- terça-feira, 23 fevereiro 2016 22:45
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Após esse esforço, a Fundação Baiji divulgou um relatório declarando a espécie “funcionalmente extinta”. Isso significa que podem ainda haver alguns indivíduos na natureza, mas essa população é tão pequena que não viabilizaria a sobrevivência da espécie.
O baiji é uma das quatro espécies de cetáceos fluviais existentes em todo mundo. Duas delas, o boto-cor-de-rosa (ou boto-vermelho) e o tucuxi ocorrem no Brasil, na Bacia Amazônica, podem seguir o mesmo fim.
Contribuíram para a provável extinção do Baiji a poluição dos rios devido ao avanço da agricultura próxima ao Rio Yangtze, atropelamentos por embarcações de pesca, redução de habitat causada pelas inúmeras barragens e portos ao longo do rio e pela sobrepesca, especialmente a pesca elétrica.
A técnica simples e barata funciona com a aplicação de uma corrente elétrica na água que leva os cetáceos próximos a sofrerem convulsões. A proximidade da corrente os atordoa e, em seguida, os pescadores os mantêm fora d’água para asfixiá-los. Estima-se que este abate foi responsável por 40% da perda de baijis durante os anos 90.
Por fim, na cultura chinesa, os baijis são considerados representantes da bondade e da pureza, mas isso não impediu famílias ricas de pagar caro para vestir luvas e usar bolsas feitas com o couro do animal, outro dos golpes derradeiros para o extermínio da espécie.
Qualquer semelhança é uma terrível coincidência
Como o baiji, no Brasil, o boto-cor-de-rosa ou o boto-vermelho (Inia geofrensis) também é uma espécie carismática e cercada de histórias folclóricas, e do mesmo modo está sob pressões que a ameaçam.
No passado, o maior impacto sobre o boto-cor-de-rosa era a caça para extração de óleo e unguentos medicinais. Porém, hoje, existe o risco da poluição química cada vez maior nos rios da bacia Amazônica. Em paralelo, aumentaram os índices de atropelamentos por embarcações, de encalhes, capturas acidentais por redes de pesca, e afogamentos/sufocamentos causados por ingestão de lixo.
Os botos também sofrem com o número cada vez maior de barragens nos rios e, se isso tudo não bastasse, crendices e fetiches sem sentido fomentam um comércio da genitália, dentes e olhos do animal.
A pesca do boto é proibida deste 1967, mas as populações tradicionais a continuam praticando para consumo direto e complemento de renda, através da venda da sua carne para uso como isca na pesca da piracatinga (Calophysus macropterus).
O uso como isca causa o maior impacto sobre os botos, pois a piracatinga é um bagre amazônico muito consumido nas mesas colombianas e japonesas, onde costuma ser comercializado, enganosamente, como pescadinha. Os frigoríficos do norte do Brasil compram toneladas de bagres destinados à exportação, mesmo sabendo dos métodos ilegais utilizados na pesca.
Reforços na conservação do boto
Em 2011, o ICMBio publicou o Plano de Ação Nacional (PAN) para Conservação de Mamíferos Aquáticos e Pequenos Cetáceos.
Ele previa 15 ações apenas para os botos-cor-de-rosa, 9 de alta prioridade e 6 de média prioridade, entre elas o controle do comércio estadual e internacional da piracatinga.
Em 17 de julho de 2014 foi publicada a Instrução Normativa Interministerial Nº 6 – fruto das ações do PAN --, celebrada entre o Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Pesca. Ela foi um avanço ao estabelecer pelo prazo de cinco anos a moratória da pesca e comercialização da piracatinga, junto com a proibição do transbordo, desembarque, armazenamento, transporte, beneficiamento e a comercialização da piracatinga em águas jurisdicionais brasileiras e em todo o território nacional.
Ficou de fora a proibição da pesca de subsistência, que trata da captura e transporte de até 5 kg da piracatinga, com o fim exclusivo de alimentação do pescador e família.
A construção de um turismo sustentável
Outra conquista do PAN foi regulamentar, em 2012, o turismo de atividades de interação com os botos-cor-de-rosa, como ocorreu no Parque Nacional de Anavilhanas. Antes da medida, a interação entre habitantes locais e turistas com os botos acontecia sem controle.
Dona do flutuante localizado na praia da cidade de Novo Airão, Marisa Grangeiro de Almeida, comemora 20 anos de contato com os botos-cor-de-rosa. A primeira interação ocorreu quando era criança e se banhava no Rio Negro e um boto surgiu. Ela diz que nem nesta vez se assustou.
Hoje, Marisa gerencia o seu flutuante, base para um turismo regulado de interação com os botos, que divulga a espécie e a cidade de Novo Airão para o mundo. Os turistas assistem a uma pessoa treinada alimentar os botos e podem nadar próximos a eles.
A atividade é recomendada pelo próprio ICMBio.
Marisa conta que antes de haver regras qualquer pessoa que chegasse à praia podia comprar peixes e alimentar os botos locais.
Os animais estavam se tornando obesos e as pessoas tentavam montá-los à força. Havia agressões, como enfiar palitos de picolé nos orifício respiratório e até quem desse bebidas alcóolicas.
Agora, o turismo de interação com os botos gera renda para a população local, pois atrai turistas brasileiros e de países variados a Novo Airão. Eles movimentam hotéis, pousadas, restaurantes e agências turísticas. As regras incluem horários rigorosos de visitação e limitam a quantidade de peixe por dia dada a cada animal, que são alimentados por uma pessoa treinada do flutuante, e não o turista.
A área é demarcada com boias para proteger os botos de embarcações e cada grupo de visitantes assiste uma apresentação sobre as duas espécies locais: o boto-cor-de-rosa e o tucuxi.
