sexta-feira, 15 de setembro de 2023

DECRETO Nº 11.704, DE 14 DE SETEMBRO DE 2023

 


DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO

Publicado em: 15/09/2023 Edição: 177 Seção: 1 Página: 77

Órgão: Atos do Poder Executivo

DECRETO Nº 11.704, DE 14 DE SETEMBRO DE 2023

Institui a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

OPRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,caput, inciso VI, alínea "a", da Constituição,

D E C R E T A:

Art. 1º Fica instituída a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, colegiado paritário, de natureza consultiva, no âmbito da Secretaria-Geral da Presidência da República, com a finalidade de:

I - contribuir para a internalização da Agenda 2030 no País;

II - estimular a implementação da Agenda 2030 no País em todas as esferas de governo e junto à sociedade civil; e

III - acompanhar, difundir e dar transparência às ações realizadas para o alcance das suas metas e ao progresso no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS da Agenda 2030, subscrita pela República Federativa do Brasil.

Art. 2º À Comissão Nacional compete:

I - propor estratégias, instrumentos, ações, programas e políticas públicas que contribuam para a implementação dos ODS;

II - acompanhar e monitorar o alcance dos ODS, incluídos:

a) a produção de relatórios oficiais periódicos com observância das metodologias globalmente acordadas;

b) as proposições de alteração ou complementação das metodologias de monitoramento; e

c) o incentivo à produção e à análise de dados desagregados por raça, gênero, etnia, classe, localização geográfica, conforme necessidades dos indicadores internacionais e nacionais dos ODS;

III - elaborar subsídios para as discussões sobre o desenvolvimento sustentável em fóruns nacionais e internacionais;

IV - identificar, sistematizar e divulgar boas práticas e iniciativas que colaborem para o alcance dos ODS;

V - promover a articulação com órgãos e entidades públicas estaduais, distritais e municipais para a disseminação e a implementação dos ODS no âmbito estadual, distrital e municipal; e

VI - consolidar, anualmente, relatório das ações de governo relacionadas aos ODS.

Art. 3º A Comissão Nacional será composta por:

I - um representante de cada um dos seguintes órgãos:

a) Secretaria-Geral da Presidência da República, que o presidirá;

b) Casa Civil da Presidência da República;

c) Controladoria-Geral da União;

d) Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;

e) Ministério da Agricultura e Pecuária;

f) Ministério das Cidades;

g) Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação;

h) Ministério das Comunicações;

i) Ministério da Cultura;

j) Ministério da Defesa;

k) Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar;

l) Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome;

m) Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços;

n) Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional;

o) Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania;

p) Ministério da Educação;

q) Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte;

r) Ministério do Esporte;

s) Ministério da Fazenda;

t) Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos;

u) Ministério da Igualdade Racial;

v) Ministério da Justiça e Segurança Pública;

w) Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima;

x) Ministério de Minas e Energia;

y) Ministério das Mulheres;

z) Ministério da Pesca e Aquicultura;

aa) Ministério do Planejamento e Orçamento;

ab) Ministério de Portos e Aeroportos;

ac) Ministério dos Povos Indígenas;

ad) Ministério da Previdência Social;

ae) Ministério das Relações Exteriores;

af) Ministério da Saúde;

ag) Ministério do Trabalho e Emprego;

ah) Ministério dos Transportes;

ai) Ministério do Turismo;

aj) Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República; e

ak) Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República;

II - dois representantes de governo estadual ou distrital, conforme o caso;

III - dois representantes de governo municipal; e

IV - quarenta e um representantes da sociedade civil.

§ 1º A Presidência da Comissão Nacional será exercida pelo Ministro de Estado da Secretaria-Geral da Presidência da República.

§ 2º Cada representante da Comissão Nacional terá um suplente, que o substituirá em suas ausências e seus impedimentos.

§ 3º Na hipótese de ausência ou de impedimento do Ministro de Estado da Secretária-Geral da Presidência da República, a Presidência da Comissão Nacional será exercida pelo Secretário-Executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República.

§ 4º Os membros da Comissão Nacional de que trata o inciso I docapute os respectivos suplentes serão indicados por titulares dos órgãos que representam e designados em ato editado pelo Ministro de Estado da Secretaria-Geral da Presidência da República.

§ 5º Os membros da Comissão Nacional de que tratam os incisos II a IV docaputserão escolhidos em processo de seleção pública coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência da República, para exercício de mandato de dois anos, permitida a recondução.

§ 6º Ato editado pelo Ministro de Estado da Secretaria-Geral da Presidência da República disporá sobre o procedimento, por meio de edital, da seleção pública de que trata o §5º.

§ 7º Os representantes da Comissão Nacional de que tratam os incisos II a IV docapute os respectivos suplentes serão designados em ato editado pelo Ministro de Estado da Secretaria-Geral da Presidência da República.

