sábado, 24 de março de 2018

Defensores do meio ambiente ganham garantias com novo Acordo de América Latina e Caribe

Quarta-feira, 07/03/2018, às 21:15,

Defensores do meio ambiente ganham garantias com novo Acordo de América Latina e Caribe

Saiu o Acordo Vinculante da América Latina e Caribe de Acesso à Informação, à Participação e à Justiça em Assuntos de Meio Ambiente. Os representantes dos 24 países da região, reunidos em São José da Costa Rica, aprovaram o tratado no domingo (4). Depois de ler o texto que postei na sexta-feira passada (2) anunciando que o acordo poderia sair até domingo (4), o representante da Fundação Esquel Brasil nas negociações, Rubens Born, engenheiro ambiental e mestre em saúde pública, fez contato comigo via redes sociais e me deu a boa notícia.

Conta-me Rubens Born que o texto passará ainda por breve revisão editorial e que na próxima Assembleia Geral da ONU, que acontece sempre em setembro, será oficialmente aberta a temporada para assinaturas dos 24 países da região. O Brasil propôs, e os outros acordaram, um prazo de dois em vez de um ano para colher as assinaturas.Dessa forma, o acordo estará aberto para assinaturas dos países de setembro de 2018 até setembro de 2020. A entrada em vigor ocorrerá quando 11 signatários depositarem o documento de ratificação junto à ONU, ainda que antes de findo o prazo de dois anos.

Só para lembrar: o Acordo está baseado no Princípio 10 daDeclaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento aprovada na Conferência da ONU Rio-92. É a seguinte a íntegra desse Princípio:

“A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos”.
Rubens Born conta ainda que “A novidade relevante [do Acordo] é que se trata do primeiro tratado vinculante em escala global que inclui artigo sobre obrigações dos países em prevenir e sancionar ameaças, coações, violências contra defensores de direitos humanos em assuntos ambientais. Esse foi um dos temas de intensa demanda pelas pessoas do "público" (ONGs, movimentos etc) - cerca de 30 de toda a região da América Latina e Caribe) que acompanharam a negociação do tratado”.

Esta é, de fato, a melhor notícia deste Acordo. Só em 2016, segundo reportagem do jornal britânico “The Guardian”, quase 200 pessoas morreram por estarem defendendo terras, animais selvagens ou bens naturais. Aqui na América Latina estavam 60% dessas pessoas. E o Brasil encabeça a lista de países onde mais pessoas perderam a vida enquanto se punham a proteger os bens que são de todos os humanos, não somente de alguns poucos exploradores que têm contribuído muito para a degradação ambiental.


No site da ONG Global Witness há um relatório que detalha essa questão. Diz o texto de apresentação do estudo que quase 40% dos assassinados eram indígenas.

“A falta de processos também dificulta identificar os responsáveis... É cada vez mais claro que, globalmente, os governos e os negócios estão falhando em seu dever de proteger ativistas em risco. Eles estão permitindo um nível de impunidade que permite que a grande maioria dos perpetradores andem livres, encadear os possíveis assassinos. Os investidores, incluindo os bancos de desenvolvimento, estão alimentando a violência apoiando projetos que prejudicam o meio ambiente e atropelam os direitos humanos”, explicam os estudiosos que publicaram o relatório.

Um caso recente, muito impactante e de repercussão internacional foi o de Berta Cáceres, uma professora de 43 anos que morreu assassinada a tiros em 2016, em Honduras. Ela protestava e tentava paralisar a construção da represa hidrelétrica da empresa Desarrollos Energéticos (Desa) no rio Gualcarque, considerado sagrado pelo povo indígena de Los Lencas.

Por tudo isso, no comunicado emitido depois da conclusão das negociações, a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), que organizou todo o processo, ressaltou que foi um feito histórico “na construção de uma democracia ambiental na região”, já que constitui o caminho para que os países possam implementar medidas que garantam os direitos ambientais.

Natalia Gómez, investigadora da Asociación Ambiente y Sociedade uma das representantes da sociedade civil no processo, disse ao jornal colombiano “El Tiempo” que a importância do tratado é o fato de ser “o primeiro do mundo em que se faz menção específica ao trabalho dos defensores ambientais”.

“Com este acordo, os países se comprometem a dar-lhes garantias para exercerem seu trabalho”, disse ela.

Alícia Barcena, secretária-executiva da Cepal, disse que o Acordoresponde à busca de respostas da comunidade internacional para mudar o atual estilo de desenvolvimento e “para construir sociedades pacíficas, mais justas, solidárias e inclusivas, nas quais os direitos humanos sejam protegidos e a proteção do planeta e de seus recursos naturais seja garantida”. 
 
Já o presidente da Costa Rica, Luis Guillermo Solís, na cerimônia de aprovação do Acordo, descreveu-o como uma espécie de marco na luta contra a pobreza, a desigualdade e o ódio. "Também é crucial para a própria sobrevivência de nossa espécie", disse ele. "O direito a um ambiente saudável é um direito humano".

Haverá quem lembre, não sem razão, a retórica inútil que costuma acompanhar tais pactos mundiais sobre o meio ambiente. Vivemos, porém, numa era das representações e de muitas incertezas. Dar selo e carimbo internacional de atos criminosos às atrocidades e crueldades que são cometidas contra pessoas –sobretudo indígenas – que levam a sério a preservação do ambiente (sim, em causa própria muitas vezes, mas será para o bem comum!) é, sim, uma notícia que traz frescor. Porque, até agora, esses crimes têm sido escondidos sob as florestas e rios que as vítimastentam resgatar das mãos dos criminosos.

É, portanto, um Acordo que se deve comemorar.

Uma hora sem luz para refletir sobre mudanças

Quarta-feira, 21/03/2018, às 21:06,

Uma hora sem luz para refletir sobre mudanças

Próximo sábado (24), às 20h30, as luzes do planeta, sobretudo as dos principais monumentos, deverão ser apagadas durante uma hora. Trata-se de uma campanha global que reúne milhões de pessoas no mundo, anualmente, para exigir uma atitude que possa ajudar a deter um pouco o avanço do aquecimento global. A ideia é reunir amigos, organizar eventos, fazer algum tipo de barulho possível para que se possa pensar um pouco sobre o forte impacto que a humanidade está exercendo no meio ambiente. No ano passado, só no Reino Unido, os organizadores da campanha contam que 9 milhões de pessoas participaram do evento.

Parêntesis: Sim, eu sei que muitos cidadãos não terão luz a apagar porque não têm acesso a este serviço que deveria ser para todos. De qualquer forma, sempre será uma oportunidade, também, de lembrar a desigualdade que se alastra por causa de um afã desenvolvimentista pouco inclusivo e muito impactante ao meio ambiente.

A sugestão dos organizadores do movimento é simpática e razoável: que as pessoas aproveitem essa hora e pensem, se programem para fazer alguma coisa que diminua sua pegada ecológica na Terra. No Reino Unido, o recorte é o alimento. O que podemos reduzir ou mudar em nossos hábitos alimentares para ajudar o meio ambiente? Para estimular os britânicos, os organizadores do EarthHour como é chamado o movimento, publicaram os dados de uma pesquisa que mostra que os pratos mais queridos deles – peixe com fritas e frango massala – vão precisar sofrer modificações fundamentais até 2050 por causa das mudanças climáticas. O peixe usado no prato é o bacalhau,cuja existência vai diminuir bastante, quiçá acabar, por causa do aquecimento dos mares. A produção da soja que alimenta os frangos também ficará comprometida, e vai ser preciso lançar mão de uma alternativa, tipo algas, para dar-lhes o que comer. O tomate, a cebola, o arroz, também sofrerão revezes, e aí o mundo todo vai sentir.

