Sob o gelo do mar do Ártico, em uma noite de janeiro, baleias-da-groenlândia cantam.
Por Mary Halton, BBC
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Normalmente são suas primas, as baleias jubarte, que são famosas pela
cantoria, mas, na verdade, esta espécie tem um repertório musical bem
maior.
Um estudo com um grupo destes animais que vive próximo ao arquipélago
norueguês de Svalbard revelou que os cantos que emitem podem ser tão
variados quanto o de pássaros canoros, nome dado a um conjunto de 4 mil
espécies de aves que têm órgãos vocais bastante desenvolvidos, entre
elas o sabiá, o rouxinol e a andorinha.
Isso tornaria as baleias-da-groenlândia únicas entre todas as espécies de baleias e até mesmo entre os mamíferos.
Kate Stafford, pesquisadora da Universidade de Washington, nos Estados
Unidos, e líder do estudo publicado no periódico Proceedings of the
Royal Society, explica que, "se o canto da baleia jubarte é como música
clássica", por ter uma ordem bastante clara, o da baleia-da-groenlândia
"é como jazz", por ser um tipo de som fluido, improvisado e complexo.
"Ao analisarmos as gravações que fizemos ao longo de diferentes
invernos, não só os tipos de canção não se repetem, mas, a cada estação,
há uma série de novas canções."
Acasalamento e caça
Durante três anos de observação, o grupo de baleias produziu 184
canções únicas. As vocalizações foram detectadas em qualquer momento do
dia e ao longo da maioria do inverno de cada ano, quando se dá a
temporada de acasalamento destes animais.
"O alfabeto das baleias-da-groenlândia tem milhares de letras até onde sabemos", disse Stafford à BBC News.
"Enquanto a canção de uma jubarte pode durar de 20 a 30 minutos, uma
canção de uma baleia-da-groenlândia pode ter de 45 segundos a dois
minutos, mas elas a repetem várias vezes."
Outra diferença é que, enquanto as jubarte cantam canções parecidas ao
longo de uma temporada, as baleias-da-groenlândia variam o tipo de
canção em questão de horas ou dias.
Isso é incomum, já que a maioria dos mamíferos realiza chamados específicos e repetitivos, que não variam.
Com a habilidade de romper uma barreira de até meio metro de gelo e
chegando a viver 200 anos, as baleias-da-groenlândia podem ser animais
formidáveis.
Mas sua capa de gordura, a mais grossa entre todas as espécies de
baleias, fez com que os animais que vivem neste arquipélago fossem
caçados desde o início dos anos 1600.
A redução do número destas baleias existentes ali e as duras condições
de seu habitat natural sob o gelo fizeram com que elas fossem pouco
estudadas e conhecidas.
Outros grupos de baleias-da-groenlândia, como a população do Ártico
Ocidental, são melhor compreendidas graças ao conhecimento acumulado por
povos nativos do Alasca, explica Stafford. Mas, ainda assim, sabemos
"relativamente pouco" sobre a espécie, diz ela.
Solistas
Ainda não se sabe, por exemplo, se uma baleia-da-groenlândia canta a
mesma música por toda a vida ou se muda de uma estação para outra.
Também ainda não foi determinado por que há uma diversidade tão grande de cantos em uma mesma população.
Não foi possível contar o número de integrantes do grupo estudado por
meio das gravações realizadas, mas trabalhos anteriores na região
estimam que sejam ao menos 343 baleias.
Falta ainda, diz Stafford, identificar acusticamente cada animal e
aprender mais sobre quem está fazendo a vocalização e o motivo disso.
"É um mistério que será difícil de solucionar", afirma a cientista.
"Mas ser capaz de escutar o que ocorre sob o gelo neste local remoto é
incrível."
Recém-descobertos
pela ciência na costa norte do Brasil, corais ocupam área subaquática
equivalente ao estado do Rio de Janeiro. Licença para exploração de
petróleo na região pode sair a qualquer momento.
Escondidos no fundo do Oceano Atlântico, numa das regiões de
correnteza mais fortes do mundo, corais da Amazônia foram localizados em uma
área que pode, a qualquer momento, ser liberada para a exploração de petróleo.
A descoberta foi feita por pesquisadores brasileiros a bordo do navio
Esperanza, cedido pelo Greenpeace para a missão científica.
Pesquisadores buscam evidências numa faixa da costa norte do
Brasil, próxima ao Amapá e ainda sob influência das águas que o rio Amazonas
despeja no mar. É exatamente ali que a empresa francesa Total aguarda licença
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) para extrair petróleo.
"Pela primeira vez, obtivemos imagens da área com um
robô. Encontramos recifes na porção mais rasa dos blocos de onde se quer
extrair petróleo", afirma Ronaldo Francini-Filho, pesquisador da
Universidade Federal da Paraíba (UFPA).
"Tem área de petróleo aqui que está embaixo das áreas
de recife. Isso a gente não pode deixar de considerar."
