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Carlos Nobre: “Brasil precisa diminuir desmatamento da
Amazônia ainda neste ano para não receber sanções”
Cientista defende que o grande potencial econômico da
floresta é mantê-la em pé, mas que é preciso um forte combate ao crime
organizado para zerar a degradação o quanto antes
São Paulo - 24 ABR 2021 -
02:27 CEST
O climatologista Carlos Nobre é uma das principais vozes da
ciência que alertam para os riscos de savanização da Amazônia caso
o desmatamento não seja freado e zerado até, no máximo, 2030. Em entrevista ao
EL PAÍS por telefone às vésperas da Cúpula
do Clima, o cientista afirmou que ou o Governo Jair Bolsonaro muda sua conduta ou corre o risco de
sofrer sanções econômicas. “Se o Brasil quiser deixar de ser o pária ambiental do planeta, não dá
para ficar em cima do muro nem deixar para mudar de postura depois, para a
COP-26”, explica o cientista, referindo-se à conferência do clima da ONU que
será realizada em novembro deste ano, em Glascow (Escócia). “Eu acho que vai
ter muita sanção econômica. Podem enterrar de vez o acordo entre Mercosul e União Europeia,
por exemplo. Por isso, é muito importante que o desmatamento caia ainda neste
ano. Já se sabe que não vai cair muito, mas não pode crescer”, alerta ele.
Atualmente, pouco mais de 80% da cobertura original da Amazônia está preservada. O número parece alto, mas estudos científicos indicam que a floresta está “na beira do precipício da savanização”: a estação seca está três ou quatro semanas mais longa no sul da região e a floresta absorve menos carbono e recicla menos água, explica Nobre. “Há colegas meus que dizem que savanização ja começou. Eu ainda acho que dá para evitar o pior se a gente zerar rapidamente o desmatamento e restaurar grandes áreas, gerando chuvas e diminuindo temperaturas. Mas isso tem que acontecer a jato”. Para salvar a Amazônia, o mundo também precisa ter sucesso na aplicação do Acordo de Paris e não deixar que a temperatura do planeta suba mais que 1,5 grau celsius. Caso contrário, todo esforço de preservação será em vão, explica Nobre. Os desafios são enormes.
Durante seu discurso de três minutos na Cúpula do Clima nesta
quinta-feira, Bolsonaro garantiu que o Brasil tem a meta de zerar o
desmatamento ilegal até 2030. De acordo com Nobre, mais de 90% de todo o
desflorestamento da Amazônia é ilegal e não tem a ver com produção agrícola,
mas sim com o mercado de terra. Para mudar esse quadro, é preciso combater o
crime organizado, o que praticamente zeraria toda a degradação da floresta,
explica. Em sua fala, Bolsonaro reconheceu que medidas de comando e controle
são parte da reposta. “Apesar das limitações orçamentárias do Governo,
determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos
destinados a ações de fiscalização”, assegurou o presidente. As metas
apresentadas pelos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, foram
elogiadas pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em seu discurso de
encerramento nesta sexta.
Porém, um dia depois do pronunciamento de Bolsonaro,
aconteceu exatamente o inverso do que ele prometeu diante de 40 líderes
internacionais: entre os vetos no Orçamento de 2021, o Governo federal
cortou nesta sexta-feira 19,4 milhões de reais do Ibama, sendo que
11,6 milhões seriam destinados para atividades de controle e fiscalização
ambiental e seis milhões para a prevenção e controle de incêndios florestais.
Bolsonaro também retirou sete milhões do ICMBio, outro braço da fiscalização
ambiental, que seriam destinados à criação, gestão e implementação de unidades
de conservação. Também cortou 4,5 milhões do Fundo Nacional sobre Mudança do
Clima. No total, os cortes do Ministério do Meio Ambiente somam 240 milhões de
reais para o ano de 2021.