Trata-se, na realidade, de um estudo que se propõe, muito mais, a fornecer dados para ajudar a uma tomada de consciência coletiva do que qualquer outra coisa. Estamos vivendo momentos difíceis, não só aqui no Rio de Janeiro, no Brasil, como em todo mundo. Esperar por uma mobilização coletiva em tempos tão polarizados politicamente é de uma ousadia sem limites. Mas gosto da ideia, até porque pode ser, sim, que de gota em gota seja possível conseguir a mudança que se quer.

Quando escrevo sobre isso, sempre imagino o leitor se perguntando o quê, no fim das contas, será preciso fazer para participar desse afã coletivo em prol do meio ambiente.Muita gente já conhece o caminho das pedras, e vai nele muito bem, obrigada. Outros não acreditam, não querem participar, têm verdadeira aversão a se considerarem cúmplices de algo que julgam ser uma espécie de campanha anti-desenvolvimento-dos-países-pobres. Todos têm o meu respeito. Dialogo, porém, com aqueles que acreditam no que os cientistas estão demonstrando, não é de hoje, e que nós mesmos vimos observando, através de várias “mensagens” da natureza.

Mas há quem ainda não foi atraído e, vez ou outra, se sente afetado por este ou aquele dos variados, múltiplos temas que envolvem as questões do meio ambiente, de preservação, de aquecimento global, de mudanças climáticas, de desenvolvimento sustentável. É para essas pessoas que a campanha EarthHour, assim como tantas outras, vão ser dirigidas. Não se trata de tentar apoio pela linha do convencimento. O interessante é a proposta de instigar reflexões sobre um padrão de consumo que pode ser mudado sem detrimento da saúde humana e em prol da saúde de flora e fauna.

Para que consumir carne diariamente, por exemplo? Sabe-se que a altíssima produção de gado é um problema para o meio ambiente, embora seja a solução para os bolsos dos pecuaristas. Mas o equilíbrio, nesse caso, é necessário, já que a pecuária está entre os setores de produção mais poluentes, que demanda mais água, que desmata muito, que provoca um terrível mal-estar aos bichos confinados cuja vida tem um único objetivo: morrer para alimentar humanos. Causa indignação descrever como os bois são transportados, vivos, por oceanos e mares, dias seguidos, em navios sem ventilação, com pouca comida e água, para virar churrasco.

Desculpem-me, mas este é um assunto que, de fato, me faz alcançar um nível acima da imparcialidade que me vejo perseguindo em meus textos. Assino embaixo, compartilho quantas vezes forem necessárias, o alerta do historiador Yuval Noah Harari, que escreveu  “Sapiens, uma breve história da humanidade” (Ed. L&PM). Para ele, um dos maiores crimes da história da humanidade é a forma como tratamos os animais, só porque acham que eles são seres de raças “inferiores”.

Feito o novo parêntesis, volto à questão dos hábitos que viraram padrão e podem ser modificados. O movimento “Segunda sem carne”, da Sociedade Vegetariana Brasileira, ofereceuma opção bem razoável, sem grandes sacrifícios, para quem quer começar a participar da campanha em prol do meio ambiente e, consequentemente (bom não se esquecer disso) da manutenção da humanidade no planeta. Que tal experimentar, a partir de segunda-feira (26), ficar um dia, um diazinho só, por semana, sem comer carne de bicho? A campanha foi lançada mundialmente em 2003, mas aqui no Brasil existe desde 2009 e já está em mais de cem municípios, alcançando cerca de  3 milhões de pessoas, em média.

Esta já é uma ótima mudança, e pode ser feita como promessa na Hora do Planeta do dia 24. Pode ser até divertido, sobretudo se o grupo de amigos aderir.

Mas há outras mudanças para quem mora em cidades, que incluem andar menos de carros e usar mais o transporte coletivo ou a bicicleta; consumir menos objetos inúteis; usar um tipo de iluminação que gaste menos. E fazer mais contato, simplesmente isso, contato, com o entorno. Tenho a sensação, e compartilho aqui com vocês, de que os tempos estão tão difíceis que a maioria anda preferindo voltar os olhos para os dispositivos móveis de internet do que olhar em volta para descobrir caminhos e alternativas.

Para terminar, reproduzo a pesquisa compartilhada pelo site da organização Observatório do Clima que foi publicada na segunda-feira (19) pela revista “Nature Climate Change”. O estudo monitorou 154 áreas urbanas e concluiu que se os citadinos do mundo decidirem se unir em prol de ações para baixar as emissões de carbono será possível evitar a morte de 153 milhões de pessoas. Não é pouca coisa. Vale a pena, portanto, ao menos começar.

Algumas palavras sobre esta tal biodiversidade

Segunda-feira, 19/03/2018, às 20:09,

Algumas palavras sobre esta tal biodiversidade

A professora de uma turminha de alunos do ensino fundamental de uma escola privada do Rio de Janeiro pediu aos alunos que pesquisassem e escrevessem sobre biodiversidade. Fiquei sabendo disso ao acaso, em conversa com amigos. E hoje, em vez de escrever sobre o início do Fórum Mundial das Águas que está acontecendo em Brasília, ou mesmo sobre as mudanças do clima que serão provocadas pela chegada do outono, decidi dar uma ajuda a quem interessar possa. Meu post, portanto, vai para a meninada de 8 a 10 anos, geração que em 2050 estará na faixa dos 40, certamente já sofrendo na pele as consequências diretas das atitudes pouco cuidadosas das gerações que têm subestimado o meio ambiente.

O foco deste texto será, portanto, a biodiversidade. A primeira informação é que se trata de uma palavra que começou a ser muito conhecida depois da Conferência Mundial do Meio Ambiente que aconteceu no Rio de Janeiro em 1992, também chamada Cúpula da Terra.Naquele encontro, 150 líderes mundiais assinaram a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que reconhece que a diversidade biológica é mais do que plantas, animais e microorganismos e seus ecossistemas: estamos tratando de pessoas e de sua necessidade de segurança alimentar. Afinal, o ambiente natural é que proporciona as condições básicas, sem as quais a humanidade não conseguiria viver no planeta.

“O que sabemos é que se alguma parte dessas condições se quebra, o futuro da humanidade no planeta estará em risco”, diz o texto de apresentação sobre a biodiversidade que pode ser lido no site da Convenção.

Busquei mais definições para o tema biodiversidade e encontrei no livro “História Social da Borracha”, de Carlos Carvalho, fotógrafo que passou  dez anos documentando a vida dos seringueiros, um texto que a define de maneira mais poética. E lindamente:

“Sem a floresta à sua volta, as castanheiras não podem ser polimerizadas pelos insetos porque eles não têm autonomia de voo para alcançarem o topo dessas árvores que chegam a 50 metros de altura. Esses insetos precisam das outras árvores que servem de escada para que de escala em escla alcancem a copa e façam a fecundação. Assim, mesmo estando vivas, as castanheiras param de produzir. Daí a designação dada pelos seringueiros, de cemitério das castanheiras”.

No dia 22 de maio é celebrado o Dia Internacional da Biodiversidade, pois é a data em que foi aprovado o texto final da Convenção da Diversidade Biológica. Nesse texto, está mais do que claro que a conservação da diversidade biológica deve ser uma preocupação comum à humanidade e que os Estados são responsáveis pela utilização sustentável dos seus recursos biológicos. Mas, infelizmente, não tem sido assim. A humanidade tem, seguidamente, desdenhado dessa tarefa. Não fosse esse desdém, possivelmente nem precisaríamos estar reunidos, como está acontecendo em Brasília, para debater sobre a água.

Vale a pena ler mais um trecho do texto sobre a Convenção Biológica que está no site da CDB:

“A diversidade biológica – a variabilidade da vida na Terra – é a chave para a capacidade de a biosfera continuar fornecendo bens e serviços ecológicos. No entanto, como espécie, somos degradantes e, em alguns casos, destruímos a capacidade de diversidade para continuar a realizar esses serviços. O século XX viu aumentar em quatro vezes o número de humanos que estão habitando o planeta e um crescimento de dezoito vezes na produção econômica mundial. Com isso, vieram padrões insustentáveis de consumo e o uso de tecnologias ambientalmente inadequadas. Há agora mais de sete bilhões de humanos e estamos colocando tensões sem precedentes na capacidade do planeta. Pior ainda, os frutos desse crescimento são extremamente desigualmente divididos”.