Inicialmente, estimou-se que os corais da Amazônia ocupassem
uma área de 9,5 mil quilômetros quadrados, mas o cálculo mais recente indica
que seu tamanho seja mais de cinco vezes maior. "O recife tem em torno de
56 mil quilômetros quadrados. Portanto, é o maior recife do Brasil e um dos
maiores do mundo", disse Fabiano Thompson, pesquisador da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também a bordo do navio.
Os recifes cobrem, portanto, uma área submersa maior que o
estado do Rio de Janeiro, habitada por mais de 40 espécies de corais, 60 de
esponjas – metade provavelmente ainda desconhecida –, 70 espécies de peixes,
lagostas, estrelas-do-mar. A região também é refúgio de peixes que já
desapareceram da costa brasileira, como o mero. Os detalhes dessa descoberta
serão publicados num artigo científico nas próximas semanas.
A expedição a bordo do Esperanza, iniciada em 2 de abril,
entrava no sexto dia quando o novo alvo foi identificado. Enquanto um robô
especialmente trazido para a missão científica –equipado com três câmeras e um
sistema de coleta de água e material – atingia profundidade, as imagens eram
exibidas em duas telas instaladas na popa do navio.
Depois de uma detalhada análise e longos debates, os
pesquisadores confirmaram: os corais da Amazônia cobrem também exatamente o
local considerado nova fronteira petrolífera, na Bacia da Foz do Amazonas.
A faixa de recifes está localizada entre 70 e 220 metros de
profundidade na costa ao longo dos estados de Maranhão, Pará e Amapá. Até
então, os livros diziam que corais não cresciam perto da foz de grandes rios,
onde a água doce chega ao mar carregada de lama, é mais escura e impede a
entrada a luz – fonte usada pelos corais para produzir alimento.
Um mundo improvável e desconhecido
A jornada dos pesquisadores brasileiros em busca do
improvável recife de corais começou em 2011. Mais tarde, missões científicas
fizeram a coleta de dados no local. Os resultados surpreenderam o mundo num
artigo publicado em 2016.
"Exatamente porque o acesso é tão difícil e as
condições oceanográficas aqui são tão duras é que a gente sabe pouco sobre esse
lugar", comenta Francini-Filho sobre o impacto da descoberta.
As primeiras imagens dos corais da Amazônia foram
registradas em 2017, numa viagem de submarino realizada com apoio do
Greenpeace. "O pouco do conhecimento que a gente tem dessa região já
indica que realmente é uma área extremamente rica, sensível à exploração de
petróleo", complementa o pesquisador, estimando que se conheçam apenas 5% da
vida que o recife abriga.
Com o anúncio que surpreendeu a ciência, diante da iminência
da chegada de plataformas para retirada de petróleo nessa parte do Atlântico, a
conservação dos corais da Amazônia se transformou numa campanha mundial do
Greenpeace.
Corais sobre o petróleo
A atual expedição, que deve se estender até maio, exigiu
mais de um ano de planejamento, obteve autorização do governo brasileiro, e
custou 700 mil euros – montante que veio dos doadores que mantêm o Greenpeace.
"É urgente a campanha, é urgente essa pesquisa
cientifica que nós fazemos aqui pra provar que é mesmo um novo bioma, único no
mundo, pouquíssimo conhecido pela ciência", argumenta Thiago Almeida,
representante da Campanha Defenda os Corais da Amazônia.
Um vazamento de petróleo traria danos irreparáveis,
argumenta Almeida. "Além disso, esse petróleo chega mais perto da costa e
dos rios brasileiros na Amazônia, região com um dos maiores mangues do planeta.
Estamos falando de uma ameaça a diversas populações de pescadores, extrativistas,
ribeirinhos e povos indígenas."
Thompson vê grande potencial nas pesquisas. "Esse
recife é considerado uma farmácia submarina. Ele pode se reverter em divisas
para nosso país, se conseguirmos desenvolver a biotecnologia marinha a partir
da biodiversidade que ele abriga, e gerar moléculas bioativas para novos
medicamentos para tratar doenças como câncer, viroses, doenças
infecciosas", explica o pesquisador da UFRJ, citando iniciativas já em
andamento em países na Europa, Estados Unidos e Japão.
Últimos passos antes da exploração
O processo de licenciamento para exploração de petróleo no
local pela francesa Total e a britânica BP estão em suas etapas finais. O Ibama
informou que o processo conduzido pela Total está em estágio mais próximo de
decisão.
Os blocos para exploração foram adquiridos em 2013, num
leilão da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Estima-se que a região da Bacia da Foz do Amazonas armazene até 14 bilhões de
barris de petróleo.
Questionada pela DW Brasil, a Total não respondeu se sabia
da existência dos corais sobre a região que pretende explorar e se manifestou
por meio de nota. "A Total respondeu, em janeiro, ao último parecer
técnico do Ibama em relação ao Estudo de Impacto Ambiental da atividade de
perfuração de poços que a empresa prevê realizar nos blocos que opera na Bacia
da Foz do Amazonas. A empresa no momento aguarda um posicionamento do órgão, no
âmbito do processo de licenciamento ambiental que está em curso."