Art. 4º A Comissão Nacional se reunirá, em caráter ordinário, trimestralmente e, em caráter extraordinário, mediante convocação do Presidente, de seu Secretário-Executivo ou por deliberação da maioria absoluta do plenário.

§ 1º O quórum de reunião e de deliberação é de maioria simples.

§ 2º A Comissão Nacional poderá convidar representantes de órgãos e entidades públicos, de organismos multilaterais e da sociedade civil para colaborar com as suas atividades, sem direito a voto.

Art. 5º A Secretaria-Executiva da Comissão Nacional será exercida pela Secretaria-Geral da Presidência da República.

Art. 6º O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e a Fundação Oswaldo Cruz prestarão assessoramento técnico permanente à Comissão Nacional.

Art. 7º A Comissão Nacional poderá constituir câmaras temáticas e subcomissões para assessorá-la na execução de suas atividades.

Art. 8º A Comissão Nacional elaborará e aprovará seu regimento interno no prazo de sessenta dias após a primeira reunião.

Art. 9º As reuniões da Comissão Nacional, das câmaras temáticas e das subcomissões poderão ser realizadas presencialmente ou por meio de videoconferência.

Art. 10. A participação na Comissão Nacional será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.

Art. 11. Ficam revogados:

I - o Decreto nº 8.892, de 27 de outubro de 2016; e

II - os art. 8º e art. 9º do Decreto nº 11.397, de 21 de janeiro de 2023.

Art. 12. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 14 de setembro de 2023; 202º da Independência e 135º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Márcio Costa Macêdo

Este conteúdo não substitui o publicado na versão certificada.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

 


O PL do genocídio, o golpe da AGU na Foz e uma boa nova do Equador

Leia a última edição da nossa newsletter

28.08.2023 - Atualizado 31.08.2023 às 11:40 | 

O Jurídico falou pra gente evitar a expressão, mas é difícil imaginar qualquer palavra diferente de “genocídio” para qualificar o impacto do PL 2.903. O projeto de lei que virtualmente acaba com as demarcações de terras indígenas no país foi aprovado por 13 votos a 3 na Comissão de Agricultura do Senado na última quarta-feira. Entre os 13 senadores – oh, surpresa! –, quatro ex-integrantes do primeiro escalão do governo Bolsonaro.

O antigo PL 490, renomeado na Câmara Alta, ficou conhecido por estabelecer a tese infame do marco temporal, segundo a qual indígenas que não estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988 perderiam o direito a elas (e azar seu se você foi expulso pelo Estado ou por fazendeiros armados antes disso). Só que o marco temporal talvez seja o menor dos problemas da proposta: ela muda completamente o entendimento jurídico do que seja uma terra indígena. Pela Constituição de 1988, as TIs são um direito originário e um bem indisponível; não cabe ao Estado discutir se os índios devem ou não devem estar nelas, cumpre reconhecer a presença indígena, demarcar e proteger.

O 2.903 implode essa lógica e transforma os territórios dos povos nativos numa commodity que pode ser arrendada, comprada e vendida. Povos inteiros podem ser removidos e reassentados em outro lugar, como se os indígenas não tivessem ligação cultural indissociável com suas terras. E demarcações já homologadas podem até mesmo ser desfeitas e a terra “retomada” pela União (o próprio termo é uma estupidez, porque toda terra indígena já é da União) caso se verifique “alteração dos traços culturais” da comunidade. Um caso de racismo típico da ditadura.

Inconstitucional até o osso, o PL avança agora para a Comissão de Constituição e Justiça. Enquanto isso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se finge de morto quanto aos pedidos para incluir outras comissões na tramitação, como você verá nesta edição.

Boa leitura.

Equatorianos escolhem barrar petróleo no Yasuní

Quase 60% dos eleitores equatorianos votaram a favor do fim da exploração de um bloco petrolífero no Parque Nacional Yasuní, localizado na Amazônia equatoriana, no dia 20 de agosto. A área conhecida como bloco 43 é a quarta maior produtora de petróleo do país e começou a ser explorada em 2016 no meio de uma disputa judicial. A tentativa de proteger o parque contra a extração de combustíveis fósseis tem mais de 20 anos e o processo na Suprema Corte para fazer o plebiscito foi iniciado em 2013.

Agora, a estatal Petroecuador terá um ano para sair do bloco. Na segunda-feira (21), o Coletivo Yasunidos, grupo que liderou a campanha pelo direito de fazer a votação, apresentou um plano de retirada organizada e progressiva da infraestrutura petroleira, que inclui reparação integral à natureza e aos povos indígenas com participação dos proponentes do plebiscito, comunidades indígenas e estado.

A histórica vitória obtida no plebiscito sobre o bloco 43, no entanto, não impede a continuidade da extração de combustíveis fósseis em outras áreas da Amazônia equatoriana.As reivindicações para uma mudança de modelo econômico devem continuar. 68% dos eleitores também votaram pelo fim da mineração no Chocó Andino, região perto da capital Quito. Leia a reportagem completa aqui.