O Brasil é apontado pelos cientistas como o país com maior biodiversidade do mundo – de cada 5 ou 6 espécies de plantas no planeta, uma ocorre aqui. E tem povos, entre nós, que sabem muito bem como preservar toda essa riqueza. Os indígenas, os quilombolas, as populações ribeirinhas têm essa preocupação porque sabem que sua vida na Terra depende de preservar.

Só que a palavra preservação arrepia as pessoas que entendem o desenvolvimento a qualquer custo como um processo inerente à condição humana, sem o qual não conseguiríamos estar no planeta. E, dentro dessa necessidade de extrair os recursos da natureza para dar conforto ao homem, lá se vão embora muitas espécies. E lá se vai, assim, a biodiversidade. Atualmente, segundo especialistas da ONG WWF estamos usando 25% a mais de recursos naturais do que o planeta é capaz de fornecer.

Um exemplo da ameaça que já atinge a todos nós é, justamente, a perda da água doce. E lá vamos nós, de novo, encostar no tema que está sendo debatido no Fórum Mundial das Águas, o principal encontro para discutir os recursos hídricos do planeta e que, pela primeira vez, está acontecendo no Hemisfério Sul.

Há mais informações importantes aqui: o Brasil tem a maior reserva de água doce do mundo. Cerca de 12% da água doce superficial do planeta correm em nossos rios e bacias e temos ainda grandes reservas de águas subterrâneas e chuvas abundantes em 90% do nosso território. Mas desmatamos muito, e sem cobertura florestal natural, a água vai-se embora. Outra questão séria é a poluição: nossos rios são tratados como esgotos a céu aberto. E eles já foram fonte de água potável, ou seja, já serviram para que pudéssemos matar nossa sede.

Há muito mais o que falar sobre os maus tratos à biodiversidade. Escolho a história das abelhas para terminar o texto. São insetos que têm a capacidade de aumentar em 25% o rendimento dos alimentos que comemos. Porque são polinizadoras:com exceção de alimentos básicos como trigo, arroz ou milho, que são polinizados pelo vento, todos os outros alimentos ricos em micronutrientes dependem das abelhas. Ocorre que as abelhas estão desaparecendo, sobretudo na Europa e na América do Norte, mas aqui no Brasil também já se está observando o fenômeno.

Não se tem certeza sobre a causa exata deste sumiço, mas há uma combinação de fatores, incluindo o uso abusivo dos pesticidas e a perda de habitat natural. Este segundo fator é causado pela redução de áreas florestais por causa do surgimento de cidades.

Como se pode perceber, está tudo interligado no ambiente que vivemos. E é quando o homem se instala em seu papel de predador-mor e decide desconhecer a lei natural que nos ensina que precisamos respeitar o que está em volta, que ele passa a desrespeitar a tal biodiversidade. Meus votos sinceros são para que as crianças que hoje se debruçam sobre esse dever de casa possam levar consigo vida afora uma consciência mais ativa da importância de cuidar dela.

'Se o estado não regular, as empresas podem nos destruir', diz executivo da ActionAid

Quarta-feira, 14/03/2018, às 21:35,

'Se o estado não regular, as empresas podem nos destruir', diz executivo da ActionAid

A notícia de que crianças morrem de fome nos arredores da maior mina de ouro no mundo, em Papua, província da Indonésia causou um grande impacto, como não podia deixar de ser. Mas o susto maior é saber que não se trata de um caso único, isolado. E também não é de hoje que a desigualdade mostra sua face mais cruel quando expõe a riscos e miséria populações inteiras que são, por outro lado, obrigadas a dividir seu território com empresas que extraem dele grandes somas.

Há ainda, para pôr tintas mais sombrias ao cenário, a questão ambiental. Estamos assistindo acontecer agora,aqui no Brasil, desastres ambientais em Minas Gerais e em Barcarena para não falar de Mariana, município mineiro que se tornou conhecido mundialmente depois que foi praticamente soterrado por lama, resultado de um erro grosseiro numa produção de minério. Tudo isso causado por empresas. Serão elas, então, as vilãs da vez? O que aconteceu com o movimento de responsabilidade social corporativa, tão em evidência no início do século?

Não, as empresas não são as grandes vilãs, me diz Adriano Campolina,coordenador executivo da ActionAid  organização é voltada para promover direitos humanos e tentar acabar com a pobreza no mundo em nível internacional. Campolina agora está na África do Sul, atual sede da ActionAid, de onde conversou comigo via Skipe na manhã de segunda-feira (12). Ele ressalta, no entanto, que as empresas poderão se tornar perigosamente destruidoras caso não sejam reguladas pelo Estado.

"Não sou contra as empresa, elas são fundamentais. Mas se a sociedade não forçar o governo a exercer seu papel regulador, elas podem nos destruir".

Segue a entrevista:

Para quem está sempre ligado aos temas relativos à pobreza e degradação do meio ambiente no mundo, essa notícia de que na Papua os moradores dormem sobre ouro em camas de palha não chega a ser novidade. Como você está sempre atualizado, gostaria de saber: esse tipo de situação, de empresas explorarem os recursos naturais e deixarem uma miséria em volta,  está estagnada, há mais debates, algum sinal de melhora?

Adriano Campolina – Trabalhamos com a ActionAid em 45 países e o que posso lhe dizer é que é uma tendência, onde quer que se olhe. Aqui na África do Sul fizemos estudos sobre comunidades que têm muito carvão vegetal, e é impressionante. A primeira coisa que elas perdem é  terra que elas tinham para suas atividades de agricultura ou quais outras, depois vem a contaminação, a quantidade de poluente que fica pós industrialização é tremenda. E quando as empresas saem, fica uma terra arrasada. Já a comunidade fica ainda mais pobre do que antes. No caso aqui é ainda mais irônico porque na África do Sul  o carvão vegetal é usado para a eletricidade. E a comunidade de onde sai o carvão que permite eletricidade para o país não tem luz! Isso é apavorante.

Mas esse tipo de situação chega a ser debatido em reuniões entre líderes e empresários, por exemplo nos encontros das Nações Unidas? Há um incômodo?

Adriano Campolina – Sim, chega a ser debatido, mas quando a turma se organiza. Aqui tem uma aliança das comunidades atingidas pelas atividades da mineração, pessoas que vão para as ruas, se reúnem com ministros e já conseguiram ganhar na Justiça uma Ordem da Suprema Corte que obriga os ministérios de recursos minerais a consultá-los sempre que houver um projeto de mineração, é parte da legislação do setor. No caso da ONU, tem a Comissão de Recursos Humanos e Negócios criada por John Ruggie, que discute seguidamente o tema. O problema é que acaba tendo muita ênfase no lado voluntário.

Como assim?

Adriano Campolina – Como se as empresas pudessem aderir a um código voluntário de comportamento. Muitos desses processos internacionais acabam ficando com foco no voluntário, não obriga as empresas a cumprirem a lei. Esse lado regulatório está faltando. Mas outra coisa que as pessoas debatem, como você me perguntou, é sobre o nível de imposto que a sociedade deveria impor sobre essas atividades, considerando o dano de largo prazo que elas trazem. A mineração a céu aberto, por exemplo, é muito poluente, tem um impacto ambiental profundo.  E depois que a mina fecha vai demorar séculos até que aquele espaço possa ter outro uso.

O problema é que a sociedade precisa do minério, embora a gente saiba que nem sempre os que estão oferecendo seu espaço para minerar é que serão beneficiados com o produto tirado de suas terras...