Os pesquisadores esperam que a ciência seja levada em conta
na decisão. "Com base no conhecimento que temos até agora, a exploração de
petróleo aqui será realmente uma tragédia, caso ela ocorra. Porque a gente
conhece muito pouco disso que estamos chamando de megabioma: uma região da
Floresta Amazônica conectada com o segundo maior rio do planeta e um dos
maiores recifes do mundo", opina Francini-Filho.
O
avião percorre numa velocidade média os campos de plantações. O ronco
do motor destoa do silêncio. De vez em quando, vê-se uma nuvem de fumaça
sendo aspergida sobre o solo e alguém, que está por trás da câmera,
comenta algo. O cenário fica em Mato Grosso e quem filma a viagem do avião é
um representante da Opan (Operação Amazônia Nativa) entidade que
defende os direitos dos povos indígenas. A denúncia é que o limite de
250 metros de distância obrigatório por lei para aspergir agrotóxico foi
violado pelo piloto flagrado nas imagens. Índios reclamaram de doenças
respiratórias por causa das substâncias.
O Brasil comemora o fato de ter a segunda maior frota de aviação agrícola do
mundo. No ano passado, eram registradas 2.115 aeronaves, 2.108 delas
aviões. Brasil tem a 2ª maior frota de aviação agrícola do mundo.
Com 464 aeronaves, Mato Grosso é o estado com a maior frota do país. Rio
Grande do Sul (427) e São Paulo (312) vêm na sequência. A maior frota
do mundo pertence aos Estados Unidos (3.600 aeronaves), seguida do
México,que ocupa o terceiro lugar no ranking.
Aviões
agrícolas foram feitos para distribuir sementes e aplicar defensivos
agrícolas, inseticidas, nas lavouras. Também chamados de agrotóxicos. O
Brasil consome 20% de todo agrotóxico comercializado mundialmente. E
este consumo tem aumentado significativamente nos últimos anos.
Apesar
de serem motivo de comemoração, o aumento do número de aviões agrícolas
e do consumo de agrotóxicosnão são notícias boas para quem consome os
alimentos. Há um uso abusivo dessas substâncias, o que pode causar
doenças graves nos humanos.
Depois
de estudar cerca de três anos exaustivamente o tema dos agrotóxicos, a
professora de Geografia Agráriada USP Larissa Mies Bombardi escreveu uma
tese, chamada “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com
a União Europeia”, em que enfatiza essas questões. Sobretudo fica bem
claro, depois da leitura do livro (é possível ler aqui, em PDF),
que o marco regulatório da União Europeia é bem mais restritivo com
relação aos agrotóxicos do que as proibições impostas, aqui no Brasil,
aos que produzem essas substâncias.
"A
União Europeia implantou em 2011 um marco regulatório mais restritivo
para os agrotóxicos, fazendo com que uma série de ingredientes ativos
esteja em fase de banimento na região do bloco econômico. 30% de todos
os agrotóxicos utilizados no Brasil são proibidos na União Europeia. E
entre os dez ingredientes ativos mais vendidos no Brasil dois são
proibidos na união europeia", escreve ela.
“Atrazina
é um inseticida que foi proibido na União Europeia em 2014e que, no
Brasil, segue autorizadopara os cultivos de abacaxi, cana-de-açúcar,
milho, milheto, pinus, seringueira, sisal e sorgo. Mato Grosso do Sul
lidera o uso seguido por São Paulo e Mato Grosso. No Brasil estão
autorizados, para o cultivo do café, 121 diferentes agrotóxicos. Trinta
deles são proibidos na União Europeia há 15 anos”, escreve ela.
Um
aspecto da diferença de quantidade de agrotóxicos usados no Brasil e na
União Europeia é evidente, em números absolutos. A outra parte é
invisível: diz respeito à quantidade de resíduos de agrotóxicos
permitida nos alimentos e na água. Isso atinge não só a população rural,
como os índios que estão denunciando na reportagem através da
organização que os defende, como a população do mundo todo que consome
tais produtos.
“Há um
fenômeno, quando se pratica a pulverização aérea, denominado “deriva”
que se refere à quantidade de agrotóxicos que não atinge o chamado
“cultivo-alvo” e que se dispersa no amviente. Fatores que influenciam a
deriva, segundo a Associação Nacional de Defesa Vegetal: vento,
temperatura do ar, umidade relativa do ar, distância do alvo, velocidade
de aplicação e tamanho das gotas”, escreve a professora em sua tese.
Os
agrotóxicos foram desenvolvidos na Primeira Guerra Mundial e usados
como arma química na Segunda Guerra Mundial. Quando acabou a guerra,
eles começaram a ser usados também para defender os agricultores das
pragas que podiam acabar com seu sustento e, mais do que isso, arruinar
plantações que poderiam alimentar as pessoas. Até hoje há quem os
defenda dessa maneira, ou seja, como ferramentas indispensáveis para
permitir que os 7 bilhões de humanos possam se alimentar.
As
denúncias feitas por organizações e pesquisadores que estudam o tema
levam a outro caminho e apontam para os riscos do uso dessas
substâncias. Vandana Shiva, cientista, pesquisadora, filósofa, criadora
do Banco de Sementes em seu país, a Índia, conta que passou a pesquisar
sobre os malefícios do uso de agrotóxicos para a saúde humana quando, há
mais de trinta anos, foi testemunha de um acidente ocorrido numa
fábrica de inseticidas e que matou mais de 35 mil indianos.