Bruxaria da AGU cria fato sobre a Foz do Amazonas

O ministro Alexandre da Silveira pode até ser negacionista da ciência, mas não é burro. Nesta semana, o chefe das Minas e Energia ressuscitou a guerra do petróleo na Foz do Amazonas e emparedou Marina Silva criando uma fake news dupla: de um lado, encomendou ao AGU Jorge Messias um parecer dizendo que a Petrobras não tem obrigação nenhuma de fazer Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) para explorar petróleo na Foz do Amazonas. De outro, disse, magnânimo, que quer fazer uma mesa de conciliação com o Ibama sobre as divergências entre o órgão ambiental e a petroleira. A imprensa caiu na esparrela e o que sempre foi uma questão técnica virou um fato político (como bem notou a Sumaúma).

Vamos com calma. Primeiramente, o Ibama nunca disse que a AAAS era precondição para licenciar nada na Foz. O parecer técnico que embasou a negativa do presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, é explícito ao afirmar que a obrigação não existe (portanto, a AGU gastou horas-homem para produzir um truísmo). O despacho de Agostinho é menos enfático, mas tampouco aponta obrigatoriedade (o Ibama também tem advogados, afinal). A licença foi negada não pela falta de AAAS, mas por não demonstrar segurança da operação.

Sobre a tal conciliação do tubarão com a perna do banhista, a ministra Marina Silva usou uma boa analogia na quinta-feira (24) no Senado: O Ibama não dá licenças políticas. “O Ibama dá licenças técnicas. Ele não facilita nem dificulta. Alguém vai ficar teimando com a Anvisa quando ela diz ‘esse remédio aqui é tóxico’?, e aí alguém resolve mandar para uma decisão política? Existem órgãos da administração pública que dão pareceres técnicos e, em um governo republicano, a gente olha para o que a ciência está dizendo.”

Com petroditaduras, Brics vira clube fóssil

Ele foi fundado com o maior emissor de carbono do planeta (China), um petroestado que se lixa para metas climáticas (Rússia), duas potências carvoeiras (Índia e África do Sul) e um aspirante a membro da Opep (Brasil). Após a cúpula desta semana em Joanesburgo, o Brics vai ficar parecendo o grupo das carpideiras dos combustíveis fósseis: dos seis novos membros, três são petroditaduras (Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes), e uma ditadura árabe rica em óleo (Egito) e um é uma potência emergente do gás fóssil (Argentina). Companhia pouco auspiciosa para a presidência brasileira do G20, que começa em setembro e que terá, diz o governo, a transição energética como um dos pilares (Folha).

Na abertura do encontro na África do Sul, Lula encarnou as contradições ambientais de seu governo ao discursar contra um suposto “neocolonialismo verde” dos países ricos – mais uma menção velada à lei antidesmatamento da UE, que vem sofrendo ataques do Brasil.

Marco temporal avança e governo silencia

Tão espantoso quanto a facilidade com que os ruralistas e a extrema-direita aprovaram o PL 2.903 na Comissão de Agricultura do Senado é o silêncio da articulação política do governo a respeito. A ministra Sônia Guajajara (Povos Indígenas) declarou à GloboNews que não consegue agenda com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para discutir a tramitação da matéria. Se não consegue é porque o tema não é prioritário para a Secretaria de Relações Institucionais e para a Casa Civil, que cuidam das relações com o Parlamento.

Nesta semana, mais de 300 organizações da sociedade civil publicaram um manifesto pedindo a Pacheco que cumpra seu compromisso de não tratorar a votação do 2.903 no Senado, como Arthur Lira fez na Câmara. Há pedidos de senadores para incluir na tramitação as comissões de Meio Ambiente, Direitos Humanos e Assuntos Sociais.

Enquanto Pacheco decide o que fará com a bola, o STF marcou enfim a data de retomada do julgamento do marco temporal para 30 de agosto. Ainda bem que agora há mais um ministro progressista, Cristiano Zanin, para ajudar a formar maioria contra essa excrescência e… não, pera.

Brasil bate recordes de calor em pleno inverno

O Brasil não escapou da onda de calor mesmo sendo inverno. Em São Paulo, por exemplo, os termômetros passaram dos 32 °C na quarta (23/08) e na quinta-feira (24/08). A capital paulista também registrou a maior temperatura mínima diária para agosto na quinta. Foram 23,1 °C às 21h, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Antes, a mínima mais alta havia sido 22 °C no dia 13 de agosto de 1977, 46 anos atrás.
Vem mais calor e tempo seco por aí, alerta a entidade. Municípios do Maranhão, Piauí, Pernambuco e Bahia podem ter temperaturas 5°C acima da média até segunda-feira (28/08). A umidade do ar deve ficar entre 12% e 20% em áreas da Bahia e do Piauí.