Adriano Campolina - Isso. Mas, vamos colocar assim: como a sociedade, de alguma maneira, através dos impostos cobrados às empresas, pode garantir algum retorno, de forma que se possa mitigar os danos e ao mesmo tempo compensar adequadamente as comunidades? Seja por compensação financeira direta, seja por realocação... Tem um debate importante aí porque em países como o nosso, onde se tem um percentual muito grande do PIB que vai para a atividade privada, principalmente agricultura e mineração, há um risco porque são atividades muito degradantes do meio ambiente e destruidoras do tecido social. É preciso, como país, pensar cem anos para a frente: como taxar a empresa agora para garantir compensação das comunidades e para garantir que os impactos sejam diminuídos. Outra coisa é a participação das comunidades no debate sobre o projeto.

Sim, mas sabemos também que as audiências públicas, muitas vezes, são absolutamente ineficazes. As pessoas que conseguem se sentir atraídas para o encontro, sempre reclamam de falta de diálogo  e de entendimento.

Adriano Campolina – Vários países reconhecem o consentimento prévio, mas na hora que chega lá no nível da comunidade a briga é pesada, tem ameaça de morte, processos de grilagem de terra que são claros. Tem um hiato entre a ideia do consentimento prévio informado e a prática das comunidades, que normalmente são muito pobres e isoladas, que acabam ficando vulneráveis, à mercê de interesses muitos grandes.

Sobre taxar as empresas, é claro que seria o mais adequado. Só que aqui, por exemplo, o que se vê é que os governos agem de outra forma, dão incentivos, com medo de perderem sua “galinha dos ovos de ouro”. O próprio prefeito de Mariana, depois da tragédia, comentou que toda a cidade estava muito dependente da mineração.

Adriano Campolina – Pois é, e só se lembra disso quando acontece uma questão grave como essa de Mariana.

A Cidade do Cabo, aí na África do Sul, está vivendo uma seca muito séria, fala-se até no Dia Zero, quando as torneiras estarão secas. As empresas estão participando do debate?

Adriano Campolina - Teve um debate interessante, que era para onde vai a água: para agricultura irrigada ou para o pessoal beber? Porque a região do Cabo é de fortíssima agricultura irrigada de uvas e vinho e de frutas. Produção que tem um consumo de água tremendo, e enquanto isso, a cidade está sem água. Recentemente eles prorrogaram o Dia Zero para junho e a razão disso foi que o governo conseguiu um acordo com os empresários de agricultura para eles usarem menos água. Mostra a relação direta entre a atividade econômica e a habilidade de as pessoas beberem água ou não.

O mundo precisa de tanto minério? O mundo precisa de tanta produção do agronegócio?

Adriano Campolina – O mundo dos ricos precisa cada vez mais, mas as comunidades do entorno não recebem qualquer benefício dessas atividades.

E tem outro jeito de fazer para não perdurar essa situação como em Papua ou em tantos outros lugares?

Adriano Campolina – Existem experiências interessantes de formas de produção econômica mais sustentáveis. Na agricultura, por exemplo, é possível produzir alimentos com distribuição melhor. A questão é que há uma super concentração de poder e dinheiro entre poucas empresas de tamanho imenso. É tão grande que não se consegue ter uma relação de poder na sociedade que faça com  que elas, de fato, redistribuam os benefícios daquela exploração. As empresas acabam sem nenhum xeque de poder, põem o estado para competir um com outro sobre quem dá mais incentivo, ao invés de se perguntar: precisamos desse produto? Como fazer para que as pessoas do entorno dessa produção sejam, de fato,  beneficiadas? Como se constrói sustentabilidade? Esse crescimento enlouquecido em busca de commodities minerais e agrícolas tem levado a uma exacerbação da desigualdade de forma assustadora. Todo mundo está falando que desigualdade é um problema, mas ninguém fala sobre a solução. É distribuir!

E como tem que ser feita essa distribuição?

Adriano Campolina - Através de impostos, de salários decentes para os trabalhadores. As empresas têm uma responsabilidade imensa na solução da desigualdade, mas estamos contaminados com uma visão de curto prazo que acaba só beneficiando aqueles que não precisam.  Temos 99% sofrendo as consequências para que o 1% que se beneficia continue se beneficiando.

Quando comecei a estudar o desenvolvimento sustentável, já faz década e meia, a proposta das empresas era mudar o rumo dessa prosa com programas sociais. Mas não é isso o que está acontecendo.

Adriano Campolina – Programas sociais corporativos são bons, mas solução mesmo é que haja regulação muito forte do setor, com taxação. E isso é através do estado, é a lei. A empresa faz um programa gastando um milhão de dólares num projeto e,  a mesma empresa, busca um incentivo fiscal na ordem de bilhões! A perda da sociedade é bárbara! Não sou contra empresas, elas têm um papel fundamental.A questão é que se o comportamento delas não for regulado e se não houver incentivo para que elas distribuam a renda, preservem o meio ambiente e respeitem o direito das pessoas, a tendência é que elas não façam isso. E a pior empresa do setor estabelece o padrão para as outras. Se a sociedade não forçar o governo a exercer seu papel como regulador, as empresas vão nos destruir.

Como você vê o futuro?

Adriano Campolina - Eu vejo com preocupação, uma divisão internacional do trabalho cada vez pior. Os países pobres vão ficar com a indústria suja, com tudo que polui, e aqueles que estão evoluindo para uma economia mais moderna acabam tendo um diferencial. Mas, mesmo nos mais ricos, a desigualdade acontece. A profundidade com que a desigualdade está avançando acaba pondo em risco o próprio sistema. Porque até para excluir as pessoas tem que ter um limite. Chega uma hora que não dá! Os níveis de pobreza estão aumentando e a tendência que preocupa é, por um lado, várias formas de conflito em torno do acesso aos recursos naturais e, ao mesmo tempo, vários conflitos armados em torno do acesso aos recursos. Aqui na África do Sul, o nível de disputas entre os países ricos e a China é obvio. Isso tudo, num contexto de aquecimento global, gera um nível de exclusão social tremendo. As pessoas se movem, vão buscar sua sobrevivência em outros países. Imagina se adiciona a isso um potencial processo de exclusão pelas mudanças climáticas, em que não se consegue mais produzir alimento. Para onde elas vão?

Para não ficarmos só nas catástrofes, fale um pouco sobre as alternativas.

Adriano Campolina - Alguns países conseguiram alternativas de políticas, tanto do comportamento de empresas quanto para reduzir a desigualdade. O caso boliviano, por exemplo, a criação da Lei da Mãe Terra dando poder à população indígena que nunca teve controle sobre suas terras. Na Índia eles estabeleceram um programa de emprego rural  que deu certo e agora está sofrendo com falta de verbas, que garante às pessoas mais pobres da comunidade cem dias de trabalho. O próprio Brasil, com a experiência do aumento do salário mínimo e do Bolsa Família que gerou a inclusão. Existem muitas fórmulas, mas o que me assusta é que não se dá visibilidade a elas.

Crédito da foto: Divulgação




O que Lúcio Costa disse sobre outras atividades no Centro de Brasília


O que Lúcio Costa disse sobre outras atividades no Centro de Brasília


Por Tânia Battella


Tem sido objeto de diversas “interpretações” as possibilidades de funcionarem, no Centro de Brasília, portanto, na Escala Gregária, outras atividades além daquelas definidas para cada Setor, Norte e Sul: Comercial, Hoteleiro, Bancário e de Diversões, conforme se lê no Relatório do plano-piloto de Brasília – “O Partido”, Itens 4 a 8. Quanto aos usos, desde o princípio, restringiu-se para cada Setor o funcionamento exclusivo da atividade específica conforme sua denominação.

