by Redação
- 8/03/2017
GÊNERO E
MEIO AMBIENTE
Patriarcado: a Submissão da Mulher e a
Devastação Ambiental
Sincronia ocorre quando dois ou mais eventos ou fenômenos ocorrem ao
mesmo tempo (cronos) ou simultaneamente.
Evidências antropológicas e arqueológicas apontam que as primitivas
sociedades humanas coletoras-caçadoras eram regidas por regras relativamente
igualitárias entre homens e mulheres.
A partir da Antiguidade – período definido cronologicamente com o
surgimento da escrita, por volta de 4.000 anos A.C. – começam a surgir
sociedades patriarcais, onde o homem exerce maior poder social e tem mais direitos
que as mulheres, como pode ser observado já no Código de Hamurabi dos
babilônios na antiga Mesopotâmia (região compreendida entre os rios Tigre e
Eufrates, onde hoje estão localizados Iraque, parte da Turquia, Síria e irã),
primeiro sistema jurídico que compila diversas legislações anteriores (p.ex.
Código de Ur) e regula toda vida social de uma comunidade.
Especialmente entre 2.000 e 5.000 anos A.C existiram muitas sociedades
onde as Deusas, mais que os Deuses, eram veneradas – aliás palavra que remete a
adoração de Deusa romana Vênus, Deusa do Amor, na Grécia chamada de Afrodite –
e às mulheres estava destinado o poder de partilha dos recursos. São conhecidas
como sociedades matriarcais a Civilização Minoica da Ilha de Creta na Grécia e
muitas outras em toda Europa, norte da África e parte da Ásia.
A cultura celta, predominante na região da Bretanha, mesmo com o
posterior domínio romano, conservou muitos traços culturais do matriarcado, que
notamos até a modernidade com a presença de grandes rainhas-mãe, como Rainha
Vitória e, agora, a Rainha Elisabeth II. Não por acaso, também na Inglaterra,
em meados do século XVII, temos os primórdios – depois das Revoluções Puritana
e Gloriosa – da democracia liberal representativa.
Nas sociedades matriarcais predominam relações de respeito e adoração à
natureza, com quem, naturalmente, as mulheres sempre foram associadas, já que é
através delas que ocorre a criação, a encarnação. Não à toa, é frequente
chamarmos a natureza de Mãe ou Mamãe Natureza, e nosso planeta de Mãe Terra. Na
concepção matriarcal o homem seria apenas o “semeador anônimo”1, a
escolha, a seleção da semente a germinar e a se desenvolver era domínio ou dom
da Mãe.
Em seu livro “A Prostituta Sagrada” (Editora Paulus), a antropóloga
Nancy Qulls-Corbett demonstra através de textos históricos e objetos
arqueológicos que a nos antigos templos de Vênus ou Afrodite, Deusa do Amor, as
sacerdotisas a serviço da Deusa, também chamada de Virgens do Templo, “eram
virgens no sentido original do termo, pessoa íntegra que servia de mediadora
para que a deusa chegasse até a humanidade”2. Muitas destas virgens
tinham filhos – obviamente frutos do ‘Amor’ que, através delas, Vênus ou
Afrodite ofertava aos homens que buscavam o templo e a ele davam seus óbulos –
donativo, contribuição doada por fiéis nos templos religiosos, como gratidão.
Vênus de Milo
Estátua com 202 cm encontrada próxima ao Porto de Milos nas Ilhas Cíclades na Grécia, em 1830. Trata-se mesmo de Afrodite, Deusa do Amor correspondente à Vênus romana.
O significado original da ‘virgindade’ consistia no fato da virgem ser
um ‘indivíduo’, ou seja, ser ‘inteira’, integra, não ser apenas ‘parte’, a
‘outra metade’.
De forma resumida, sintética e, inevitavelmente, caricata podemos dizer
que no matriarcado a humanidade se considera parte da natureza, estabelecendo
com ela uma unidade; como ela, a natureza, também é criadora, mas dela
totalmente dependente e devedora; a quem – ainda que com ela se relacione com
muita liberdade e intimidade – deve todo respeito e adoração. Predominam, no
matriarcado, relações mais horizontais, menos hierárquicas, dos homens e mulheres
entre si e destes com o restante dos seres vivos.
Com o patriarcado, estabeleceu-se uma divisão entre espírito e matéria.
O espírito, masculino, positivo, centrífugo; e matéria, feminino, negativo,
centrípeto. Uma relação hierárquica, onde o Espírito é superior e subjuga à
matéria. Notem que a palavra matéria, deriva, etimologicamente, de latim
‘mater’, isto é, ‘mãe’. Nele, no patriarcado, a natureza, a matéria, enfim, a
mulher, foram criadas para seu usufruto, para seu domínio, conforme relatos de
várias tradições religiosas. Tudo que está relacionado ao feminino, à matéria,
à natureza é corruptível, mortal, sedicioso.
