sexta-feira, 30 de abril de 2021

“Dados bateram certinho”, disse Salles, mas investigação sobre madeira apreendida na Amazônia revela irregularidades inquestionáveis

 


“Dados bateram certinho”, disse Salles, mas investigação sobre madeira apreendida na Amazônia revela irregularidades inquestionáveis

"Dados bateram certinho", disse Salles, mas investigação sobre madeira apreendida na Amazônia revela irregularidades inquestionáveis

No final de dezembro do ano passado, a Polícia Federal confiscou mais de 60 mil toras de madeira nativa extraída da Amazônia, operação que foi considerada a maior da história do país. O volume apreendido passou de 200 mil m3. A madeira foi localizada na divisa entre os estados do Pará e do Amazonas e foi avaliada em R$ 130 milhões. Provavelmente teria como destino a exportação.

A descoberta da carga se deu depois que uma balsa com documentação irregular foi encontrada em novembro, navegando no rio Mamuru, na área do município amazonense de Parintins. A partir daí, a Polícia Federal (PF) começou a investigar o movimento de madeireiros com a ajuda de imagens de satélite.

Desde então, a ação que era para ser considerada um triunfo do governo contra o crime ambiental no país se tornou uma disputa pessoal entre o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e a Polícia Federal.

Salles criticou a operação na Amazônia. Foi até o Pará, duas vezes, uma delas pagando a viagem para jornalistas, para fazer uma “verificação” da madeira apreendida. O ministro afirmou que houve falhas na ação e que as empresas proprietárias das toras teriam razão para contestar a investigação. Ele teria comprovado a origem de duas toras… Sim, duas!

Indignado com a declaração, o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, responsável pela apreensão, disse que era a primeira vez que via um ministro da pasta se posicionar contra a proteção da Floresta Amazônica e garantiu que as toras eram ilegais.

No último dia 14 de abril, Saraiva enviou então uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de demonstrar a interferência indevida de Salles, assim como do senador Telmário Mota (Roraima) e do presidente do Ibama, Eduardo Bin. O documento menciona “o intento de causar obstáculos à investigação de crimes ambientais e de buscar patrocínio de interesses privados e ilegítimos perante a Administração Pública”. São citados na notícia-crime os “crimes de advocacia administrativa, obstrução às operações e organização criminosa”.

Saraiva ressaltou que apesar das toras estarem etiquetadas, os empresários não conseguiram provar ainda a posse das terras de onde a madeira foi retirada. A suspeita é de grilagem nas terras públicas da região. O delegado também destacou que uma das madeireiras envolvidas no caso já recebeu 20 autos de infração ambiental do Ibama, cujos valores de multas resultam em aproximadamente R$ 8.732.082,00.

Mesmo com todas essas provas em mãos, no dia seguinte à apresentação da notícia-crime ao STF, o delegado da PF foi exonerado do cargo de superintendente no Amazonas.

Agora, uma reportagem da revista Veja dos jornalistas Juliana Castro e Eduardo Gonçalves, que tiveram acesso ao inquérito da Polícia Federal que investiga a apreensão histórica da madeira, revela ainda mais evidências de como não há dúvida de que as toras apreendidas são fruto de ação criminosa.

Pra começar, 70% da madeira apreendida ainda não foi “reinvidicada” por ninguém. Ou seja, até este momento, apenas 30% das toras parecem ter um “dono”. Por que uma carga tão valiosa estaria sendo menosprezada pelos seus proprietários? Certamente porque é ilegal.

Segundo, as espécies de madeiras apreendidas não correspondem àquelas descritas na documentação florestal. Além disso, o registro era de que a madeira era originária de uma área de plano de manejo, mas na verdade, foi retirada de uma unidade de conservação. Por último, o itinerário feito pelas balsas não corresponde com o trajeto realizado.

Salles continua defendendo os madeireiros e insistindo na alegação de que Alexandre Saraiva só quer a atenção da mídia. Muita gente em Brasília discorda dele.

Um grupo de deputados já entrou com um pedido de CPI na Câmara para investigar suas ações no Ministério do Meio Ambiente, como neste caso da apreensão das madeiras, e a ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, determinou que a Procuradoria-Geral da República se manifeste sobre as notícias-crime apresentadas contra Salles. Para ela, “os fatos narrados são de gravidade incontestável e envolvem tema de significação maior para a vida saudável do planeta, como é a questão ambiental”.

