Porto de chegada
de quase um milhão de escravos africanos, o Cais do Valongo, no Rio de
Janeiro, foi declarado Patrimônio Mundial da Unesco, a agência cultural
da ONU.
O Brasil foi o principal destino de escravos africanos nas Américas, e o Cais do Valongo se tornou o maior porto de entrada deles no país até meados do século 19. Ele ficou por décadas aterrado e sua riqueza começou a ser redescoberta durante o trabalho de revitalização da zona portuária do Rio para as Olimpíadas de 2016.
"É o mais importante vestígio físico da chegada dos escravos africanos ao continente americano", disse, em nota, a Unesco.
A presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Kátia Bogea, disse que, "o Valongo merece estar junto de lugares como Hiroshima e Auschwitz para nos fazer lembrar das partes da história da humanidade que não podemos esquecer".
Segundo o Iphan, o desembarque de escravos no Rio foi integralmente concentrado na região da Praia do Valongo a partir de 1774, e ali "se instalou o mercado de escravos que, além das casas de comércio, incluía um cemitério e um lazareto".
O calçamento de pedra que constitui o Sítio Arqueológico do Cais do Valongo foi parte das obras de infraestrutura realizadas em 1811, "com o incremento do tráfico e o fluxo de outras mercadorias".
Após a declaração da República no Brasil, em 1889, o cais do Valongo foi aterrado. Com as obras do Porto Maravilha, foram encontrados milhares de objetos pessoais na região, como partes de calçados, botões feitos com ossos, colares, amuletos, anéis e pulseiras em piaçava.
Sepultura coletiva
Após uma longa jornada pelo Atlântico, africanos esquálidos eram mantidos na região portuária em chamadas casas de engorda para se recuperarem. Depois, eram vendidos e levados a trabalhar em plantações de várias regiões, além de serem empregados em atividades domésticas e construções do Rio.Muitos, no entanto, não sobreviviam. A poucos quarteirões do cais está um cemitério onde, entre 1770 e 1830, milhares de escravos foram enterrados. Restos desse local foram encontrados por acaso em 2011, quando um casal reformava sua casa na área e se deparou com ossos e crânios.
O tráfico de escravos estrangeiros foi banido em 1831, mas continuou ilegalmente até a escravidão ser abolida no país, em 1888.
Cerca de quatro milhões de escravos chegaram ao Brasil entre os séculos 17 ao 19, o que representa quase 40% dos escravos que desembarcaram nas Américas.
A partir de 2012, o Cais do Valongo passou a fazer parte de um circuito histórico de celebração da herança africana no Rio.
Esse não é o único patrimônio da Humanidade brasileiro a figurar na lista da Unesco. Conheça abaixo outras 20 atrações que ganharam o mesmo status:
- Cidade de Ouro Preto (MG)
- Centro histórico de Olinda (PE)
- Ruínas de São Miguel das Missões (RS)
- Centro histórico de Salvador (BA)
- Santuário de Bom Jesus do Congonhas (MG)
- Parque Nacional do Iguaçu (PR)
- Brasília (DF)
- Parque Nacional da Serra da Capivara (PI)
- Centro histórico de São Luís (MA)
- Áreas protegidas de Mata Atlântica do Sudeste (PR e SP)
- Reservas de Mata Atlântica da Costa do Descobrimento (BA e ES)
- Centro histórico de Diamantina (MG)
- Complexo de Conservação da Amazônia Central (AM)
- Área de conservação do Pantanal (MT)
- Ilhas do Atlântico: Reservas de Fernando de Noronha (PE) e Atol das Rocas (RN)
- Áreas protegidas do Cerrado: Chapada dos Veadeiros e Parque Nacional das Emas (GO)
- Centro histórico da Cidade de Goiás (GO)
- Praça de São Francisco na cidade de São Cristóvão (SE)
- Cidade do Rio de Janeiro (RJ)
- Conjunto moderno da Pampulha (MG)
História do Cais do Valongo
Atualmente, essa região está em alta,
devido à modernização e revitalização da zona portuária. Entretanto,
essa área da cidade do Rio de Janeiro tem em seu DNA muito da nossa
história.
O Cais do Valongo tem uma ligação
fortíssima com o período da escravidão no Brasil. Até meados de 1770, os
negros escravizados vindos do continente africano desembarcavam na
Praia do Peixe (atual Praça XV) e eram negociados na Rua Direita – hoje
Rua 1º de Março -, no centro do Rio.
A presença dos negros africanos
incomodava a elite, sobretudo portuguesa, que frequentava a região. Por
isso, em 1774, uma nova legislação estabeleceu a transferência desse
mercado para o Cais do Valongo, por iniciativa do segundo Marquês de
Lavradio, Dom Luís de Almeida Portugal Soares de Alarcão d’Eça e Melo
Silva Mascarenhas, vice-rei do Brasil.
Após a chegada da Família Real
Portuguesa, junto com a corte, a região do Valongo passou a ser muito
frequentada por pessoas que queriam comprar escravos. Isso porque a
população do Rio duplicou nesse período. Foi de 15 para 30 mil pessoas.
Mesmo com a proibição do tráfico
negreiro, em 1831, o Cais do Valongo continuou sendo um dos principais
pontos dessa atrocidade que era a compra e venda de pessoas trazidas à
força dos países da África. Nessa época, esse tipo de comércio era feito
de forma clandestina.
“Aquela região, mais do que o cais,
era um complexo de escravos, que incluía o lazareto, para onde os negros
que chegavam doentes iam se curar ou morrer, o Cemitério dos Pretos
Novos e os armazéns de engorda e venda dos escravos, que se concentravam
na Rua do Valongo, atual Rua Camerino”, diz Tânia Andrade Lima, arqueóloga do Museu Nacional que supervisionou as obras no Porto Maravilha.
Em 1831, por pressão da Inglaterra, o
tráfico transatlântico de escravos foi proibido. Com isso, o Cais do
Valongo foi fechado. Os traficantes passaram, então, a fazer o
desembarque em outros portos menos fiscalizados.
Mais de uma década depois, em 1843, foi
feito um aterro de 60 centímetros de espessura sobre o cais do Valongo
para a construção de um novo ancoradouro. O motivo foi a chegada da
Princesa Teresa Cristina, futura esposa de D. Pedro II. O cais foi
rebatizado. Passou a se chamar Cais da Imperatriz.
No ano 1911, durante a reforma urbana realizada pelo prefeito Pereira Passos, o Cais da Imperatriz também foi aterrado.
Em 2011, durante as escavações
realizadas como parte das obras de revitalização da zona portuária da
cidade do Rio de Janeiro, foram descobertos os dois ancoradouros: o do
Valongo e o da Imperatriz. No mesmo lugar estava uma grande quantidade
de amuletos e objetos de culto originários do Congo, de Angola e
Moçambique.
“O Cais do Valongo é um lugar
simbólico, porque ali está o passado da população afrodescendente do
país. Ele não foi encontrado por acaso. Desde 2010, sabíamos da
existência de um sítio arqueológico naquele lugar”, conta Tânia Andrade.
Agora, o Cais do Valongo está lá,
visível para nos lembrarmos de um período extremamente negativo da
história do nosso país e do mundo. Que sirva de exemplo para que não
cheguemos nem perto de repetir certos erros. Coisa que muita gente,
infelizmente, ainda não aprendeu.
Unesco declara Cais do
Valongo Patrimônio da Humanidade
8
Do UOL, em São Paulo*
09/07/201714h41 > Atualizada 10/07/201714h34
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Bruno Bartholini/Pública
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