O patriarcado estabeleceu uma hierarquia onde tudo que é superior está
ligado ao polo masculino, solar, positivo, celeste, espiritual, objetivo. Ao
polo feminino restou o plano inferior, o noturno, lunar, telúrico, negativo,
material, subjetivo.
FEMINISMO E AMBIENTALISMO: SINCRONIA E IDENTIDADE
Foi a partir da segunda metade do século XIX, que o movimento de lutas pelos
direitos das mulheres começa a reverberar a tríade de conceitos evocados pela
Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade (ou solidariedade).
Mais precisamente foi em 1857, quando trabalhadoras de uma indústria têxtil de
Nova Iorque, em greve para redução da jornada de 18 horas de trabalho e outros
direitos trabalhistas e forma duramente reprimidas pela Polícia que acabou
incendiando a fábrica com as trabalhadoras no seu interior, levando a morte de
muitas delas. De lá para cá, foram muitas as conquistas de direitos sociais das
mulheres no mundo todo e também no Brasil.
Mas ainda hoje, de forma geral, somos uma sociedade impregnada pelo
patriarcalismo ou machismo, onde as mulheres em média trabalham mais que os
homens e recebem salários menores. A violência contra as mulheres é
estatisticamente alarmante, e a participação feminina na gestão dos poderes
públicos – Executivo, Legislativo e Judiciário – ainda está longe de ser
proporcional à composição demográfica brasileira, onde as mulheres correspondem
a 51,3%. O número de homicídios de mulheres no Brasil vem aumentando: em média
são assassinadas 13 mulheres por dia, sendo a maioria mortas por familiares; a
maioria negra e, proporcionalmente, a maioria nos pequenos municípios onde predominam
os tradicionais valores patriarcais.
A expressão ‘ecologia’ – de certa forma inaugurando o movimento
ecológico – foi criada por volta de 1870 pelo pensador, médico e pesquisador
alemão de anatomia comparada Ernest Haeckel, como sendo, a ciência que estuda
as inter-relações entre os seres vivos e seu ambiente e entre si mesmos.
Curiosamente, mas não coincidentemente, Haeckel, além de um grande
defensor e divulgador da Teoria da Evolução, estabelecida por Charles Darwin em
“A Origem das Espécies” em 1855, filosoficamente considerava-se ‘monista’, isto
é, adepto da crença na unidade entre todas as coisas existentes no universo, em
oposição às posturas ‘dualistas’ que consideram a existência de duas realidades
como, p.ex., espírito-matéria, completamente separadas. Chegou mesmo a fazer
palestras sobre o tema e a escrever um opúsculo sobre o monismo.
Houve tempo que as mulheres eram – como e, muitas vezes ‘com’, a terra –
vendidas como propriedades de seus pais e maridos. A conquista e a exploração
da natureza ainda plenamente presente na consciência humana contemporânea –
mesmo com o abismo de seu esgotamento já esteja anunciado não por místicos e
artistas como na segunda metade do século XX, mas por cientistas de toda parte
do mundo.
É crescente a consciência de que “A terra não nos pertence; nós
pertencemos à terra”, como anunciou o Chefe indígena Seatle a um presidente
americano que manifestou interesse– também no início da segunda metade do
século XIX – em comprar as terras do povo Seatle. Mas nosso imenso e descomunal
lixo despejado diariamente sobre nossa Mãe Terra, mostra que ainda predomina o
paradigma da natureza como bem a ser conquistado (como as ‘namoradas’, não?),
explorado, usufruído ilimitadamente.
A ecologia, como ciência, representa uma mudança paradigmática na
evolução do pensamento cientifico moderno fundado no racionalismo analítico que
para compreender um todo analisa minuciosa e metodicamente suas diferentes
partes. A partir da Renascença a ‘filosofia natural’ foi fatiada em diversas
disciplinas. Os estudos ecológicos enfatizam e pesquisam exatamente a RELAÇÃO
entre as diversas partes de um todo, com a consciência de que o todo (holo) é
maior – às vezes surpreendentemente diferente – que a simples soma das partes.
A valorização da mulher e do feminino e, principalmente seu
empoderamento – isto é a tomada de consciência por elas mesmas de seus direitos
e potências, sem que isso signifique que assumam (vide Margareth Thatcher, ás
vezes de forma compensatórias ainda mais duras, valores patriarcais destrutivos
– é o caminho para a reconciliação da humanidade consigo mesma e desta com seu
meio natural, sua mãe, o húmus (terra fértil), que está na raiz de seu nome.
Que está também na raiz da palavra ‘humildade’, qualidade necessária para a
promoção dessa reconciliação.
Paulo J. P. Mancini, São Carlos, 08 de março de 2017
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