Sem o setor privado, não será possível restaurar florestas
Por Fabíola Ortiz
- quarta-feira, 20 dezembro 2017 20:02
O engenheiro florestal Robert Nasi. Foto: Pilar Valbuena/Global Landscapes Forum.
Bonn, Alemanha – O ano de 2017 viu ocorrerem graves incêndios
florestais pelo mundo, furacões arrasarem as ilhas do Caribe e uma seca
que rareou a produção de alimentos na porção oriental da África. Em
termos de florestas, 2017 foi um ano mais do mesmo, do “
business a usual”, admitiu o engenheiro florestal Robert Nasi, que lidera o Centro Internacional de Pesquisa Florestal (
CIFOR).
Um mês depois da Conferência da ONU sobre Mudança do Clima (COP23) em
Bonn, a mesma cidade alemã acolheu um fórum internacional para pôr em
pauta projetos de conservação ambiental, restauração de florestas com
gestão comunitária e uma abordagem mais holística sobre as paisagens
naturais.
O
Global Landscapes Forum (GLF), que ocorreu entre os dias
19 e 20 de dezembro, destacou pesquisas e projetos que pensassem os
diferentes ambientes e paisagens na África, Ásia, América Latina e
Pacífico, abordando desde conhecimentos indígenas tradicionais,
comunidades nativas, tecnologia de ponta e pesquisas científicas.
A ideia era sair do “politicamente correto”, disse Nasi, um dos
organizadores do fórum que reuniu, durante dois dias, dois mil
participantes no Centro Mundial de Convenções de Bonn. O diretor
executivo do Centro Internacional de Pesquisa Florestal conversou com
((o))eco
sobre os desafios de fazer restauração de florestas em grande escala.
“Já sabemos o suficiente que as florestas podem ser parte da solução”,
disse. Não é o conhecimento técnico que precisamos, o que falta é o
fator econômico que faça da restauração um atrativo para investidores
privados.
Leia a entrevista com o engenheiro florestal francês:
((o))eco – Qual é a retrospectiva que podemos fazer de 2017? Foi um ano marcante para o planeta em termos ambientais?
Robert Nasi – Poderíamos pensar que entre os maiores
eventos que afetaram as populações esse ano no planeta foi a temporada
de furacões no atlântico norte. Vimos cada vez mais os furacões virem e
virem. Os incêndios também atacaram vastas áreas, afetando zonas ricas
do mundo. Ao longo dos anos, vemos tantas catástrofes que arrasam países
na África e acabamos nos ‘acostumando’, mas quando vemos eventos
impactarem o mundo rico, como os incêndios em Beverly Hills nos Estados
Unidos, é algo novo para as pessoas. Esses eventos no mundo marcaram o
imaginário coletivo esse ano. Em termos de florestas, eu diria que 2017
foi um ano mais
business as usual. Não me lembro de ter visto
nenhum avanço extraordinário nas negociações de clima das Nações Unidas
que seguiram o mesmo ritmo. Implementar um acordo, como o de Paris de
mais de 190 países, é realmente difícil.
Como é possível lidar com tantas crises? As florestas podem ser parte das soluções?
Já sabemos que as florestas podem ser parte da solução. Não é o
conhecimento técnico que precisamos para restaurar, o que falta é o
elemento econômico. Ainda continua sendo, em geral, mais lucrativo
cortar as florestas que mantê-las em pé. Ainda vale mais a pena cortar
as árvores em um pedaço de terra. Isso só vai mudar quando houver um
verdadeiro incentivo econômico. Se não, vão continuar tirando as árvores
para fazer dinheiro com a madeira e lucrar com plantações para fabricar
óleo de palma.
“Como fazer com que o curto ganho financeiro em pouco tempo seja superado por uma ação duradoura”.
A questão é como aumentar a viabilidade de se manter as árvores em
pé. Que manter a floresta faça sentido e seja economicamente viável para
empreendedores pelos serviços ambientais e todos os benefícios que
oferecem para o clima. Como fazer com que o curto ganho financeiro em
pouco tempo seja superado por uma ação duradoura. O problema é a
desconexão entre interesses que são de curto e de longo prazo. Se você
pedir para um agricultor para manter 15% da sua terra preservada com
árvores, ele vai dizer que o dinheiro que ganharia com a floresta em pé é
muito menor que se usasse o espaço para plantação. Qual vai ser a minha
compensação financeira por manter a floresta em pé? ele vai perguntar.
Você viu algum exemplo interessante de reflorestamento e recuperação de uma área degradada?
Sim, é possível fazer restauração florestal a um custo viável. Existe
já uma regeneração natural se você não fizer nada e deixar o próprio
ambiente se recuperar. Há muitos exemplos de restauração que poderiam
ser aumentados em escala, como o
projeto Katingan,
na Indonésia. É uma iniciativa de restauração de ecossistema em uma
floresta de pântano de turfa em Kalimantan. Após 30 anos, temos uma
floresta que já está recuperada e reconstituída. Lá, as pessoas usaram
árvores para fixar o nitrogênio e reabilitar uma área que foi usada para
mineração, a vegetação agora retornou. Realmente há muitos projetos, o
que falta é que pessoas interessadas invistam para fazer isso em uma
escala maior. Precisamos convencer o dinheiro privado para investir
nessas ações de restauro.
Como financiar a restauração florestal?
Não há recursos suficientes se formos depender do dinheiro público.
Temos que restaurar 150 milhões de hectares no Desafio de Bonn até 2030,
mas não há dinheiro público para isso. Precisamos trazer os recursos
privados e, para isso, é preciso gerar atrativos econômicos e
rentabilidade.
