[EcoDebate] Um dos maiores especialistas do país, na contaminação gerada pela percolação de necrochorume nos terrenos, é o geólogo Leziro Marques da Silva que atua na área há algumas décadas. Alicerçado em observações realizadas por este agente ambiental, se estima que cerca de 75% dos cemitérios do país tenham problemas com vazamentos de necrochorume, que é o líquido resultante da decomposição dos corpos, e que contamina preferencialmente aquíferos freáticos e eventualmente reservas subterrâneas.
Dados registram que num intervalo de até seis meses após a morte, um corpo de 70 quilos tende a perder até 30 quilos em forma de necrochorume. A contaminação do lençol freático, em locais em que a profundidade da água é muito pequena, é de natureza química e microbiológica, com os materiais podendo contaminar os seres vivos de qualquer natureza, com uma série de moléstias e doenças infectocontagiosas.
Os elevados índices de crescimento da população, cada vez mais exigem áreas maiores para sepultamento de corpos humanos. As áreas que acabam destinadas pelo setor público ou por empreendimentos privados para a implantação de cemitérios geralmente são escolhidas entre áreas de baixa valorização econômica, quase sempre em regiões de reduzido desenvolvimento socioeconômico. Com frequência, são áreas de baixios ou com possibilidades de sofrerem inundações, ainda que esporádicas.
Estas são áreas com características geológicas e hidrogeológicas não adequadas ou mesmo não avaliadas devidamente, o que pode levar a problemas sanitários e ambientais de enorme complexidade. Áreas de cemitérios geram alterações no meio físico e por isso, devem ser consideradas como fontes sérias da ocorrência de impactos ambientais.
A realidade determina que a maioria dos cemitérios existentes no país, tende a ter instituição bastante antiga. Na época de sua fundação, não existia nem conhecimento suficiente dos impactos que poderiam ser gerados, nem difusão de boas práticas que hoje são recomendáveis, aceitas, praticadas e consensuais. Uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente, de número 335, estabeleceu que todos os tipos de cemitérios, tanto verticais como horizontais, deveriam ser submetidos a processos de licenciamento ambiental.
Os terrenos em que estão instalados os memoriais necrófilos, operam como filtros das impurezas carregadas por dissolução no necrochorume e que percolam nos substratos de solo e rocha. Os processos de decomposição que se instalam em corpos cadavéricos, liberam diversos metais que são constituintes do organismo humano. Também estão presentes nas urnas funerárias, utensílios que vestem ou adornam o corpo. No Egito antigo, onde predominavam crenças de reencarnação ou metempsicose, as pirâmides ou outros locais eram abastecidos inclusive com alimentos, além de roupas e variadas utilidades.
Na decomposição dos corpos, ocorre a formação de um líquido conhecido como necrochorume, de aspecto viscoso e coloração castanho-acinzentada, que contém cerca de 60% de água, 30% de sais minerais e 10% de substâncias orgânicas degradáveis, além de eventuais micro-organismos em quantidade reduzida, próxima ao que se considera como meros traços ou indícios.
Nos terrenos com alta umidade, ocorre um processo conhecido como “saponificação” pelo qual se patrocinam a “quebra”, ou decomposição de moléculas das gorduras corporais, resultando em liberação de ácidos graxos. Os compostos liberados exibem alta acidez, o que inibindo a ação de bactérias que tem a função putrefativas.
Caixões de madeira tendem a não ampliar a contaminação dos terrenos. Desde que, as substâncias conservantes da madeira não contenham metais pesados, como cromo, ou substâncias do grupo dos chamados organoclorados. Urnas processadas com madeiras não tratadas se decompõem em períodos ainda mais curtos, atenuando os impactos. Caixões de metal podem provocar contaminação do solo por metais como ferro, cobre, chumbo e zinco. A ampliação de impactos contaminantes pode ser causada pela prata, que é utilizada na confecção de alças de urnas.
Decomposição de corpos gera a exalação de alguns gases, que não é apropriado aqui descrever todos os processos químicos, por desnecessário. Atualmente, devido ao alastramento dos casos de câncer, grande quantidade de cadáveres, são submetidos a processos de radioterapia ainda em vida. Isto, adicionado à ingestão de substâncias anti-neoplásicas, amplia o período de decomposição do féretro, produzindo também contaminações derivadas da radioatividade.
A presença de construções, que são usadas como túmulos, que se encontram em mau estado, apresentando rachaduras e fissuramentos, e a má gestão de resíduos sólidos nestes locais, são problemas adicionais de grande relevância, potencializando ainda mais os impactos ambientais identificados.
Não inspira criar alarmismos, mas a ingestão exagerada por qualquer motivo de substâncias nitrogenadas, como nitratos, pode gerar moléstias como a meta-hemoglobinemia, popularmente conhecida como síndrome do bebe azul. Esta é apenas uma exemplificação, não havendo proposição exaustiva de esgotamento do tema.
Cemitérios em edifícios, também denominados de verticais são uma alternativa para as instalações convencionais, que são sujeitas a todos os impactos ambientais já descritos e considerados. Nessas unidades os corpos são dispostos em lápides que tem finalidades específicas. As construções se assemelham a edifícios comuns, como é o caso do Memorial de Santos, no litoral de São Paulo. Esse tipo de instalação tem diversas vantagens em relação ao cemitério horizontal.
Por derradeiro, as práticas de cremação apresentam vantagens também quanto à eliminação de microrganismos patogênicos no processo realizado em temperaturas elevadas. A cremação elimina por completo essas fontes naturais de poluição. Assim, a cremação é uma forma de garantia e segurança ambiental aqueles que continuam vivos.
Não há intenção de induzir ninguém a realizar quaisquer práticas. Que, em qualquer contexto ou situação, colidam com seus princípios religiosos ou mesmo sobrenaturais. Mas se suscita uma reflexão sobre uma questão cada vez mais importante na medida em que aumentam as populações e se ampliam as expectativas de vida. Para que todos possam usufruir de melhor qualidade ambiental e melhores condições de vida.
Referência:
Cemitérios como Fonte de Contaminação Ambiental, Pedro Kemerich, Fernando Ernesto Ucker e Willian F. de Borba. (http://www2.uol.com.br/sciam/artigos/cemiterios_como_fonte_de_contaminacao_ambiental.html).
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
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