- sexta-feira, 30 dezembro 2016 07:57
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O ano mais quente da história
Foto: NASA
Segundo a Organização Meteorológica Mundial, o ano deve fechar com uma média global 1,2oC mais alta do que na era pré-industrial. Foi o maior aumento anual de temperatura de todos os tempos: 0,2oC.
A culpa, como os cientistas já disseram várias vezes, foi de um El Niño monstro entre 2015 e 2016, sobreposto a uma tendência de aquecimento global que tende a acelerar devido ao encerramento de uma fase fria do Oceano Pacífico que durou uma década. Para 2017, felizmente, a previsão é menos sombria: dificilmente o ano novo baterá o calor de 2016. Mas sempre podemos contar com os maus hábitos da humanidade para produzir novos recordes.
Donald Trump
Foto: Addres Latif/Reuters
O próprio Trump se encarregou na sequência de mostrar a que realmente veio: nomeou três negacionistas de alto coturno para a Agência de Proteção Ambiental, para o Departamento de Energia e para o Departamento do Interior. Ameaçou cortar a verba de pesquisas climáticas da Nasa. Cereja do bolo, anunciou que seu secretário de Estado será Rex Tillerson, presidente da Exxon. Ela mesma, a empresa que passou duas décadas financiando todo tipo de ataque à ciência do clima, mesmo sabendo desde os anos 1970 da conexão entre o petróleo e o aquecimento da Terra.
Cientistas do clima já estão copiando freneticamente as bases de dados climatológicos do governo que podem ser vítimas do esquadrão da morte do gabinete trumpista.
Tudo indica que o governo do republicano será tão ruim quanto parece. Mais uma vez, boa sorte ao mundo para resolver o problema com o governo americano jogando contra.
O Acordo de Paris agora é lei
Foto: Wikimedia Commons
O esforço foi liderado pelo secretário-geral, Ban Ki-moon, com forte apoio dos líderes dos EUA, Barack Obama, da China, Xi Jinping, e da ministra do Meio Ambiente da França, Segolène Royal. E contou com uma esperta manobra jurídica da União Europeia para dispensar a ratificação em bloco e permitir que cada um dos 28 países pudesse somar seu esforço de corte individualmente, de forma a cumprir os critérios para a entrada em vigor. Desde 4 de novembro, Paris é lei no mundo inteiro, inclusive no Brasil.
A China desacelera – e as emissões globais vão junto
Poluição industrial na China. Foto: Li Fan/National Geographic Creative/Corbis
Dois bons motivos estão por trás do movimento: o alto grau de competitividade de suas indústrias de energia limpa e o estado de convulsão social causado pela poluição do ar. Só as emissões de particulados finos, em sua maior parte pelas termelétricas a carvão, matam 1,4 milhão de pessoas por ano no país. (Como nada é o que parece no mundo, a China vem sendo acusada de exportar usinas a carvão para países africanos, efetivamente terceirizando suas emissões.)
Seja qual for a razão, o mundo agradece: graças à queda das emissões por energia na China e nos EUA, 2015, em 2015 as emissões de CO2 globais por queima de combustíveis fósseis ficaram estagnadas pela primeira vez num ano de crescimento econômico, e em 2016 a previsão é que elas sigam sem crescer. É cedo para dizer se essa tendência será permanente, porém.
Rio-2016 leva o clima às massas
Foto: Paul Gilham/Olympic.org
Os Jogos do Rio, que tiveram codireção do cineasta e ambientalista Fernando Meirelles, trouxeram uma mensagem global. E a mudança climática foi parte importante dela. Durante cerca de quatro minutos, mais de 3 bilhões de pessoas assistiram em suas TVs às assustadoras projeções de aumento do nível do mar e aos gráficos de temperatura do painel do clima da ONU. Foi a maior audiência da história para a ciência climática.
E não ficou só nisso: durante os Jogos, mais de cem atletas de 34 países se engajaram na campanha 1,5oC – o recorde que não devemos quebrar, do Observatório do Clima com o Fórum dos Países Vulneráveis, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o GIP (Gestão de Interesse Público). Eles mandaram pelas redes sociais sua mensagem de que a sobrevivência de várias nações dependem do alcance da meta mais ambiciosa do Acordo de Paris.
Eventos extremos: o batom na cueca da humanidade
Foto: NASA
O Nordeste do Brasil, que já vinha sendo impactado por quatro anos de chuvas abaixo do normal, teve uma estiagem extremada. No Brasil inteiro, 2.034 municípios estavam em situação de emergência em novembro de 2016, 1.522 deles no Nordeste. Brasília entrou em situação crítica de abastecimento de água pela primeira vez.