O que representam as metas de reflorestamento no Desafio de Bonn?
O grande mérito do Desafio de Bonn é o de levantar a necessidade de
restauração de florestas em lugares que realmente precisam. Os países se
comprometeram a restaurar determinadas áreas degradadas e isso já é
bom. Mas agora o grande ‘desafio’ desse Desafio de Bonn é como incluir
investidores privados e fazer com que os compromissos assumidos pelos
países sejam realmente colocados em prática. Isso custará bilhões, mas o
custo de não fazer nada será de trilhões, umas dez vezes mais que
investir em plantar árvores. Se não houver retorno econômico para quem
investir no restauro, o setor privado não vai realmente entrar neste
esquema.
Os países tropicais deveriam ter um papel de liderança nos esforços de reflorestamento?
Foto: Pilar Valbuena/Global Landscapes Forum.
O esforço para restaurar as florestas deve ser global e não apenas de
alguns países. O fato é que grande parte da degradação florestal está
localizada nos trópicos. Por muitas razões ecológicas, as florestas
tropicais são habitat para grande biodiversidade e armazenam muita
biomassa.
O Brasil se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares
até 2030 e fazer uma gestão mais sustentável de florestas nativas. Esse
compromisso é uma meta razoável, ou deveríamos fazer mais?
O Brasil já mostrou liderança no combate ao desmatamento, grande
parte, na Amazônia. Mas há outras localidades que também merecem
atenção, como o cerrado. O Brasil tem a capacidade técnica, humana e
financeira de fazer restauração florestal em áreas degradadas. Essas
zonas são, em sua maioria, de pastos degradados que tiveram a floresta
cortada.
O Brasil certamente tem a capacidade de realizar restauro,
diferentemente de vários outros países que se comprometeram com o
Desafio de Bonn. Mas não deveríamos esperar que o Brasil reabilite 12
milhões de hectares em áreas pristinas de florestas, isso não seria
realístico. Algumas dessas áreas deveriam ser restauradas o mais próximo
possível do habitat original, mas o principal, para mim, seria
restaurar as margens dos rios. Se você quiser reconstituir o habitat dos
rios, a mata ciliar é importante. Os estoques de peixes dependem da
cobertura ciliar, da temperatura da água e das árvores.
Se esperaria que o Brasil conseguisse restaurar áreas tornando-as
produtivas. É possível assumir que o custo de reabilitar uma área
degradada seja de entorno de mil dólares por hectare. Para restaurar 12
milhões de hectares de terra, estaríamos falando em 1.2 bilhões de
dólares. É possível ter investimento público, mas seria muito dinheiro
para se depender apenas do governo. O contribuinte brasileiro tiraria do
seu próprio bolso todo esse dinheiro? Para isso, teríamos que buscar um
investidor privado que se interesse em restaurar, mas que obtenha um
retorno econômico.
É ainda um sonho distante fazer uma
restauração em grande escala uma vez que o Brasil ainda sofre com a
dificuldade para frear o desmatamento?
“O próximo estágio seria frear a degradação
em áreas que o desmatamento ainda avança. Onde há grande pressão
econômica para devastar”.
Em algumas áreas no Brasil, as terras que já foram devastadas
continuam degradadas e não são lucrativas. Então, seria por aí o melhor
lugar para começar a restaurar. O próximo estágio seria frear a
degradação em áreas que o desmatamento ainda avança. Onde há grande
pressão econômica para devastar e um prospecto de continuar a ser
rentável, realmente ainda é difícil acabar com o desmatamento.
Você sugere que haja uma mudança de cultura e mentalidade?
Precisamos olhar para todos os aspectos econômicos na hora de se
pensar em uma gestão de recursos naturais e conservação da paisagem.
O que representa ter uma abordagem de paisagem para a conservação do meio ambiente?
A ideia é simples, quando você quer gerir um pedaço de terra, ela não
existe sozinha em um vácuo. A terra é resultado de processos
históricos, de decisões tomadas no passado e interação do que passa ao
redor. Para gerir um pedaço de terra e mudar a sua trajetória no futuro,
é preciso pensar em paisagens. Você tem que entender todo o panorama,
histórica e geograficamente. É preciso gerenciar essas interações quando
falamos em paisagens. É um conceito simples, não é uma unidade
administrativa e não há um órgão de governança que faça a gestão de
paisagem, é uma abordagem múltipla. A ideia de paisagem vai além das
fronteiras geográficas.
Se fazemos algo na Amazônia, afetará a própria Amazônia, mas será a
razão de haver secas em São Paulo e prejudicar safras no Uruguai. O que
se tem em um lugar afeta, inevitavelmente, outras áreas. É como fazer
uma barragem em um rio e cortar a provisão de água para quem está na
jusante do rio. Isso é toda uma questão quando falamos de recursos
transfronteiriços. Tudo isso complica muito quando os rios estão no céu
(da evapotranspiração das árvores e chuvas). Se não fizermos essa
abordagem de paisagem, as pessoas vão continuar a tomar decisões em um
lugar e afetar outros.
O que é preciso para ir além do politicamente correto?
O politicamente correto é quando dizemos que o capital privado é o
vilão e que índios são puramente bons, nem sempre é assim. Precisamos
falar a verdade, aceitar que é preciso discutir, mas se continuarmos a
falar coisas boas em convenções internacionais e não tocar nos
problemas, não vamos avançar. A ideia não é apontar o dedo e culpar
ninguém. Espero que, aqui neste fórum, tenhamos conseguido avançar para
além do que é politicamente correto, trazendo líderes comunitários e
jovens. Precisamos ter vozes que sejam diferentes e dissonantes.