Subsecretário de Justiça
do candidato à reeleição José Melo (PROS) vai à cadeia, se reúne com
bandidos e, em troca de regalias, recebe a promessa do líder de uma
facção criminosa: "A mensagem que ele mandou para vocês, agradeceu o
apoio e que ninguém vai mexer com vocês, não"
Leslie Leitão VEJA
A conversa mais parece um bate-papo
informal entre amigos em uma mesa de bar. O teor, no entanto, revela uma relação promíscua entre o poder e o crime. O
encontro
se dá dentro do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), a maior
unidade prisional do Amazonas, e reúne na mesma sala o maior traficante
do estado e um integrante da cúpula da Secretaria de
Justiça.
O
objetivo do encontro é simples: negociar o apoio das quadrilhas ao candidato à reeleição, o atual governador José Melo (
PROS),
no segundo turno das eleições, no próximo domingo. São cerca de 30
minutos de uma gravação feita por um dos presentes ao encontro,
a que o site de VEJA teve acesso.
"Vamos apoiar o Melo, entendeu? A cadeia...vamos votar minha família
toda, lá da rua, entendeu? Não tem nada não, a gente não conhece o Melo
(trecho inaudível), a gente quer dar um alô, que ele não venha
prejudicar
nós. E nem mexer com nós", diz o traficante José Roberto Fernandes
Barbosa, conhecido como Zé Roberto, uma das maiores lideranças da facção
Família do Norte, que domina o tráfico em território
amazonense.
Leia também: José Melo (Pros) e Eduardo Braga (PMDB) vão se enfrentar no segundo turno no Amazonas
Divulgação
Foi na sala do diretor que aconteceu a reunião entre integrantes do governo e lideranças do tráfico presas
A resposta vem do subsecretário de
Justiça e
Direitos Humanos
(órgão responsável pelo sistema penitenciário no estado), major
Carliomar Barros Brandão: "Não, ele não vai, não". E esse acordo fica
explícito: "A mensagem que ele mandou para vocês, agradeceu o
apoio e que ninguém vai mexer com vocês, não".
A promessa logo no início deixa a conversa mais informal. E durante boa
parte do
tempo é Zé Roberto quem fala. Em vários trechos o criminoso confessa assassinatos de inimigos ou de quem não reza pela
cartilha da quadrilha que controla. Quando o assunto é política, entretanto, mostra-se receptivo e faz promessas como se fosse um
cabo eleitoral.
"Tá vendo o que está acontecendo em Santa Catarina (vários ataques)? É o comando dos
caras,
que estão rodando lá por causa do governo dos caras. Tá vendo aqui, a
cadeia tá tudo em paz porque o governo daqui não mexe com nós", afirma o
criminoso num dos trechos, no que
ouve
a resposta de Carliomar: "O que ele quer é isso, é a cadeia em paz". O
major, em momento algum, fala o nome do governador José Melo na
gravação. Procurado por
VEJA,
no entanto, ele admitiu o encontro, e disse ter ido ao local em missão
oficial: "Comuniquei ao secretário porque tínhamos informações de que
haveria um banho de sangue lá dentro da cadeia, e fomos tentar conversar
para evitar isso", disse, negando qualquer intenção eleitoreira.
Mas a gravação é clara em outros trechos de que, sim, trata-se de um acordo entre governo e o crime organizado
amazonense.
Dentro da sala, além do diretor do presídio, capitão José Amilton da
Silva, do major Carliomar e de Zé Roberto, estão outros detentos. O
oficial diz lembrar apenas de um, mesmo assim pelo apelido: Bicho do
Mato. Ele se refere a um dos líderes do bando, Francisco Álvaro
Pereira. Zé Roberto fala das condições precárias, de algumas regalias e
diz que ele próprio, se quisesse, poderia fugir. "A
mensagem que ele mandou para vocês, agradeceu o apoio e disse que ninguém vai mexer com vocês, não", afirma Carliomar na conversa.
Então, em seguida, faz uma projeção sobre o número de eleitores que
conseguirá angariar para José Melo no seguinte diálogo: "Eu acho que de
voto ele vai ter de nós mais de cem mil votos", diz, completando: "Você
imagina cada preso que tem família lá, se a gente der uma ordem eles vão
cumprir. Não é igual aqueles caras que se der 100 reais que diz que vai
votar e não vota. O nosso vai votar no Melo porque nós mandemos (sic)",
afirma. A resposta do subsecretário é seca: "Certo, tô sabendo".
