arrastão ambiental, são eliminadas espécies da flora e da fauna que nem sequer foram descritas pela ciência.



Nos últimos 16 anos, o Brasil  perdeu 190 km² de florestas, o equivalente a quatro vezes a área do estado do Rio de Janeiro. As ações predatórias não enfrentam reação do poder público na dimensão necessária, o que têm custado caro à imagem do país. A fiscalização é deficiente e as ações judiciais contam com a leniência dos tribunais. Na Conferência do Clima de Paris, em 2015, o governo da Noruega assumiu o compromisso de contribuir com US$ 1 bilhão para o Fundo Amazônia até 2020, criado para garantir a proteção da floresta e a demarcação das terras indígena. Na quinta-feira, o governo norueguês, até agora o maior financiador externo da política ambiental, anunciou corte de 50% no volume de recursos. A decisão frustrou as expectativas do presidente Temer, que pretendia, em visita ao país, captar mais recursos.



Há poucas semanas, as críticas dos ambientalistas e até da modelo Gisele Bündchen, o presidente vetou as Medidas Provisória 756 e 758, que reduziu de 1,3 milhão de hectares para 813 mil hectares a Floresta Nacional Jamanxim, às margens da BR-163, no Pará, que vem sendo devastada, e é ocupada por um grande número de posseiros. O Ministério do Meio Ambiente informou que, em lugar de MP, o Executivo enviará ao Congresso projeto de lei que reduzirá menos a reserva, mas manterá o rebaixamento para condição de Área de Proteção Ambiental. A mudança torna passível de ocupação da área para atividades agropecuárias e de mineração, além de abrir espaço à especulação imobiliária.



A decisão do Executivo, na gestão Temer, atende o mesmo grupo de parlamentares que deformou o Código Florestal, na primeira gestão de Dilma Rousseff, com o intuito de anistiar os infratores da legislação ambiental e, ainda, reduziu as áreas nativas em favor dos empreendimentos agropecuário. Hoje, mais 80 mil km² de floresta seguem ameaçados por projetos em tramitação no Congresso.



Embora a participação do Brasil no Acordo de Paris tenha merecido elogios, na prática, a política ambiental está muito distante do discurso. A irresponsabilidade dos legisladores criam situações constrangedoras, como as enfrentadas em Oslo. Cabe ao poder público garantir uma fiscalização mais severa que coíba a destruição degradação do patrimônio natural. Ao Judiciário, rigor na aplicação da legislação vigente. A sustentabilidade ambiental é essencial à atual e às futuras gerações, com reflexo na qualidade de vida do planeta.

O Globo – Em defesa do multilateralismo e do clima / Artigo / Sérgio E. Moreira Lima

É embaixador e presidente da Fundação Alexandre de Gusmão

O Brasil distingue-se no cenário internacional como um dos países que contribuíram, de forma notável, para o multilateralismo. Este representa visão de mundo em que todos os países participam da governança global. Um marco de nossa atuação nesse campo foi a participação na 2ª Conferência de Paz de Haia, em 1907, quando Ruy Barbosa, na chefia da delegação brasileira, e o Barão do Rio Branco, no comando do Itamaraty, defenderam o princípio da igualdade soberana dos Estados. Trata-se de um conceito westfaliano, estabelecido ainda no século XVII, mas cujo resgate não interessava às potências da época. 


O princípio acabou sendo consagrado na carta das Nações Unidas e tornou-se um dos fundamentos do multilateralismo. A Convenção do Mar foi um de seus importantes resultados, apesar da oposição dos EUA e da então União Soviética. O Congresso americano até hoje não ratificou a convenção, que, no entanto, estabeleceu o regime aplicável na matéria, por todos observado.



O anúncio recente da intenção do governo dos EUA de se retirar do Acordo de Paris, um pacto histórico global para evitar o desequilíbrio climático do planeta, assinado por 195 países, constitui outra tentativa de desferir duro golpe no multilateralismo e nos esforços da governança internacional para garantir o desenvolvimento sustentável. Conceito central nesse campo, o desenvolvimento sustentável foi consagrado em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro. 



Como não poderia deixar de ser, o governo brasileiro reagiu e manifestou sua “preocupação e decepção” diante do anúncio de que o governo americano pretende se retirar do Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e “renegociar” sua reentrada. A nota da chancelaria brasileira adverte para o “impacto negativo de tal decisão no diálogo e cooperação multilaterais para o enfrentamento de desafios globais.”




O Brasil está certo ao declarar, nos termos da nota, que continua comprometido com o esforço global de combate à mudança do clima e com a implementação do Acordo de Paris. O combate à mudança do clima deve ser efetivamente processo irreversível, inadiável e compatível com o crescimento econômico, em que se vislumbram oportunidades para promover o desenvolvimento sustentável e para novos ganhos em setores de vanguarda tecnológica. O governo brasileiro prossegue em seu compromisso de trabalhar com todos os Estados partes do Acordo e outros atores na promoção do desenvolvimento com baixa emissão de gases de efeito estufa para fazer frente às causas da mudança do clima.




O país se orgulha de ser um dos formuladores do conceito de desenvolvimento sustentável e do compromisso justo que representa entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento. Outro princípio norteador dos esforços internacionais nesse campo, e com o qual o Brasil está igualmente comprometido, é o das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. O Acordo de Paris estabelece o arcabouço para que as partes apresentem esforços nacionais refletindo as responsabilidades e capacidades de cada um. 




O Acordo dá margem para que cada país defina medidas e políticas para regular a emissão de gases de efeito estufa da forma que melhor atenda a suas circunstâncias domésticas, conciliando o crescimento econômico com a defesa do meio ambiente.




