terça-feira, 24 de julho de 2018

Macacos-prego em área urbana expõem riscos das mudanças do clima e ocupação desordenada



Filhote de macacaco prego


https://www.youtube.com/watch?v=EpfUHM3efYY

Outro video bonitinho sobre macacos.

Por Amelia Gonzalez, G1

23/07/2018 21h40  Atualizado há 8 horas

Uma turma de macacos-prego tem alvoroçado a minha vizinhança. Como tenho dois cachorros pequenos, não quero correr o risco de promover, mesmo de maneira involuntária, um encontro deles com outros seres peludos de espécie distinta. Ando, portanto, tomando minhas precauções. Janelas fechadas, num ambiente tão carente de ar fresco, me entristecem. Mas, no caso, é absolutamente necessário tentar impedir que o bando se sinta convidado a entrar, o que pode acontecer até por causa de uma distraída penca de bananas à mercê, na fruteira.

Hoje pela manhã, alguns fizeram a festa. Sempre andam acompanhados, e vi uns seis subindo e descendo um prédio ao lado do meu. Aonde tinha janela aberta, eles entravam. Fiquei um tempo acompanhando o movimento, ouvindo a barulheira que a criançada fez ao descobrir. E, o que no início era uma diversão, acabou me deixando jururu. Foi me dando uma vontade tremenda de pedir desculpas àqueles bichos, que pareciam tão pouco apropriados numa paisagem tão urbana.

Além do homem, sempre o maior predador de todas as espécies, já que pode usar armas para matar, o macaco-prego tem como inimigos apenas a Harpia, os felinos (e não estou falando de gatos domésticos, claro), jacarés... 

Ou seja, aqui pela cidade, poucos são capazes com esses bichos, que se adaptam bem à esfera urbana. 

E assustam, é claro, quando invadem casas à procura de alimentos.


Este é o ponto: eles invadem à procura de alimentos. E é o que me deixa com vontade de pedir desculpas. Porque, se lhes falta alimentos na floresta é porque estamos invadindo cada vez mais seu espaço, fazendo casas para morarmos, descuidando da necessidade que eles têm de comer. É certo que são uns glutões, disse ninguém duvida. Mas estariam precisando comer pães, biscoitos ou comidas prontas, com sabores aos quais podem acabar se viciando, se tivessem a seu dispor uma quantidade suficiente de frutas, coquinhos e outros produtos que os satisfazem?

Outro ponto: o aquecimento global, também provocado pelo homem, anda transfigurando produtos da floresta, deixando solos mais secos ou mais molhados. Nada disso está previsto no DNA do macaco-prego.

Sim, isto me deixa jururu. Não só a mim, mas a muita gente. A ocupação urbana desordenada aliada à mudança de clima são dois inimigos de vários animais silvestres, não só de macacos, Gambás, corujas, e até répteis como cobras e lagartos também estão nesta lista. Serão detonados se tiverem a má sorte de enfrentar um humano violento e capaz. Uma morte besta, por nada, só por... existir.


Se você também se sente incomodado com isso, vai gostar de saber que está marcada, para o dia 8 de setembro, uma mega manifestação global para se falar disso tudo. Uma só não, várias, no planeta todo, para exigir que os líderes locais de cidades se comprometam a a construir um mundo livre de combustíveis fósseis, que coloque as pessoas à frente do lucro. O movimento se chama “Una-se pelo Clima” e está sendo puxado, até agora, por mais de 30 organizações ambientais e socioambientais.



Se você, caro leitor, não está percebendo o que tem a ver um mundo com menos combustíveis fósseis com o drama dos macacos-pregos e outros bichos, que precisam invadir a área urbana em busca de comida, eu já me explico. As metas definidas no Acordo de Paris, conseguido a duras penas na Conferência do Clima de 2015 (COP-21), exigem uma mudança estrutural para que se possa viver sem energia fóssil, com base em fontes renováveis de energia. E, se conseguirmos alcançar algo próximo disso, é sinal de que a humanidade vai estar, de fato, muito mais perto de pensar nas pessoas, nos bichos, em preservar florestas, mares, rios e lagos, do que no dinheiro e no desenvolvimentismo econômico.


Para isso, será preciso mudar muita coisa. A começar pela escolha dos dirigentes, que precisarão apresentar em suas plataformas de governo muito mais do que planos econômicos para elevar PIBs e baixar inflações, mas algo que realmente reúna, num só golpe, as preocupações socioambientais e econômicas. O planejamento urbano, para ficarmos no foco dos macacos-prego que descem da floresta em busca de comida, terá que ser pensado de maneira diferente do que é hoje.



Neste sentido, recebi uma publicação elaborada pelo WRI Brasil – o escritório local do World Resources Institute (instituto internacional que se destina a pensar assuntos ligados ao tema da sustentabilidade) que pode ajudar a refletir. Trata-se do Documento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTs), que analisa a articulação do uso e ocupação do solo, com o tempo que se gasta para se movimentar nele. Em foco, os 172 milhões de brasileiros que hoje vivem em áreas urbanas. Número que só tende a crescer.


Trata-se de um crescimento urbano 3D: distante, disperso e desconectado, escrevem os especialistas que se debruçaram em estudos para formatar o documento. E trazem informações que me refrescam a memória e transformam em quase nada o drama dos macacos-prego fujões aqui da vizinhança: mais de 100 milhões de pessoas, desses 172 milhões que vivem em áreas urbanas, não têm acesso à rede de esgoto. Isto, sim, uma tragédia sem limites e que igualmente requer uma mudança profunda de hábitos e de prioridades de gestão.


O guia do WRI traz propostas para planos diretores que possam melhorar a qualidade de vida dos humanos que vivem nas cidades. E consta, entre as diretrizes que devem ser pensadas pelos governantes, a preocupação em aumentar o valor ambiental das áreas verdes. Mas há também, paradoxalmente, a necessária observação de que as cidades, por serem locais mais atrativos, que reúnem mais possibilidades, devem ser mais democráticas, abertas a todos. É verdade. Mas, como conseguir conciliar espaço, pessoas, bichos e plantas?


É preciso revistar o Plano Diretor do Rio, e é disso que se trata o estudo. Vou ler o estudo mais lentamente e trarei notícias mais detalhadas sobre as propostas que nos fazem. Gosto do tema. As cidades e suas contradições me instigam porque podem expor mais cruamente, no dia a dia, a dificuldade de transformar em prática a retórica dos acordos e tratados internacionais que se comprometem a preservar meio ambiente e baixar emissões.

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