Crise climática já prejudica ecossistemas no planeta todo
Novo relatório científico reforça a necessidade de
substituição dos combustíveis fósseis e de uma transição energética com justiça
social
20 de março de 2023
Fogo devorando o Cerrado, bioma que estoca grandes
quantidades de Carbono. Foto: Arthur de Magalhães Goulart/Creative Commons
Cientistas internacionais divulgaram nesta segunda-feira
(20) um novo relatório destacando que ambientes naturais planetários
estão na mira da crise climática. Temperaturas em alta e eventos extremos
afetam a biodiversidade, a produção de alimentos e sobretudo populações menos
protegidas. Há soluções.
A síntese da sexta bateria de avaliações climáticas do
Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) das Nações Unidas
destaca que ecossistemas naturais em terra, rios e mares estão ameaçados pela
crise que ações humanas impuseram ao clima global.
Conforme Moacyr Araújo, coordenador da Rede Clima e vice-reitor
da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), não será possível manter uma boa
saúde do clima planetário sem atentar para a conservação e recuperação de
ambientes costeiro marinhos.
“O grande pulmão do planeta é o fitoplâncton,
que captura imensas quantidades de Dióxido de Carbono (CO2) e devolve Oxigênio
(O2) para todos respirarem. Não há equilíbrio climático sem os oceanos”,
destaca o cientista. Acordos tentam limitar em 1,5ºC o aumento médio da
temperatura mundial, até 2030.
Nos territórios mundiais, a elevação mediana dos termômetros
já é de 1,1ºC em relação à era pré-industrial. Nos mares e oceanos, a média é
de 0,9ºC. Quanto mais quentes, menos capacidade esses ambientes têm de absorver
calor, mais tempestades, inundações e perdas de biodiversidade virão.
“A ampliação de temperatura acidifica os oceanos e causa
impactos como o branqueamento dos corais. Prejuízos como esses afetam toda a
cadeia alimentar em águas salgadas”, completa Araújo. Cerca de 600 milhões de
pessoas no mundo tiram seu sustento da pesca, traz a ONG Oceana.
“Espera-se que a insegurança alimentar relacionada ao clima
e a insegurança hídrica aumentem à medida que o aquecimento aumenta. Quando os
riscos são combinados com outros eventos adversos, como pandemias ou conflitos,
eles se tornam ainda mais difíceis de administrar”, descreve o IPCC.
Por isso, a situação em terra também é alarmante. Formações
naturais cuja destruição libera gigantescos estoques de Carbono seguem na mira
do desmate que, junto ao agronegócio e à geração de energia, somam mais de 90%
da contribuição nacional à crise do clima.
“Cada aumento no aquecimento se traduz em perigos que se
agravam rapidamente. Ondas de calor mais intensas, chuvas mais fortes e outros
eventos climáticos extremos exacerbam os riscos para a saúde humana e os
ecossistemas”, destaca um comunicado do IPCC.
O Observatório do Clima resumiu os principais pontos do
relatório divulgado hoje pelo IPCC. Confira
aqui.
Na contramão, neste mês a Amazônia e o Cerrado bateram novos recordes em alertas para desmatamento, mostra o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A vegetação natural eliminada joga menos umidade na atmosfera, reduzindo as chuvas importantes para o agronegócio.
Alertas de desmatamento na Amazônia chegou a 8.590 km² em 2022. Foto: Carl de Souza/AFP
Para Araújo, da Rede Clima, o país deve recuperar o tempo
perdido nos últimos anos [governo Jair Bolsonaro] e concentrar esforços para
cortar emissões desses três setores. “Já reduzimos o desmate no passado”,
lembra. Ações interministeriais encolheram as perdas na Amazônia de 2004 a 2012.
A nova estratégia federal para combater o problema em todos
os biomas reúne 19 ministérios, conta o Ministério do Meio Ambiente.