“Os agrotóxicos foram criados na Guerra para matar pessoas”, diz ela.
A
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) fez também um
documento apontando problemas com o uso abusivo de agrotóxicos. Chamado
“Impactos dos Agrotóxicos na Saúde”, o dossiê não
deixa nem margem para dúvidas. Segundo os cientistas, “os agrotóxicos
fazem mal à saúde das pessoas e ao meio ambiente”. Alguns dados
coletados no estudo corroboram a afirmação:
“Entre 2007 e 2014 o Ministério da Saúde recebeu 34.147 notificações de intoxicação por agrotóxico”
“Entre 2000 e 2012 o Brasil teve um aumento de 288% do uso de agrotóxicos”
“Relatório da Anvisa de 2013 constatou que 64% dos alimentos estão contaminados por agrotóxicos”.
Diante
disso, o faturamento da indústria de agrotóxicos no Brasil em 2014, que
foi de US$ 12 bilhões, deixa extremamente claro que estamos diante de
um dos muitos casos em que o desenvolvimentismo se volta contra a saúde e
o bem-estar das pessoas.
É
preciso achar um equilíbrio. Ou, que cada um de nós passe a fazer mais
contato com os alimentos que consumimos. Talvez não seja tão fácil num
primeiro momento, mas a informação é bastante para se começar um
movimento neste sentido.
Brasília: o que mudou do projeto para o que foi implantado
Por Tânia Battella
É interessante conhecer alguns detalhes da construção de Brasília,
começando pelo Edital do concurso público nacional, que estabeleceu
algumas condições para o projeto da nova capital do país, que teve
como vencedor o arquiteto Lúcio Costa, com a proposta de seu plano
piloto para Brasília.
O Edital para o “Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do
Brasil” foi de setembro de 1956, assinado pelo Presidente da República.
Estabeleceram-se regras quanto aos possíveis participantes, a
apresentação do projeto, a necessidade de ser acompanhado por
informações sobre abastecimento de água, de energia elétrica,
transportes e outros ( alíneas do item 4. Do Edital). Esclareceu,
também, no item 8. do Edital, que o Júri seria “presidido pelo
Presidente da Cia. Urbanizadora da Nova Capital do Brasil” e seria
composto por “dois representantes da CIA. Urbanizadora da Nova Capital
do Brasil, um do Instituto de Arquitetura do Brasil, um do Clube de
Engenharia e dois urbanistas estrangeiros.“ Estabeleceu, ainda, os
prêmios para os cinco primeiros vencedores e que “desde que haja
perfeito acordo entre os autores classificados em primeiro lugar e a
Cia. Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, terão aqueles a preferência
para o desenvolvimento do projeto.”
Ainda na vigência do prazo para apresentação dos projetos houve
informações complementares aos participantes, por parte de Israel
Pinheiro e de Oscar Niemeyer, então Diretor do Departamento de Urbanismo
e Arquitetura da Cia. NOVACAP. Destas, merecem destaque a que
transmitiu a pré-existência de uma represa – Lago Paranoá, com cota
prevista para 997, a existência do palácio presidencial e de uma hotel,
com localizações desde então definidas. Outra informação predeterminada e
transmitida aos concorrentes foi a do aeroporto , à época já em
construção.
Concluído o Concurso Nacional, publicado o plano piloto de Lúcio
Costa como vencedor, teve início a maior proeza conhecida dos últimos
séculos: a construção de uma cidade que, a partir de seu Plano Piloto,
elaborado em 1956, seria transformado em realidade, em cidade com data
marcada para inauguração: 21 de abril de 1960.
Muitos relatos conhecemos de pessoas que participaram dessa
empreitada, mas havia a necessidade de se registrar as adequações que
foram necessárias na passagem do papel para o terreno – do plano piloto
para o Plano Piloto. Foi quando tivemos eu, pelo Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da Secretaria de Viação e Obras SVO/GDF e Luiz
Alberto Cordeiro, pela Diretoria Técnica da TERRACAP, a iniciativa de
promover esse levantamento e deixar registrado como memória para
entendimentos futuros do que foi necessário alterar nessa passagem de
projeto à realidade. Assim, foi elaborado o primeiro documento que , nas
palavras de Lúcio Costa, promoveu-se um “check-up urbanístico”.
Assim, em 1985, através do documento denominado “Brasília – 57-85 (
do plano piloto ao Plano Piloto), elaborado por Maria Elisa Costa e
Adeildo Viegas de Lima, sob a coordenação de Lúcio Costa, autor do plano
piloto de Brasília, foram registradas as primeiras e mais
significativas modificações da proposta original do Conjunto Urbanístico
de Brasília – CUB, no processo de desenvolvimento do projeto e
implantação da cidade, que ocorreu paralelamente.
O acompanhamento de Lúcio Costa ocorreu, de fato, no período inicial,
até 1966, e de 1980 a 1985, este último período mediante consultoria
formalizada com contrato junto a TERRACAP para essa finalidade. Fora
esses períodos, sua participação ocorreu sempre que consultado.