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Foto: reprodução Twitter Ricardo Salles

Marfim artificial é mais bonito que marfim natural

 

Marfim artificial é mais bonito que marfim natural

Redação do Site Inovação Tecnológica - 15/04/2021

Marfim artificial é feito em impressora 3D
Peças de marfim natural (esquerda) e marfim artificial (direita).
[Imagem: TU Wien]

Engenharia da arte

A Arquidiocese de Viena, na Áustria, deparou-se com um problema difícil de resolver: Como restaurar obras de arte de marfim, uma vez que, para proteger os elefantes, o comércio de marfim está proibido desde 1989.

Os religiosos foram então buscar ajuda dos seus vizinhos, os engenheiros da Universidade Tecnológica de Viena.

"O projeto de pesquisa começou com uma valiosa urna funerária do século 17, na igreja paroquial de Mauerbach. Ela é decorada com pequenos enfeites de marfim, alguns dos quais se perderam com o tempo. A questão era se eles poderiam ser substituídos pela tecnologia de impressão 3D," conta o professor Jurgen Stampfl, que aceitou o desafio.

Não só puderam, como a equipe criou uma técnica que replica o marfim de forma quase perfeita - incluindo sua característica translucência -, criando peças virtualmente indistinguíveis a olho nu.

O resultado foi tão bom que pode não apenas atender às necessidades de restauração, como também criar um novo mercado para a área de artes plásticas e artesanato - a equipe já está se preparando para comercializar seu material, que eles batizaram de Digory (em inglês, marfim é ivory).

Marfim artificial

A equipe começou o projeto trabalhando com cerâmicas usadas em odontologia, mas as exigências do marfim vão além das melhores tecnologias em material dental disponíveis.

"Tivemos que atender a uma série de requisitos ao mesmo tempo,", disse Thaddãa Rath, pesquisador responsável pelo projeto. "O material não precisa apenas parecer marfim, a resistência e a rigidez também devem ser adequadas e o material deve ser usinável."

Ele encontrou a solução misturando uma resina sintética, partículas de fosfato de cálcio com um diâmetro médio de cerca de 7 micrômetros e pó de óxido de silício extremamente fino.

"Você também deve ter em mente que o marfim é translúcido," explica Rath. "Somente se você usar a quantidade certa de fosfato de cálcio o material terá as mesmas propriedades translúcidas do marfim."

Processado a quente, o material fica em estado líquido, pronto para passar por uma impressora 3D. Na saída dos bicos da impressora, o material é curado com um laser UV camada por camada, até que o objeto seja finalizado, já no formato desejado.

Marfim artificial é feito em impressora 3D
Peças de marfim artificial, com diferentes ajustes de cor para imitar os originais.
[Imagem: TU Wien]

Acabamento e restauração

Para se equiparar aos objetos de arte, o objeto impresso em 3D pode então ser polido e ter sua cor ajustada para criar um substituto de uma peça específica de marfim aparentemente autêntica.

Para o acabamento e retoque da cor do objeto, Rath conseguiu os melhores resultados usando o chá preto. As linhas escuras características que normalmente atravessam o marfim também podem ser aplicadas posteriormente com alta precisão.

O desenvolvimento do material é uma ótima notícia para o campo da restauração. Além de ser barato e mais fácil de ser usinado do que o marfim natural, a tecnologia 3D possibilita a reprodução dos melhores detalhes automaticamente: Em vez de esculpi-los meticulosamente em processos que duram semanas e até meses, os objetos agora podem ser impressos em questão de horas.

Bibliografia:

Artigo: Developing an ivory-like material for stereolithography-based additive manufacturing
Autores: Thaddãa Rath, Otmar Martl, Bernhard Steyrer, Konstanze Seidler, Richard Addison, Elena Holzhausen, Jurgen Stampfl
Revista: Applied Materials Today
Vol.: 23, 101016
DOI: 10.1016/j.apmt.2021.101016

Tecnologia universal trata esgotos e efluentes de qualquer indústria

 

Tecnologia universal trata esgotos e efluentes de qualquer indústria

Redação do Site Inovação Tecnológica - 30/04/2021

Tecnologia universal trata esgotos e efluentes de qualquer indústria
Água gerada pela primeira etapa do tratamento de salmoura da indústria de fertilizantes (direita).
[Imagem: UrFU/Eduard Nikulnikov]

Tratamento universal de efluentes

Cientistas da Rússia afirmam ter desenvolvido uma tecnologia de tratamento de esgotos e efluentes que não tem paralelo no mundo.