Carbono florestal não tem lastro, diz estudo

Uma pesquisa publicada na última quinta-feira (24/8) pela Science mostrou que milhões de créditos de carbono têm sido gerados superestimando a preservação florestal à qual supostamente estariam vinculados. O estudo analisou 18 grandes projetos de compensação ambiental desenvolvidos no Peru, na Colômbia, no Camboja, na Tanzânia e na República Democrática do Congo, que anunciam, somados, a geração de 89 milhões de créditos de carbono. Desses, mais de 60 milhões são provenientes de projetos que praticamente não reduziram o desmatamento, de acordo com o estudo. Apenas 5,4 milhões desses créditos (6% do total) estão vinculados a áreas que efetivamente reduziram através de preservação florestal em quantidades equivalentes aos créditos anunciados. Ou seja: toneladas e mais toneladas de emissões de gases de efeito estufa consideradas ‘compensadas’ foram, na verdade, simplesmente despejadas na atmosfera.

Leila do Vôlei protocola PL do mercado de carbono

A senadora Leila Barros (PDT-DF) protocolou na última segunda-feira (21) o projeto de lei que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões. Previsto há quase 13 anos no decreto que regulamentou a Política Nacional sobre Mudança Climática, o mercado de carbono do Brasil vinha tropeçando no Parlamento e no desinteresse do Executivo. Desta vez, uma força-tarefa de vários ministérios se juntou para produzir um substitutivo do governo que cria um regime de “cap-and-trade” no Brasil e que, no geral, agradou da CNI ao Observatório do Clima. Não foi desta vez, porém, que a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) conseguiu criar a prometida Autoridade Nacional de Segurança Climática; o mercado de carbono será regulado por um órgão ainda a ser criado.

Desmonte ambiental dobra CO2 na Amazônia

Nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, o desmantelamento da governança ambiental resultou em um aumento do estresse no bioma amazônico comparável a um evento extremo como um mega El-Niño. Os dados foram apresentados em artigo publicado no último dia 23 na Nature. A pesquisa foi liderada por Luciana Gatti, do Inpe, e conduzida por um time de mais 29 cientistas brasileiros (alguns deles funcionários públicos que teriam sido exonerados no regime passado por assinar o estudo), e mostrou que, entre 2019 e 2020, as emissões de CO2 cresceram 122% na floresta, na esteira do aumento do desmatamento no preservado oeste amazônico – sobretudo o sul do Amazonas. Além disso, no acumulado de 2020, a Amazônia perdeu 12% das chuvas.

Marina recria Fundo Clima, com R$ 10 bilhões

Criado por Lula, deixado em banho-maria por Dilma e Temer e assassinado por Bolsonaro, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima completou a jornada do herói na última quinta-feira (24), quando foi relançado por Marina Silva e Geraldo Alckmin com um comitê gestor reformulado – e a sociedade civil de volta. O Fundo Clima tem duas linhas de crédito, uma a fundo perdido e outra reembolsável, para bancar projetos de adaptação e transição energética. O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, anunciou que a parte reembolsável terá R$ 10 bilhões, de longe o maior aporte da história do fundo. O dinheiro, segundo o governo, poderá vir da emissão de títulos da dívida soberana sustentável, o que quer que venha a ser isso.


 


Dez barbaridades do PL do licenciamento ambiental

Texto com risco de aprovação pelo Senado beneficia grupos de interesse e socializa prejuízos.

29.08.2023 - Atualizado 04.09.2023 às 23:19 | 

PRESS RELEASE

Pode ser votado a qualquer momento nas comissões de Agricultura e Meio Ambiente do Senado o PL 2.159/2021, que implode as regras do licenciamento ambiental no Brasil. Aprovado na Câmara num tratoraço em 2021, o texto é de interesse de dois dos lobbies mais poderosos do Congresso, o ruralista e o da indústria. Caso não seja muito aprimorado pelos senadores, tornará a maioria dos empreendimentos isenta de licença e de estudos de impacto ambiental, beneficiando empresas e socializando os prejuízos ambientais, sociais e para a saúde.

O licenciamento é a peça central da Política Nacional de Meio Ambiente, estabelecida há mais de 40 anos. Antes dele, crianças nasciam sem cérebro por causa da poluição industrial em Cubatão e hidrelétricas alagavam milhares de quilômetros quadrados da Amazônia para gerar quase nada de energia. Por ter desfigurado o instituto do licenciamento ambiental, o PL 2.159 ficou conhecido como “mãe de todas as boiadas”. O relançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), neste mês, aumenta a pressão pela aprovação da lei, mesmo que ela esteja em franco desalinho com as promessas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de incentivar a transição ecológica e zerar o desmatamento.

O Instituto Socioambiental e o Observatório do Clima publicaram uma nota técnica conjunta analisando o PL (leia aqui). O documento traz uma boa e uma má notícia. A má é que a lei, como está, tem um conjunto de inconsistências e inconstitucionalidades tão grande que será objeto de judicialização em massa — atravancando justamente o que ela se propõe a agilizar. A boa notícia é que o projeto tem conserto: os próprios senadores já propuseram várias emendas que amenizam problemas ou eliminam trechos inconstitucionais, bastando que a Casa as adote em substituição ao texto-base.