Excepcionalmente, Lúcio Costa participou de um Seminário, em 1974,
promovido pelo Senado Federal, por iniciativa do Senador Catete
Pinheiro, então Presidente da Comissão do Distrito Federal, que
legislava sobre questões do Distrito Federal, precedentemente a
instalação da Câmara Legislativa do DF. Decorreram, desse Seminário os
projetos das Praças de Pedestres na Plataforma Central , a fonte próxima
à Torre de TV e os trevos de interligação das pistas central e locais
do Eixo Rodoviário. Houve, também propostas de projetos para o Setor
Comercial Norte e para um Parque Público na beira do lago, nas
proximidades da Concha Acústica.
Vamos, agora, às adequações do projeto original à implantação da
cidade, conforme registro no documento “ Brasília – 57 – 85 ( do plano
piloto ao Plano Piloto).
A primeira delas ocorreu por sugestão de um dos membros da Comissão
Julgadora, Sir. William Holford: “o conjunto da cidade deslocou-se para
leste, e os lotes residenciais passaram para o outro lado do lago.”
“Assim, foi reduzido o espaço entre a cidade e a água, que poderia
receber pressões no sentido de uma ocupação indevida”. “Suas
consequências foram tornar o Eixo Rodoviário mais arqueado e mais curto
– comprimindo as faixas 01 – e dobrar a extensão do trecho oeste do
Eixo Monumental, de vez que a Estação Ferroviária foi deslocada no outro
sentido.” Desse movimento, os Setores Comercial e Bancário Norte
ficaram em cota mais elevada. O mapa abaixo demonstra o resultado dessa
modificação.
Em seguida, foi criada mais uma sequência de superquadras do lado
leste, com gabarito de três pavimentos, destinados à construção de
blocos residenciais econômicos. Essa faixa de superquadras,
originalmente, acomodaria as Embaixadas e não tinha destinação de uso
residencial.
Já a faixa proposta para “floricultura , horta e pomar” ( item 16 do
relatório do plano piloto), a oeste da W3, transformou-se em casas
geminadas para atendimento de urgência as famílias transferidas para
Brasília, desde 1958, para a construção da cidade.
Outra demanda emergencial da época foi a de espaços para instalação
de templos religiosas de diferentes seitas e de equipamentos
comunitários de educação particulares. Para não comprometer os espaços
destinados à rede pública, foram criados espaços nos chamados Setores de
Grandes Áreas, a leste da L2 e a oeste das casas geminadas, o que deu
origem as vias W4 e W5. Além do atendimento a essa demanda, esses
espaços foram criados para “assegurar que a implantação residencial ao
longo do Eixo Rodoviário fosse feita exatamente como previsto na
proposta original, de vez que se tratava de um dos aspectos fundamentais
do piloto-piloto.”
Foi, também, ampliada a zona central da cidade (que constitui a
Escala Gregária), com o acréscimo dos Setores Hospitalares, de
Autarquias, Tribunais e Rádio e TV, e acréscimo de área nos Setores
Comerciais e Bancários.
Conforme demonstrado nas figuras acima, retiradas do documento
“Brasília 57-85 ( do plano piloto ao piloto ao Plano Piloto), do papel à
realidade, o projeto de Brasília recebeu adequações que, segundo o
próprio autor, foram necessárias, mas receberam críticas profundas em
relação ao tratamento viário que não acompanhou as alterações de uso do
solo. Assunto que merece um documento a parte.
Outra crítica específica a respeito do uso do solo e em decorrência
da criação dos Setores de Grandes Áreas para atendimento a demanda de
ensino particular recaiu na utilização desse espaço para os
estabelecimentos públicos de ensino médio do plano piloto reativa às
Unidades de Vizinhança (itens 16 e 17 do relatório do plano). E a
análise continua:
“visto hoje, parece inexplicável que não se tenha podido chegar na
época a uma posição realista quanto às áreas necessárias para
implantação das escolas classe, parque e médias de forma a localizá-las
dentro das quadras e nas entrequadras como previsto no plano.”
Estas foram as adequações do plano piloto de Brasília quando do
desenvolvimento do projeto que ocorreu paralelamente à implantação da
cidade. Todas com as devidas justificativas e que mais tarde o próprio
autor do projeto – Lúcio Costa fez registrar no documento acima citado.
Apesar disso, Lúcio Costa finaliza sua apresentação nesse trabalho concluindo que :
Potsdam Institute for Climate Impact Research — PIK*
A circulação do Atlântico – um dos mais importantes sistemas de
transporte de calor da Terra, bombeando água morna para o norte e água
fria para o sul – é mais fraca hoje do que em qualquer outro período em
mais de 1000 anos.
A análise dos dados da temperatura da superfície do mar fornece novas
evidências de que essa importante circulação oceânica diminuiu cerca de
15% desde meados do século 20, de acordo com um estudo publicado na
renomada revista Nature por uma equipe internacional de cientistas. A
mudança climática provocada pelo homem é um dos principais suspeitos
para essas observações preocupantes.