“Também é necessário ampliar incentivos à agricultura de
baixo carbono nos financiamentos de safras e investir em fontes alternativas de
energia. Mas, não dá pra destruir Caatinga para colocar painéis solares ou
ameaçar rotas de aves migratórias [com geradores eólicos]”, destaca o
especialista.
Só nas regiões Nordeste e Norte, projetos eólicos no mar
somam 133 Gigawatts – quase 10 vezes a capacidade da hidrelétrica de Itaipu, no
Paraná. Relatório da ONG Global Energy Monitor aponta a América Latina como
liderança global em energias com menos impactos socioambientais.
Mas o espaço de tais fontes ainda é sombreado por
investimentos em fontes fósseis ou degradantes de energia, como as usinas hidrelétricas.
Amazônia e Cerrado têm juntos grande potencial inexplorado por esse modelo de
geração e podem ser alvos de projetos nos próximos anos.
Conforme Ilan Zugman, diretor da América Latina da ONG
350.org, países como Brasil e Colômbia têm potencial para liderar um modelo de
geração de energia renovável centrado nas necessidades das pessoas.
“Os governos parecem estar mais atentos às demandas das
comunidades por uma transição energética justa, mas precisam mostrar ações
concretas, como proibir o fracking [técnica para extrair gás
de xisto de grandes profundidades] e os subsídios ao petróleo e ao gás”, diz em
nota da 350.org.
Ações como essas serão fundamentais para populações mais
vulneráveis aos efeitos da crise climática. Tempestades, inundações e secas
atingem especialmente comunidades pobres ou vivendo em áreas de risco, como
margens de rios, morros e litoral.
“O que foi feito até agora [pelos países] não fez as
emissões decaírem como deveriam”, ressalta Mercedes Bustamante, presidente da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e uma dos 93
revisores do relatório hoje divulgado pelo IPCC.
Este verão foi marcado pela morte de, pelo menos, 241
pessoas devido às fortes chuvas e deslizamentos de terras no
litoral norte do estado de São Paulo. Populações de baixa renda forçadas a
viver em áreas de risco costumam ser as primeiras vítimas em episódios como
esses.
Mares e oceanos aquecidos transferem mais calor à atmosfera,
ampliando a força e quantidade desses eventos climáticos extremos.
Conforme Bustamante, soluções para as crises associadas do
clima e socioambiental passam pela adoção de um desenvolvimento socioeconômico
global “resiliente ao clima”, que reconheça a crise global e adote meios para
reduzir e enfrentar seus impactos.
“Há opções viáveis de adaptação e mitigação à crise do
clima, como reforçar políticas públicas setoriais e assegurar direitos, por
exemplo das populações indígenas [cujos territórios mantêm biodiversidade e
estoques de carbono]”, destaca a professora da Universidade de Brasília (UnB).
A lista de recomendações inclui a geração de energias limpas
e descentralizadas, reduzir o uso de combustíveis fósseis em todos os setores e
investir em transportes públicos e não poluentes, proteger populações
vulneráveis e ampliar o financiamento para economias realmente limpas.
Todavia, uma pedra no sapato são as fontes para financiar
tais ações. “Os níveis de financiamento são baixos e ofuscados pelos
investimentos em fósseis. É urgente uma ação internacional [para reverter
isso]”, pontua Paulo Artaxo, coordenador do Programa Fapesp sobre Mudanças Climáticas Globais.
“Os benefícios à saúde humana decorrentes apenas da melhoria
da qualidade do ar seriam aproximadamente iguais ou até maiores do que os
custos de reduzir ou evitar emissões. Mas um desenvolvimento resistente ao
clima torna-se cada vez mais difícil a cada aumento no aquecimento global”,
destaca o IPCC.
Este ano, os países devem revisar seu cumprimento das metas
do Acordo de Paris, fechado em 2015 para conter a poluição que amplia o
efeito estufa e aquece o planeta. Desde 1988, o IPCC informa governos,
academia, população, ongs e setor privado, para que possam agir e conter a alta
da temperatura média global.
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