O gelo marinho no Ártico teve sua segunda menor extensão já medida no verão – e, para surpresa até dos cientistas polares, que acham que já viram de tudo, derreteu também no inverno, impulsionado por temperaturas até 20°C mais altas que a média em algumas regiões (sim, você leu certo: 20oC).
E foi também em 2016 que os cientistas começaram de forma sistemática a atribuir eventos extremos individuais à mudança climática, algo que até poucos anos atrás era considerado heresia. Em novembro, a Organização Meteorológica Mundial afirmou que mais de metade de 79 extremos registrados no mundo todo entre 2011 e 2015, inclusive a estiagem na Amazônia entre 2014 e 2015, teve influência direta do aquecimento da Terra.
O Congresso brasileiro fossiliza…
Foto: Rodolfo Stuckert/Câmara dos Deputados
Foi nesse climão que duas peças para lá de bizarras entraram em tramitação: uma delas é um projeto de lei que propõe a liberação dos carros de passeio a diesel no Brasil. O segundo criava nada mais, nada menos que um programa de incentivo ao carvão mineral, com construção de novas usinas. O presidente Michel Temer teve o bom senso de vetá-lo.
O projeto do diesel, objeto de grita generalizada da sociedade civil, mereceu até comissão especial: iria a plenário sem precisar passar por nenhuma outra comissão. Visto que a proposta não interessa nem ao governo, nem à Petrobras, é de se imaginar por que razão teria aparecido. Uma pista: quem criou a comissão especial foi ele mesmo, Eduardo Cunha.
Para não dizer que tudo foram trevas, o mesmo Parlamento que queria ressuscitar os piores combustíveis fósseis aprovou a ratificação do Acordo de Paris em tempo recorde: menos de três meses, e no meio de uma crise política.
…e o BNDES desfossiliza
Foto: Sisse Brimberg & Cotton Coulson
A morte da Grande Barreira
Foto: The Ocean Agency / XL Catlin Seaview Survey
As consequências econômicas nos próximos anos tendem a ser desastrosas. Os corais abrigam 25% das espécies de peixe do mundo, e meio bilhão de pessoas dependem diretamente desses ecossistemas para sobreviver.
Usina de São Luiz é enterrada (mas a cova é rasa)
Mundurukus nos pedrais do Tapajós, que seriam submersos pela usina de São Luiz.
Foto: Anderson Barbosa/Greenpeace
Foto: Anderson Barbosa/Greenpeace
A presidente do Ibama, Suely Araújo, determinou em agosto o arquivamento do processo de licenciamento ambiental da hidrelétrica, por insuficiência do EIA-Rima. Num passado não muito distante, teria sido demitida no ato.
Ambientalistas, ribeirinhos e indígenas comemoraram. Mas eis que, alguns meses depois, e Eletrobras volta a falar na retomada de São Luiz. Não é para agora: seria para 2022, quando o PIB quiçá tenha voltado ao azul e a turma da engenharia esteja de volta das férias em Curitiba.
A volta do que não foi
Área recém desmatada na Amazônia. Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace
A elevação significará mais 130 milhões de toneladas de CO2 na conta de emissões do Brasil em 2016, e um esforço redobrado para atingir o compromisso de cortar em 80% as emissões por devastação na Amazônia em 2020.
O governo reagiu à disparada das motosserras anunciando a divulgação pública dos dados do Cadastro Ambiental Rural – contendo imagens de satélite de mais de 3 milhões de propriedades rurais, que agora podem ser monitoradas por qualquer cidadão. O aumento da transparência causou comoção entre os fazendeiros, que ameaçaram processar o ministro por “violação de privacidade”.
Kigali e Montréal salvam o dia…
Imagem: Ach K/Flickr
A Oaci adotou um mecanismo de mercado para compensar o crescimento das emissões da aviação internacional a partir de 2020. Se deixado sem controle, o setor cresceria suas emissões em 300% até 2050, garantindo o estouro da meta de Paris. O novo mecanismo significa que tudo que a aviação internacional emitir a mais a partir de 2020 precisará ser neutralizado. Mas tem uma pegadinha: sua primeira fase, que vai até 2026, é de adesão voluntária. E o Brasil, por exemplo, ainda não aderiu.
