MEIO AMBIENTE E ENERGIA
29/10
Jim Cole / Associated Press
Na histórica Conferência do Clima em Paris, em dezembro de 2015, o Brasil apresentou metas que surpreenderam o mundo pela audácia e por representar solidariedade global em face dos riscos das mudanças climáticas saírem de controle: redução de 43% de suas emissões totais de gases poluentes que aquecem o planeta até 2030, em relação aos valores de 2005, a mais ambiciosa meta de redução entre os grandes países em desenvolvimento, até mais ambiciosa que a meta colocada pela super-potência americana.
Recentemente, no calor do debate eleitoral, um dos candidatos à Presidência sinalizou desejo de que o Brasil, a exemplo do governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deixasse o Acordo de Paris.
Nos EUA, durante o primeiro ano de Trump na Presidência, em 2017, as emissões de gás carbônico continuaram caindo no mesmo ritmo dos últimos 10 anos.
Conservação dos ecossistemas e agricultura sustentável e produtiva são duas faces da mesma moeda
A maior parte das emissões nos EUA provém da queima de combustíveis fósseis para geração de energia. As energias renováveis tornam-se cada vez mais competitivas e seu uso cresce de forma exponencial, sendo um dos setores mais dinâmicos na geração de empregos da economia americana. É bastante improvável que voltem a subir durante o mandato de Trump. Até mesmo muitos de seus eleitores migram para energias renováveis. A transição para energias limpas está se tornando irreversível.
E o Brasil? Há muitas razões para o Brasil não deixar o Acordo de Paris.
Diferentemente da maioria dos países, cerca de 65% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa advêm de mudanças de usos da terra e da agricultura e não da queima de combustíveis fósseis, responsáveis por menos de 30% das emissões. Perseguir uma vigorosa agricultura de baixo carbono traz inúmeros benefícios que vão além da redução de emissões. O conjunto de técnicas desenvolvidas para essa moderna agricultura torna os sistemas agropecuários mais produtivos, lucrativos e resilientes aos extremos climáticos que já ocorrem.
Como reiterado pela ciência com clareza cristalina no relatório especial do IPCC do 1,5° C, publicado no começo de outubro, manter o aumento da temperatura global dentro desses limites para minimizar seus múltiplos impactos negativos para a humanidade e para o planeta irá requerer a manutenção de florestas existentes e a restauração florestal como maneiras de retirar gás carbônico da atmosfera. É a solução natural mais efetiva para mitigar as mudanças climáticas. O Brasil tem um dos maiores potenciais do mundo para exercer tal papel, pois pode restaurar ecossistemas em todos os seus biomas sem comprometer a produção agrícola.
Além de não disputar espaço com a produção, a manutenção e restauração florestal contribuirão decisivamente para conservar água, reduzir a erosão e perda de solos férteis, mitigar os extremos climáticos e aumentar o número e diversidade de polinizadores. Todos claros benefícios para a própria agricultura do país. Conservação dos ecossistemas e agricultura sustentável e produtiva são duas faces da mesma moeda para o ambiente e a economia do Brasil.
Perseguir tenazmente metas de intensificação sustentável da agropecuária - em vez de expansão desmesurada das fronteiras de commodities - pode realisticamente levar o Brasil a zerar o desmatamento em todos os seus biomas e tornar-se o mais importante sumidouro de carbono da atmosfera até o final do século. Retomar a redução dos desmatamentos torna-se urgentíssimo em função das tendências recentes de aumento, especialmente neste ano eleitoral.
Também no setor de energia o Brasil tem muito a ganhar com o Acordo de Paris. As energias renováveis limpas como solar e eólica se mostram cada mais viáveis no país. É tecnológica e economicamente factível implementá-las em grande escala, aliada à eletrificação dos veículos e pensar um país livre dos combustíveis fósseis até meados deste século. Além dos benefícios climáticos, tal política energética geraria mais empregos e reduziria em muito os problemas de poluição das cidades brasileiras. O saldo é positivo: o aumento de 1 a 3 anos na expectativa de vida dos habitantes das grandes cidades e a sensível melhoria da saúde.
Desde a Rio 92, o Brasil adquiriu protagonismo e respeito internacional nas negociações diplomáticas das convenções climática e da biodiversidade. Com os ambiciosos compromissos assumidos no Acordo de Paris, o país tornou-se um dos protagonistas do esforço mundial de enfrentamento das mudanças climáticas. Isso traz responsabilidades intransferíveis, mas igualmente traz enorme prestígio e liderança.
Por que seguir uma intempestiva e irresponsável decisão de Trump, um político confuso, acusado de mentir patologicamente e considerado por importantes associações de psiquiatria americana de ser incapaz de estar a altura de tão importante cargo? O Brasil merece algo melhor, inclusive respeitando a vontade popular. Pesquisas de opinião repetidamente colocam o brasileiro como um dos mais preocupados do mundo com as mudanças climáticas. Mais de 90% dos brasileiros são contra o desmatamento da Amazônia.
Continuar a ser um dos protagonistas no combate às mudanças climáticas e cumprir os compromissos assumidos perante o Acordo de Paris coloca o país solida e irreversivelmente na trajetória de sustentabilidade. Os benefícios de médio e longo prazos são incontornáveis: maior segurança alimentar, energética e hídrica, desenvolvimento econômico seguro, agricultura sustentável, proteção das florestas e da biodiversidade, respeito pelas comunidades tradicionais. É impensável até mesmo por um segundo abandonar esta rota que, por mais desafiadora que seja, não há caminhos alternativos para a felicidade, bem-estar dos brasileiros e para a saúde planetária.
Carlos Nobre é cientista e integrou o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que ganhou o prêmio Nobel em 2007 pelas pesquisas sobre as alterações do clima no planeta
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