Quando da implantação do plano piloto, ocorreram as primeiras alterações ao projeto inicial, todas elencadas e esclarecidas no primeiro documento oficial elaborado sob a Coordenação do autor do projeto de Brasília, executado pelos arquitetos Maria Elisa Costa e Adeildo Viegas de Lima, sob a minha supervisão, juntamente com Luiz Alberto Cordeiro, a época Diretora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo – DAU/SVO/GDF e Diretor Técnico da TERRACAP/GDF, respetivamente. Aliás, esse documento, denominado “BRASÍLIA – 57- 85 (do plano-piloto ao Plano Piloto) “é um instrumento essencial para quem trabalha na gestão da Área Tombada, pois retrata, desde o princípio, Setor por Setor da cidade, não só as alterações quando da implantação de Brasília  como, especialmente, especifica recomendações para cada um deles, sob o ponto de vista do uso do solo, da ocupação, do paisagismo e outros aspectos que o autor entendeu necessários registrar, em 1985, data de produção desse trabalho.

Neste caso, destaco a alteração referente ao acréscimo de Setores no centro da cidade, quando foram incluídos os Setores Norte e Sul Hospitalares, de Autarquias, o dos Tribunais e de Rádio e TV, não previstos originalmente. Estes Setores, portanto, constituem a Escala Gregária de Brasília, e para eles destaco as recomendações DO AUTOR, referentes ao uso do solo, ora em análise, registradas no documento “Brasília – 57 – 85”, são as seguintes:

“1. USO
  • Estudar a diversificação dos usos – desde que não residenciais, com critérios específicos para cada Setor. “ (grifo meu)

Em 14 de outubro de 1987 foi publicado o Decreto Distrital no. 10.829, cuja Ementa é a de que: Regulamenta o art. 38 da Lei n° 3.751, de 13 de abril de 1960, no que se refere à preservação da concepção urbanística de Brasilia.

E ainda :
“considerando que o art. 38 da Lei n° 3.751, de 13 de abril de 1960.preserva o Plano Piloto de Brasilia, tal como apresentado por Lúcio Costa; 

considerando que, para a exata aplicação do art. 38 da Lei n° 3.751, de 13 de abril de 1960, faz-se oportuna a edição de norma regulamentar que explicite o conceito do bem cultural por ela protegido,”

Esse Decreto estabelece para a Escala Gregária, o seguinte:

CAPITULO IV
Da Escala Gregária

Art. 7° — A escala gregária com que foi concebido o centro de Brasília, em torno da intersecção dos eixos monumental e rodoviário, fica configurada na  Plataforma Rodoviária, e nos setores de Diversões, Comerciais, Bancários, Hoteleiros, Médico-Hospitalares, de Autarquia e de Rádio e Televisão Sul e Norte.
……..
III — Nos demais setores referidos no artigo anterior o gabarito não será uniforme, sendo que nenhuma edificação poderá ultrapassar a cota máxima de 65,00m (sessenta e cinco metros), sendo permitidos os usos indicados pela denominação dos setores de forma diversificada, ainda que se mantenham as atividades predominantes preconizadas pelo Memorial do Plano Piloto.

Como se vê, a legislação que subsidiou a inscrição de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, portanto, a ser cumprida para fins de sua preservação e proteção, exclui a possibilidade de uso habitacional no Centro da cidade e permite 
diversificação de usos outros, mesmo persistindo e mantendo as atividades predominantes em cada um dos Setores centrais, conforme inicialmente proposto.

Essa conceituação se consolida no documento anexo ao Decreto, denomiado “Brasília Revisitada”, onde o autor do projeto da cidade define onde poderá ocorrer expansão de Brasília para fins habitacionais.

Diante disso, o que se espera dos órgãos responsáveis pela preservação desse Patrimônio, tanto locais quanto de âmbito federal, é o cumprimento das recomendações expressas na legislação quanto ao uso do solo nos diversos Setores de Brasília e, especialmente, onde os documentos afirmam nominando onde e o que pode se instalar em cada localidade.

Vamos permitir com responsabilidade de cidadãos e humildade de profissionais da área de planejamento e urbanismo, que a cidade seja preservada como Patrimônio, já declarado e reconhecido internacionalmente. Tenhamos um mínimo de reconhecimento de que o ato de preserver patrimônio constitui construir nossa memória, nossa cultura, que transcende o tempo, as vaidades humanas e as debilidades momentâneas e circunstanciais.

Morar, em Brasília, tem lugar certo, pré-definido pelo autor do projeto da cidade e mudar isso é infringer a lei, por compromisso internacional. Aqui em Brasília Lúcio Costa instituiu um modo diferente de viver. Em superquadras, com aacesso único para veículo, com número determinado de pavimentos, com pilotis  (pisos do pavimento térreo das projeções) livers para trânsito de pedestres, com acesso a pé aos serviços de primeira necessidade situados nos comércios locais e nas entrequadras. Resguardando a escala humana”. Tudo ao longo do Eixo Rodoviário da cidade.

Os problemas que Brasília vive hoje não são do projeto urbano, mas da inexistência do planejamento regional, que deveria ter sido elaborado pelas Instituições locais e federais. Estão com atraso de 58 ( cinquenta e oito) anos. 

O candidato que se comprometer a respeitar e proteger Brasília, a promover um planejamento regional em conjunto com as demais unidades da federação, com a participação efetiva da sociedade civil, assegurada por lei, redirecionando Brasília para sua função principal de Capital da República terá, certamente, reconhecinhento de todos os brasilienses que acompanham essa luta permanente pelo respeito ao Patrimônio e à preservação da memória de Brasília.

16 de Março de 2018

Declaração final do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA 2018) reafirma: ‘água não é mercadoria, a água é do povo’

Declaração final do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA 2018) reafirma: ‘água não é mercadoria, a água é do povo’


Nesta quinta-feira (22), Dia Mundial da Água, encerrou-se o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), que reuniu cerca de 7 mil pessoas por cinco dias em Brasília (DF), como contraponto ao fórum das corporações – Fórum Mundial da Água.
Declaração final do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA 2018) reafirma: 'água não é mercadoria, a água é do povo'
Foto: Matheus Alves
Compreendendo o FAMA como algo maior que um evento, as organizações que convergiram na construção da luta pela água divulgam esta declaração final. O compromisso fundamental é de se manter em luta, enraizar os processos de construção até aqui realizados e manter a mobilização viva.
O documento reafirma a luta contra qualquer privatização e o estabelecimento de propriedade privada da água. O FAMA defende a água como um bem comum, ou seja, que deve ser controlado e estar a serviço do povo, reforçando o lema do encontro: “Água é direito, não mercadoria”.
Assinam o documento 36 organizações. As demais entidades do Brasil e do mundo que quiserem subscrever o documento, devem enviar solicitação, até o dia 12 de abril, à Secretaria Operativa do FAMA, pelos e-mails: operativafama@gmail.com/metodologiafama2018@gmail.com.
Confira abaixo a íntegra da declaração:

