terça-feira, 21 de março de 2023

Crise climática já prejudica ecossistemas no planeta todo

 


Crise climática já prejudica ecossistemas no planeta todo

Novo relatório científico reforça a necessidade de substituição dos combustíveis fósseis e de uma transição energética com justiça social

ALDEM BOURSCHEIT · 

20 de março de 2023



Fogo devorando o Cerrado, bioma que estoca grandes quantidades de Carbono. Foto: Arthur de Magalhães Goulart/Creative Commons

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Cientistas internacionais divulgaram nesta segunda-feira (20)  um novo relatório destacando que ambientes naturais planetários estão na mira da crise climática. Temperaturas em alta e eventos extremos afetam a biodiversidade, a produção de alimentos e sobretudo populações menos protegidas. Há soluções.

A síntese da sexta bateria de avaliações climáticas do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) das Nações Unidas destaca que ecossistemas naturais em terra, rios e mares estão ameaçados pela crise que ações humanas impuseram ao clima global.


Conforme Moacyr Araújo, coordenador da Rede Clima e vice-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), não será possível manter uma boa saúde do clima planetário sem atentar para a conservação e recuperação de ambientes costeiro marinhos. 

“O grande pulmão do planeta é o fitoplâncton, que captura imensas quantidades de Dióxido de Carbono (CO2) e devolve Oxigênio (O2) para todos respirarem. Não há equilíbrio climático sem os oceanos”, destaca o cientista. Acordos tentam limitar em 1,5ºC o aumento médio da temperatura mundial, até 2030.

Nos territórios mundiais, a elevação mediana dos termômetros já é de 1,1ºC em relação à era pré-industrial. Nos mares e oceanos, a média é de 0,9ºC. Quanto mais quentes, menos capacidade esses ambientes têm de absorver calor, mais tempestades, inundações e perdas de biodiversidade virão.

“A ampliação de temperatura acidifica os oceanos e causa impactos como o branqueamento dos corais. Prejuízos como esses afetam toda a cadeia alimentar em águas salgadas”, completa Araújo. Cerca de 600 milhões de pessoas no mundo tiram seu sustento da pesca, traz a ONG Oceana.

“Espera-se que a insegurança alimentar relacionada ao clima e a insegurança hídrica aumentem à medida que o aquecimento aumenta. Quando os riscos são combinados com outros eventos adversos, como pandemias ou conflitos, eles se tornam ainda mais difíceis de administrar”, descreve o IPCC.

Por isso, a situação em terra também é alarmante. Formações naturais cuja destruição libera gigantescos estoques de Carbono seguem na mira do desmate que, junto ao agronegócio e à geração de energia, somam mais de 90% da contribuição nacional à crise do clima.

“Cada aumento no aquecimento se traduz em perigos que se agravam rapidamente. Ondas de calor mais intensas, chuvas mais fortes e outros eventos climáticos extremos exacerbam os riscos para a saúde humana e os ecossistemas”, destaca um comunicado do IPCC.

O Observatório do Clima resumiu os principais pontos do relatório divulgado hoje pelo IPCC. Confira aqui.

Na contramão, neste mês a Amazônia e o Cerrado bateram novos recordes em alertas para desmatamento, mostra o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A vegetação natural eliminada joga menos umidade na atmosfera, reduzindo as chuvas importantes para o agronegócio.




Alertas de desmatamento na Amazônia chegou a 8.590 km² em 2022. Foto: Carl de Souza/AFP

Para Araújo, da Rede Clima, o país deve recuperar o tempo perdido nos últimos anos [governo Jair Bolsonaro] e concentrar esforços para cortar emissões desses três setores. “Já reduzimos o desmate no passado”, lembra. Ações interministeriais encolheram as perdas na Amazônia de 2004 a 2012.

A nova estratégia federal para combater o problema em todos os biomas reúne 19 ministérios, conta o Ministério do Meio Ambiente.