A vantagem amazônica do boto
Entretanto, apesar da moratória da piracatinga e da ordenação do turismo, o PAN estima que haverá uma redução de 50% na população de botos-cor-de-rosa nas próximas três gerações, o equivalente a 30 anos. Tal estimativa levou recentemente o ICMBio a classificar no Brasil a espécie na categoria “em perigo”.
Isso significa que as melhores evidências disponíveis indicam que a espécie enfrenta riscos altos de extinção na natureza. A IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) considera que faltam informações para chegar a essa conclusão e classificou a espécie na categoria “Dados Insuficientes”.
Apesar das pressões semelhantes, o boto-cor-de-rosa tem um fator a seu favor em comparação ao baiji: ele ocorre em uma área com alguns milhões de quilômetros quadrados a mais, devido às gigantescas dimensões da Bacia Amazônica.
Em 2016, o PAN será reavaliado. Uma ação essencial ainda não realizada é obter um acordo entre Brasil e Colômbia – bem como outros países da América Latina -- para proibir o comércio da piracatinga.
É necessário que todos os órgãos ambientais, organizações não governamentais e internacionais trabalhem, comuniquem-se e se apoiem a fim de salvaguardar o boto-cor-de-rosa. Se não for assim, ele corre o risco de ser o próximo baiji.
Vídeo: Interação com os botos no flutuante de Anavilhanas
https://youtu.be/t7eNtp-5_2ELeia Também
Prezada Fernanda, parabéns pelo texto!
Mas o animal na foto que deveria representar o baiji não pertence a esta espécie. É um golfinho-corcunda-indochinês (Sousa chinensis), uma espécie "quase ameaçada" de acordo com a IUCN. A aparência do baiji é um pouco diferente, como mostra esta foto de Qi Qi, o último e único de sua espécie mantido com sucesso em cativeiro: http://cmsdata.iucn.org/img/original/yangtze_rive...
Mas o animal na foto que deveria representar o baiji não pertence a esta espécie. É um golfinho-corcunda-indochinês (Sousa chinensis), uma espécie "quase ameaçada" de acordo com a IUCN. A aparência do baiji é um pouco diferente, como mostra esta foto de Qi Qi, o último e único de sua espécie mantido com sucesso em cativeiro: http://cmsdata.iucn.org/img/original/yangtze_rive...
Corrigido com a foto que você enviou, Igor. Obrigado pelo alerta
Marcelo Barbosa ·
Belo texto! Devemos considerar também que a espécie de boto que ocorre
na bacia Araguaia/Tocantins foi recentemente considerada como distinta
de I. geofrensis e recebeu o nome de Inia araguaiaensis, e que
certamente passa por problemas semelhantes.
Semelhantes e mais graves, porque o habitat do boto do Araguaia já foi
fragmentado por seis grandes barragens. Entre isso, a sobrepesca, e o
desmatamento das margens, a maior parte de seu habitat já era, e somente
um punhado de botos sobrevive no Rio Tocantins e em grande parte do
Araguaia.
Somente no médio Araguaia ainda tem uma população razoável - mesmo assim, somente algumas centenas de animais, um dos cetáceos mais ameaçados do mundo. E essa população remanescente vem sendo morta por pescadores (acham que os botos são os culpados pela sobrepesca e lhes dão peixe com veneno de rato) e por idiotas (só no ano passado, só no entorno do Cantão, "turistas" bebados mataram dois a tiros). E ainda tem a ameaça futura da hidrovia, esse projeto faraônico e inútil que só interessa a empreiteiros e a políticos ladrões.
Somente no médio Araguaia ainda tem uma população razoável - mesmo assim, somente algumas centenas de animais, um dos cetáceos mais ameaçados do mundo. E essa população remanescente vem sendo morta por pescadores (acham que os botos são os culpados pela sobrepesca e lhes dão peixe com veneno de rato) e por idiotas (só no ano passado, só no entorno do Cantão, "turistas" bebados mataram dois a tiros). E ainda tem a ameaça futura da hidrovia, esse projeto faraônico e inútil que só interessa a empreiteiros e a políticos ladrões.
F.Raeder ·
Já a população (ou espécie distinta Inia boliviensis) que habita a
região do Mamoré-Guaporé está em situação melhor, pois lá a pesca
comercial no geral é de escala bem menor, não existe essa pesca da
piracatinga como na calha do Solimões, e a densidade de ocupação humana
da bacia é comparativamente baixa. Permanecendo esse o cenário na
região, não me parece que, pelo menos ali, o boto -rosa/vermelho corra o
mesmo risco do baiji.
Erika Schloemp ·
Um adendo sobre turismo com boto. O que estamos vendo por aqui é a
abertura de vários flutuantes alimentando e atraindo o boto para
turistas. Nem todos são assistidos e monitorados pelo ICMBIO e IBAMA
(impossível). Isso gera renda sim. Mas também está gerando exploração
destes animais de maneira predatória. Muito cuidado as usar o termo
"gerar renda para ribeirinhos....". Ainda não temos política de
regulamentação para esta atividade "turística" no Amazonas. Dizem que o
que tem impedido isso de acontecer é a própria Secretaria Estadual de
Turismo.
O que vemos aqui no Amazonas é turismo predatório de
animais silvestres nos passeios de agências locais. Crianças levando
animais nas mãos para turismo fotografá-los. Animais órfãos, as vezes
drogados e moribundos. ISSO NÃO É TURISMO! É crime ambiental.
Fernanda ·
Concordo Erika, a ideia do texto é promover as atividades com o boto
regulamentadas pelos órgãos, a fim de que não sejam atividades que
exploram e maltratam os animais. Regulamentar tais atividades também é
objetivo do PAN. Deve haver fiscalização e regras bem definidas.
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