DECLARAÇÃO FINAL DO FÓRUM ALTERNATIVO MUNDIAL DAS ÁGUAS

Quem somos
Nós, construtores e construtoras do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), reunidos de 17 a 22 de março de 2018, em Brasília, declaramos para toda a sociedade o que acumulamos após muitos debates, intercâmbios, sessões culturais e depoimentos ao longo de vários meses de preparação e nestes últimos dias aqui reunidos. Somos mais de 7 mil trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo, das águas e das florestas, representantes de povos originários e comunidades tradicionais, articulados em 450 organizações nacionais e internacionais de todos os continentes. Somos movimentos populares, tradições religiosas e espiritualidades, organizações não governamentais, universidades, pesquisadores, ambientalistas, organizados em grupos, coletivos, redes, frentes, comitês, fóruns, institutos, articulações, sindicatos e conselhos.
Na grandeza dos povos, trocamos experiências de conhecimento, resistência e de luta. E estamos conscientes que a nossa produção é para garantir a vida e sua diversidade. Estamos aqui criando unidade e força popular para refletir e lutar juntos e juntas pela água e pela vida nas suas variadas dimensões. O que nos faz comum na relação com a natureza é garantir a vida. A nossa luta é a garantia da vida. É isso que nos diferencia dos projetos e das relações do capital expressos no Fórum das Corporações – Fórum Mundial da Água.
Também estamos aqui para denunciar a 8º edição do Fórum Mundial da Água (FMA), o Fórum das Corporações, evento organizado pelo chamado Conselho Mundial da Água, como um espaço de captura e roubo das nossas águas. O Fórum e o Conselho são vinculados às grandes corporações transnacionais e buscam atender exclusivamente a seus interesses, em detrimento dos povos e da natureza.
Nossas constatações sobre o momento histórico
O modo de produção capitalista, historicamente, concentra e centraliza riqueza e poder, a partir da ampliação de suas formas de acumulação, intensificação de seus mecanismos de exploração do trabalho e aprofundamento de seu domínio sobre a natureza, gerando a destruição dos modos de vida. Vivemos em um período de crise do capitalismo e de seu modelo político representado pela ideologia neoliberal, na qual se busca intensificar a transformação dos bens comuns em mercadoria, através de processos de privatização, precificação e financerização.
A persistência desse modelo tem aprofundado as desigualdades e a destruição da natureza, através dos planos de salvamento do capital nos momentos de aprofundamento da crise. Nesse cenário, as ações do capital são orientadas pela manutenção a qualquer custo das suas taxas de juros, lucro e renda.
Esse modelo impõe à América Latina e ao Caribe o papel de produtores de artigos primários e fornecedores de matéria prima, atividades econômicas intensivas em bens naturais e força de trabalho.  Subordina a economia desses países a um papel dependente na economia mundial, sendo alvos prioritários dessa estratégia de ampliação da exploração a qualquer custo.
O Brasil, que sedia esta edição do FAMA, é exemplar nesse sentido. O golpe aplicado recentemente expõe a ação coordenada de corporações com setores do parlamento, da mídia e do judiciário para romper a ordem democrática e submeter o governo nacional a uma agenda que atenda seus interesses rapidamente. A mais dura medida orçamentária do mundo foi implantada em nosso país, onde o orçamento público está congelado por 20 anos, garantindo a drenagem de recursos públicos para o sistema financeiro e criando as bases para uma onda privatizante, incluindo aí a infraestrutura de armazenamento, distribuição e saneamento da água.
Quais são as estratégias das corporações para a água?
Identificamos que o objetivo das corporações é exercer o controle privado da água através da privatização, mercantilização e de sua titularização, tornando-a fonte de acumulação em escala mundial, gerando lucros para as transnacionais e ao sistema financeiro. Para isso, estão em curso diversas estratégias que vão desde o uso da violência direta até formas de captura corporativa de governos, parlamentos, judiciários, agências reguladoras e demais estruturas jurídico-institucionais para atuação em favor dos interesses do capital. Há também uma ofensiva ideológica articulada junto aos meios de comunicação, educação e propaganda que buscam criar hegemonia na sociedade contrária aos bens comuns e a favor de sua transformação em mercadoria.
O resultado desejado pelas corporações é a invasão, apropriação e o controle político e econômico dos territórios, das nascentes, rios e reservatórios, para atender os interesses do agronegócio, hidronegócio, indústria extrativa, mineração, especulação imobiliária e geração de energia hidroelétrica. O mercado de bebida e outros setores querem o controle dos aquíferos. As corporações querem também o controle de toda a indústria de abastecimento de água e esgotamento sanitário para impor seu modelo de mercado e gerar lucros ao sistema financeiro, transformando direito historicamente conquistado pelo povo em mercadoria. Querem ainda se apropriar de todos os mananciais do Brasil, América Latina e dos demais continentes para gerar valor e transferir riquezas de nossos territórios ao sistema financeiro, viabilizando o mercado mundial da água
Denunciamos as transnacionais Nestlé, Coca-Cola, Ambev, Suez, Veolia, Brookfield (BRK Ambiental), Dow AgroSciences, Monsanto, Bayer, Yara, os organismos financeiros multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, e ONGs ambientalistas de mercado, como The Nature Conservancy e Conservation International, entre outras que expressam o caráter do “Fórum das Corporações”. Denunciamos o crime cometido pela Samarco, Vale e BHP Billiton, que contaminou com sua lama tóxica o Rio Doce, assassinando uma bacia hidrográfica inteira, matando inúmeras pessoas, e até hoje seu crime segue impune. Denunciamos o recente crime praticado pela norueguesa Hydro Alunorte que despejou milhares de toneladas de resíduos da mineração através de canais clandestinos no coração da Amazônia e o assassinato do líder comunitário Sergio Almeida Nascimento que denunciava seus crimes. Exemplos como esses têm se reproduzido por todo o mundo.
Os povos têm sido as vítimas desse avanço do projeto das corporações. As mulheres, povos originários, povos e comunidades tradicionais, populações negras, migrantes e refugiados, agricultores familiares e camponeses e as comunidades periféricas urbanas têm sofrido diretamente os ataques do capital e as consequências sociais, ambientais e culturais de sua ação.
Nos territórios e locais onde houve e/ou existem planos de privatização, aprofundam-se as desigualdades, o racismo, a violência sexual e sobrecarga de trabalho para as mulheres, a criminalização, assassinatos, ameaças e perseguição a lideranças, demissões em massa, precarização do trabalho, retirada e violação de direitos, redução salarial, aumento da exploração, brutal restrição do acesso à água e serviços públicos, redução na qualidade dos serviços prestados à população, ausência de controle social, aumentos abusivos nas tarifas, corrupção, desmatamento, contaminação e envenenamento das águas, destruição das nascentes e rios e ataques violentos aos povos e seus territórios, em especial às populações que resistem às regras impostas pelo capital.
A dinâmica de acumulação capitalista se entrelaça com o sistema hetero-patriarcal, racista e colonial, controlando o trabalho das mulheres e ocultando intencionalmente seu papel nas esferas de reprodução e produção. Nesse momento de ofensiva conservadora, há o aprofundamento da divisão sexual do trabalho e do racismo, causando o aumento da pobreza e da precarização da vida das mulheres.
A violência contra as mulheres é uma ferramenta de controle sobre nossos corpos, nosso trabalho e nossa autonomia. Essa violência se intensifica com o avanço do capital, refletindo-se no aumento de assassinato de mulheres, da prostituição e da violência sexual. Tudo isso impossibilita as mulheres de viver com dignidade e prazer.
Para as diversas religiões e espiritualidades, todas essas injustiças em relação às águas e seus territórios, caracterizam uma dessacralização da água recebida como um dom vital, e dificultam as relações com o Transcendente como horizonte maior das nossas existências.
Destacamos que para os Povos Originários e Comunidades Tradicionais há uma relação interdependente com as águas, e tudo que as atinge, e que todos os ataques criminosos que sofre, repercutem diretamente na existência desses povos em seus corpos e mentes. Esses povos se afirmam como água, pois existe uma profunda unidade entre eles e os rios, os lagos, lagoas, nascentes, mananciais, aquíferos, poços, veredas, lençóis freáticos, igarapés, estuários, mares e oceanos como entidade única. Declaramos que as águas são seres sagrados. Todas as águas são uma só água em permanente movimento e transformação. A água é entidade viva, e merece ser respeitada.
Por fim, constatamos que a entrega de nossas riquezas e bens comuns conduz a destruição da soberania e a autodeterminação dos povos, assim como a perda dos seus territórios e modos de vida.
Mas nós afirmamos: resistimos e venceremos!
Nossa resistência e luta é legítima. Somos os guardiões e guardiãs das águas e defensores da vida. Somos um povo que resiste e nossa luta vencerá todas as estruturas que dominam, oprimem e exploram nossos povos, corpos e territórios. Somos como água, alegres, transparentes e em movimento. Somos povos da água e a água dos povos.
Nestes dias de convívio coletivo, identificamos uma extraordinária diversidade de práticas sociais, com enorme riqueza de culturas, conhecimento e formas de resistência e de luta pela vida. Ninguém se renderá. Os povos das águas, das florestas e do campo resistem e não se renderão ao capital. Assim também tem sido a luta dos povos, dos operários e de todos os trabalhadores e trabalhadoras das cidades que demonstram cada vez maior força. Temos a convicção que só a luta conjunta dos povos poderá derrotar todas as estruturas injustas desta sociedade.
Identificamos que a resistência e a luta têm se realizado em todos os locais e territórios do Brasil e do mundo e estamos convencidos que nossa força deve caminhar e unir-se a grandes lutas nacionais e internacionais. A luta dos povos em defesa das águas é mundial.
Água é vida, é saúde, é alimento, é território, é direito humano, é um bem comum sagrado.
O que propomos
Reafirmamos que as diversas lutas em defesas das águas dizem em alto e bom som que água não é e nem pode ser mercadoria. Não é recurso a ser apropriado, explorado e destruído para bom rendimento dos negócios. Água é um bem comum e deve ser preservada e gerida pelos povos para as necessidades da vida, garantindo sua reprodução e perpetuação. Por isso, nosso projeto para as águas tem na democracia um pilar fundamental. É só por meio de processos verdadeiramente democráticos, que superem a manipulação da mídia e do dinheiro, que os povos podem construir o poder popular, o controle social e o cuidado sobre as águas, afirmando seus saberes, tradições e culturas em oposição ao projeto autoritário, egoísta e destrutivo do capital.
Somos radicalmente contrários às diversas estratégias presentes e futuras de apropriação privada sobre a água, e defendemos o caráter público, comunitário e popular dos sistemas urbanos de gestão e cuidado da água e do saneamento. Por isso saudamos e estimulamos os processos de reestatização de companhias de água e esgoto e outras formas de gestão. Seguiremos denunciando as tentativas de privatização e abertura de Capital, a exemplo do que ocorre no Brasil, onde 18 estados manifestaram interesse na privatização de suas companhias.
Defendemos o trabalho decente, assentado em relações de trabalho democráticas, protegidas e livre de toda forma de precarização. Também é fundamental a garantia do acesso democrático e sustentável à água junto à implementação da reforma agrária e defesa dos territórios, com garantia de produção de alimentos em bases agroecológicas, respeitando as práticas tradicionais e buscando atender a soberania alimentar dos trabalhadores e trabalhadoras urbanos e do campo, florestas e águas.
Estamos comprometidos com a superação do patriarcado e da divisão sexual do trabalho, pelo reconhecimento de que o trabalho doméstico e de cuidados está na base da sustentabilidade da vida. O combate ao racismo também nos une na luta pelo reconhecimento, titulação e demarcação dos territórios dos povos originários e comunidades tradicionais e na reparação ao povo negro e indígena que vive marginalizado nas periferias dos centros urbanos.
Nosso projeto é orientado pela justiça e pela solidariedade, não pelo lucro. Nele ninguém passará sede ou fome, e todos e todas terão acesso à água de qualidade, regular e suficiente bem como aos serviços públicos de saneamento.
Nosso plano de ações e lutas
A profundidade de nossas debates e elaborações coletivas, o sucesso da nossa mobilização, a diversidade do nosso povo e a amplitude dos desafios que precisam ser combatidos nos impulsionam a continuar o enfrentamento ao sistema capitalista, patriarcal, racista e colonial, tendo como referência a construção da aliança e da unidade entre toda a diversidade presente no FAMA 2018.
Trabalharemos, através de nossas formas de luta e organização para ampliar a força dos povos no combate à apropriação e destruição das águas. A intensificação e qualificação do trabalho de base junto ao povo, a ação e a formação política para construir uma concepção crítica da realidade serão nossos instrumentos. O povo deve assumir o comando da luta. Apostamos no protagonismo e na criação heroica dos povos.
Vamos praticar nosso apoio e solidariedade internacional a todos os processos de lutas dos povos em defesa da água denunciam a arquitetura da impunidade, que, por meio dos regimes de livre-comércio e investimentos, concede privilégios às corporações transnacionais e facilitam seus crimes corporativos.
Multiplicaremos as experiências compartilhadas no Tribunal Popular das Mulheres, para a promoção da justiça popular, visibilizando as denúncias dos crimes contra a nossa soberania, os corpos, os bens comuns e a vida das mulheres do campo, das florestas, águas e cidades.
A água é dom que a humanidade recebeu gratuitamente, é direito de todas as criaturas e bem comum. Por isso, nos comprometemos a unir mística e política, fé e profecia em suas práticas religiosas, lutando contra os projetos de privatização, mercantilização e contaminação das águas que ferem a sua dimensão sagrada.
O Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) apoia, se solidariza e estimulará todos os processos de articulação e de lutas dos povos no Brasil e no mundo, tais como a construção do “Congresso do Povo”, do “Acampamento Terra Livre”, da “Assembleia Internacional dos Movimentos e Organizações dos Povos”, da “Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo”; da campanha internacional para desmantelar o poder corporativo e pelo “tratado vinculante” como ferramenta para exigir justiça, verdade e reparação frente aos crimes das transnacionais.
Convocamos todos os povos a lutar juntos para defender a água. A água não é mercadoria. A água é do povo e pelos povos deve ser controlada.
É tempo de esperança e de luta. Só a luta nos fará vencer. Triunfaremos!
Assinam a declaração:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
Articulação Semiárido Brasileiro
Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento
Cáritas Brasil
Central de Movimentos Populares
Conselho Nacional das Populações Extrativistas
Confederação Nacional dos Urbanitários
Confederação Nacional das Associações de Moradores
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
Comissão Pastoral da Terra
Confederação Sindical de Trabalhadores/as das Américas
Central Única dos Trabalhadores
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal
Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros
Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental
Federação Nacional dos Urbanitários
Federação Única dos Petroleiros
Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social
Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental
Internacional de Serviços Públicos
Marcha Mundial das Mulheres
Movimento dos Atingidos por Barragens
Movimento dos Pequenos Agricultores
Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
ONG Proscience
Rede Mulher e Mídia
Serviço Interfranciscano de Justiça Paz e Ecologia
Sociedade Internacional de Epidemiologia Ambiental
Vigência