A seguir, estão elencados dez horrores ambientais do PL, analisados na nota do ISA e do OC.

1 – ISENÇÃO AMPLA, GERAL E IRRESTRITA

O artigo 8o do PL 2.159 traz uma lista de 13 tipos de empreendimento que estão isentos de licenciamento ambiental. Entre eles, estações de tratamento de esgoto e serviços de “melhoramento” de estruturas já existentes. Para dar apenas dois exemplos, o artigo poderia permitir que as barragens do rio Madeira fossem aumentadas e que a BR-319 (Porto Velho-Manaus), que corta a região mais preservada do bioma, fosse asfaltada, uma vez que o Dnit considera que a rodovia, que já teve asfalto no passado, seria apenas “repavimentada”.

2 – “BAIXO IMPACTO”, QUEM DEFINE?

A lei diz que o licenciamento ambiental é necessário para empreendimentos com potencial de impacto ambiental, sendo menos rigoroso para obras de baixo impacto. Até aí, tudo bem. Mas quem define o que é “baixo impacto”? Segundo o artigo 4o do PL, cada “ente federado”, ou seja, cada estado e município pode simplesmente decretar que, digamos, aterros sanitários, barragens de rejeitos ou uma indústria qualquer são de baixo impacto. Para evitar a barafunda de normas — e dispensas potencialmente trágicas — é preciso que haja uma lista mínima federal com os empreendimentos que estão sujeitos a licenciamento. 

3 – FREE BOI: AGRO SEM LICENÇA

Quem quiser literalmente passar a boiada Brasil afora poderá fazê-lo sem precisar de licença ambiental: o artigo 9o do PL dispensa de licenciamento atividades de agricultura e pecuária extensiva, inclusive em potenciais terras griladas (o texto fala em isenção para propriedades com Cadastro Ambiental Rural “com pendência de homologação”; como o CAR é autodeclaratório, vale o que o fazendeiro disser que é dele, mesmo que não seja). A isenção contraria três julgamentos do STF, que determinaram a inconstitucionalidade de normas que davam passe livre ao agro.

4 – BRUMADINHO FEELINGS: RENOVAÇÃO AUTODECLARATÓRIA DE LICENÇA

Os parágrafos 4º e 5º do artigo 7o do PL 2.159 permitem ao empreendedor renovar sua licença vencida sem nenhuma consulta aos órgãos ambientais, apenas preenchendo uma declaração na internet. Assim, se a licença de um empreendimento vence antes de as condicionantes da licença serem cumpridas, o empreendedor não precisa dar satisfação a ninguém. Imagine, por exemplo, que a renovação da licença de operação de uma barragem de rejeitos possa ser feita pela internet. Em condições melhores que essa tivemos Brumadinho, uma renovação de licença feita no tapetão e sem acompanhamento adequado. Pense agora no que ocorreria sem acompanhamento nenhum.

5 – LUCRO PRIVADO, PREJUÍZO PÚBLICO: LIMITAÇÃO DE CONDICIONANTES

Imagine que a implementação de uma obra — digamos, uma grande hidrelétrica de R$ 40 bilhões numa cidade do interior do Pará — cause um grande aumento populacional, levando a pressões sobre serviços públicos como saúde, segurança e saneamento. Imagine que o empreendedor sinta que é injusto que ele seja obrigado, pelas condicionantes do licenciamento, a construir escolas, presídios e rede de esgoto na cidade, mesmo que isso represente uma fração do valor da obra. Todo o ônus ficaria com a sociedade e o bônus com o empresário. É o que propõem os parágrafos 1º, 2º e 5º do artigo 13 do PL 2.159, que limitam de forma inconstitucional as condicionantes do licenciamento. Somente no exemplo da Ferrogrão, a limitação das condicionantes (no caso, medidas contra o desmatamento indireto induzido pela obra) pode causar a destruição de 53 mil km2 de florestas (um Rio Grande do Norte) até 2030. 

6 – AUTOLICENCIAMENTO PARA TODO MUNDO

Uma operação tapa-buraco na zona urbana de São Paulo não pode ter as mesmas exigências ambientais do asfaltamento de uma estrada no Pantanal, certo? Por isso desde 1997 o Conama já prevê que algumas atividades possam ter licenciamento ambiental simplificado. Só que o PL 2.159 leva isso ao extremo: em seu artigo 21, ele prevê que alguns empreendimentos possam se “autolicenciar”, com o empreendedor preenchendo um formulário na internet jurando ter boa conduta e sendo passível de fiscalização. Esse autolicenciamento, cujo nome técnico é Licença por Adesão e Compromisso (LAC), já foi adotado em alguns Estados e considerado constitucional pelo Supremo. Mas, no PL do licenciamento, a LAC pode ser aplicada a qualquer projeto não qualificado como de baixo e médio impactos. Ou seja, a lista tende a ser grande, já que as pressões pela flexibilização são mais efetivas sobre governos estaduais e prefeituras. A LAC tende a se tornar a regra, e o licenciamento, exceção. Para voltar ao exemplo de Brumadinho, a nota técnica estima que quase 86% dos processos de licenciamento de atividades minerárias em Minas Gerais poderão ser feitos por LAC caso a lei seja aprovada como está.