No final da conversa, já com o clima bem mais ameno, vários
interlocutores chegam a fazer piadas. "Não esquece, no 90", diz o
diretor da unidade, capitão Amilton, numa referência ao número eleitoral
de José Melo. Outro homem, não identificado pela reportagem de VEJA,
emenda: "Eu vou pra uma festa lá na casa (inaudível). Olha o nome: Festa
dos anos 90. E vai acabar a festa às 5 horas, 55 minutos da manhã",
diz, para gargalhada geral, numa referência ao número 555, usado pelo
ex-governador e agora eleito senador Omar Aziz, de quem José Melo foi
vice nos últimos sete anos. Neste momento, então, é de Zé Roberto a
promessa final: "O Melo vai ter mais votos de nós do que das outras
pessoas que ele vai comprar aí...".
O site de VEJA procurou o governo do
Amazonas
para falar sobre o caso. O secretário de Justiça, coronel Louismar
Bonates, disse ter sido comunicado por seu subordinado (major Carliomar)
do encontro após a reunião. "O objetivo era manter a paz lá dentro da
cadeia", afirmou. Bonates contou ainda um episódio ocorrido há cerca de
dois meses, dentro da própria unidade prisional, durante um evento
evangélico.
Segundo
ele, na ocasião o mesmo traficante Zé Roberto se aproximou para falar
com ele: "Esse mesmo detento veio dizer que iria votar no José Melo e
que era pra eu avisar isso.
Eu disse para ele: "Isso aqui não é
Colômbia, onde governo se vende para as drogas". E é claro que não levei
recado algum, senão eu seria demitido na hora. O governo não negocia
com bandido", disse o secretário de Justiça e Direitos Humanos.
Relações Perigosas
Trecho 1
Homem - Mano, vamos acertar isso com a direção (inaudível).
Traficante José Roberto Fernandes Barbosa - Vamos apoiar o Melo,
entendeu? A cadeia...vamos votar minha família toda, lá da rua,
entendeu? Não tem nada não, a gente não conhece o Melo (trecho
inaudível), a gente quer dar um alô, que ele não venha prejudicar nós. E
nem mexer com nós.
Subsecretário de Justiça Major Carliomar - Não, ele não vai, não.
Trecho 2
José Roberto - O que a gente quer do
Melo? Que a polícia faça o trabalho dela, se prender um de nós com
droga, vai prender, a gente vai respeitar. A gente não quer que fique
matando, porque se matar e a gente começar a matar também. Os caras
pensam que nós não tem peito. Nós tem tudo. Nós tem dinheiro, nós tem
arma, tem tudo. Nós faz as coisas, se mexer com nós, se mexer com nossa
família nós vai mexer, se prender lá fora, se botar na cadeia eu não tô
nem vendo. Porque quem leva recado pra ele é você, ou o outro secretário
lá. O recado que eu quero que o senhor leve pra ele, de nós, é que nós
vamos apoiar ele.
Major Carliomar - Certo.
José Roberto - Que ele prenda nós lá fora com droga, a polícia prendeu
com droga eu nô nem vendo. Mas que não venha perturbar nós
Major Carliomar - O que ele quer é sempre a paz na cadeia.
José Roberto - Tá vendo o que está acontecendo em Santa Catarina? É o
comando dos caras, que estão rodando lá por causa do governo dos caras.
Tá vendo aqui a cadeia tá tudo em paz porque o governo daqui não mexe
com nós.
Major Carliomar - O que ele quer é isso, é a cadeia em paz
Trecho 3
Major Carliomar - A mensagem que ele mandou para vocês, agradeceu o apoio e que ninguém vai mexer com vocês, não.
José Roberto - Eu acho que de voto ele vai ter de nós mais de cem mil votos, to te falando
Marjor Carliomar - Então, pra próxima vocês vão ajudar, né?
José Roberto - Você imagina cada preso que tem família lá, se a gente
der uma ordem eles vão cumprir. Não é igual aqueles caras que se der 100
reais que vai votar e não vota. O nosso vai votar no Melo porque nós
mandemos.
Major Carliomar - Certo, tô sabendo.