Filhote de macacaco prego
Por
Amelia Gonzalez, G1
23/07/2018
21h40 Atualizado há 8 horas
Uma turma
de macacos-prego tem alvoroçado a minha vizinhança. Como tenho dois cachorros
pequenos, não quero correr o risco de promover, mesmo de maneira involuntária,
um encontro deles com outros seres peludos de espécie distinta. Ando, portanto,
tomando minhas precauções. Janelas fechadas, num ambiente tão carente de ar
fresco, me entristecem. Mas, no caso, é absolutamente necessário tentar impedir
que o bando se sinta convidado a entrar, o que pode acontecer até por causa de
uma distraída penca de bananas à mercê, na fruteira.
Hoje pela
manhã, alguns fizeram a festa. Sempre andam acompanhados, e vi uns seis subindo
e descendo um prédio ao lado do meu. Aonde tinha janela aberta, eles entravam.
Fiquei um tempo acompanhando o movimento, ouvindo a barulheira que a criançada
fez ao descobrir. E, o que no início era uma diversão, acabou me deixando
jururu. Foi me dando uma vontade tremenda de pedir desculpas àqueles bichos,
que pareciam tão pouco apropriados numa paisagem tão urbana.
Além do
homem, sempre o maior predador de todas as espécies, já que pode usar armas
para matar, o macaco-prego tem como inimigos apenas a Harpia, os felinos (e não
estou falando de gatos domésticos, claro), jacarés...
Ou seja, aqui pela
cidade, poucos são capazes com esses bichos, que se adaptam bem à esfera
urbana.
E assustam, é claro, quando invadem casas à procura de alimentos.
Este é o
ponto: eles invadem à procura de alimentos. E é o que me deixa com vontade de
pedir desculpas. Porque, se lhes falta alimentos na floresta é porque estamos
invadindo cada vez mais seu espaço, fazendo casas para morarmos, descuidando da
necessidade que eles têm de comer. É certo que são uns glutões, disse ninguém
duvida. Mas estariam precisando comer pães, biscoitos ou comidas prontas, com
sabores aos quais podem acabar se viciando, se tivessem a seu dispor uma
quantidade suficiente de frutas, coquinhos e outros produtos que os satisfazem?
Outro
ponto: o aquecimento global, também provocado pelo homem, anda transfigurando
produtos da floresta, deixando solos mais secos ou mais molhados. Nada disso
está previsto no DNA do macaco-prego.
Sim, isto
me deixa jururu. Não só a mim, mas a muita gente. A ocupação urbana desordenada
aliada à mudança de clima são dois inimigos de vários animais silvestres, não
só de macacos, Gambás, corujas, e até répteis como cobras e lagartos também
estão nesta lista. Serão detonados se tiverem a má sorte de enfrentar um humano
violento e capaz. Uma morte besta, por nada, só por... existir.
Se você
também se sente incomodado com isso, vai gostar de saber que está marcada, para
o dia 8 de setembro, uma mega manifestação global para se falar disso tudo. Uma
só não, várias, no planeta todo, para exigir que os líderes locais de cidades
se comprometam a a construir um mundo livre de combustíveis fósseis, que
coloque as pessoas à frente do lucro. O movimento se chama “Una-se pelo Clima”
e está sendo puxado, até agora, por
mais de 30 organizações ambientais e socioambientais.
Se você,
caro leitor, não está percebendo o que tem a ver um mundo com menos
combustíveis fósseis com o drama dos macacos-pregos e outros bichos, que
precisam invadir a área urbana em busca de comida, eu já me explico. As metas
definidas no Acordo de Paris, conseguido a duras penas na Conferência do Clima
de 2015 (COP-21), exigem uma mudança estrutural para que se possa viver sem
energia fóssil, com base em fontes renováveis de energia. E, se conseguirmos
alcançar algo próximo disso, é sinal de que a humanidade vai estar, de fato,
muito mais perto de pensar nas pessoas, nos bichos, em preservar florestas,
mares, rios e lagos, do que no dinheiro e no desenvolvimentismo econômico.
Para isso,
será preciso mudar muita coisa. A começar pela escolha dos dirigentes, que
precisarão apresentar em suas plataformas de governo muito mais do que planos
econômicos para elevar PIBs e baixar inflações, mas algo que realmente reúna,
num só golpe, as preocupações socioambientais e econômicas. O planejamento
urbano, para ficarmos no foco dos macacos-prego que descem da floresta em busca
de comida, terá que ser pensado de maneira diferente do que é hoje.
Neste
sentido, recebi uma publicação elaborada pelo WRI Brasil – o escritório local
do World Resources Institute (instituto internacional que se destina a pensar
assuntos ligados ao tema da sustentabilidade) que pode ajudar a refletir.
Trata-se do Documento Orientado ao Transporte
Sustentável (DOTs), que analisa a articulação do uso e ocupação do solo, com o tempo que
se gasta para se movimentar nele. Em foco, os 172 milhões de brasileiros que
hoje vivem em áreas urbanas. Número que só tende a crescer.
Trata-se de
um crescimento urbano 3D: distante, disperso e desconectado, escrevem os
especialistas que se debruçaram em estudos para formatar o documento. E trazem
informações que me refrescam a memória e transformam em quase nada o drama dos
macacos-prego fujões aqui da vizinhança: mais de 100 milhões de pessoas, desses
172 milhões que vivem em áreas urbanas, não têm acesso à rede de esgoto. Isto,
sim, uma tragédia sem limites e que igualmente requer uma mudança profunda de
hábitos e de prioridades de gestão.
O guia do
WRI traz propostas para planos diretores que possam melhorar a qualidade de
vida dos humanos que vivem nas cidades. E consta, entre as diretrizes que devem
ser pensadas pelos governantes, a preocupação em aumentar o valor ambiental das
áreas verdes. Mas há também, paradoxalmente, a necessária observação de que as
cidades, por serem locais mais atrativos, que reúnem mais possibilidades, devem
ser mais democráticas, abertas a todos. É verdade. Mas, como conseguir
conciliar espaço, pessoas, bichos e plantas?
É preciso
revistar o Plano Diretor do Rio, e é disso que se trata o estudo. Vou ler o
estudo mais lentamente e trarei notícias mais detalhadas sobre as propostas que
nos fazem. Gosto do tema. As cidades e suas contradições me instigam porque
podem expor mais cruamente, no dia a dia, a dificuldade de transformar em
prática a retórica dos acordos e tratados internacionais que se comprometem a
preservar meio ambiente e baixar emissões.
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