“Também é necessário ampliar incentivos à agricultura de baixo carbono nos financiamentos de safras e investir em fontes alternativas de energia. Mas, não dá pra destruir Caatinga para colocar painéis solares ou ameaçar rotas de aves migratórias [com geradores eólicos]”, destaca o especialista. 

Só nas regiões Nordeste e Norte, projetos eólicos no mar somam 133 Gigawatts – quase 10 vezes a capacidade da hidrelétrica de Itaipu, no Paraná. Relatório da ONG Global Energy Monitor aponta a América Latina como liderança global em energias com menos impactos socioambientais.

Mas o espaço de tais fontes ainda é sombreado por investimentos em fontes fósseis ou degradantes de energia, como as usinas hidrelétricas. Amazônia e Cerrado têm juntos grande potencial inexplorado por esse modelo de geração e podem ser alvos de projetos nos próximos anos. 

Conforme Ilan Zugman, diretor da América Latina da ONG 350.org, países como Brasil e Colômbia têm potencial para liderar um modelo de geração de energia renovável centrado nas necessidades das pessoas.

“Os governos parecem estar mais atentos às demandas das comunidades por uma transição energética justa, mas precisam mostrar ações concretas, como proibir o fracking [técnica para extrair gás de xisto de grandes profundidades] e os subsídios ao petróleo e ao gás”, diz em nota da 350.org. 

Ações como essas serão fundamentais para populações mais vulneráveis aos efeitos da crise climática. Tempestades, inundações e secas atingem especialmente comunidades pobres ou vivendo em áreas de risco, como margens de rios, morros e litoral.

“O que foi feito até agora [pelos países] não fez as emissões decaírem como deveriam”, ressalta Mercedes Bustamante, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e uma dos 93 revisores do relatório hoje divulgado pelo IPCC.

Este verão foi marcado pela morte de, pelo menos, 241 pessoas devido às fortes chuvas e deslizamentos de terras no litoral norte do estado de São Paulo. Populações de baixa renda forçadas a viver em áreas de risco costumam ser as primeiras vítimas em episódios como esses.

Mares e oceanos aquecidos transferem mais calor à atmosfera, ampliando a força e quantidade desses eventos climáticos extremos.

Conforme Bustamante, soluções para as crises associadas do clima e socioambiental passam pela adoção de um desenvolvimento socioeconômico global “resiliente ao clima”, que reconheça a crise global e adote meios para reduzir e enfrentar seus impactos. 

“Há opções viáveis de adaptação e mitigação à crise do clima, como reforçar políticas públicas setoriais e assegurar direitos, por exemplo das populações indígenas [cujos territórios mantêm biodiversidade e estoques de carbono]”, destaca a professora da Universidade de Brasília (UnB).

A lista de recomendações inclui a geração de energias limpas e descentralizadas, reduzir o uso de combustíveis fósseis em todos os setores e investir em transportes públicos e não poluentes, proteger populações vulneráveis e ampliar o financiamento para economias realmente limpas.

Todavia, uma pedra no sapato são as fontes para financiar tais ações. “Os níveis de financiamento são baixos e ofuscados pelos investimentos em fósseis. É urgente uma ação internacional [para reverter isso]”, pontua Paulo Artaxo, coordenador do Programa Fapesp sobre Mudanças Climáticas Globais.

“Os benefícios à saúde humana decorrentes apenas da melhoria da qualidade do ar seriam aproximadamente iguais ou até maiores do que os custos de reduzir ou evitar emissões. Mas um desenvolvimento resistente ao clima torna-se cada vez mais difícil a cada aumento no aquecimento global”, destaca o IPCC.

Este ano, os países devem revisar seu cumprimento das metas do Acordo de Paris, fechado em 2015 para conter a poluição que amplia o efeito estufa e aquece o planeta. Desde 1988, o IPCC informa governos, academia, população, ongs e setor privado, para que possam agir e conter a alta da temperatura média global.

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