Outro artigo, o 11, prevê LAC para “ampliação de capacidade” de rodovias. É mais um caso em que a BR-319, no Amazonas, poderia ser feita sem licença ambiental.

7 – O CRIME COMPENSA: LICENÇA CORRETIVA ANISTIA MALFEITOS

A licença de operação corretiva, ou LOC, é aplicada quando um empreendimento está operando sem licença ambiental. É uma chance para o empreendedor de se emendar e se livrar de multa. Mas o artigo 22 do PL do licenciamento é excessivamente generoso: além de suspender as multas, ele anistia crimes ambientais passados e permite fazer a correção por adesão e compromisso. Dessa forma, compensa para o empreendedor simplesmente ignorar o licenciamento na hora de planejar a obra e entrar nesse grande “Refis” ambiental depois.

8 – AMEAÇA A INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E ÁREAS PROTEGIDAS

Um dos trechos mais graves do PL 2.159 são os artigos 39 a 42, que tratam das chamadas “autoridades envolvidas”, ou seja, do papel de Funai, Fundação Palmares, Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e ICMBio no licenciamento. O texto afirma que esses órgãos só poderão se manifestar sobre o licenciamento — e mesmo assim sem poder de veto — quando unidades de conservação, terras indígenas, territórios quilombolas e sítios arqueológicos estiverem ou no canteiro de obras ou na sua zona de influência direta, ou seja, no seu entorno imediato. A análise de terras indígenas e quilombolas, além disso, só considera para fins de licenciamento aquelas que estiverem homologadas e tituladas. Isso deixaria desprotegidas 32% das terras indígenas e 92% dos territórios quilombolas do Brasil.

Para as unidades de conservação a situação é ainda pior: além de limitar a análise de impacto ao canteiro de obras (excluindo até as UCs no entorno do empreendimento), o artigo 58 do PL retira todo poder do ICMBio e dos órgãos ambientais estaduais de barrar obras. Assim, se o Dnit decidir abrir uma estrada no meio do Parque Nacional do Iguaçu, por exemplo, o órgão ambiental não poderá fazer nada senão aceitar uma compensação.

9 – PRAZOS IRREAIS

O artigo 43 do PL estipula prazos máximos para o licenciamento. Nos casos de maior complexidade, quando for exigido estudo de impacto ambiental — caso, por exemplo, de grandes hidrelétricas na Amazônia —, a licença prévia terá de ser expedida em dez meses. Os prazos curtos tendem a produzir mais tumulto no licenciamento e aumentar as judicializações.

10 – BANCOS FORA DO GANCHO

Em seu artigo 54, o PL 2.159 introduz um elemento inédito no arcabouço do licenciamento ambiental, que é impedir que os bancos sejam punidos por crimes ambientais cometidos por empreendimentos que eles financiam. A mera apresentação de uma licença pelo empreendimento — ainda que seja uma autolicença tirada online, que tende a se tornar a regra — já exclui os bancos de qualquer responsabilidade. Isso conflita com a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente, de 1981, que prevê corresponsabilidade das instituições financeiras e é a base, por exemplo, do decreto que proibiu crédito bancário para desmatadores com áreas embargadas na Amazônia. 

Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com mais de 90 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. Desde 2013 o OC publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil.

Sobre o ISA – O Instituto Socioambiental é uma associação civil, sem fins lucrativos, fundada em 22 de abril de 1994, por pessoas com formação e experiência marcante na luta por direitos sociais e ambientais. Sua missão institucional é defender bens e direitos sociais, coletivos e difusos, relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos. Produz estudos, pesquisas, projetos e programas que promovam a sustentabilidade socioambiental, divulgando a diversidade cultural e biológica do país.

Informações para imprensa

Solange A. Barreira – Observatório do Clima

solange@pbcomunica.com.br

+ 55 11 9 8108-7272


Claudio Angelo – 
Observatório do Clima

claudio@oc.eco.br

+55 61 99825-4783


Marina Terra – Instituto Socioambiental

imprensa@socioambiental.org 

+55 11 95185-4833


quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Estados e municípios passam a boiada no Cerrado e desafiam Ibama

 

Observatório do Clima



Estados e municípios passam a boiada no Cerrado e desafiam Ibama

Autorizações emitidas a rodo, reserva legal "móvel" e ausência de monitoramento legalizaram o que é irregular e compõem cenário de descontrole da derrubada

11.09.2023 - Atualizado 12.09.2023 às 09:06 | 

DO OC – Os processos de autorização de desmatamento conduzidos por estados e municípios no Cerrado, segundo maior bioma do país, estão fora de controle. Estudos de especialistas e relatos de fiscais no campo mostram que as autorizações têm sido emitidas a toque de caixa, em volume e velocidades que impossibilitam o monitoramento pelos órgãos ambientais, sem transparência nem controle social. 