Segundo a equipe, a tecnologia é universal, o que significa que ela é adequada para quase todas as empresas industriais, independentemente do processo e dos rejeitos gerados.

O processo limpa as águas residuais industriais não apenas removendo os componentes insolúveis da solução, mas também dessalinizando a água.

O tratamento de efluentes por essa tecnologia ocorre em duas etapas. A primeira é a limpeza preliminar da água, retirando partículas em suspensão. Esta etapa já foi testada no setor petrolífero e usa membranas cerâmicas.

Em seguida, vem a eletrodiálise. Com a ajuda de membranas aniônicas e catiônicas, todos os componentes salinos são separados em duas zonas, o que resulta em uma solução muito salgada (10 vezes mais salgada que a água do mar) e água purificada.

"Fomos mais longe e usamos um tipo adicional de membrana bipolar," disse o professor Alexander Cherepanov, da Universidade Federal Ural. "Essa é uma construção dos dois primeiros tipos de membranas. Ela decompõe a água do lodo em grupos hidrogênio e hidroxila, que se ligam aos componentes do sal separados. Com isso, obtemos ácido clorídrico e álcali. Assim, de uma solução inicial, obtemos duas - ácida e alcalina."

Tecnologia universal trata esgotos e efluentes de qualquer indústria
A equipe está desenvolvendo unidades modulares para converter salmoura em ácidos e álcalis.
[Imagem: UrFU/Karina Golovanova]

Da mineração à alimentação

Soluções ácidas e alcalinas são reagentes químicos usados na indústria, conforme demonstraram os testes feitos pela equipe em uma empresa de mineração de fertilizantes.

"Ou seja, nós não apenas não descartamos os resíduos da produção de potássio, mas os processamos em um produto comercializável, usando matéria-prima de custo zero," acrescentou Cherepanov. "Isso significa que a indústria do potássio não precisa comprar reagentes químicos. Eles vão retirá-los do lixo da pós-produção."

Mas os produtos liberados pós-tratamento podem ter uso mais amplo, servindo como base para a produção de produtos químicos domésticos, materiais para a fabricação de vidros, detergentes e até alimentos, além de servirem para a mineração e o setor de petróleo.

Nesse último caso, soluções ácidas e alcalinas com conteúdo de sal residual são ideais para remover contaminantes dentro de poços de petróleo e aumentar a recuperação dos reservatórios.

Com base na operação de sua planta-piloto, a equipe afirma que cada unidade de tratamento pode ter uma vida útil de dez anos.

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Força Nacional vai apoiar o Ibama em ações na Amazônia Legal

 

Força Nacional vai apoiar o Ibama em ações na Amazônia Legal

A portaria com a autorização está publicada no Diário Oficial da União

 

Publicado em 29/04/2021 - 06:49 Por Agência Brasil - Brasília

Diário Oficial da União publica, nesta quinta-feira (29), Portaria nº 197, de 27 de abril de 2021, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que dispõe sobre o emprego da Força Nacional de Segurança Pública, em apoio ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Ministério do Meio Ambiente, na Amazônia Legal. 

De acordo com o documento, a Força Nacional  atuará em ações de fiscalização e de repressão ao desmatamento ilegal e demais crimes ambientais, e de combate aos incêndios florestais e queimadas, em atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da proteção das pessoas e do patrimônio.

O apoio dos militares será em caráter episódico e planejado, por 260 dias, a contar de hoje, data da publicação da portaria.  A operação terá o apoio logístico do Ibama, que deverá dispor da infraestrutura necessária à Força Nacional.

Para o ministro da Justiça, Anderson Torres, ações com planejamento são cruciais para garantir a preservação da biodiversidade nacional. “Esse reforço é um grande diferencial nas ações em campo. O trabalho integrado garante mais assertividade no enfrentamento a qualquer tipo de atividade ilegal que atinja o meio ambiente”, disse.

*Texto alterado, às 8h18, para acréscimo de informação.