Do FAMA 2018, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/03/2018

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‘Negócios do vento’ no Nordeste brasileiro: caso a investigar, artigo de Heitor Scalambrini Costa

‘Negócios do vento’ no Nordeste brasileiro: caso a investigar, artigo de Heitor Scalambrini Costa


energia eólica

[EcoDebate] A geração de energia elétrica em larga escala, produzida a partir dos ventos, conhecida como energia eólica, tem crescido vertiginosamente no Nordeste brasileiro, o que significa ocupação crescente de grandes áreas para instalação dos aerogeradores, no bioma Caatinga, e em áreas costeiras. Em torno de 80% da capacidade instalada no país concentra-se no Nordeste.


A energia eólica é uma das fontes renováveis que apresenta mais vantagens, e menos riscos ambientais na geração de energia elétrica, desde que esta geração seja descentralizada (geração próxima do local de consumo, em menor escala de potência instalada). Mesmo assim diminui, mas não evita os efeitos colaterais sociais e ambientais provocados. Dai um grande erro de chamar qualquer fonte de energia, inclusive a eólica, a solar, de limpa.


Em todo mundo, o uso dessa fonte na geração de eletricidade tem tido um forte crescimento contribuindo ao necessário e desejável processo da transição da matriz energética mundial. Diminuindo assim, cada vez mais, a participação dos combustiveis fosseis e dos minerais radioativos nas matrizes energéticas nacionais. Questiona-se essencial a opção pela geração concentrada desta fonte energética.