“Tem que haver um esforço de guerra para acabar ou diminuir
o crime na Amazônia. Não pode ser só um discurso de tolerância zero, porque na
prática o crime continua acontecendo”, enfatiza Nobre. Os anos de 2019 e 2020
registraram um importante aumento no desmatamento. Em 2021, o mês de
março foi o pior dos últimos 10 anos. “O general Mourão [vice-presidente e
responsável pelo Conselho da Amazônia] afirmou que o Exército iria sair da
Amazônia no dia 30 de abril e que o Ibama iria contratar 700 fiscais
temporários. Até agora não contratou nenhum. Muitos fiscais foram aposentados
por idade ou estão fora de campo com a pandemia”, alerta o cientista, que teme
novo aumento do desmatamento a partir de maio, quando começa o período mais
seco na região amazônica.
Nobre explica que o desmatamento das florestas tropicais
representa 15% das emissões de gás carbônico no planeta, enquanto que a maior
parte, 70%, vem dos combustíveis fósseis. Porém, o objetivo global de zerar as
emissões até 2050 passa, necessariamente, por zerar o desmatamento ao mesmo
tempo que se investe “em um mega projeto de restauração florestal em todos os
trópicos para retirar gás carbônico da atmosfera”. Além disso, proteger as
florestas significa, também, proteger a biodiversidade. “Existe um simbolismo
imenso na proteção da Amazônia”, explica o cientista. Para ele, Biden
percebeu essa preocupação dos consumidores de todo o mundo com a
proteção da Amazônia. “E o Brasil tem a maior parte da floresta, o maior
desmatamento, a maior incidência do crime organizado, de grilagem de terra, de
roubo de madeira... Em função dos dois últimos anos de discurso do Governo federal contrário
à proteção das florestas tropicais, o país se tornou o centro das atenções.”
Novo modelo econômico para a Amazônia
Nobre defende que a restauração da Amazônia não deve
acontecer para compensar novas áreas desmatadas. Zerar o desmatamento e
promover a restauração de áreas devem andar juntos. “Há áreas degradadas e
baixa produtividade sem valor econômico. Há estudos indicando que poderíamos
aumentar 35% da produção agropecuária reduzindo em 25% as áreas de pastagens.
Só nessa brincadeira poderíamos liberar 150.000 quilômetros quadrados de áreas
ruins que poderiam ser restauradas”, explica. Ele defende que parte dessa
restauração seja feita para construir sistemas agroflorestais, “que são
florestas com uma densidade maior de espécies com valor econômico”. Como
exemplo cita a cooperativa de Tomé-Açu, no Pará, que gera “140 produtos
diferentes a partir de 70 espécies, sendo a mais conhecida o açaí”.
Assim, ele reforça que “o grande potencial econômico da
Amazônia” é mantê-la em pé. Também rebate a ideia, muito propagada pelo
Governo, de que os mais 20 milhões de habitantes da região recorrem ao
desmatamento para poderem sobreviver. “Os empregados do garimpo e da extração
de madeira estão em semiescravidão e não ganham nem um salário
mínimo por mês. São paupérrimos, estão na classe E. Não podemos dizer que isso
é um modelo econômico”, argumenta. Além disso, argumenta que o minério e a
madeira extraídos ilegalmente são contrabandeados. Não pagam impostos e nem
geram riqueza ao país. “E veja o açaí, movimenta um bilhão de dólares [cerca de
5,5 bilhões de reais] na região e muitos produtores estão na classe C”.
O custo maior da mudança de modelo econômico seria na
restauração florestal, garante Nobre. Com pouco investimento, afirma, é
possível dobrar ou triplicar a produtividade da pecuária. Ele acredita que no setor privado o momento é positivo, com as grandes
companhias de carne investindo em rastreabilidade para não comprar de áreas
desmatadas. Sabem que o risco é perder mercados internacionais e investimentos.
“O que precisamos, agora, é de uma grande mudança de postura nas políticas
públicas, de efetividade no combate ao crime e na valorização da bioeconomia”,
destaca.
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