Edição: Aécio Amado

 

Bolsonaro diz que vai eliminar desmatamento ilegal até 2030, mas condiciona ações a recursos do exterior

 

CÚPULA DO CLIMA

Bolsonaro diz que vai eliminar desmatamento ilegal até 2030, mas condiciona ações a recursos do exterior

Presidente brasileiro muda discurso na Cúpula do Clima, exalta avanço de outros Governos e reafirma compromisso do país de preservar meio ambiente, reduzindo pela metade as emissões até esse mesmo ano


|GIL ALESSI

São Paulo - 22 ABR 2021 - 17:11 CEST


Em uma Cúpula do Clima marcada por compromissos ambiciosos dos Estados Unidos e por palavras como “união”, “multilateralismo” e “descarbonização”, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, usou nesta quinta-feira seus três minutos de discurso para exaltar o avanço de Governos anteriores na questão ambiental e pedir dinheiro para a comunidade internacional com o objetivo de proteger a Amazônia. A reunião, convocada pelo presidente norte-americano, Joe Biden, reúne de forma virtual os líderes de 40 países. Em sua fala, Bolsonaro também afirmou que o Brasil se compromete a reduzir suas emissões de gás carbônico em 43% até 2030. Também reafirmou seu compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até o mesmo ano, o que poderia, inclusive, reduzir as emissões em até 50%. Já a neutralidade climática deve ser alcançada até 2050, uma antecipação de 10 anos com relação ao compromisso anterior. “O Brasil está na vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global”, afirmou.

Porém, os 28 meses de mandato do mandatário brasileiro são marcados por retrocessos na área ambiental e pelo desmonte de organismos de controle. Ao longo desse período, seu Governo boicotou ações de fiscalização do Ibama na Amazônia, reduziu seu Orçamento, estimulou o garimpo ilegal e desmoralizou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que faz o monitoramento de queimadas. O desmatamento da Amazônia bateu recordes e registrou importantes aumentos em 2019 e 2020 —em 2021, o mês de março foi o pior dos últimos 10 anos. Paralelamente, seu Governo bloqueou verbas destinadas a políticas para reduzir as emissões de gás carbônico.

Em contradição com esse pano de fundo, o presidente brasileiro destacou em sua fala que o Brasil conserva “84% de nosso bioma amazônico e 12% da água doce da Terra”, evitando nos últimos 15 anos a emissão de mais de 7,8 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera. Disse que proteger a Amazônia é uma tarefa complexa, mas que “medidas de comando e controle são parte da resposta”. “Apesar das limitações orçamentárias do Governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados a ações de fiscalização”, afirmou ele, em contraposição ao que, de fato, fez em seu Governo. Ele não explicou como vai fazer essa ampliação.

Bolsonaro também recordou que mais de 23 milhões de brasileiros vivem na Amazônia, “região mais rica do país em recursos naturais, mas que apresenta os piores índices de desenvolvimento humano”. Resolver esse paradoxo, segundo ele, é essencial para alcançar o desenvolvimento sustentável. E isso deve ser feito a partir da bioeconomia, valorizando a floresta e a biodiversidade, além de contemplar os interesses da população, incluindo indígenas e comunidades tradicionais. Em seguida, pediu ajuda financeira para a comunidade internacional: “Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros, é fundamental podermos contar com a contribuição de países, empresas, entidades e pessoas dispostos a atuar de maneira imediata, real e construtiva na solução desses problemas”, discursou. “Neste ano, a comunidade internacional terá oportunidade singular de demonstrar seu comprometimento com a construção de nosso futuro comum.” O presidente brasileiro também argumentou que “é preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta, como forma de reconhecer o caráter econômico das atividades de conservação.”

Sobre os desafios climáticos, Bolsonaro destacou que o Brasil possui metas de reduzir as de emissões em 37% para 2025 e em 43% até 2030. “Nesse sentido, determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em 10 anos a sinalização anterior”, discursou. Em contraste com os cortes orçamentários feitos em sua gestão, afirmou que o país está “na linha de frente” do combate ao aquecimento global. Porém, enfatizou que “o Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa” e que, atualmente, responde “por menos de 3% das emissões globais anuais”.

Inclusão da Força Nacional no combate ao desmatamento

Pouco após o discurso de Bolsonaro na Cúpula, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que a duplicação dos recursos para fiscalização na Amazônia anunciada pelo presidente terá como principal objetivo a inclusão da Força Nacional nas atividades de combate ao desmatamento. “Para escalar o volume de equipes e batalhões ambientais que queremos com a Força Nacional são necessários recursos, para arcar com diárias, logísticas, custos de deslocamento”, afirmou Salles. De acordo com o ministro, a Força Nacional se somará à Polícia Federal, Ibama, ICMBio, Forças Armadas e policias estaduais nas ações de fiscalização.