No Brasil foi criado mecanismos de incetivos a promoção dessa fonte energética, dando prioridade ao modelo de grandes parques eólicos, as usinas, que produzem enormes quantidades de energia elétrica conectadas a rede de transmissão, e depois as redes de distribuição até o consumidor final . Privilegiando um modelo de expansão que provoca inúmeros problemas socioambientais.

Os principais elementos destes mecanismos de incentivo são os contratos de longo prazo estabelecidos através de leilões (PPAs), e o finaciamento privilegiado do BNDES. Hoje existem cadeias produtivas da indústria de equipamentos da energia eólica, com fornecedores locais e empresas que se instalaram no Brasil. Constata-se que os principais protagonistas deste “negócio” são o setor financeiro, fundos de pensão, grandes investidores estrangeiros, grandes corporações, se associando a empresários nacionais, em alguns casos. Um negócio de “peixe grande”.

O que tem chamado atenção, e verificado “em campo”, é a atuação das empresas deste tipo de negócio, que tem agravado e causado sérios conflitos, principalmente pelos “modus operandi” de atuação destes empreendedores (sem generalizar).

Os contratos celebrados põem em dúvida os princípios de lisura e transparência da parte dos empreendedores. Posseiros são pressionados a assinarem os contratos e arrendamento sendo proibidos de analisarem o conteúdo de maneira independente, sempre induzidos por funcionários da empresa, acompanhados geralmente de moradores locais que sucumbiram a ofertas destas empresas. Assim, muitos trabalhadores ficam inibidos a procurarem orientações do que é proposto no contrato. Em sua grande maioria, os trabalhadores desconhecem o conteúdo dos contratos, sendo que algumas cláusulas põem em risco a autonomia dos moradores em suas terras, e no direito de uso dos seus territórios tradicionalmente ocupados

São recorrentes violações graves contra direitos dos posseiros, das populações tradicionais (agricultores familiares, quilombolas, pescadores, marisqueiras), e contra o meio ambiente. O executivo, legislativo, orgãos de fiscalização e de proteção do meio ambiente dos estados nordestinos e municípios, tem sido coniventes e omissos diante do avanço devastador dos “negócios do vento”.

Mais e mais denúncias de ameaças, violência contra posseiros, de contratos “draconianos” de arrendamento de terras, de compromissos não cumprido pelas empresas, recaem sobre estes empreendedores, que atuam nos vários Estados nordestinos, e que tem usado e abusado do poder econômico para iludir e cooptar o poder local, regional, e lideranças comunitárias.

Lamentávelmente, fatos relatados e denunciados pelas populações atingidas não tem recebido eco junto aos orgão de Estado que deveriam, ao menos, investigar os abusos que estão sendo cometidos.

Esta é mais uma advertência sobre o que acontece com estas grandes obras, que se alastraram nos últimos anos, e estão contribuindo para o desmatamento da Caatinga, de restingas, dos resquícios da Mata Atlântica, da vegetação de brejos de altitude, …. Além de provocarem o exodo forçado das populações campesinas, assim alimentando e agravando o processo de urbanização caótica.

E as centrais solares fotovoltaica estão chegando com os mesmos problemas causados pelo “negócio dos ventos”.

Heitor Scalambrini Costa é Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/03/2018

"‘Negócios do vento’ no Nordeste brasileiro: caso a investigar, artigo de Heitor Scalambrini Costa," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/03/2018, https://www.ecodebate.com.br/2018/03/23/negocios-do-vento-no-nordeste-brasileiro-caso-a-investigar-artigo-de-heitor-scalambrini-costa/.

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Março de 2018: seca e estiagem marcam a realidade brasileira, na semana dos fóruns das águas, por Sucena Shkrada Resk

Março de 2018: seca e estiagem marcam a realidade brasileira, na semana dos fóruns das águas, por Sucena Shkrada Resk


seca
Foto: Divulgação/Sabesp

Diante da realidade, não há meias palavras, quando se trata de insegurança hídrica e do cenário das mudanças climáticas. Neste mês das águas, em que fóruns internacionais ocorrem em Brasília para discutir o tema em diferentes ângulos e propor soluções, dezenas de municípios brasileiros, agora em março, registram “situação de emergência”, não só por causa das chuvas, mas em decorrência da seca e/ou estiagem, que se prolonga há sete anos. O que, de fato, estes eventos podem trazer de mudanças para este quadro complexo brasileiro, que impliquem políticas públicas robustas de adaptação e redução de danos? Afinal, nos próximos meses tende a se acentuar o problema.

De acordo com dados disponibilizados pelo Ministério da Integração Nacional, em Pernambuco, são aproximadamente, 70 municípios; na Bahia, já são 46 municípios, e em Alagoas, 38 cidades. O Vale do Jequitinhonha, entre outras regiões em Minas Gerais, sofre por anos, e nem o Rio Grande do Sul escapa a estes eventos extremos. Entre os municípios afetados, estão cerca de 15, que decretaram estado de calamidade reconhecida recentemente pelo Governo Federal. No estado de São Paulo, Aguaí e Caconde também integram esta lista.

Assunto novo? Não. Ao se fazer uma retrospectiva do ano passado, vale destacar que 2017 foi o pior ano de seca no Nordeste em 100 anos, e até no final do ano, havia 901 localidades em estado de calamidade pública em todo o país, sendo a maioria na Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco. Até dezembro, um terço do Nordeste teve a seca com o grau mais severo (nível 4). Em 2018, é aguardado o anúncio do atual Plano Nacional de Segurança Hídrica, pela Agência Nacional das Águas (ANA) e pelo Ministério de Integração Nacional. O recentemente Monitor de Secas do Nordeste traz alertas, mas como os gestores estão utilizando estas informações ainda é algo a se acompanhar.

Os reservatórios nordestinos, nestes primeiros meses, também exemplificam essa escassez crônica e ficam nos limites do chamado “volume morto”. O açúde Castanhão, no Ceará, um dos maiores do Nordeste, já atingiu a casa dos 2,37%, e alguns estão completamente vazios. São centenas de famílias que se transformaram em retirantes das águas.

Em São João da Ponte (MG), todo o consumo humano e animal foi comprometido, nestes primeiros meses de 2018. A cidade exemplifica o que ocorre em inúmeras cidades, nas quais as condições de insalubridade atingem a população, que está longe dos centros de decisão política e das discussões que ocorrem nos fóruns. São cidadãos (ãs) diretamente afetados pelo problema de não ter acesso a um dos bens mais elementares dos Direitos Humanos.

Por outro lado, há mais um aspecto agravante, que diz respeito à cobertura de caminhões-pipa para suprir essas populações. Em muitas localidades, os mesmos não chegam ou demoram a chegar e há notícias de questionamentos de especialistas, em alguns casos, da qualidade destas águas para consumo humano. E quando há cisternas e poços artesianos, a questão premente é não haver regime pluviométrico seguro que as abasteça.
Como esses brasileiros, nos rincões, têm condições de correr atrás e dispor de dinheiro para pagar um direito básico para a sua sobrevivência? No ano passado, por exemplo, foi divulgado em agosto, na mídia, o atraso de verbas disponibilizadas pelo Ministério da Integração para caminhões-pipa às Defesas Civis em dezenas de municípios.

Esta é uma pauta “quente”, contínua e suscita uma pergunta: como será tratada no Fórum Mundial da Água e no Fórum Alternativo Mundial da Água, nesta semana?

* Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 26 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (http://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/03/2018
"Março de 2018: seca e estiagem marcam a realidade brasileira, na semana dos fóruns das águas, por Sucena Shkrada Resk," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/03/2018, https://www.ecodebate.com.br/2018/03/21/marco-de-2018-seca-e-estiagem-marcam-a-realidade-brasileira-na-semana-dos-foruns-das-aguas-por-sucena-shkrada-resk/.

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