“Detectamos um padrão específico de resfriamento oceânico ao sul da
Groenlândia e um aquecimento incomum na costa dos Estados Unidos – o que
é altamente característico para uma desaceleração da circulação do
Atlântico, também chamada de Gulf Stream System”, diz Levke Caesar, do
Instituto Potsdam. para a Pesquisa de Impacto Climático (PIK). “É
praticamente como uma impressão digital de um enfraquecimento dessas
correntes oceânicas.”
À medida que as correntes diminuem, elas trazem menos calor para o
norte, causando um resfriamento generalizado do Atlântico Norte – a
única região oceânica que se resfriou diante do aquecimento global. Ao
mesmo tempo, a Corrente do Golfo se desloca para o norte e se aproxima
da costa e aquece as águas ao longo da metade norte da costa atlântica
dos EUA.
“Aquela região aqueceu mais rápido do que a maioria das outras partes
do oceano nas últimas décadas”, diz o coautor Vincent Saba, do
Laboratório da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), em
Princeton, EUA. “Esse padrão específico de temperatura do oceano foi
projetado por simulações de computador de alta resolução, como resposta
ao aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera – agora isso
foi confirmado por medidas”. Medições da temperatura da superfície do mar confirmam simulações de computador
Durante décadas, os cientistas investigaram a dinâmica da circulação
do Atlântico. Simulações de computador geralmente predizem que ele
enfraquecerá em resposta ao aquecimento global causado pelo homem. Mas
se isso já está acontecendo, até agora não ficou claro, devido à falta
de medições de corrente contínua de longo prazo. “A evidência que agora
podemos fornecer é a mais robusta até hoje”, diz Stefan Rahmstorf, do
Instituto Potsdam, que concebeu o estudo. “Analisamos todos os dados
disponíveis sobre a temperatura da superfície do mar, incluindo dados do
final do século XIX até o presente.”
“O padrão de tendência específico que encontramos nas medições parece
exatamente o que é previsto por simulações de computador, como
resultado de uma desaceleração no Sistema da Corrente do Golfo, e não
vejo outra explicação plausível para isso”, diz Rahmstorf. Na verdade,
não é apenas o padrão no espaço que coincide entre simulação de
computador e observações, mas também a mudança com as estações do ano. O aquecimento global provavelmente provoca as mudanças – os efeitos são de longo alcance
O enfraquecimento é causado por uma série de fatores que podem estar
ligados ao aquecimento global causado pelos gases de efeito estufa da
queima de carvão, petróleo e gás.
A inversão do Atlântico é impulsionada pelas diferenças na densidade
da água oceânica: quando a água quente e, portanto, mais leve, viaja do
sul para o norte, fica mais fria e mais densa e pesada – afundando-se em
camadas oceânicas mais profundas e fluindo de volta para o sul. “Mas
com o aquecimento global, o aumento das chuvas, bem como a degelo do
gelo do mar Ártico e da camada de gelo da Groenlândia, estão diluindo as
águas do Atlântico Norte, reduzindo a salinidade. Menos água salgada é
menos densa e, portanto, menos pesada – o que dificulta que a água
afunde da superfície até a profundidade ”, explica Alexander Robinson,
da Universidade de Madri, coautor do estudo.
Houve longos debates sobre se a circulação do Atlântico poderia
entrar em colapso, sendo um elemento decisivo no sistema da Terra. O
presente estudo não considera o destino futuro dessa circulação, mas
analisa como ela mudou nos últimos cem anos. No entanto, Robinson
adverte: “Se não pararmos rapidamente o aquecimento global, devemos
esperar mais uma desaceleração a longo prazo da circulação do
Atlântico. Estamos apenas começando a entender as consequências desse
processo sem precedentes – mas elas podem ser perturbadoras ”.
Vários estudos mostraram, por exemplo, que uma desaceleração da
circulação do Atlântico exacerba a elevação do nível do mar na costa dos
Estados Unidos, em cidades como Nova York e Boston. Outros mostram que a
mudança associada nas temperaturas da superfície do Atlântico afeta os
padrões climáticos da Europa, como o rastro de tempestades vindas do
Atlântico. Especificamente, a onda de calor europeia do verão de 2015
esteve ligada ao frio recorde no Atlântico norte naquele ano – este
efeito aparentemente paradoxal ocorre porque um Atlântico norte frio
promove um padrão de pressão de ar que canaliza o ar quente do sul para a
Europa. Os resultados são amplamente apoiados pelo estudo do passado da Terra na mesma edição da Nature
Os resultados são apoiados e colocados em uma perspectiva de longo
prazo por um segundo estudo realizado por uma equipe em torno de David
Thornalley, da University College London, publicado na mesma edição da
Nature. Esta análise importante examina o clima passado da
Terra – usando informações que estão, por exemplo, enterradas no fundo
do oceano, na composição de sedimentos -reconstruir as mudanças no
Atlântico ao longo dos últimos 1.600 anos.
Os dados paleoclimáticos fornecem confirmação independente para
conclusões anteriores de que a recente fraqueza da circulação é sem
precedentes, pelo menos por mais de um milênio.