Salles disse ainda que com recursos estrangeiros será possível “acelerar” o processo de combate ao desmatamento. Segundo ele afirmou em entrevista na quarta-feira, com o aporte de 1 bilhão de dólares solicitado aos Estados Unidos seria possível ampliar em dez vezes o efetivo da Força Nacional dedicado às ações na Amazônia.

Salles também voltou a falar na importância de investimentos para cuidar “dos brasileiros” da Amazônia. “O cuidado com os 23 milhões de brasileiros há décadas deixados para trás, via desenvolvimento econômico sustentável daquela região, exige recursos para cuidar da parte econômica e social da Amazônia”, afirmou. Ele não especificou a quem se referia —indígenas, produtores rurais ou madeireiros.

 

Carlos Nobre: “Brasil precisa diminuir desmatamento da Amazônia ainda neste ano para não receber sanções”

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CÚPULA DO CLIMA

Carlos Nobre: “Brasil precisa diminuir desmatamento da Amazônia ainda neste ano para não receber sanções”

Cientista defende que o grande potencial econômico da floresta é mantê-la em pé, mas que é preciso um forte combate ao crime organizado para zerar a degradação o quanto antes


FELIPE BETIM

São Paulo - 24 ABR 2021 - 02:27 CEST

O climatologista Carlos Nobre é uma das principais vozes da ciência que alertam para os riscos de savanização da Amazônia caso o desmatamento não seja freado e zerado até, no máximo, 2030. Em entrevista ao EL PAÍS por telefone às vésperas da Cúpula do Clima, o cientista afirmou que ou o Governo Jair Bolsonaro muda sua conduta ou corre o risco de sofrer sanções econômicas. “Se o Brasil quiser deixar de ser o pária ambiental do planeta, não dá para ficar em cima do muro nem deixar para mudar de postura depois, para a COP-26”, explica o cientista, referindo-se à conferência do clima da ONU que será realizada em novembro deste ano, em Glascow (Escócia). “Eu acho que vai ter muita sanção econômica. Podem enterrar de vez o acordo entre Mercosul e União Europeia, por exemplo. Por isso, é muito importante que o desmatamento caia ainda neste ano. Já se sabe que não vai cair muito, mas não pode crescer”, alerta ele.

Atualmente, pouco mais de 80% da cobertura original da Amazônia está preservada. O número parece alto, mas estudos científicos indicam que a floresta está “na beira do precipício da savanização”: a estação seca está três ou quatro semanas mais longa no sul da região e a floresta absorve menos carbono e recicla menos água, explica Nobre. “Há colegas meus que dizem que savanização ja começou. Eu ainda acho que dá para evitar o pior se a gente zerar rapidamente o desmatamento e restaurar grandes áreas, gerando chuvas e diminuindo temperaturas. Mas isso tem que acontecer a jato”. Para salvar a Amazônia, o mundo também precisa ter sucesso na aplicação do Acordo de Paris e não deixar que a temperatura do planeta suba mais que 1,5 grau celsius. Caso contrário, todo esforço de preservação será em vão, explica Nobre. Os desafios são enormes.

Durante seu discurso de três minutos na Cúpula do Clima nesta quinta-feira, Bolsonaro garantiu que o Brasil tem a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030. De acordo com Nobre, mais de 90% de todo o desflorestamento da Amazônia é ilegal e não tem a ver com produção agrícola, mas sim com o mercado de terra. Para mudar esse quadro, é preciso combater o crime organizado, o que praticamente zeraria toda a degradação da floresta, explica. Em sua fala, Bolsonaro reconheceu que medidas de comando e controle são parte da reposta. “Apesar das limitações orçamentárias do Governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados a ações de fiscalização”, assegurou o presidente. As metas apresentadas pelos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, foram elogiadas pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em seu discurso de encerramento nesta sexta.