Em alguns estados, como a Bahia, o processo de “tercerização” que transfere aos municípios a prerrogativa de autorizar o desmatamento tem ocorrido sem registro nos sistemas públicos, como o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), gerando um apagão de informações e dificultando as ações de comando e controle. Além disso, a validade inaudita das autorizações de supressão de vegetação (que pode ser de até quatro anos) tem sido utilizada como meio de especulação, com proprietários fazendo “poupança” de permissões de desmate para utilização em momentos economicamente mais propícios. 

O resultado é que, enquanto as ações do governo ao longo deste ano conseguiram produzir uma inflexão de 7% na área de alertas de desmatamento na Amazônia no ano de 2023 (considerando o corte utilizado pelo Inpe para medir o desmatamento nos biomas, sempre de agosto de um ano a julho do ano seguinte), o Cerrado segue sem controle. 

Considerado a “caixa d’água do Brasil”, o Cerrado – cujo Dia Nacional se comemora nesta segunda-feira (11/9) – concentra nascentes e áreas de recarga hídrica fundamentais para a irrigação de bacias hidrográficas da América do Sul. Entre os chamados “serviços ecossistêmicos” prestados pelo bioma, está a provisão de água que é base para a operação das principais hidrelétricas do país. 

“Os biomas são integrados: há um fluxo de águas, um fluxo atmosférico de umidade, de carbono, de biodiversidade, que precisa ser observado. O Cerrado tem esse papel tão importante de infiltrar e verter essas águas para todos os outros cantos do país”, resume Isabel Figueiredo, pesquisadora do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e especialista no bioma. 

Menor proteção legal 

Diferentemente da Amazônia, onde a área de vegetação nativa protegida em propriedades rurais é de 80%, o Cerrado conta com apenas 20% de área de reserva legal (no Cerrado localizado em estados da Amazônia Legal, o percentual é de 35%). Isso significa que, segundo a determinação do Código Florestal, 80% da área dos imóveis rurais no bioma é “desmatável”. 

Cabe aos estados a autorização e fiscalização do desmatamento legal – e é justamente aí que reside a principal dificuldade para o controle da derrubada atualmente. Os estados não apenas têm autorizado muito desmatamento como têm dificultado o acesso a informações e monitoramento dessas autorizações. 

“A área de proteção definida pelo Código Florestal é inferior ao que se mostrou ser necessário para manter as funções ecossistêmicas do Cerrado, sobretudo essa de reposição de água. A linha de corte para evitar o ponto de não retorno no bioma [ponto em que a degradação e perda de funções se torna irreversível] seria de 40%”, explica Guilherme Eidt, também pesquisador do ISPN. 

“Essa perspectiva de manutenção dos serviços ecossistêmicos não é atendida pelo Código Florestal, que sinaliza um campo aberto para a expansão do agronegócio. Isso já ocorre desde os anos 1980, mas tem um impulso muito mais forte a partir do final da década de 1990 e início dos anos 2000, quando há um direcionamento de políticas para a expansão em regiões de vegetação nativa do Cerrado”, completa.  

A situação se agrava porque, mesmo insuficiente, o Código Florestal não tem sido plenamente cumprido para a concessão de autorizações de desmatamento, que são marcadas por irregularidades. 

É o que explica Margareth Maia, professora da Universidade Federal da Bahia e diretora do Instituto Mãos da Terra (Imaterra). O instituto conduz, desde 2021, um estudo sobre as autorizações de supressão (conhecidas pela sigla ASV) emitidas na Bahia. A primeira parte da pesquisa, publicada no ano passado, analisou 5.126 portarias de autorizações de supressão de vegetação nativa publicadas no Diário Oficial do estado entre setembro de 2007 e junho de 2021. Com elas, foi liberada a derrubada de 1 milhão de hectares em todos os biomas da Bahia, área equivalente a 32 cidades de Salvador.

Do total autorizado, 80% está concentrado no Oeste do estado, fronteira agrícola mais ativa do chamado Matopiba (região formada pelos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Entre as irregularidades encontradas, estão conflitos com comunidades tradicionais, uso de técnicas que podem ser fatais para captura da fauna (como a utilização de cachorros para espantar os animais) e pareceres assinados por servidores sem a qualificação técnica estabelecida. 

