O
boto-cor-de-rosa está sob diversas pressões que ameaçam a sobrevivência
da espécie.
Entre elas, ser atropelado por um barco quando vai à tona
respirar. Foto: Fernanda D. Abra
O golfinho baiji (
Lipotes vexillifer) é o primeiro cetáceo
fluvial considerado extinto no mundo. De ocorrência no rio Yangtze na
China, foi visto oficialmente pela última vez em 2002. Em 2006, a
fundação chinesa que leva o mesmo nome da espécie fez uma expedição por
mais de três mil quilômetros, cobrindo toda extensão do rio Yangtze.
Mesmo usando o máximo de requinte tecnológico, incluindo instrumentos
ópticos e microfones subaquáticos, seus pesquisadores não conseguiram
detectar qualquer sinal da presença do animal.
Após esse esforço, a
Fundação Baiji divulgou um relatório declarando a espécie
“funcionalmente extinta”. Isso significa que podem ainda haver alguns
indivíduos na natureza, mas essa população é tão pequena que não
viabilizaria a sobrevivência da espécie.
Baiji, o extinto golfinho chinês. Foto: IUCN | Clique para ampliar
O baiji é uma das quatro espécies de cetáceos fluviais existentes em
todo mundo. Duas delas, o boto-cor-de-rosa (ou boto-vermelho) e o tucuxi
ocorrem no Brasil, na Bacia Amazônica, podem seguir o mesmo fim.
Contribuíram para a provável extinção do Baiji a poluição dos rios
devido ao avanço da agricultura próxima ao Rio Yangtze, atropelamentos
por embarcações de pesca, redução de habitat causada pelas inúmeras
barragens e portos ao longo do rio e pela sobrepesca, especialmente a
pesca elétrica.
A técnica simples e barata funciona com a aplicação de
uma corrente elétrica na água que leva os cetáceos próximos a sofrerem
convulsões. A proximidade da corrente os atordoa e, em seguida, os
pescadores os mantêm fora d’água para asfixiá-los. Estima-se que este
abate foi responsável por 40% da perda de baijis durante os anos 90.
Por fim, na cultura chinesa, os baijis são considerados
representantes da bondade e da pureza, mas isso não impediu famílias
ricas de pagar caro para vestir luvas e usar bolsas feitas com o couro
do animal, outro dos golpes derradeiros para o extermínio da espécie.
Qualquer semelhança é uma terrível coincidência
Os
diferentes botos que frequentam o flutuante no Parque Nacional de
Anavilhanas são
reconhecidos e têm nome. Foto: Fernanda D. Abra
Como o baiji, no Brasil, o boto-cor-de-rosa ou o boto-vermelho (
Inia geofrensis) também é uma espécie carismática e cercada de histórias folclóricas, e do mesmo modo está sob pressões que a ameaçam.
No passado, o maior impacto sobre o boto-cor-de-rosa era a caça para
extração de óleo e unguentos medicinais. Porém, hoje, existe o risco da
poluição química cada vez maior nos rios da bacia Amazônica. Em
paralelo, aumentaram os índices de atropelamentos por embarcações, de
encalhes, capturas acidentais por redes de pesca, e
afogamentos/sufocamentos causados por ingestão de lixo.
Os botos também
sofrem com o número cada vez maior de barragens nos rios e, se isso tudo
não bastasse, crendices e fetiches sem sentido fomentam um comércio da
genitália, dentes e olhos do animal.
A pesca do boto é proibida deste 1967, mas as populações tradicionais
a continuam praticando para consumo direto e complemento de renda,
através da venda da sua carne para uso como isca na pesca da piracatinga
(
Calophysus macropterus).
O uso como isca causa o maior
impacto sobre os botos, pois a piracatinga é um bagre amazônico muito
consumido nas mesas colombianas e japonesas, onde costuma ser
comercializado, enganosamente, como pescadinha. Os frigoríficos do norte
do Brasil compram toneladas de bagres destinados à exportação, mesmo
sabendo dos métodos ilegais utilizados na pesca.
Reforços na conservação do boto
Os
botos ganham tira-gostos, mas precisam obter a maior parte da
alimentação caçando peixes
no Rio Negro. Foto: Luiz Antônio Gambá
Em 2011, o
ICMBio publicou o
Plano de Ação Nacional (PAN) para Conservação de Mamíferos Aquáticos e Pequenos Cetáceos.
Ele previa 15 ações apenas para os botos-cor-de-rosa, 9 de alta
prioridade e 6 de média prioridade, entre elas o controle do comércio
estadual e internacional da piracatinga.
Em 17 de julho de 2014 foi publicada a
Instrução Normativa Interministerial Nº 6
– fruto das ações do PAN --, celebrada entre o Ministério do Meio
Ambiente e Ministério da Pesca. Ela foi um avanço ao estabelecer pelo
prazo de cinco anos a moratória da pesca e comercialização da
piracatinga, junto com a proibição do transbordo, desembarque,
armazenamento, transporte, beneficiamento e a comercialização da
piracatinga em águas jurisdicionais brasileiras e em todo o território
nacional.