A evolução da inversão do Atlântico no último milênio deduzida de
evidências indiretas de temperaturas abaixo da superfície quase coincide
exatamente com a encontrada anteriormente por Rahmstorf e colegas em
2015 – o que é bastante notável, dado que o novo estudo é baseado em
sedimentos oceânicos, enquanto o estudo anterior rede de evidências
encontradas na superfície da terra, como dados do núcleo de gelo e anéis
de árvores.
“Várias linhas de evidência estão se unindo agora, apontando para o
mesmo enfraquecimento desde os anos 50”, diz Rahmstorf: “O resfriamento
subpolar do Atlântico, o aquecimento da costa do Golfo, os dados de
Thornalley para as temperaturas do subsolo no Atlântico, e dados
anteriores de corais do mar profundo mostrando mudanças na massa de água
no Golfo do Maine. ”
O estudo de Thornalley também sugere que uma parte da circulação do
Atlântico – o fluxo profundo da água do mar de Labrador – foi afetada há
150 anos pelo aquecimento e pelo derretimento do gelo no final da
“Pequena Idade do Gelo”. Isso ilustra a sensibilidade da circulação ao
aquecimento e à entrada de água doce – algo que está acontecendo de novo
agora com o aquecimento causado pelo homem e a aceleração do
derretimento da Groenlândia.
No entanto, a julgar pelos dados das temperaturas passadas do
subsolo, este evento há 150 anos não foi associado a uma redução global
tão profunda no transporte de calor no oceano Atlântico como o
aquecimento dos gases de efeito estufa de combustíveis fósseis que
ocorreu principalmente desde 1950 -um aquecimento global que é maior do
que em qualquer outro tempo na história da civilização humana.
Referência: Levke Caesar, Stefan Rahmstorf, Alexander Robinson, Georg
Feulner, Vincent Saba (2018): Observed fingerprint of a weakening
Atlantic Ocean overturning circulation. Nature [DOI:
10.1038/s41586-018-0006-5] http://dx.doi.org/10.1038/s41586-018-0006-5
* Tradução e edição de Henrique Cortez, EcoDebate
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 13/04/2018
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“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria” Machado de Assis (Memórias póstumas de Brás Cubas)
[EcoDebate]
A fecundidade da população mundial caiu bastante nos 50 anos
compreendidos entre 1965 e 2015. A taxa de fecundidade total (TFT)
estava em torno de 5 filhos por mulher entre 1950 e 1965 e caiu para 2,5
filhos por mulher no quinquênio 2010-15. Houve uma diminuição de 2,5
filhos na TFT em meio século. Foi a maior redução já ocorrida na
história da humanidade e representa um dos maiores e mais significativos
fenômenos sociais de mudança de comportamento de massa já ocorridos na
sociedade.
A autolimitação do tamanho da prole ocorreu de forma racional e em
meio ao aumento do bem-estar médio global. Isto significa que as
famílias optaram por investir na qualidade dos filhos e não na
quantidade de novos membros da família. A redução da TFT não ocorreu em
função da escassez de recursos, ao contrário, foram os casais com
maiores níveis de educação e renda e com maior acesso à informação que
lideraram a transição da fecundidade nos diversos países.
Porém, mesmo com toda a expressiva queda da TFT, a população mundial
cresceu de 2,5 bilhões de habitantes em 1950 para cerca de 7,5 bilhões
de habitantes em 2015. Se a taxa de fecundidade se mantiver em torno de
2,5 filhos por mulher até 2100 a população mundial poderá duplicar entre
2015 e 2100 e chegar a um número próximo de 15 bilhões de habitantes no
final do século XXI.
A Divisão de População da ONU faz várias projeções para as próximas
décadas. Na projeção média a taxa de fecundidade passaria dos atuais 2,5
filhos por mulher para 2 filhos por mulher em 2100. Na projeção baixa, a
TFT passaria de 2,5 filhos para 1,5 filhos por mulher em 2100. Ou seja,
na hipótese da projeção média, a TFT seria reduzida em meio (0,5) filho
até 2100. Na hipótese de projeção baixa, a TFT seria reduzida em um (1)
filho no espaço de 85 anos, conforme mostra o gráfico acima.
Esta queda projetada pode parecer pequena para o período 2015-2100
(diante dos 2,5 filhos reduzidos entre 1965-2015), mas teria um efeito
impactante sobre o volume total da população e no número de nascimentos.
O gráfico abaixo mostra que o número de nascimentos do mundo em 1950
estava, aproximadamente, em torno de 100 milhões de bebês por ano e
subiu para cerca de 140 milhões de bebês no quinquênio 2010-15. Se a TFT
seguir a trajetória média, conforme hipótese da Divisão de População da
ONU, o número de nascimentos anuais no mundo ficará em torno de 140
milhões nas próximas décadas e atingirá 131,2 milhões no quinquênio
2095-00. Se a TFT seguir a trajetória baixa, o número de nascimentos
anuais no mundo cairá progressivamente e atingirá 59 milhões no
quinquênio 2095-00.