Na capital de Ruanda, foi acordada uma emenda ao Protocolo de Montréal (aquele da camada de ozônio) para congelar e banir os HFCs. Esses gases substituem os nocivos CFCs em geladeiras e aparelhos de ar-condicionado. Só que são gases de efeito estufa milhares de vezes mais potentes do que o CO2. A expectativa é que a emenda de Kigali, que prevê a redução dos HFCs a partir de 2019, possa evitar até 0,5oC de aquecimento global neste século.
…e Marrakesh mantém a bola rolando
Participantes da COP22 brincam com bola de plástico no último dia da conferência de Marrakesh.
Foto: OC
O fato mais importante de Marrakesh ocorreu fora da COP: a trágica eleição americana, que azedou o ambiente na Cidade Ocre nos primeiros dias de reunião. Havia a expectativa constante de que Trump fosse anunciar a qualquer momento a retirada dos EUA do acordo ou da Convenção do Clima. Isso não aconteceu (ainda). Mas o balde de água fria teve um efeito positivo, no final: todos os países reafirmaram seu compromisso político de levar o Acordo de Paris a bom termo, com ou sem os Estados Unidos. E a China passou a despontar ao lado da União Europeia como líder no combate à mudança climática. Insh’allah.
Diga-me quanto emites e eu te direi quanto vales
Foto: Petrobras
A Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas com o, criada pelo FSB (Conselho de Estabilidade Financeira) do G20, pôs suas recomendações em consulta pública em dezembro. Elas incluem a identificação, avaliação e gerenciamento dos riscos e oportunidades relacionados ao clima. Também abrangem a descrição do impacto potencial sobre as empresas da limitação do aumento da temperatura global a 2oC – em especial sobre as indústrias fósseis.
Esse setor poderia perder US$ 34 trilhões em receitas até 2040, já que cumprir o Acordo de Paris exige necessariamente que a maior parte das reservas de petróleo e carvão sejam deixadas no subsolo. O presidente do Banco da Inglaterra e do FSB, Mark Carney, tem alertado desde o ano passado para a chamada “bolha de carbono”, ou o risco de manter investimentos em ativos fósseis que tendem a virar passivos muito em breve com as regulações climáticas e a expansão vertiginosa das energias renováveis.
Emissões de metano disparam
Gado em pasto degradado na Amazônia: rebanho bovino lidera emissões de metano do Brasil.
Foto: Ipam
As causas ainda são tema de debate, mas a agropecuária e o desmatamento são apontadas como vilãs. Outro fator que pode ter feito a diferença é um aumento brutal das emissões de metano por ecossistemas tropicais, em especial na América do Sul. Os cientistas não descartam que isso possa ser já um dos temidos “feedbacks positivos” do aquecimento global: emissões aumentam a temperatura, que perturba os ecossistemas, que aumentam ainda mais as emissões, num círculo vicioso.
Obama e Ban Ki-moon cumprem suas promessas
Foto: UN Photo
Obama assumiu em 2009 com o pé esquerdo: uniu-se à China para melar a conferência do clima de Copenhague, frustrando a expectativa de 7 bilhões de pessoas interessadas num acordo que pudesse garantir a segurança do planeta. Em seu segundo mandato, ele se redimiu.
O havaiano surfou a boa onda do gás natural, que começara a substituir o carvão na geração de energia, e limitou as emissões de CO2 das termelétricas via Agência de Proteção Ambiental, contornando o Congresso republicano. No final de 2014, costurou com a China o entendimento que tornou possível o Acordo de Paris. Em 2015, baixou o Plano de Energia Limpa, destinado a cumprir as metas da NDC americana. E, nos últimos dias de mandato, jogou uma casca de banana para Donald Trump: usou uma obscura lei de 1953 para proibir toda a exploração de petróleo e gás no Ártico e na costa atlântica dos Estados Unidos.
O sul-coreano Ban era um virtual desconhecido de sotaque engraçado em 2007, quando assumiu a ONU no lugar do carismático Kofi Annan. Não tardou a identificar no combate ao aquecimento global uma potencial tábua de salvação para o multilateralismo e uma oportunidade de a desacreditada organização mostrar sua relevância.
Agigantou-se – sem perder a discrição. Girou o mundo martelando à exaustão o discurso de que não é possível combater a pobreza sem agir também contra o caos climático. Foi um dos mentores do Acordo de Paris e o principal responsável por sua entrada antecipada em vigor. Em sua última entrevista coletiva numa COP, em Marrakesh, lançou um sutil desafio a Donald Trump sobre a ação climática: “O que antes era uma união impensável de países em torno do objetivo climático agora é algo irrefreável”.
Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo.
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