Porém, um dia depois do pronunciamento de Bolsonaro, aconteceu exatamente o inverso do que ele prometeu diante de 40 líderes internacionais: entre os vetos no Orçamento de 2021, o Governo federal cortou nesta sexta-feira 19,4 milhões de reais do Ibama, sendo que 11,6 milhões seriam destinados para atividades de controle e fiscalização ambiental e seis milhões para a prevenção e controle de incêndios florestais. Bolsonaro também retirou sete milhões do ICMBio, outro braço da fiscalização ambiental, que seriam destinados à criação, gestão e implementação de unidades de conservação. Também cortou 4,5 milhões do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. No total, os cortes do Ministério do Meio Ambiente somam 240 milhões de reais para o ano de 2021.

“Tem que haver um esforço de guerra para acabar ou diminuir o crime na Amazônia. Não pode ser só um discurso de tolerância zero, porque na prática o crime continua acontecendo”, enfatiza Nobre. Os anos de 2019 e 2020 registraram um importante aumento no desmatamento. Em 2021, o mês de março foi o pior dos últimos 10 anos. “O general Mourão [vice-presidente e responsável pelo Conselho da Amazônia] afirmou que o Exército iria sair da Amazônia no dia 30 de abril e que o Ibama iria contratar 700 fiscais temporários. Até agora não contratou nenhum. Muitos fiscais foram aposentados por idade ou estão fora de campo com a pandemia”, alerta o cientista, que teme novo aumento do desmatamento a partir de maio, quando começa o período mais seco na região amazônica.

Nobre explica que o desmatamento das florestas tropicais representa 15% das emissões de gás carbônico no planeta, enquanto que a maior parte, 70%, vem dos combustíveis fósseis. Porém, o objetivo global de zerar as emissões até 2050 passa, necessariamente, por zerar o desmatamento ao mesmo tempo que se investe “em um mega projeto de restauração florestal em todos os trópicos para retirar gás carbônico da atmosfera”. Além disso, proteger as florestas significa, também, proteger a biodiversidade. “Existe um simbolismo imenso na proteção da Amazônia”, explica o cientista. Para ele, Biden percebeu essa preocupação dos consumidores de todo o mundo com a proteção da Amazônia. “E o Brasil tem a maior parte da floresta, o maior desmatamento, a maior incidência do crime organizado, de grilagem de terra, de roubo de madeira... Em função dos dois últimos anos de discurso do Governo federal contrário à proteção das florestas tropicais, o país se tornou o centro das atenções.”

Novo modelo econômico para a Amazônia

Nobre defende que a restauração da Amazônia não deve acontecer para compensar novas áreas desmatadas. Zerar o desmatamento e promover a restauração de áreas devem andar juntos. “Há áreas degradadas e baixa produtividade sem valor econômico. Há estudos indicando que poderíamos aumentar 35% da produção agropecuária reduzindo em 25% as áreas de pastagens. Só nessa brincadeira poderíamos liberar 150.000 quilômetros quadrados de áreas ruins que poderiam ser restauradas”, explica. Ele defende que parte dessa restauração seja feita para construir sistemas agroflorestais, “que são florestas com uma densidade maior de espécies com valor econômico”. Como exemplo cita a cooperativa de Tomé-Açu, no Pará, que gera “140 produtos diferentes a partir de 70 espécies, sendo a mais conhecida o açaí”.

Assim, ele reforça que “o grande potencial econômico da Amazônia” é mantê-la em pé. Também rebate a ideia, muito propagada pelo Governo, de que os mais 20 milhões de habitantes da região recorrem ao desmatamento para poderem sobreviver. “Os empregados do garimpo e da extração de madeira estão em semiescravidão e não ganham nem um salário mínimo por mês. São paupérrimos, estão na classe E. Não podemos dizer que isso é um modelo econômico”, argumenta. Além disso, argumenta que o minério e a madeira extraídos ilegalmente são contrabandeados. Não pagam impostos e nem geram riqueza ao país. “E veja o açaí, movimenta um bilhão de dólares [cerca de 5,5 bilhões de reais] na região e muitos produtores estão na classe C”.

O custo maior da mudança de modelo econômico seria na restauração florestal, garante Nobre. Com pouco investimento, afirma, é possível dobrar ou triplicar a produtividade da pecuária. Ele acredita que no setor privado o momento é positivo, com as grandes companhias de carne investindo em rastreabilidade para não comprar de áreas desmatadas. Sabem que o risco é perder mercados internacionais e investimentos. “O que precisamos, agora, é de uma grande mudança de postura nas políticas públicas, de efetividade no combate ao crime e na valorização da bioeconomia”, destaca.