Incidência da doença é maior em pequenos focos de desmatamento próximos a assentamentos rurais
Pesquisa
buscou demonstrar a correlação entre incidência de malária e o padrão
de fragmentação da mata nativa causado pela criação de assentamentos
rurais e extração de produtos da floresta. Na imagem, produção de carvão
vegetal pela queima lenta de madeira – Foto: Leonardo Suveges Moreira
Chaves / FSP
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Com as migrações constantes, as pessoas
infectadas levam o parasita, muitas vezes sem ter sintomas de malária,
para novas áreas desmatadas, expandindo a área de transmissão da doença e
dificultando o controle. “Quando várias pessoas passam a conviver em
uma mesma região, com a presença do mosquito vetor, em geral a maioria é
suscetível”, destaca a professora. “Portanto, ao mesmo tempo em que o
agente é introduzido no novo ambiente, ocorrem surtos da doença.”
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Cada
quilômetro quadrado de floresta tropical nativa derrubado na Amazônia
está associado a 27 novos casos de malária por ano, no período entre
2009 e 2015, revela pesquisa da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.
A comparação da incidência da doença com dados sobre áreas impactadas
pelo homem também mostra que a ocorrência é maior quando há abundância
de pequenas áreas devastadas, detectadas por imagens de satélite. O
risco é aumentado pela capacidade do mosquito vetor da malária se
adaptar às áreas impactadas, aliada à maior presença tanto de pessoas
suscetíveis como infectadas pelo parasita que causa a doença. A essa
situação podem se somar as condições precárias de vida da população,
baixo nível educacional, desconhecimento sobre a transmissão da infecção
e difícil acesso aos serviços de saúde.
“A pesquisa buscou demonstrar a correlação
entre incidência de malária e o padrão de fragmentação da mata nativa
causado pela criação de assentamentos rurais e extração de produtos da
floresta”, afirma a professora Maria Anice Mureb Sallum, da FSP, que
supervisionou a pesquisa. “Para isso, foi feito um cruzamento dos dados
de casos de malária notificados de 2009 a 2015 nos nove Estados da
Amazônia (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e
Roraima), fornecidos pelo Ministério da Saúde, com os dados de
desmatamento ao longo dos anos, disponibilizados na plataforma digital
do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)”.
Os pesquisadores demonstraram que há uma
correlação positiva entre o tamanho da área desmatada e o aumento de
casos de malária. “O impacto é maior quando o desmatamento acontece em
extensões menores que cinco quilômetros quadrados (km²), pois em vários
casos a derrubada é feita por pessoas ligadas à precarização e alta
rotatividade da mão de obra, em total desacordo com a legislação”,
relata a professora. “A formação dos assentamentos movimenta pessoas que
muitas vezes residiram em áreas com transmissão de malária e podem
abrigar o parasita sem ter a doença, atuando na sua dispersão. Para cada
quilômetro quadrado (km²) de desmatamento, acontecem 27 novos casos de
malária.”
Maria Anice explica que quando a floresta é
contínua e íntegra, sem áreas de desmatamento, o mosquito anofelino,
transmissor do protozoário causador da doença (Plasmodium),
quando está presente, é em baixa densidade e somente onde as condições
ambientais são adequadas. “Mas com o desmatamento, ocorrem mudanças
ecológicas importantes que favorecem o mosquito vetor”, ressalta. “Por
ser uma espécie oportunista e generalista, ela se adapta com facilidade
ao ambiente modificado, e se dispersa rapidamente.”
Habitações inadequadas
Como o mosquito tem afinidade por áreas
próximas à margem da mata, onde ficam os domicílios das comunidades
rurais, ele passa a viver próximo do ambiente humano, que oferece muitas
fontes de sangue para os insetos. “Além de picar as pessoas, os
mosquitos também se alimentam do sangue de animais domésticos como cães,
gatos, cabras, porcos, galinhas, papagaios e macacos”, destaca a
professora. “As habitações em geral são inadequadas, feitas com pedaços
de madeira, folhas secas de palmeiras ou até uma simples lona apoiada em
troncos de árvores derrubadas. Os abrigos dos animais são tão precários
que não impedem o contato dos mosquitos com fontes de sangue, fato que
favorece o aumento da população do vetor e a exposição do homem às
picadas.”
Segundo Maria Anice, o modelo de ocupação
da Amazônia nem sempre permite a melhoria da qualidade de vida das
comunidades rurais, entretanto facilita a maior transmissão e
distribuição da malária. “Normalmente, são populações muito pobres, com
nível educacional baixo, que vivem em processo contínuo de migração,
devido à malária, condições precárias de vida e falta de recursos
financeiros para se estabelecerem”, diz. “A migração gera novos
assentamentos em áreas de floresta, causando mais alterações nos
ambientes naturais e a expansão da malária.”
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Maria Anice enfatiza que os programas de
controle da malária deveriam levar em conta fatores da ecologia humana
que atuam na dinâmica de transmissão, como atividades de trabalho,
condições de moradia e migração. “Por exemplo, é necessário melhorar a
condição de vida e as moradias, para diminuir o contato do homem com o
mosquito”, aponta. “Também é preciso ampliar o acesso à educação de
qualidade e voltada para as necessidades locais, intensificar programas
de controle, facilitar o acesso aos testes diagnósticos e ao tratamento e
fortalecer pesquisas sobre a ecologia da transmissão, que poderiam
gerar novos conhecimentos e auxiliar no delineamento de programas para o
controle de vetores.”
A pesquisa é descrita na tese de Leonardo
Suveges Moreira Chaves, doutorando do Departamento de Epidemiologia da
FSP. As conclusões do estudo também foram relatadas no artigo “Abundance of impacted forest patches less than 5 km² is a key driver of the incidence of malaria in Amazonian Brazil”,
publicado no site Scientific Reports em 4 de maio. O trabalho integra
um projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp) intitulado Genômica de paisagens em gradientes latitudinais e ecologia de Anopheles darlingi.
Mais informações: e-mail masallum@usp.br, com a professora Maria Anice Mureb Sallum
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