Além da responsabilidade de conciliar posturas divergentes e de contribuir para os textos finais dos tratados e documentos internacionais — tanto na Conferência do Rio em 1992, quanto na Rio + 20 em 2012, e no Acordo de Paris, em 2016 —, o Brasil representa tradicionalmente um dos atores principais na consolidação de um regime aplicável a todas as nações por meio do direito ambiental. 



O que está em jogo, ademais do esforço coletivo para a sobrevivência do planeta, é o histórico e decisivo concurso dos EUA na construção desse mesmo multilateralismo, motivo da admiração e do respeito internacional, sobretudo na construção das Nações Unidas e de uma ordem internacional cooperativa após a Segunda Guerra Mundial. Trata-se de singular legado, político e moral, no enfrentamento solidário dos desafios globais, que agora se encontra ameaçado.

Diário do Poder – Noruega ameaçou o Brasil sem confirmar dados / Coluna / Claudio Humberto



NORUEGA AMEAÇOU O BRASIL SEM CONFIRMAR DADOS Tão logo encerrou a visita oficial de Michel Temer a Oslo, o governo da Noruega divulgou nota admitindo que não havia confirmado dados nos quais se baseou para anunciar o corte das doações ao Brasil para ações contra o desmatamento. Foi o ministro do Meio Ambiente da Noruega quem anunciou o corte dos repasses para US$35 milhões (equivalentes a R$117 milhões) ao ano. E a primeira-ministra Erna Solberg vai enfrentar as urnas na disputa pela reeleição, em setembro.

OLHA A ORIGEM
Os dados citados pela Noruega são do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, ONG integrada por Marina Silva (Rede) e vários petistas.

AUMENTO EXPRESSIVO
A ONG que falou mal do Brasil, provocando a reação norueguesa, embolsou nada menos que R$25,4 milhões do Fundo Amazônia.

FATURANDO ALTO
Apesar da boca dura do governo de Oslo, os US$110 milhões anuais da Noruega representam menos de 20% do total do Fundo Amazônia.

FALOU SEM CONFIRMAR
O afobado ministro do Clima, Vidar Helgesen, disse que “as regras do fundo forçam o corte”, mas não conferiu os dados de desmatamento.

Valor Econômico – Países debatem em Brasília estratégias de longo prazo para desafios climáticos

MEIO AMBIENTE E ENERGIA




Por Daniela Chiaretti | De São Paulo

Os governantes brasileiros precisam vencer uma barreira cultural para dar conta do desafio da mudança do clima - começar a planejar hoje onde o país deseja estar na metade do século. Este é o cerne do "Encontro Internacional sobre Estratégias de Desenvolvimento de Longo Prazo e Mudanças Climáticas" que acontece amanhã em Brasília, promovido pela Embaixada da Alemanha e pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS).




O Acordo do Clima de Paris convida países signatários a elaboraram planos de redução de emissão de gases-estufa para 2050. Alemanha, França, Estados Unidos, México Canadá e o Benim foram os primeiros a elaborarem suas estratégias. "O desafio climático que enfrentamos exige total transformação da forma como produzimos energia, comida e do nosso sistema de transporte", diz Karsten Sach, diretor de Política Climática do Ministério do Meio Ambiente alemão. A Alemanha divulgou o "Klimaschutzplan 2050" em novembro, na conferência da ONU de Marrakesh. O país quer reduzir entre 80% e 95% as emissões em 2050.


O plano é setorial e prevê revisões a cada cinco anos para ajustes de rumo e investimentos, diz Sach. "Não temos bola de cristal. Mas sabemos que é do nosso interesse econômico e social ter visão clara de onde queremos estar em 2050. E discutir com a sociedade, ter decisões políticas e leis que nos permitam alcançar nossas metas", diz.





A meta do setor de transportes, por exemplo, é reduzir emissões entre 40% e 42% em 2050 em relação a 1990. A redução na indústria será de 49% a 51%. O setor de energia terá que fazer cortes radicais - entre 61% e 62% - e deixar de usar carvão, um ponto delicado do plano alemão. "Já sabemos hoje que as usinas a carvão terão que sair da rede antes que termine sua vida útil. O futuro da mobilidade é principalmente elétrico e é ali que teremos que investir", afirma. A discussão, agora, é o que fazer com os empregados do setor de carvão.



Experiências como a alemã são a base da "Caminhos para 2050", plataforma também lançada em Marrakesh por Laurence Tubiana, pessoa-chave do governo francês para fechar o Acordo de Paris em 2015 e hoje CEO da European Climate Foundation, fundação que lida com o tema.



Na ocasião, 22 países, 15 cidades, 17 regiões e estados e 192 empresas se uniram ao esforço de ter planos de longo prazo. "Esta plataforma é o lugar onde empresas e governos irão trocar práticas e tentar aumentar a ambição", disse ela. O Brasil faz parte da iniciativa. "É desafiador fazer planos de longo prazo, mas é útil para as nossas sociedades. Pode significar grandes oportunidades de crescimento."



"A ideia deste seminário é inspirar o Brasil a se planejar a longo prazo", diz Ana Toni, diretora executiva do iCS. "Temos que fazer opções de investimento, tecnológicas, de infraestrutura", continua. "Vale a pena investir em biodiesel ou seria melhor investir em eletrificação na rede de transporte? Nosso futuro depende de decisões que temos que começar a fazer agora", diz.



Com ela concorda Branca Americano, coordenadora da câmara de estratégias de longo prazo do Fórum Brasileiro de Mudança Climática, onde este debate já iniciou. "Para que o Brasil se descarbonize na metade do século, temos que tomar decisões estratégicas de curto prazo", argumenta.