terça-feira, 11 de julho de 2017

O Globo – Unesco exige ‘pequena reforma’ no cais



Natália Boere

Depois da festa, foi hora de arrumar a bagunça. Após ter sido flagrado pelo GLOBO tomado por lixo e exalando cheiro de urina bem no dia em que foi eleito Patrimônio Mundial Cultural pela Unesco, o Cais do Valongo passou por uma grande faxina: garis da Comlurb limparam o local e, por volta das 11h de ontem, o novo orgulho do Rio estava tinindo. Os desafios, no entanto, continuam. 



A prefeitura terá agora que dar conta de compromissos assumidos com a Unesco e dar uma outra “geral” no espaço. Está prevista a consolidação das rochas que compõem o sítio arqueológico para que elas não fiquem soltas. A grama que circunda o local também deverá ser substituída por água do mar. O projeto já foi autorizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A prefeitura disse que o projeto está em estudo, mas não informou quando iniciam as intervenções.



— A água do mar não chega à superfície porque há algumas bombas aqui embaixo para canalizá-la. Faremos a mudança para que as pessoas tenham a real dimensão de como era o Cais do Valongo. Se era um porto, o mar ia até as imediações das rochas. Queremos fazer também um guarda-corpo de vidro porque o de cabos de aço é muito vulnerável. As pessoas ainda não têm um entendimento de que, se entrarem no lugar preservado, podem colocá-lo em risco — diz Mônica da Costa, superintendente do Iphan/RJ.


Usuários de crack e moradores de rua costumam ser vistos com frequência dentro do Cais do Valongo.


— É urgente a conservação do Valongo e do entorno, é preciso que o sítio arqueológico tenha vigilância. Como um Patrimônio Mundial vai ficar coberto de lixo, se deteriorando? Se ele não for cuidado como merece, o título pode ser retirado pela Unesco. Eles fazem acompanhamento periódico dos Patrimônios Mundiais — alerta a arqueóloga Tania Andrade Lima, coordenadora da equipe que, entre janeiro de 2011 e junho de 2012, desenterrou a história do Cais do Valongo durante as obras de revitalização da região do Porto.



Entre os achados das escavações, foram encontrados 500 mil objetos, como miçangas, búzios e brincos, que foram levados para o Galpão da Gamboa, na Zona Portuária. O material está armazenado sob a tutela da Secretaria municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação. Há duas semanas, reportagem do GLOBO mostrou que os guardas municipais que tomavam conta do local foram expulsos por traficantes do Morro da Providência, vizinho ao galpão.


—Temos um projeto, em parceria com a prefeitura, para fazer ali um laboratório aberto de arqueologia urbana para estudar os achados de toda a região portuária. Já demos o primeiro passo, o inventário está todo concluído. Isso permite expô-los futuramente no Memorial do Valongo ou no Museu da Escravidão e da Liberdade — conta Mônica da Costa.


A construção do Memorial do Valongo é outro compromisso assumido com a Unesco. Segundo Mônica, ele pode, ou não, estar localizado dentro do Museu da Escravidão e da Liberdade, uma promessa da secretária municipal de Cultura, Nilcemar Nogueira. A vontade da secretária é erguê-lo no Armazém Docas Dom Pedro II. No entanto, a desocupação do espaço de 6,5 mil metros quadrados, erguido num terreno pertencente à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e, desde 2000, sede da ONG Ação da Cidadania (criada em 1993 por Herbert de Souza, o Betinho), está em litígio.


— Quando a SPU solicitou a reintegração do galpão, a pedido da prefeitura do Rio, entramos com uma ação na Justiça. Em meados de agosto, teremos uma audiência com a SPU para tentarmos resolver a situação. Estamos dispostos a tocar o projeto do museu junto com a Secretaria de Cultura e ceder uma área do galpão de mais de dois mil metros quadrados. Investimos R$ 15 milhões ali — afirma Kiko Afonso, diretor executivo da ONG.


A secretária municipal de Cultura, Nilcemar Nogueira, afirma, por sua vez, que “chegou a hora de interesses particulares não prevalecerem em detrimento de causas tão urgentes”. Ela diz esperar que a decisão do governo federal seja tomada logo:

—Espero que saia logo, pois temos apoios internacionais importantes e parceiros privados no Brasil que não podemos perder.


Secretário de Articulação e Desenvolvimento Institucional do Ministério da Cultura, Adão Cândido diz que, “junto à SPU e à Casa Civil”, está “tentando encontrar outro local que atenda às exigências da ONG, para que ela possa continuar desenvolvendo suas atividades.

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