O número total de nascimentos entre 2015 e 2100, na projeção média,
seria de 11,8 bilhões e na projeção baixa de 7,7 bilhões. Isto significa
que se, nos 85 anos entre 2015 e 2100, a TFT cair de 2,5 para 2 filhos
por mulher vão nascer 11,8 bilhões de crianças e se a TFT cair de 2,5
para 1,5 filho por mulher o número de nascimentos se reduziria para 7,7
bilhões. Uma diferença de 4,1 bilhões de crianças.
Estes dados mostram o impacto da queda de meio filho sobre o volume
da população total, indicando que uma aceleração do ritmo da transição
da fecundidade poderia reduzir imediatamente o número de nascimentos.
Por exemplo, na hipótese média de projeção o número de nascimentos seria
de 141 milhões no quinquênio 2015-20 e de 142,9 milhões no quinquênio
2045-50, enquanto na hipótese baixa de projeção os números seriam de
126,6 milhões e 100 milhões, respectivamente. Assim, se a TFT cair no
ritmo estimado da projeção baixa haverá um bilhão de nascimentos a menos
até 2050. Portanto, mesmo com a inércia demográfica, a redução seria
significativa e poderia contribuir para diminuir a pressão sobre o meio
ambiente.
O gráfico abaixo mostra a evolução da população mundial de 1950 a
2015 e os cenários de projeção médio e baixo. Na hipótese média, a
população mundial passaria dos atuais 7,5 bilhões de habitantes para
11,2 bilhões de habitantes em 2100. Na hipótese baixa, a população
mundial ficaria com 7,3 bilhões de pessoas no final do século XXI.
Portanto, se houver uma queda de um filho na TFT até 2100, em relação
aos 2,5 filhos do quinquênio 2010-15, o mundo pode ter uma população em
2100 menor do que a de 2015. Seriam menos 4 bilhões de pessoas em
relação à projeção média da Divisão de População da ONU. Ao invés de
crescimento demográfico, teríamos decrescimento demográfico.
Os dados acima mostram que a demografia não é destino. Mais de 90% da
população global de 2100 vai nascer nos próximos 85 anos (de 2015 ao
final do século). A população mundial cresceu nos últimos milênios
seguindo a máxima do livro do Genesis: “Sede férteis e multiplicai-vos!
Povoai e sujeitai toda a terra; dominai sobre os peixes do mar, sobre as
aves do céu e sobre todo animal que rasteja sobre a terra!”. Porém,
agora é possível evitar o crescimento exponencial ininterrupto.
O aumento da população alimenta (por meio da oferta de trabalho e a
demanda por consumo) o aumento da economia. O superconsumo só se
sustenta porque existem pessoas consumindo. A parcela da população
mundial com consumo muito elevado está em torno de 20%. Mas existe uma
grande classe média (em torno de 40% da população mundial) que quer
mimetizar o consumo dos ricos. E os 40% da população muito pobres também
querem (e merecem) aumentar o consumo de alimentos, educação, saúde,
lazer, etc.
O aumento da população funciona como um fermento para o aumento do
consumo. A obsessão pelo crescimento demoeconômico contínuo fez a
humanidade ultrapassar a capacidade de carga do Planeta. Dados de 2013
mostram que a Pegada Ecológica global está 68% acima da biocapacidade. E
o déficit ecológico continua aumentando. Em breve consumiremos 2
planetas.
Evidentemente, a redução do consumo é a tarefa mais urgente para
reduzir a pegada ecológica. Mesmo com a rápida queda da taxa de
fecundidade a população mundial vai crescer nos próximos anos. Porém,
seguindo a trajetória baixa da projeção da ONU, a população mundial não
ultrapassaria 9 bilhões de habitantes até 2050 e diminuiria rapidamente
na segunda metade do século XXI, podendo chegar em 2100 com um volume
populacional menor do que o atual.
Seria um risco para todas as formas de vida do Planeta aumentar a
população mundial em 4 bilhões de habitantes e aumentar a economia e a
exploração da natureza. A humanidade, ao longo da história, já
prejudicou bastante a saúde dos ecossistemas e vai ter que enfrentar
grandes desafios nas próximas décadas, tais como: aquecimento global e
ondas letais de calor, aumento do nível do mar e naufrágio das áreas
litorâneas, aumento dos furacões, acidificação dos oceanos, erosão dos
solos, poluição das águas, crescimento das mortes por poluição do ar,
redução da biodiversidade, insegurança alimentar, etc.
Menos gente significará menos sofrimento humano e não humano. Com a
novidade da redução demoeconômica ficaria mais viável a recomposição dos
ecossistemas e a recuperação da biodiversidade. O colapso ambiental
poderá ser evitado se houver um esforço conjunto dos diversos países do
mundo para colocar a humanidade em um espaço seguro, onde a redução das
atividades antrópicas possa coexistir com a convivência harmoniosa com a
natureza. A lição sabemos de cor, só nos resta colocá-la em prática:
Sem ECOlogia saudável não há demografia viável ou ECOnomia sustentável.
José Eustáquio Diniz Alves,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor
titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas
Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail:
jed_alves@yahoo.com.br
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