Ficou de fora a proibição da pesca de subsistência, que trata da
captura e transporte de até 5 kg da piracatinga, com o fim exclusivo de
alimentação do pescador e família.
A construção de um turismo sustentável
Palestra
realizada para todas os grupos de visitantes que participam das
interações de alimentação
ou nado com o boto-cor-de-rosa.
Outra conquista do PAN foi regulamentar, em 2012, o turismo de
atividades de interação com os botos-cor-de-rosa, como ocorreu no
Parque Nacional de Anavilhanas. Antes da medida, a interação entre habitantes locais e turistas com os botos acontecia sem controle.
Dona do flutuante localizado na praia da cidade de Novo Airão, Marisa
Grangeiro de Almeida, comemora 20 anos de contato com os
botos-cor-de-rosa. A primeira interação ocorreu quando era criança e se
banhava no Rio Negro e um boto surgiu. Ela diz que nem nesta vez se
assustou.
Hoje, Marisa gerencia o seu flutuante, base para um turismo regulado
de interação com os botos, que divulga a espécie e a cidade de Novo
Airão para o mundo. Os turistas assistem a uma pessoa treinada alimentar
os botos e podem nadar próximos a eles.
A atividade é recomendada pelo
próprio ICMBio.
Marisa conta que antes de haver regras qualquer pessoa que chegasse à
praia podia comprar peixes e alimentar os botos locais.
Os animais
estavam se tornando obesos e as pessoas tentavam montá-los à força.
Havia agressões, como enfiar palitos de picolé nos orifício respiratório
e até quem desse bebidas alcóolicas.
Agora, o turismo de interação com os botos gera renda para a
população local, pois atrai turistas brasileiros e de países variados a
Novo Airão. Eles movimentam hotéis, pousadas, restaurantes e agências
turísticas. As regras incluem horários rigorosos de visitação e limitam a
quantidade de peixe por dia dada a cada animal, que são alimentados por
uma pessoa treinada do flutuante, e não o turista.
A área é demarcada
com boias para proteger os botos de embarcações e cada grupo de
visitantes assiste uma apresentação sobre as duas espécies locais: o
boto-cor-de-rosa e o tucuxi.
A vantagem amazônica do boto
Interação
turística com os botos.
A alimentação é feita de forma controlado por
um funcionário do flutuante.
Foto: Luiz Antônio Gambá
Entretanto, apesar da moratória da piracatinga e da ordenação do
turismo, o PAN estima que haverá uma redução de 50% na população de
botos-cor-de-rosa nas próximas três gerações, o equivalente a 30 anos.
Tal estimativa levou recentemente o ICMBio a classificar no Brasil a
espécie na categoria “em perigo”.
Isso significa que as melhores
evidências disponíveis indicam que a espécie enfrenta riscos altos de
extinção na natureza. A
IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) considera que faltam informações para chegar a essa conclusão e classificou a espécie na categoria “Dados Insuficientes”.
Apesar das pressões semelhantes, o boto-cor-de-rosa tem um fator a
seu favor em comparação ao baiji: ele ocorre em uma área com alguns
milhões de quilômetros quadrados a mais, devido às gigantescas dimensões
da Bacia Amazônica.
Em 2016, o PAN será reavaliado. Uma ação essencial ainda não
realizada é obter um acordo entre Brasil e Colômbia – bem como outros
países da América Latina -- para proibir o comércio da piracatinga.
É necessário que todos os órgãos ambientais, organizações não
governamentais e internacionais trabalhem, comuniquem-se e se apoiem a
fim de salvaguardar o boto-cor-de-rosa. Se não for assim, ele corre o
risco de ser o próximo baiji.
Vídeo: Interação com os botos no flutuante de Anavilhanas
https://youtu.be/t7eNtp-5_2E
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Mas o animal na foto que deveria representar o baiji não pertence a esta espécie. É um golfinho-corcunda-indochinês (Sousa chinensis), uma espécie "quase ameaçada" de acordo com a IUCN. A aparência do baiji é um pouco diferente, como mostra esta foto de Qi Qi, o último e único de sua espécie mantido com sucesso em cativeiro: http://cmsdata.iucn.org/img/original/yangtze_rive...
Somente no médio Araguaia ainda tem uma população razoável - mesmo assim, somente algumas centenas de animais, um dos cetáceos mais ameaçados do mundo. E essa população remanescente vem sendo morta por pescadores (acham que os botos são os culpados pela sobrepesca e lhes dão peixe com veneno de rato) e por idiotas (só no ano passado, só no entorno do Cantão, "turistas" bebados mataram dois a tiros). E ainda tem a ameaça futura da hidrovia, esse projeto faraônico e inútil que só interessa a empreiteiros e a políticos ladrões.