“Vaquejada é um negócio e não manifestação
cultural”
Parecer criticando a prática da vaquejada foi
apresentado ao STF em ação que questiona a EC 96
Por Livia Scocuglia
- 18/10/2017
A discussão
sobre a vaquejada pode ganhar um novo capítulo no Supremo Tribunal Federal por
ter recebido outros argumentos, após a promulgação da Emenda Constitucional 96,
que passou a admitir práticas desportivas que utilizem animais – desde que
sejam enquadradas como manifestações culturais. Em parecer, o advogado
constitucionalista Saul Tourinho afirma que a vaquejada não configura
manifestação cultural, e sim de um negócio lucrativo.
O memorial
com o parecer foi anexado ao pedido da ProAnima, associação sem fins lucrativos
de proteção aos animais, que busca participar como amicus curiae da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5772), apresentada pela Procuradoria-Geral
da República.
“Colocar bens integrantes das manifestações
culturais à venda, além de degradá-los, enfraquece os laços comunitários. Com a
vaquejada não é diferente. Sai a manifestação cultural. Entra o negócio”, diz
trecho do memorial.
Segundo
Tourinho, a emenda pretende viabilizar a reversão da jurisprudência do STF que
veda práticas que submetam os animais à crueldade. Também parece tentar
construir um enredo normativo que dificulte a proclamação de decisões
semelhantes no futuro.
Além disso,
Tourinho defende a decisão do STF. “A tumultuada trajetória brasileira tem sido
forjada em vários ‘ismos’. Colonialismo, coronelismo, caudilhismo e caciquismo.
Agora, o emendismo”, diz trecho do parecer.
“Agora,
sempre que uma decisão do Supremo desagradar as maiorias, podem, elas, se
socorrerem de seus representantes para, no Congresso Nacional, reverterem a
decisão do Tribunal por meio da aprovação de uma emenda à Constituição”,
afirmou.
Tourinho
aponta que a EC 96 não apenas abre espaço normativo para a reversão da posição
vinculante do Supremo quanto à vaquejada, mas, também, de toda a sua
jurisprudência dos últimos vinte anos relativa a práticas que, segundo a Corte,
são cruéis com os animais.
“A briga de
galo não se reveste das mesmas características da vaquejada. Nem a Farra do
Boi. Todavia, nesses casos, que compõem uma linha jurisprudencial de duas
décadas, a Suprema Corte encontrou o que lhe basta: as práticas submetem, ainda
que de modos diversos, os animais à crueldade”, diz no parecer.
Segundo
Tourinho, a comunidade e seus costumes não deveriam ser estanques, mas
dinâmicos, se aperfeiçoando rumo às conquistas do constitucionalismo, o que
inclui a redução da violência, em todos os seus simbólicos aspectos.
“As novas
gerações, mais urbanas e letradas, muitas vezes vivendo em conforto, não se
valem da vaquejada por necessidade. Tudo sugere que escolheram o bicho para,
sobre sua queda e humilhação, ganharem dinheiro e se divertirem”, diz.
A
Constituição Federal trata da crueldade no artigo 5º, III, que diz que ninguém
será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, e, na alínea
‘e’ do inciso XLVII, que “não haverá penas cruéis”.
Sendo assim,
Tourinho afirma que nem o esporte, nem a iniciativa privada, são imunes à
Constituição. As vaquejadas, ressalta, precisam se limitar aos próprios
princípios gerais da atividade econômica, dentre os quais, a defesa do meio
ambiente.
“Parece
certo e justo afirmar que ninguém nessa vida deveria se orgulhar de ganhar
dinheiro, e se divertir, às custas da dor de um ser que sofre”, afirma e
continua:
“A
originária Festa de Apartação em nada integra esse espetáculo milionário das
vaquejadas modernas, urbanizadas. Os ancestrais dos vaqueiros, em suas práticas
originárias, não buscavam ganhar dinheiro com a miséria de seres que sentem
dor, nem alegrar as pessoas com esse sofrimento. Perseguir, laçar ou derrubar
um boi era algo conduzido pelo princípio da necessidade. Ou se agia assim, ou
não se colhia o animal. Não havia outro modo de fazê-lo. À medida que a
inovação foi permitindo formas menos dolorosas, o vaqueiro mudou”.
Leia o parecer.
(https://d2f17dr7ourrh3. cloudfront.net/wp-content/ uploads/2017/10/ ParecerADI5772.pdf)
O caso
O Supremo
Tribunal Federal (STF) vai decidir se é constitucional a Emenda
Constitucional 96 que passou a admitir práticas desportivas que utilizem
animais, desde que sejam enquadradas como manifestações culturais. O pedido foi
apresentado pela Procuradora-Geral da República que questiona ainda a Lei
13.364 – que eleva a vaquejada à condição de patrimônio cultural imaterial – e
a Lei 10.220, que considera atleta profissional o peão que atue em vaquejadas.
A discussão
tem como base uma pergunta: o Congresso Nacional pode revogar uma decisão por
meio de emenda à Constituição?
A Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5772) apresentada pela PGR terá como
relator o ministro Luís Roberto Barroso.
O começo
Em outubro
de 2016, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 4983) e declarou, por seis a cinco, a
inconstitucionalidade da Lei 15.299 do Ceará que regulamentava a vaquejada como
prática desportiva e cultural. Barroso foi uma dos ministros que votou pela
inconstitucionalidade da regra.
Por maioria,
ficou entendido que a vaquejada é inerentemente cruel, violando a parte final do
artigo 225, parágrafo 1º, VII, da Constituição, segundo o qual para assegurar o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado são vedadas as práticas que
submetam os animais à crueldade.
Após decisão
do STF, em junho, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional
96/2017, que não considera cruéis práticas desportivas que utilizem
animais, desde que sejam manifestações culturais.
Por enquanto, não há data para a o julgamento
do processo no Supremo. Mas até lá, Barroso deve decidir sobre os pedidos de amicus
curiae que chegam dos dois lados para trazer informações sobre
a matéria. Um deles é o pedido da ProAnima, associação sem fins lucrativos de
proteção aos animais.
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Fórum Ambientalista do DF - Cultura e Cidadania
Brasília - DF
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