Além disso, o estudo analisou mais de perto 26 processos de ASV à luz da legislação ambiental, produzindo pareceres técnicos. “O argumento de Márcia Telles [diretora do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, o Inema, por mais de dez anos e exonerada do cargo no último sábado, 9/9], quando questionada, sempre foi de que todo o processo foi feito na legalidade. Mas quando demos um zoom nessses processos vimos que não era assim. Era uma suposta legalidade. Todos os processos tinham irregularidades, que contestamos através de representações ao Ministério Público”, conta Maia. 

A segunda parte da pesquisa do Imaterra e os dados consolidados, ainda inéditos, serão publicados em livro neste mês.

“Cenário de caos” 

Entre agosto de 2022 e julho de 2023, o Cerrado registrou alta de 16,5% nos alertas de desmatamento do sistema Deter, do Inpe, na comparação com o ano anterior. A área sob alertas de desmatamento nesse período, 6.359 km2, é a maior já registrada na série histórica do Inpe, iniciada em 2017.

Em julho deste ano, a alta de alertas do Deter no Cerrado foi de 26%, na comparação com julho de 2022. Em agosto, a alta foi de apenas 2% na comparação com o mesmo mês no ano passado, o que, segundo a ministra Marina Silva, pode indicar um início de reversão da curva ascendente de desmatamento no bioma, o que já se verificou na Amazônia. 

As ações de comando e controle, incluindo embargos remotos, foram retomadas pelo Ibama e ICMBio, mas ainda esbarram nas dinâmicas locais de autorização do desmatamento legal. De janeiro a julho, a área autorizada para desmatamento no Cerrado foi de 482.381,4 hectares. No mesmo período, o Deter registrou 491.045 ha sob alertas de desmatamento. 

“Praticamente a totalidade do desmatamento nesse período teve base em autorizações emitidas pelos órgãos estaduais de meio ambiente. Claro que esse dado não pode ser olhado apenas dessa maneira, porque em alguns casos dá área sob alertas de desmatamento pode ter existido, sim, desmatamento ilegal, o que está sendo verificado pelo Ibama de forma muito detalhada. Mas o fato é que o Cerrado permite uma autorização maior, que vem sendo dada de forma, no mínimo, discutível”, afirmou João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, em agosto. 

Relatos ouvidos pela reportagem descrevem um “cenário de caos”, especialmente na Bahia. Como mostrou o último Relatório Anual do Desmatamento do Mapbiomas, a região do Matopiba concentrou 26,3% de todo o desmatamento no Brasil. 

Na Bahia, além das emissões maciças de autorizações de supressão de vegetação e da descentralização descontrolada dessa atribuição para municípios – onde pressões políticas e econômicas incidem muito mais fortemente sobre os órgãos ambientais – os relatos dão conta da instituição de “reservas legais móveis”, ou seja, a realocação de reservas legais dentro das fazendas. Isso acontece porque as autorizações têm sido emitidas sem que as propriedades tenham seu Cadastro Ambiental Rural (chamado de Cefir no estado) validado, diferentemente do que prevê o Código Florestal. 

“Teoricamente, não seria possível conceder Autorização de Supressão de Vegetação para uma propriedade que não tivesse o CAR validado, já que é o cadastro que observa se a área de reserva legal está correta. Como há atraso na validação, os estados têm emitido autorizações independentemente disso, o que gera uma situação capenga: enquanto o CAR não é validado, as fazendas tem trocado de lugar as suas reservas legais”, explica Isabel Figueiredo. 

Na prática, sem registro e controle, os proprietários modificam a área assinalada como reserva legal em seus cadastros quantas vezes quiserem, ao solicitarem autorizações para desmatamento. Assim, uma área antes identificada no cadastro como parte da reserva legal obrigatória pode ser objeto de um pedido de supressão de vegetação, enquanto se “empurra” a reserva para outra parte – que também não será fiscalizada. Enquanto não é validado, o cadastro é modificado e as reservas “flutuam” para onde for mais conveniente, facilitando que a supressão de vegetação avance sobre áreas protegidas . 

Para Isabel Figueiredo, as demandas por uma política pública de controle do desmatamento no Cerrado passam, necessariamente, por uma articulação efetiva entre governo federal e estados. “Além de se articular com os estados, é preciso ir além do discurso de que ‘podemos desmatar 80%’. É preciso observar outras questões, como a fundiária, os casos de grilagem da terra e de violações de direitos humanos de populações tradicionais que ocupavam essa região. É preciso também monitorar os processos de outorgas para uso de água e recargas de aquífero – importantes para o próprio agronegócio. Nossa expectativa é que o governo federal olhe para o Cerrado com a importância que ele tem, que seja mais inovador e mais arrojado na conservação do bioma. Precisamos de uma meta de preservação para além do Código Florestal, ou veremos o colapso ambiental do país inteiro”, afirma.

O governo federal deve anunciar o PPCerrado, plano de controle do desmatamento inspirado no bem-sucedido PPCDAm, da Amazônia, neste mês. Procurados, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente da Bahia e o Inema não se pronunciaram. (LEILA SALIM)