Cientistas descobrem algo mais que conecta os polvos aos seres humanos
Se voltarmos séculos atrás na história evolutiva, cientistas afirmam que é possível encontrar o último ancestral comum conhecido entre humanos e cefalópodes: um animal primitivo semelhante a um verme com inteligência mínima e manchas oculares simples. Ao fazer um fast forward no tempo, muitos séculos depois, o reino animal pode ser dividido em dois grupos de organismos – aqueles com espinha dorsal e aqueles sem. Enquanto os vertebrados, principalmente os primatas e outros mamíferos, desenvolveram cérebros grandes e complexos com diversas habilidades cognitivas, os invertebrados não. Com uma exceção: os cefalópodes, como lulas e polvos.
A explicação acima é feita pelos pesquisadores do Max-Delbrück-Center for Molecular Medicine, um centro de estudo sobre medicina molecular de Berlim, na Alemanha. É que uma equipe de cientistas da instituição, em parceria com colegas do Dartmouth College, nos Estados Unidos, acaba de descobrir algo que conecta o homem a esses animais.
Há décadas já se sabe que cefalópodes possuem um complexo sistema nervoso, o que os faz muito inteligentes e inclusive, serem considerados seres sencientes, ou seja, que apresentam alguns tipos de sentimentos, como dor, tristeza ou alegria (leia mais aqui).
Agora, em um artigo científico, publicado na revista Science Advances, eles revelam que os polvos possuem um repertório massivamente expandido de microRNAs (miRNAs) em seu tecido neural – refletindo desenvolvimentos semelhantes que ocorreram em vertebrados. “Então, é isso que nos liga ao polvo!” diz o professor Nikolaus Rajewsky, diretor científico do Instituto de Biologia de Sistemas Médicos do Max Delbrück (MDC-BIMSB) um dos autores do artigo.
Ele explica que essa descoberta provavelmente significa que os miRNAs desempenham um papel fundamental no desenvolvimento de cérebros complexos. Os microRNAs são pequenas moléculas de RNAs, ácidos nucleicos essenciais na síntese de proteínas, que funcionam como intermediadoras capazes de expressar as informações presentes no DNA.
De acordo com Rajewsky, que pesquisa miRNAs por mais de 20 anos, em vez de serem traduzidos em RNAs mensageiros, que fornecem as instruções para a produção de proteínas na célula, esses genes codificam pequenos pedaços de RNA que se ligam ao RNA mensageiro e, assim, influenciam a produção de proteínas.
Há alguns meses, um outro estudo já tinha apontado que os cérebros humano e dos polvos têm um mesmo tipo de gene. A pesquisa realizada por cientistas da Estação Zoológica Anton Dohrn e da Escola Superior Internacional de Estudos Avançados (SISSA), na Itália, apontou que assim como o homem, esses cefalópodes também possuem um grande número de ‘genes saltadores’ (elemento transponível ou transposon), capazes de se duplicar ou se mover pelo genoma. Eles foram encontrados em duas espécies, a mais comum delas, a Octopus vulgaris, e uma observada na Califórnia, a Octopus bimaculoides.
“Esta é a terceira maior expansão de famílias de microRNA no mundo animal e a maior fora dos vertebrados”, ressalta Grygoriy Zolotarov, principal autor do artigo. “Para se ter uma ideia da escala, as ostras, que também são moluscos, adquiriram apenas cinco novas famílias de microRNA desde os últimos ancestrais que compartilharam com os polvos – enquanto os polvos adquiriram 90!”.
Polvos são realmente animais extraordinários. Pesquisas anteriores já comprovaram, por exemplo, como eles apresentam duas fases de sono, de maneira muito similar aos seres humanos. E em uma delas, inclusive, eles mudam de cor.
Rajewsky planeja agora formar um grupo de cientistas na Europa para se aprofundar mais nos estudos sobre os polvos. Segundo ele, é fascinante ter uma criatura que evolui praticamente de forma independente. “Dizem que se você quer conhecer um alienígena, mergulhe e faça amizade com um polvo”, brinca.
Um jovem polvo: esses animais intrigam pesquisadores do mundo inteiro
(© Nir Friedman)
*Com informações e entrevistas da reportagem de Catarina Pietschmann para o Max-Delbrück-Center
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Foto de abertura: © Nir Friedman
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