De cara com o lixo do Programa Nuclear Brasileiro, por Zoraide Vilasboas
Lixo nuclear da primeira mineração de urânio ocupa uma área correspondente a 100 Maracanãs, em Poços de Caldas (MG)!
Por Zoraide Vilasboas
Pela
primeira vez, com imagens inéditas e surpreendentes, reportagem em
cadeia nacional de TV colocou a sociedade brasileira frente a frente com
a assustadora questão do lixo nuclear. A
produção de resíduos radioativos em toda cadeia de geração de energia
nuclear é o principal impacto ambiental do uso desta tecnologia. O grande desafio global hoje é justamente como lidar com o “beco sem saída” do lixo atômico para o qual, em mais de 70 anos, nenhum cientista –entre os “gênios” que povoam o mundo nuclear– encontrou solução definitiva, e
ameaça a Vida no planeta. Por esta razão, a tendência mundial é
abandonar a fonte nuclear por fontes renováveis de energia, como a
solar, eólica e biomassa. No Brasil ocorre o oposto. Apesar de todos os
senões, o governo segue tentando impor a conclusão da usina atômica
Angra 3 (RJ).
A obra está no epicentro das investigações de corrupção e lavagem de
dinheiro na Eletronuclear e, por sua própria essência, envolve riscos
enormes e sérios para a natureza e a humanidade. https://globoplay.globo.com/v/6154036/
Foi
em 1982, em Minas Gerais, que o Brasil começou a extrair urânio. Em 13
anos a atividade ficou inviável economicamente, deixando em Poços de
Caldas: lama radioativa na cava da mina; bacias de contenção lotadas de
rejeito; galpões e uma fábrica de beneficiamento de minério desativada.
São mais de 12 mil toneladas de resíduos, que contem urânio, tório,
rádio, radônio e outros contaminantes. Passaram-se 22 anos, e a área
degradada não foi recuperada. Neste tempo, a Comissão Nacional de
Energia Nuclear (CNEN) foi apontando irregularidades, determinando
medidas corretivas, nunca efetivadas, e tolerando a incompetência,
irresponsabilidade e erros reincidentes das Indústrias Nucleares do
Brasil (INB). A CNEN é proprietária e fiscal da INB, estatal responsável
por todas as atividades do “ciclo
do combustível nuclear”, desde a mineração até a fabricação do
combustível que abastece as usinas atômicas de Angra dos Reis (RJ).
Segundo
a reportagem, a INB teria apresentado o projeto de recuperação da área
em 2012, calculando que precisará de US$500 milhões para fazer a
descontaminação, durante 40 anos. Mas afirma não ter orçamento para
isto. Ainda assim, apesar da grave situação evidenciada pela TV, a INB
descartou o risco de contaminação do solo e da água na região. Mais uma prova que
a mentira institucionalizada, a falta de transparência, a insegurança
em radioproteção e a violação dos direitos humanos caracterizam o setor
nuclear brasileiro. E por parte do Ministério do Meio Ambiente, viu-se mais uma prova
da omissão e conivência com os crimes socioambientais do Programa
Nuclear. O IBAMA limitou-se a informar que o projeto está em fase de
estudo, mas sem prazo de conclusão!
A
TV não disse uma palavra sobre as pesquisas que indicam altos índices
de mortes por câncer na região! Imagine o impacto que teria sobre a
opinião pública, se além das toneladas de lixo, tivesse mostrado a dor
das vítimas do Programa Nuclear em Minas Gerais, onde é alto o índice de
adoecimento e morte por doenças causadas por radiação ionizante,
segundo pesquisas sobre o assunto. E se tivesse revelado que as más
condições da armazenagem do lixo nuclear não é privilégio de Poços de
Caldas pois a precariedade é geral nos locais vinculados à CNEN?
Certamente, o impacto seria mais forte ainda, se ouvisse que a legislação brasileira sobre a seleção de locais e construção dos depósitos de lixo é caótica. Pois é! A
Lei 10.309/2001, que dispõe sobre a seleção dos locais, construção,
licenciamento, operação e fiscalização dos depósitos de rejeitos
radioativos outorga à CNEN, funções antagônicas e inconciliáveis. Ela
projeta, constrói, instala depósitos de rejeitos e, ao mesmo tempo,
licencia e fiscaliza essas unidades, ferindo duas Convenções
internacionais assinadas pelo Brasil: a Convenção Comum sobre a
Segurança do Combustível Usado e a Convenção sobre a Segurança da Gestão
dos Rejeitos Radioativos. Sobram desmandos, mas faltam transparência e
respeito ao princípio da precaução, muito embora a sociedade tenha o
direito de opinar e decidir sobre a instalação de equipamentos
radiológicos e nucleares, que representam incontestável ameaça às suas
vidas.
Mesmo
assim, a TV desencadeou críticas severas sobre a política nuclear na
Bahia, onde o Programa Nuclear passou a explorar urânio, desde o ano
2000, após a exaustão da mina de Poços de Caldas. Em Caetité, no
sudoeste baiano, funciona a única mina em exploração na América Latina.
Curiosamente, as críticas mais ferozes vieram de pessoas e grupos que
até passado recente davam o sangue pela INB. Gente que se aliou aos
poderes públicos e empresa, condenando os movimentos populares e
sociais, que denunciam os acidentes e vazamentos de urânio para o meio
ambiente e a incompetência técnico-operacional dos gestores da
mineradora. Pessoas que, há cerca de três anos, perseguiram
implacavelmente o então pároco da Diocese de Caetité, padre Osvaldino,
que defendia as vítimas do Programa Nuclear Brasileiro.
Mesmo
sem saber quantas toneladas de lixo a mineração já produziu na Bahia,
após a reportagem sobre Poços de Caldas, aliados da INB passaram a
enxergar o caos da unidade de Caetité. Infelizmente, só por um olho. Por
ele, estariam preocupados com o futuro da região e dispostos a combater
os atuais gestores, chamados “contraventores nucleares” e vistos como o
maior perigo nuclear, pelo “descaso total com o meio ambiente, a comunidade e seus empregados”.
Com o outro olho, semiaberto, não veem que o perigo nuclear é
intrínseco à tecnologia atômica e não aos homens que a manipulam. E que
nenhuma tecnologia nuclear, por mais avançada que seja é capaz de evitar
falhas humanas, consideradas incontroláveis e que têm causado
catástrofes brutais mundo afora.
Zoraide Vilasboas
Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/10/2017
"De cara com o lixo do Programa Nuclear Brasileiro, por Zoraide Vilasboas," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/10/2017, https://www.ecodebate.com.br/2017/10/20/de-cara-com-o-lixo-do-programa-nuclear-brasileiro-por-zoraide-vilasboas/.
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